Eu conto

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De onde vem a verdadeira felicidade?

Esta história passou-se há dois anos com uma amiga nossa… Em janeiro de 2010, começa a nossa história. A nossa amiga Mariana tinha doze anos e, nessa altura, era filha única. A vida estava difícil para a família dela (está provado que o dinheiro não “estica” e as classes média e baixa sabem isso melhor que ninguém), mas a Mariana não dava grande importância às notícias, por isso, não tinha grande noção do que se passava lá fora e achava que arranjar emprego era só estalar os dedos e para arranjar dinheiro era só esfregar a lamparina do génio do Aladino e pedir os três desejos… - Mamã…- disse amavelmente Mariana. - Sim, minha pequena flor do deserto. Passa-se alguma coisa? – Questionou Maria Albertina. - Onde estão… onde estão os meus ténis novos? - Quais ténis? - Aqueles muito giros que eu vi naquela loja, no bairro aqui ao lado… aqueles que eu até te disse que era a prenda perfeita para o meu dia de anos… eu faço anos daqui a seis meses… - Eu sei disso, minha querida… senta-te aqui. – Disse graciosamente a mãe apontando para uma cadeira vazia com o seu longo dedo indicador, sentando-se na que estava em frente. – A vida já não está fácil… com o teu pai desempregado, ou te compramos sapatilhas novas quando as antigas ainda te servem, ou nos alimentamos… - Sim, porque as sapatilhas novas não devem ser grande comida…por mais bonitas que possam ser! – Exclamou ironicamente o pai que acabara de chegar, sempre com o seu bom humor, mesmo quando as coisas não correm para o melhor. – Agora as más notícias… mais uma vez, o centro de emprego não é uma grande ajuda para quem só tem o nono ano… não encontrei nada de nada. A escola de segundas oportunidades está sem vagas…toda a gente vê a vida a dar voltas e reviravoltas e não há emprego para quem não tem pelo menos o décimo segundo ano… - continuou José Manuel - E tu, querida, conseguiste o aumento? - A D.ª Luísa diz que compreende a minha situação, mas ela precisa de alguém para tomar conta das filhas, para limpar a casa, cozinhar… enquanto está a trabalhar e não se pode dar ao luxo de gastar mais… com duas das quatro filhas na Universidade… não é fácil! Eu compreendo… a minha patroa faz tudo o que pode para ajudar quem não pode pagar as contas sozinho, mas, a vida já está a ficar má também para ela…a vida é cruel e muda de trajetória quando menos esperamos -


exclamou Maria com uma pequena lágrima a formar-se no canto de um dos seus lindos olhos azuis e outra a escorrer-lhe pelas suas faces rosadas… mas limpou-as logo a seguir, devido ao facto de se ter distraído com o jantar e o arroz estar a colar-se ao fundo da panela e também não queria que Mariana reparasse que estava a chorar. - Mãe, pai, vou acabar de fazer os trabalhos de casa… - Despacha-te. A tua mãe está a acabar o jantar. - Sim, pai…não te aflijas… é num instante! - Mas faz com a cabeça em cima dos ombros... não queremos que acabes como empregada de limpeza ou como ex-trabalhador numa fábrica de têxteis que agora está desempregado, porque só tem o nono ano de escolaridade, tem quarenta e cinco anos e os patrões preferem pessoas abaixo dos trinta anos com pelo menos o décimo segundo ano de escolaridade terminado... - Não te martirizes mais com isso, a culpa não foi tua... eram outros tempos... o mais importante era trabalhar no campo... tu já tiveste muita sorte... eu só fiz a quarta classe e a minha irmã mais velha, a Júlia nem a primeira fez... – resmungou Conceição Noruega, que acabara de chegar. - Oh, olá avó São! Olá avô Roberto! – Continuou Mariana. – Tenho de ir, se ainda quero acabar os trabalhos antes do jantar para depois ter tempo para estudar. Até já! Mariana dirigiu-se para o quarto enquanto pensava em como ia ajudar o pai e a mãe a angariar dinheiro... não lhe ocorria nada, para além de “espetáculo de rua” que no bairro onde vivia não era muito apreciado, porque “os” e “as” que gostam de se intrometer na vida dos outros (mais de metade das pessoas do bairro), gostavam de dizer mal de todos os que ganhavam dinheiro sem ter de trabalhar num estabelecimento fechado ou com um nome minimamente conhecido e bem falado. Segundo essas pessoas, era um emprego desonesto fazer “espetáculo de rua”, estacionar carros, ser funcionário de limpeza pública (os “ALMEIDAS”, como a mãe dela lhes costumava chamar), ou qualquer outro emprego do género. «O senhor Alberto teve de mudar de casa porque parte da vizinhança não queria ter perto da sua casa uma pessoa que trabalhava com lixo... ele teve de se ir embora, porque tem um emprego na AGERE.» -pensou, mas continuou - «Depois eu penso nisso... depois de jantar…» - um pensamento de Mariana que foi interrompido pelo avô Roberto a chamá-la para o jantar: - Mariana, o jantar está na mesa. - Sim, avô! Já vou. - Hum... arroz de cabidela, Albertina, caseiro...foi por eu vir... – “babou-se” o avô.


