Um exercício de empatia histórica
João Guilherme Santos, nº 15 do 9º Ano Turma A.
Olá, eu chamo-me Paul Stark, tenho 34 anos, e lutei na 1ª Guerra Mundial pela Inglaterra. Quando soubemos que a guerra tinha começado, tinha eu 29 anos, todos queríamos entrar. Talvez pela fama, ou só mesmo pela emoção de entrar numa guerra, mas lá no fundo, todos sabíamos porquê. É que já há várias décadas que nós e os Alemães não estávamos bem uns com os outros, devido às disputas industriais e económicas, e agora declarar guerra aos nossos aliados não ajudava em nada.
Então nós só queremos lá ir, derrotá-los e vir embora com a vitória. Então, alguns meses depois da guerra começar, eu e os meus amigos fomos inscrever-nos no exército. Lá, depois de me terem realizado alguns testes físicos, ficara a conversar com o meu melhor amigo Chuck Bridges, que tinha ido realizar os testes ao mesmo tempo que eu. Quando, passados alguns minutos, nos disseram que tínhamos sido admitidos, ficámos muito felizes. Disseramnos que a situação lá fora estava feia e que não íamos ter tempo para treinar, iriam pôr-nos imediatamente a combater na Frente Ocidental, que ficava mais ou menos na fronteira entre a França e a Alemanha. Nós, nervosos, aceitámos. Eles disseram-nos que podíamos ir embora e preparar-nos, pois iria estar um barco à nossa espera no dia seguinte para nos levar para a França.
Mais tarde, quando cheguei a casa, contei à minha mulher as novidades, e ela ficou muito triste, acho que até chegou a derramar uma lágrima. Ela estava grávida de seis meses, e não queria que eu morresse, não até eu ver o nosso filho, mas eu reconfortei-a e disse-lhe que isto ia ser rápido, que no máximo ia estar fora meia dúzia de meses, que se calhar até vinha a tempo de ver o bebé nascer.
No dia seguinte, despedi-me dela, peguei nas malas e fui-me embora. Quando já estava fora do prédio, olhei pela janela e vi-a a chorar e a despedir-se de mim. Eu não posso morrer, não posso, jurei para mim próprio, enquanto ia em direção ao bar, tomar um café antes de partir para a guerra. Enquanto tomava o café, fiquei a conversar com alguns amigos, que não tinham sido admitidos. Disseram-me para ter cuidado, que os Alemães são fortes e que era muito fácil morrer numa guerra. Eu disse-lhes que não tinham de se preocupar, que eu tinha a combater a meu lado países como a França e o Império Russo, parte da nossa Tríplice Entente.
Quando aportámos, levaram-nos para um armazém, onde havia armas e equipamento. Peguei numa arma, em munições, num colete e num capacete e, depois de me equipar, dirigi-me a um carro que nos levaria a uma trincheira, onde iriamos começar imediatamente a combater. Infelizmente não fiquei com o Chuck, mas numa situação de guerra o que interessa é ter aliados, sejam eles amigos ou não. À medida que nos íamos aproximando da trincheira, começavam-se a ouvir tiros de armas e gritos de soldados. Quando lá chegámos, o ruído era insuportável, mas consegui ouvir o condutor do carro dizer para nos baixarmos e correr para a trincheira. Fiz o que ele me mandou e, quando lá cheguei, desci umas escadas de mão e olhei em volta.
Estava com lama até aos joelhos, mas de alguma forma isso era a melhor parte. À minha volta havia soldados mortos ou a morrer, e os que estavam vivos disparavam algumas balas para a frente e escondiam-se logo depois. Olhei para trás, para ver se via o carro a ir-se embora, mas o buraco era fundo demais para se poder ver. Não fazia a mínima ideia do que fazer, então fui para um lugar livre e comecei a disparar. Enquanto disparava, vi a coisa mais nojenta que tinha visto até ao momento. Corpos enchiam o terreno à nossa frente, alguns já em decomposição, e tudo o que poderia ter havido de vegetação naquele sítio morreu. Era um verdadeiro inferno!
Despedi-me deles, paguei o café e acenei para um táxi, para me levar até ao porto. Quando lá cheguei, fui até ao barco, que me tinham dito que nos levaria, e estava lá o Chuck, à minha espera. Entrámos no barco e, enquanto estávamos no mar, ficámos a conversar. Estavam mais soldados recentemente admitidos connosco no barco, mas eram de poucas palavras.
Os anos seguintes foram praticamente o mesmo. Durante o dia lutávamos, e à noite dormíamos à vez, pois a maioria tinha que continuar a lutar. Davam-nos comida duas vezes por dia, normalmente carne seca e vegetais, às vezes biscoitos, e muito raramente uma peça de fruta, pois a comida fresca era muito rara. Às vezes vinham aviões ajudar-nos a combater, outras vezes eram eles que os mandavam. De vez em quando os Alemães mandavam um gás a que chamavam gás mostarda, invenção deles, e a maioria de nós morria asfixiados. Um truque que me tinham ensinado no início da guerra era urinar para uma meia e respirar com esta encostada ao nariz, pois a urina filtrava os gases nocivos do gás. Foi por isso e por eu ser cauteloso e não sair do esconderijo que consegui sobreviver.
