Artes de Fogo

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Artes de Fogo

Dezembro 2021 | Edição 1 |



Índice

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Editorial Esmaltes Cinzas As diferentes tonalidades e efeitos dos esmaltes de cinzas Preparando o esmalte Mas afinal, porque esmaltes de cinzas são sustentáveis?


Editorial

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A revista Artes de Fogo é uma revista digital e de publicação extraordinária, elaborada para disciplina de Química Inorgânica do curso de Artes Aplicadas à Cerâmica da Universidade Federal de São João del Rei, UFSJ. Com conteúdo textual produzidos pela própria equipe, a revista aborda os diversos temas da cerâmica artística, industrial e utilitária, focando nessa edição em esmaltes de cinzas através das tecnologias ancestrais. A equipe da revista conta com a participação e produção de Beatriz Costa, Mariana Cagnin Herrera e Vanessa Pens. A equipe executou pesquisa, produção textual e projeto gráfico, e convida para um passeio artistíco-histórico-cultural.


Esmaltes de Cinza Uma alternativa ecológica no mundo da cerâmica

Figura 2. Queima de madeira e serragem

Como sabemos, a cerâmica é uma técnica milenar para a criação de utilitários, esculturas e até jóias, e que, mesmo sendo tão antiga, ela ainda resiste nos dias de hoje. Porém, por trás de toda a beleza hipnotizante das peças de cerâmica, ela também tem seu lado obscuro, pois tanto a massa cerâmica, a argila, quanto às matérias-primas para a

produção de esmaltes (vidrados) são frutos da mineração, prática muito agressiva para a natureza e de difícil recuperação. Porém, não se desespere! Essa matéria vai apresentar uma alternativa com resultados únicos e maravilhosos que, além de tudo, é sustentável: o esmalte de cinzas.

HISTÓRIA O chamado esmalte de cinzas é considerado um dos vidrados mais antigos a serem usados na fabricação de peças cerâmicas. Sua origem data de mais de 1000 anos a.C. na China, durante a dinastia Shang (século XVI a.C.), e sua descoberta foi provavelmente acidental. Os Chineses já faziam cerâmica desde 8000 anos a.C. (Período Neolítico) em fornos verticais. Figura 3. Forno vertical. China período neolítico.

Porém, foram evoluindo suas técnicas de queima ao longo dos milênios e no século XVI chegaram a um forno tipo túnel cuja queima, a lenha, durava cerca de 5 dias e alcançava altas temperaturas, cerca de 1200 ºC.

Figura 4. Forno de barranco. China, dinastia Shang. 5


Nesse sistema, a grande quantidade de cinzas da lenha usada como combustível, por serem muito leves, acabavam se movimentando da fornalha em direção a chaminé e se depositando nas peças em seu caminho, resultando numa fina camada de vidro colorido sobre as peças quando retiradas do forno. Uma feliz surpresa! Essa técnica passou para ceramistas na Coréia e posteriormente para o Japão, onde se tornou uma técnica tradicional consagrada até hoje.

Essas técnicas também chegaram no Brasil com imigrantes japoneses, como a ceramista Shoko Suzuki que chegou ao Brasil com a primeira leva de artistas em 1962, e faz queimas com esmaltação de cinzas até hoje em seu ateliê

Figura 5. Shoko e seu forno noborigama.

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As diferentes tonalidades e efeitos dos esmaltes de cinzas Existem alguns fatores que podem gerar diferentes tonalidades e efeitos quando utilizamos esmaltes de cinzas. Primeiro, o mais importante é: você não precisa fazer uma queima de lenha para obter esse tipo de esmalte. Isso mesmo! Você pode apenas depositar as cinzas preparadas ou não (falaremos disso jaja) nas peças biscoitadas e queimar em um forno elétrico ou a gás para ter um efeito muito próximo. Com isso em mente, temos que entender que o

resultado final depende da composição química das cinzas ou da madeira utilizada. Atmosferas de queima diferentes também geram resultados diversos e até a composição da argila utilizada também pode interferir no resultado do seu esmalte.

Figura 6. Pote esmaltado com cinzas. China, dinastia Han.

No caso Chinês, por exemplo, quando as peças eram cozidas com maior oxigenação, o resultado era um esmalte amarelado, já em atmosfera de redução adquiriram tons esverdeados. Figura 7. Cerâmica yueh esmaltada com cinzas. China, período das Seis Dinastias.

