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As questões da participação... Manuel Ferreira
As questões da participação…
Manuel Ferreira . Professor de Filosofia
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Necessitamos, assim, de recuperar a expressão aristotélica de “Homem animal político”. Homem que vive com os outros, um ser da cidade, que não pode ignorar a sua condição de ser social, de exercer a sua participação e de se envolver na concretização de objectivos comuns, de melhorar e dar dignidade à sua vida e à dos outros.
As questões da participação ou ausência desta, do envolvimento das pessoas na vida comunitária, são, hoje em dia, um dos grandes desafios de toda a sociedade e que deve merecer a atenção e a preocupação das elites políticas, intelectuais ou mesmo do homem comum. O tão falado défice cívico prende-se com a ausência, ou o afastamento das pessoas da vida pública, isto é, da vida comum ou política. Vida política que se prende com a actividade na polis – a cidade –, em que os indivíduos devem ter consciência e assumir, praticando, os seus deveres e direitos para com os outros. É que ser cidadão implica o assumir de uma liberdade e responsabilidade pessoal e social. Pessoal, porque se trata de um compromisso com os seus pensamentos, projectos, princípios e valores. E social, porque se trata do mesmo compromisso em relação aos seus semelhantes. O Homem não pode nunca esquecer que é um ser de relação e que a melhor forma de se realizar é no convívio com os outros.
É aqui que está o nó górdio da questão e onde o homem, enquanto cidadão, tem falhado. São elevados o desinteresse e a apatia dos indivíduos face à vida pública, em geral, e à política, em particular. O diagnóstico está sobejamente realizado. Existe descrédito generalizado no sistema político, nomeadamente no sistema político democrático.
E quais as razões para esta desconfiança e esta indiferença? São muitas. Contudo, convém realçar algumas, para que a eventual tomada de consciência possa levar à mudança de comportamentos. Algumas razões são de matriz social, outras entroncam nos comportamentos individuais.
As primeiras têm a ver sobretudo com o mundo globalizado. A ideia de que as grandes decisões nos domínios político, social e económico são
externas afasta as pessoas. Existe, face à realidade estrutural, um sentimento de impotência que mata o espírito crítico e de iniciativa. Acresce uma prática governativa e quotidiana que se guia em função de um modelo de pensamento neoliberal e excessivamente pragmático. Modelo este que domestica os indivíduos para seguir e dar primazia a valores utilitários e híperracionais, como sejam a competitividade, a eficácia, a eficiência, a produtividade, a qualidade, entre outros. O facto de este discurso demasiado tecnocrata e empresarial dominar as relações entre os indivíduos aniquila e faz “tábua rasa” de qualquer diferença, impedindo a problematização, pois é intolerante à crítica, pretendendo evitar qualquer tipo de reflexão. Caímos, deste modo, na despolitização do mundo, das pessoas e das instituições. E, por isso, encontramos expressões como “isto não é comigo, é com os outros”, ou “não tenho nada a ver com isso”. Trata-se de expressões que, no mínimo, são absurdas, contra naturam, uma vez que expressá-las é negar a essência gregária do Homem e equivale à morte da Democracia.
Existe ainda uma contradição nítida entre o que as instituições que enquadram a organização social e política têm para oferecer e as expectativas dos indivíduos. As organizações tendem a garantir o discurso da estabilidade, a adoptar posições que levam a remediar as situações, são conduzidas com pouca transparência. Pelo contrário, os cidadãos esperam propostas originais e suficientemente diversas, anseiam por mudança, soluções novas e inovadoras e transparência na orientação das actividades do agir humano.
Já a nível dos comportamentos individuais, o distanciamento resulta em parte de algumas razões sistémicas que já apontámos e que se reflectem a nível pessoal, nomeadamente na hierarquia das necessidades, desejos e valores. A falta de compromissos, de causas, tem muito a ver com a sociedade de conforto e bem-estar em que vivemos, que retira poder reivindicativo, de contestação e de crítica. Na verdade, se a pessoa está bem, porque se tem de incomodar, aborrecer ou lutar seja pelo que for? A realidade demonstra que é mais difícil animar aqueles processos cognitivos quando os tempos são mais abastados, de abundância ou riqueza.
Contudo, não podemos ficar paralisados face a esta situação. É necessário ter uma conduta de coragem e resiliência. Isto significa não fugir, não nos desviarmos do que exige luta, conflito, confronto e projecto. Também aqueles cidadãos conscientes da sua cidadania têm de ser exemplos e contribuir, contagiando os outros para uma maior e melhor participação.
A nível da organização social, é importante uma nova maneira de fazer e de se estar na política. A política e os responsáveis políticos devem estar mais ligados à realidade e às pessoas. Tem de existir mais afecto, mais partilha e um modo de relacionamento mais afectuoso e de maior proximidade. É que, ao contrário do que se possa pensar, a eventual solução para o divórcio entre os líderes políticos e as pessoas é política.
Necessitamos, assim, de recuperar a expressão aristotélica de “Homem animal político”. Homem que vive com os outros, um ser da cidade, que não pode ignorar a sua condição de ser social, de exercer a sua participação e de se envolver na concretização de objectivos comuns, de melhorar e dar dignidade à sua vida e à dos outros.
É aqui que a educação também pode ajudar. Não resolve a questão, mas pode dar o seu contributo. A cidadania e a participação política podem beneficiar da natureza das políticas educativas e da acção dos seus actores, isto se se conseguir promover a existência de um sentimento de comunidade e de espírito social de cooperação.
Trata-se não de anular o individuo, a liberdade, a autonomia, mas de sensibilizar para o facto de que os interesses individuais não podem ou devem sobrepor-se ao bem da totalidade dos cidadãos.