Irmãs Estranhas

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I R M Ã S

E STRAN HAS T ra g é d ia

Como apresentado no Teatro Diotima, à data de sua inauguração, em abril de 1923.

D E D I CA D O Al la S e r e n is s im a

E LE NA B H E R Z Soprano da Companhia Freyor de Ópera & Theatro.

M M X I I I


( Prometeu Acorrentado, Ésquilo – v. 667 - 671 ) cor ife u prom e t e u cor ife u prom e t e u

E por quem o destino é governado? Dize! Pelas três Parcas e também pelas três Fúrias, cuja memória jamais esquece os erros. Os poderes de Zeus, então, cedem aos delas? Nem mesmo ele pode fugir ao Destino.

P E R S O NAG E N S

mo ir as

coro

Cloto, segura o fuso e tece o fio. Láquesis, determina o quinhão que, a cada um, pertence. Átropos, corta o fio da vida quando é chegada a hora. Keres, espíritos femininos que simbolizam o destino cruel, impossível de escapar.


P RÓ LO G O

C E NA

1

[ Nos mais profundos vales do Hades, sentam-se, em semicírculo, Cloto, Láquesis e Átropos. No meio, vê-se a Roda da Fortuna. As Keres aproximam-se e olham para as mãos apressadas das Moiras, trabalhando no destino do ser imaginário. ]

coro

cloto

No que trabalham com tanta avidez, ó Moiras? Será que tecem o destino de um herói? Ou planejam, sem nenhum arbítrio dos deuses, O nascimento de algum outro e novo Zeus? Revelem o que parece vos divertir… Nós vos suplicamos, ó detestáveis Moiras! O fio e o destino são de um mortal qualquer; Não nos diverte e nem nos causa comoção.

láqu e s i s

Tecemos com cautela esta teia; Pois deve ser perfeito, este nosso trabalho.

átro p o s

Ao contrário do que vos possa parecer, este não se difere em nada dos demais. Como todos os outros, começa e termina Onde por nós lhe foi determinado. Possui a extensão certa, precisa, Para prender-se aos outros; suportar a teia.

coro

átro p o s

Não, ó Moiras! Desta vez, algo é diferente... Poucas vezes as vimos trabalhando assim, Com tanto anseio! Contem-nos já o que tramam! Tecemos um fio que, ao tornar-se fraco, Somente por mim, ó Keres, será cortado...

II


coro

átro p o s

láqu e s i s

cloto

[ Interrompendo Átropos ] Imploramos! Contem-nos algo novo, ó Láquesis! Pois do óbvio já estamos exaustas… [ Irritada ] Não subestimem nosso poder, ó espíritos! Escutem com atenção as nossas palavras… Conseguirão, vocês, entender nossa arte? [ Dirigindo-se ao Coro ] Enxergo sua fortuna e seu porvir. Seu propósito e meta me são claros. Esplêndido destino – ser imaginário! –… … Por si só, saberá o seu tamanho! O fio de quem sabe ser minúsculo.

cor ife u

Não entendemos nada do que dizes. Pois se trata de um ser imaginário? O que o torna tão especial? Costumam desperdiçar sempre tanto fio?

átro p o s

[ Dirigindo-se às Irmãs ] Não nos compreendem, minhas irmãs. Que pensem, então, que, assim, nós desperdiçamos… Que pensem que, um dia, tecemos outra coisa.

láqu e s i s

[ Dirigindo-se ao Coro ] Átropos é impaciente; eu vos explico: Este ser se difere de todos os outros, Pois saberá ser diáfano, transparente… Perceberá sua não-permanência.

III


cloto

cor ife u

cloto

átro po s

láqu e s i s

Viverá, viverá, viverá, viverá… E verá que nada é realmente importante, Que nada realmente vive, aqui. Afirmará a fragilidade do fio Melhor do que ninguém jamais o fez. Qual é o destino de tão sofrido ser? Por que o punem, ó terríveis Moiras? Não é mais simples existir sem o sentir, Viver e morrer sem nem mesmo se dar conta? Não é mais digno sentir-se opaco E sempre visível aos próprios olhos? Sentir-se um, tão constante e durável, Um apenas e nada mais; real e vivo? Não nos cabe dar a todos o mesmo fio. Não é mesmo da conta de ninguém O modo como arbitramos as vidas De cada um que passa, passou, passará. Não somos nem dignas e nem justas. Exaustas de tecer sempre idênticas teias, Decidimos divertirmo-nos; só um pouco. Não só desprazeres encontrará o ser. Seu quinhão de vida é imenso, seu destino, Riquíssimo como o do grande Héracles. Sofrerá, é certo, mas será venturoso.

átro po s

Nove vezes encontrará resposta Para uma pergunta que não fez. Nove vezes com outros fios cruzará.

cor ife u

E o que se dará nas nove vezes? Será que por nove perigos vai passar? Enfrentar nove monstros, nove provações? Falem-nos detalhes de tão estranha sorte!

IV


láqu e s i s

Nove criaturas imaginárias O ser – também imaginário - achará.

cl o t o

Logo aprenderá sua irrelevância ínsita.

átrop o s

Perceberá que não há uma só verdade, Uma só e única resposta à pergunta.

láqu e s i s

Entenderá que isso tudo o que lhe pertence É pequeno demais; de fato, quase nada.

cl o t o

átrop o s

coro

E que não há razão para a existência, Mas que não há necessidade de razões… Sentir-se-á perdido, mas tão livre… Concluirá, por fim, ser invisível E não há nada mais libertador Do que a total falta de opacidade. Será invisível, o ser imaginário?

átrop o s

Não diferente de todos os outros seres Que já passaram – e um dia passarão – Pela terra, aquele lugar maldito.

cor i f e u

Tudo nos soa por demais cruel: Tecer a vida de um homem capaz De compreender o seu pequeno tamanho. Deixem-lhes pensar que são gigantescos; Que são o centro do círculo, do universo... Contudo, não vos culpo pelo tédio. E não mais vos interrompo o trabalho. Teçam, teçam... do modo como bem entendem. Agora nós partimos, ó Moiras! Andemos! [ As Keres deixam a cena. As irmãs Cloto, Láquesis e Átropos continuam tecendo avidamente. ]

V



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