Quando a guerra acabou, alguns anos depois, eu estava tão desmotivado que só celebrei por ter saído daquele buraco. Disseram-me que tínhamos ganho, que os Russos saíram da guerra e que os Estados Unidos tinham entrado com um milhão de soldados e aniquilado os Alemães. Eu nem queria saber quem tinha ganho, só queria era voltar para casa e ver a minha mulher e o meu filho (ou filha). Então, perguntei ao coronel quando é que poderíamos voltar para casa e ele disse-me que mal os barcos e os comboios chegassem, ia tentar meter o máximo de gente possível neles. Nos dias seguintes, fiquei numa tenda com alguns sobreviventes. Só depois da guerra é que reparei que alguns soldados eram muito velhos, enquanto que outros tinham idade para ser meus filhos. A situação deve ter ficado tão má que começaram a mandar homens que conseguissem segurar uma arma, independentemente da idade.
Pela primeira vez em vários anos, comi numa mesa com prato e talheres, e soube-me tão bem que era como se nunca tivesse comido na vida. Quando cortei o cabelo, saíram-me de lá tantos piolhos que eu até pensei que estava a sonhar. Disseram-me que eu tive muita sorte que os piolhos não me causaram muitos danos, só me deixaram várias feridas na cabeça. Em termos de outros ferimentos, estava bem. Só uma vez tinha sido baleado, alguns meses antes, mas tinha sido no braço esquerdo e a bala saiu, então não foi nada assim tão grave. Mesmo assim a ferida tinha infetado, então tive que ir à enfermaria para me tratarem. Disseram-me que se a bala tivesse acertado um centímetro ao lado, que seria preciso amputar o braço. Quando saí da enfermaria, com um curativo no braço, vi o que pensava nunca mais voltar a ver.
O meu amigo Chuck! Fui a correr ter com ele e foi com espanto que reparei que ele estava sem uma perna. Quando ele me viu, sorriu e esperou que eu fosse ter com ele. Quando o alcancei, perguntei-lhe o que é que lhe tinha acontecido. Ele disse-me que perdeu a perna durante uma ofensiva e que teve sorte em ter sobrevivido, pois um soldado que lutava ao lado dele levou com uma bala no mesmo sítio mas não conseguiu resistir aos ferimentos. Disse-me também que estava muito feliz por a guerra ter terminado, mas isso todos nós estávamos.
Cinco dias depois do final da guerra, chegaram os barcos e os comboios para nos levarem para casa. Desta vez fui sem o Chuck mas pelo menos consegui um lugar, pois muita gente teve que ficar à espera. Durante a viagem, conversei com outros soldados. Um deles disse que a Inglaterra ficou beneficiada por ter ganho a guerra, mas eu não concordo. Segundo os jornais, morreram milhões de pessoas na guerra, muitos desses ingleses, e então, se a Inglaterra ganhou alguma coisa com esta guerra, foi a derrota da Alemanha, pois o número de baixas e o dinheiro gasto em armamento são fatores que não compensam a guerra ter sido ganha.
Quando chegámos a terra, havia dezenas de táxis no porto para levar os sobreviventes para casa. Entrei num e dei ao taxista a minha morada. Quando ele me deixou em casa, eu fui a correr pelas escadas a cima e bati à porta. Quando a minha mulher me viu, abriu imediatamente a porta e abraçou-me com tanta força que parecia que eu ia rebentar. Deu-me um beijo e disse-me que pensava que eu tinha morrido. Eu reconfortei-a e disse-lhe que tive sorte, que tinha conseguido sobreviver. Ela disse-me que o nosso filho (era um rapaz) estava a dormir, mas ela foi acordá-lo. Ouvi-a a dizer a alguém que o pai tinha chegado e, quando a porta abriu, vejo um rapaz de quatro anos a correr para me abraçar. Depois do abraço, olhei bem para ele e vi que se parece muito comigo, mas também tem partes da minha mulher. Disse-me que sabia que eu ia voltar, pois sabia que o pai dele era muito forte. Eu ri-me e disse-lhe que agora que tinha voltado, queria passar o máximo de tempo possível com ele.
Alguns meses depois, já quando a guerra parecia uma coisa que tinha acontecido há séculos, saiu no jornal a notícia que a Alemanha assinou um contrato com os outros países da Europa, chamado Tratado de Versalhes. Nesse tratado, ficava acordado que a Alemanha perdia as colónias, diminuía o tamanho do exército, pagava indemnizações aos países rivais, entre outras coisas. Este tratado vai beneficiar muito a Inglaterra, pensei eu, pois assim vai perder o ser maior rival industrial e económico, e poderia ter um maior controlo sobre os outros países da Europa. Mas este tratado não vai voltar a trazer a vida dos milhões de soldados que morreram. Isso foi, sem dúvida, a pior parte desta guerra. Mas pelo menos acabou e os sobreviventes podem voltar a ter uma vida “normal”. Se tivesse que voltar ao início da guerra, tenho a certeza que não fazia o que fiz, e tentaria não entrar na guerra, pois não há nada pior do que isso, agora eu sei isso. FIM