- Fui ao meu pai, quando ele estava a matar frangos e trouxe dois da matança e ele deu-me um recipiente pequenino com sangue. Então decidi, ontem, que ia fazer este arrozinho. Hoje de manhã, o Zé disse-me que vinham cá jantar e eu pus mais um bocadinho na panela... -Não era preciso teres-te incomodado com isso… o teu sogro tem de fazer dieta…está a ficar obeso… é o que o nutricionista está sempre a dizer… - resmungou a avó que foi detida pelo avô que estava quase a deitar fumo pelas orelhas, pelos olhos e pelo nariz. -JÁ ESTIVE MAIS LONGE DE DUVIDAR DE QUE AQUELE NUTRICIONISTA TIROU O CURSO… SÓ ACREDITO QUANDO TIVER A CERTEZA DE QUE AQUELE DIPLOMA QUE ESTÁ PENDURADO NAQUELA SALA COM UMA COR HORRÍVEL, É VERDADEIRO! -acabou por gritar o avô. Mariana estava assustada, nunca tinha ouvido o sereno e calmo avô a gritar… era como ver um cão a falar, só que muito mais estranho…o avô já devia estar farto de ouvir falar da dieta, o que já não admirava nada, a teimosa da avó de Mariana, até conseguir o que queria, não descansava e o coitado do avô cansava-se de ouvir sempre a mesma coisa e acabava por ceder, mas nunca gritou antes… pelo menos à frente da pequena… -Mariana, querida, podes ir para o teu quarto? O teu avô teve um dia muito mau… problemas de velhotes como nós… - Não é preciso explicares, avó… eu entendo perfeitamente… vou estudar… Quando estava a entrar no quarto teve uma ideia fantástica…mas, tinha de pedir o auxílio de um adulto…e a autorização… «A professora Cláudia da biblioteca é capaz de gostar da ideia e me ajudar… ela está sempre a falar sobre solidariedade e sobre ajudar quem mais precisa em tempo de crise.»- pensou. No dia seguinte, depois de uma boa e grande noite de sono, a Mariana e a Verónica, a sua melhor amiga, foram para a escola. Mariana estava com uma vontade especial de chegar lá o mais depressa possível. -Oh Mariana, nunca te vi com tanta pressa de chegar à escola…- Comentou Verónica. - Passa-se alguma coisa? Foi o demente do Pedro outra vez? Se eu o vejo à frente… - Não foi o Pedro… eu é que tive uma ideia fantástica de ajudar os meus pais e tenho de falar com a professora Cláudia. Não voltaram a falar sobre este assunto durante o resto do caminho. Já na escola, a Mariana foi direta à biblioteca. - Professora, precisava mesmo de falar consigo. Eu tive uma ideia muito interessante para ajudar o meu pai e a minha mãe a arranjar dinheiro, mas eu preciso de si, se todos concordarem…-


