David

Page 1

Entrevista aos meus avós sobre o Estado Novo O meu avô materno nasceu em 25 de maio de 1934 e a minha avó materna em 4 de Junho de 1942, ambos são naturais do concelho de Montalegre Esta entrevista é sobre o período do Estado Novo.

- Durante a vossa infância e adolescência como era em termos económicos e políticos Portugal? Avô- Quando era pequeno lembro-me que na nossa casa não havia muita coisa para comer, diziam que era a guerra. Durante esse tempo de guerra para comprar pão tinha de andar 16 km a pé e o pão era racionado. Muitas vezes quando chegava a minha vez de ser atendido já não havia pão para comprar. Foram tempos muito difíceis. Os outros bens de primeira necessidade como arroz, peixe ou carne também eram escassos. A nossa alimentação era quase toda feita do que a agricultura dava. Depois da guerra terminar, a vida no meu concelho não mudou muito, continuava a haver muita miséria, muito pouco trabalho para os jovens e o que existia era na agricultura. Quando era adolescente para poder ganhar algum dinheiro fiz contrabando de sabão para Espanha, andava toda a noite pela serra, com medo de ser apanhado pela guarda. A maior parte das pessoas da minha aldeia e aldeias vizinhas eram pobres e viviam com muitas dificuldades. Enquanto vivi na aldeia não se ouvia falar de política. As eleições não nos diziam muito pois não votávamos, apenas algumas pessoas


eram convidadas para o fazer. Havia poucas pessoas instruídas, a maioria era analfabeta. Avó- Durante a minha infância apesar de nunca ter passado fome, vivi com algumas dificuldades. Os meus pais eram agricultores e não havia muito dinheiro para comprar o que a agricultura não dava, por isso era tudo muito controlado. Eu e os meus irmãos fomos à escola. Lembro-me que tínhamos de cantar o Hino Nacional antes da aula começar. Havia na sala de aula uma fotografia do Presidente da Republica, Américo Tomás.Na aldeia havia muitas crianças que não iam à escola, pelo menos todos os dias pois tinham de ajudar os pais a trabalhar. A maior parte das pessoas da aldeia eram analfabetas ou com pouca instrução.

- Ouviram falar da Guerra Colonial? Avô – Sim, muitos militares portugueses foram para África combater e não voltaram. Foi uma chacina só se ouvia falar de mortos, foi muito triste. Avó – O meu irmão mais velho vivia em Angola quando a guerra começou. A minha mãe quando soube da guerra vestiu-se de preto, pois pensava que o filho ia morrer. Anos mais tarde quando ele nos visitou, contou que também ele tinha sido obrigado a pegar numa arma e lutar. Muitos civis tiveram de o fazer até as tropas portuguesas chegarem. Eram mortes seguidas, muita gente morreu. Os portugueses que lá viviam tiveram de regressar, deixaram em África todos os seus bens e a maior parte teve de recomeçar uma nova vida em Portugal.


Por cá a vida era difícil, havia pouco trabalho, salários baixos, muita pobreza.

A

guerra

também

contribuiu

para

as

dificuldades

económicas do país. Por isso o regresso dos retornados fez muita contestação, as pessoas tinham medo de perder os seus empregos, serem substituídas pelos retornados, foram tempos difíceis.

- Porque é que vocês foram viver para Lisboa? Avô – Na aldeia e no concelho não havia trabalho. Lisboa era uma cidade grande, onde se ouvia falar que era mais fácil encontrar trabalho. Como não quis emigrar para o estrangeiro, decidi ir para Lisboa para tentar a minha sorte e melhorar a minha vida. Não foi difícil encontrar trabalho, e apesar do salário ser baixo conseguia pagar as minhas coisas e mandar algum dinheiro para a minha mãe. Avó – Eu fui para Lisboa porque casei e o meu marido já lá vivia. Arranjei logo trabalho e ao fim de poucos anos conseguimos pagar uma casa e os nossos filhos puderam estudar e ter boas condições de vida. Enquanto vivi na aldeia muitas pessoas emigraram para França e Brasil para tentarem melhorar a sua vida, pois a vida na aldeia era de muita miséria para a maioria. Foi uma necessidade, a emigração ou mesmo a deslocação das pessoas para as cidades maiores do país, todas pretendiam o mesmo, melhor vida e deixar a vida de pobreza e miséria.

- Fala-se na censura política, vocês sentiram essa opressão? Avô – Não se podia falar livremente. Havia na altura a polícia política – PIDE -, prendiam e torturavam quem manifestasse oposição ao regime de Salazar.


Imagina que a primeira vez que assisti e participei numa greve foi em 1969. Reivindicávamos na altura aumento do salário. Até então apesar das contestações nunca tinha havido greve na empresa. Nesse período soube que alguns colegas de trabalho tinham sido presos e torturados pela PIDE. Houve um que depois de ser libertado

se

tornou

informador

do

regime.

Passou

a

ser

marginalizado pelos outros colegas, era o “bufo”. Eu nunca me envolvi na política, por isso nunca tive medo. Mas só após o 25 de Abril pude votar, até aí nunca o tinha feito. Avó – Eu nunca senti medo ou receio de falar. Verdade que também não percebia nada de política e limitava-me a ouvir para tentar perceber alguma coisa. Na empresa onde trabalhava por vezes havia contestações ao regime. Nos últimos anos, 1969-1974, fizeram-se algumas greves. A maioria das pessoas pretendia ganhar mais, pois os salários eram baixos. Alguns políticos como Mário Soares e Álvaro Cunhal tiveram de sair do país pois eram perseguidos pela polícia. Só após o 25 de Abril essa opressão terminou e os políticos exilados no estrangeiro puderam regressar ao seu país. Eu votei pela primeira vez depois do 25 de Abril.

David de Moura Almeida 6º B, nº8


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.