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A temperatura da queima também pode modificar o esmalte. Nos fornos chineses essa temperatura era controlada, e apesar de toda queima a lenha ter fatores que não podemos controlar, era possível efeitos intencionais e até peças esmaltadas de forma bem uniforme. No Japão, numa tentativa de se diferenciar das estéticas chinesas e coreanas, os ceramistas passaram a criar uma estética própria, muito radical para época e que via beleza nas imperfeições. Essa estética é chamada de Wabi-Sabi.

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Figura 9. Copo com efeitos da queima em forno a lenha.

Figura 8. Jarro de armazenamento com cinzas de madeira. Tamba, período Kamakura.

Figura 10. Jarro de armazenamento com vidrado de cinzas e queima em forno anagama. Tokoname, período Kamakura.

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As cinzas também podem ser misturadas com outros materiais como óxidos para efeitos ainda mais únicos, como na peça abaixo que mistura cinzas com óxido de ferro.

No entanto, as cinzas já possuem uma composição química muito diversa e gera por si só resultados interessantes, mas com um alto conteúdo de sílica, alumínio, cálcio e outros materiais como o potássio, sódio e magnésio. Por possuírem uma grande porcentagem de sílica, não é possível utilizar esses esmaltes em baixa temperatura.

Porém, os vegetais se nutrem de minerais que fazem parte do solo, portanto o solo vai influenciar a composição da cinza trazendo algumas variações. Sabemos que a maioria das árvores e arbustos são ricos em cálcio, por exemplo. Já as gramíneas, cereais e plantas de crescimento rápido tem maior porcentagem de sílica.

Análise química das cinzas revela que contém: 30-70% de sílica 10-15% de alumínio 15% de potássio 30% de cal Figura 11. Tigela de chá com cinzas de madeira e óxido de ferro, final do século XIX.

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Preparando o esmalte QUEIMA DE LENHA

Figura 12. Cinzas de eucalipto

Figura 13. Lavagem das cinzas

Se você não tiver como fazer uma queima de lenha, é possível preparar um esmalte de cinzas. Alguns ceramistas utilizam as cinzas em sua forma natural, apenas colocando-as sobre as peças biscoitadas e queimando novamente, já outros fazem o que chamamos de lavagem.

A LAVAGEM A lavagem prepara as cinzas para a queima retirando suas impurezas. Primeiro queima-se a madeira, e então as cinzas são depositadas em um balde de água, onde irão se depositar ao fundo, enquanto o carvão flutua para a superfície. As impurezas são retiradas e essa água é trocada várias vezes. No fim as cinzas são peneiradas e secas. Figura 14. Cinzas da casca de arroz

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Figura 15. Queima da casca de arroz


Mas afinal, porque esmaltes de cinzas são sustentáveis?

Como citamos anteriormente, as matérias-primas para composição de esmaltes cerâmicos são fruto da mineração, que é muito prejudicial para a natureza. As cinzas já contém em sua composição muitos desses minerais e sozinhas já formam um esmalte perfeito para alta temperatura. E as cinzas utilizadas, no caso, podem vir do descarte de materiais, como resíduos de casca de arroz das plantações, descarte de cascas de eucalipto, e até bagaço de cana de açúcar, um dos maiores resíduos da agroindústria no Brasil, estimado em 115

milhões de toneladas de resíduo por ano. As cinzas do bagaço da cana são ricas em sílica e também outros óxidos em menores quantidades. Ou seja, os esmaltes de cinzas são uma ótima alternativa para diminuição do consumo de matérias-primas de origem predatória. Afinal, sustentável quer dizer utilizar os recursos disponíveis de forma inteligente, para que continuem disponíveis para as próximas gerações. Com esmaltes de cinzas utilizamos tecnologias ancestrais para tornar isso possível.

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“O futuro é ancestral” Ailton Krenak 12


Figura 17. Copos de argila branca e argila vermelha.

Referências MURAKAWA, Vanessa. Cinzas do Brasil: esmaltes cerâmicos do bagaço da cana-de-açúcar. São Paulo, 2013. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/11034 5/000725576.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 5 de dezembro de 2021. CHAVARRIA, Joaquim. Esmaltes. Editorial La Isla S.R.L. Buenos Aires, 1998

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Artes de Fogo Disciplina de Química Inorgânica Curso de Artes Aplicadas à Cerâmica Universidade Federal de São João del Rei Campus Tancredo Neves - CTAN Av. Visconde do Rio Preto, s/no - BR 494 Bairro: Colônia do Bengo CEP 36301-360 São João del-Rei, MG


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