Mariana contou o seu plano com todos os pormenores e a professora achou a ideia muito agradável. - Eu acho uma excelente ideia... O dia da menina foi igual aos outros todos e no fim do dia revelou a sua ideia aos seus colegas que, tal como a professora Cláudia, gostaram muito da ideia e quiseram logo participar. - Amanhã podemos começar a pensar o que vamos vender e só depois é que começávamos a criar. – sugeriu Verónica – Todos podem amanhã? - Se for uma hora pode ser das 5 às 6 da tarde, todos os dias. – Exclamou Mariana – Todos concordam? Então vemo-nos amanhã na biblioteca. Mariana passou o resto do dia muito contente e no dia seguinte mal conseguia esperar pelas 5 horas. Disse aos pais que a turma tinha combinado uma sessão de estudos todos os dias à tarde, mas, o que ela ia fazer era fazer trabalhos manuais com materiais reciclados para depois vender lá na escola... os trabalhos iam ser vendidos numa banca, à porta da biblioteca, juntamente com alguns livros antigos. Passaram-se dias, semanas, meses e já tinham todo o material vendido...tinham dinheiro suficiente não só para ajudar a família da Mariana mas também os meninos do orfanato de S. José. - Boa! Podemos ir nós lá levar o cheque. - Até podíamos ficar lá um pedaço a conversar… No dia seguinte, dia treze de maio, a um mês certinho do aniversário de Mariana, a menina conheceu o Tomé. Um menino de cinco anos, órfão, moreno, magricelas, de olhos azuis cristalinos nos quais se via que a única coisa que o atormentava era poder ser adotado pela pessoa errada. Eles deram-se muito bem desde o princípio e nem deram pelo tempo passar... Ficaram a falar durante horas e horas a fio e a partir desse dia, Tomé recebia todos os dias a visita de Mariana. Era uma hora de risos abraços e gargalhadas... Mariana falava do seu dia e em como estava feliz por finalmente o seu pai ter arranjado emprego como cozinheiro num restaurante e o trabalho estar a correr-lhe bastante bem e o Tomé contava-lhe coisas acerca dos outros meninos do orfanato. Os dias foram passando e o aniversário de Mariana tinha finalmente chegado. Já só faltava um dia. Mariana já não queria as sapatilhas. Ela reparou que o seu novo amigo vivia bem sem coisas caras... O Tomé era feliz por ter amigos... E por ter a Mariana sempre por perto... Os pais da menina sabiam que ela ia chegar a essa conclusão e decidiram não lhe comprar as sapatilhas (mesmo tendo dinheiro para elas). Decidiram então, fazer-lhe uma surpresa... Pediram ao Tomé para não dizer nada à Mariana, mas ela ia ter um novo irmãozinho... O Tomé.


Mariana acordou muito bem-disposta, com o cheiro das panquecas que Maria só fazia em dias especiais e o odor a baton de cereja a acompanhar só podia significar que a avó e o avô já tinham chegado. Mariana atravessou a correr o corredor que separava o seu quarto d

a cozinha e saltou para os

braços do pai que a recebeu com um grande sorriso enquanto todos os outros gritavam “PARABÉNS MARIANA”. Depois do pequeno-almoço, Mariana apressou-se a abrir os presentes... mas faltava um! Faltava o presente do pai e da mãe que logo explicaram que ainda o tinham de ir buscar. Foram todos para o carro e a avó entregou uma venda á rapariga para ela não ver para onde se dirigiam. Quando chegaram ao destino e a Mariana tirou a venda ficou muito surpreendida por ver o Tomé com uma mala em frente do orfanato a despedir-se de todos os amigos mas depois do pai e da mãe terem dito “Mariana, o teu novo irmão está ali ao fundo.” ela desatou a correr para abraçar o Tomé. Foi um dia fantástico para Mariana e Tomé. Foram ao Zoo, ao oceanário, depois foram comer pipocas... mas tudo isto é história... aonde nós, as escritoras, queríamos chegar é a umas das muitas frases que Mariana disse ao jantar... - Agora é que eu entendo verdadeiramente o que é ser feliz. Existe algum tempo em que me deparo com a pergunta “Se eu não tenho dinheiro para umas sapatilhas, como vou eu ser feliz?” Agora posso responder a essa pergunta. Não preciso de objetos que amanhã param de me servir ou que eu paro de ligar... A verdadeira felicidade vem de dentro de nós... vem das coisas importantes da vida e também das mais banais... nem sempre vem das coisas grandes e caras... Eu sou feliz por saber que posso contar convosco para o que der e vier... sou feliz por vos ter aqui e por saber que estou guardada no vosso coração. As escritoras deste texto querem salientar que tiraram uma grande lição desta história que é: “Para ser feliz basta ser feliz!”


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