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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro/ Dezembro, 2012

Fotos Alexandre Moraes

Entrevista JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXVII • N. 109 • Novembro/Dezembro, 2012

A

Walter Pinto

E

scritor, poeta e tradutor, Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília (UnB), vem se destacando na defesa da democratização das relações linguísticas no Brasil. Suas posições polêmicas são confundidas como espécie de “valetudo” pelos críticos, aos quais chama de “puristas” por defenderem a “pureza” da língua contra todas as formas inovadoras. Em entrevista ao Beira do Rio, concedida durante o II Congreso Internacional de Dialetologia e Sociolinguística (Cids), realizado na Universidade Federal do Pará (UFPA), de 24 a 27 de setembro deste ano, Bagno mostra que a língua que falamos é resultado de 500 anos de invasão portuguesa, do massacre sistemático dos povos indígenas, do sequestro e escravização de africanos. Beira do Rio – Existe, de fato, um preconceito linguístico no Brasil? Como ele acontece? Marcos Bagno – Sim, existe. Ele faz parte do conjunto de preconceitos que circulam na nossa sociedade: o racismo, o sexismo, a misoginia, a homofobia, o desprezo pelos pobres etc. O preconceito linguístico é resultante do tipo de formação histórica da nossa sociedade, uma sociedade colonizada, em que tudo o que é considerado bom vem de fora, nunca é o que temos de autenticamente nosso. Daí a ideia, absurda, de que nós, brasileiros, não sabemos falar a nossa língua, porque, afinal, ela se chama “português” e, sendo assim, só um povo chamado “português” poderia falar bem a língua, já que há coincidência de nome entre povo e língua. Isso é um absurdo sob todos os pontos de vista. Beira do Rio – O subtítulo de seu livro “Não é errado falar assim!” é “em defesa do português brasileiro”. O que é o português brasileiro? Marcos Bagno – É a língua materna da imensa maioria dos cidadãos deste país. Uma língua falada por quase 200 milhões de pessoas, o que faz dela a 3a língua mais falada no Ocidente, depois do espanhol e do inglês. É a língua que se formou em nosso território depois de 500 anos de invasão portuguesa, do massacre sistemático dos povos indígenas e do

sequestro e escravização de africanos. É uma língua resultante de todos esses processos históricos, que não podem ser negados em favor de uma suposta “língua portuguesa” única, mítica e “pura”, que não existe nem jamais existiu. Beira do Rio – Quais os erros dos professores de língua portuguesa que seguem a doutrina gramatical normativa-prescritiva? Marcos Bagno – O erro único e central é justamente seguir essa doutrina. A gramática normativa (essa que ainda se pretende ensinar nas escolas) é uma doutrina ultrapassada, remonta ao século III a.C. Suas definições, seus termos, seus conceitos já foram criticados, revistos e até abandonados em grande parte pelas correntes das ciências da linguagem desde o século XIX. No entanto, por mera subserviência a uma tradição que, no fundo, é uma ideologia conservadora, as pessoas insistem em querer aprender e ensinar algo que não serve, rigorosamente, para nada. Por exemplo, os autores de livros didáticos, até hoje, insistem em dizer que as palavras “se flexionam em gênero, número e grau”, embora a investigação teórica consistente já tenha provado, há bastante tempo, que não existe “flexão” de grau, mas sim derivação, que é coisa bem diferente. Ainda se insiste em dizer que existe uma “3a pessoa do discurso”, quando é óbvio que ela não existe: o discurso se dá sempre entre EU e TU; a chamada “3a pessoa” não participa do discurso, ela é o assunto, aquilo sobre o que se fala. Por que condenar o advérbio “meia” (Como em “ela está meia cansada hoje”), se ele tem sido empregado há 500 anos por nossos melhores autores, desde Camões até Machado de Assis, e se é assim que os 200 milhões de brasileiros falam no dia a dia? O ensino sempre se pautou por um ideal de língua que parece ter medo ou nojo da língua falada pelas pessoas em geral, da língua viva, dinâmica, que varia no espaço e muda com o tempo. Beira do Rio – Afinal, qual é o objetivo do ensino de língua portuguesa nas salas de aula? Marcos Bagno – É promover o letramento ininterrupto de seus alunos. Letramento é um termo importantíssimo, hoje, na educação e na pesquisa linguística. Significa levar uma pessoa a se apoderar da leitura e da escrita e se tornar o mais competente possível nessas habilidades. Para isso, ninguém

precisa saber o que é uma “oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo”. É preciso ler e escrever, reler e reescrever, re-reler e re-reescrever sem parar. Automaticamente, no processo de letramento, as regras de funcionamento da língua são adquiridas e interiorizadas, sem necessidade de decoreba de nomenclatura nem de análise sintático-morfológica. Beira do Rio – O senhor é um crítico dos professores de língua portuguesa que estão na mídia ensinando o que é certo e o que é errado. Explique o que há de errado com eles? Marcos Bagno – Tudo. O que eles dizem não tem fundamentação científica alguma. Eles se apoiam, exclusivamente, na tradição gramatical normativa e num modelo arcaico de “língua certa” que não corresponde, há mais de 100 anos, nem sequer à escrita literária consagrada. Além disso, fazem muita confusão com os termos que empregam. Esse modelo de língua “certa”, por exemplo, recebe denominações como “língua padrão”, “língua formal”, “língua oficial”, “norma culta”, “língua culta”, “variedade culta”, “língua padrão formal”, “dialeto culto”, como se todas essas expressões fossem sinônimas. Só que não são. Nos estudos sociolinguísticos, as palavras língua, dialeto, variedade, padrão, norma, formal etc. têm definições bem específicas, que não podem ser misturadas. Beira do Rio – Em conferência em Belém, o senhor apresentou resultado de pesquisa em que conclui que o português não deriva do latim, mas do galego. Mas, na mesma conferência, mostrou que o galego é uma derivação do latim vulgar. Então, não é lógico concluir que, em última instância, o português deriva do latim vulgar? Marcos Bagno – A discussão está no nome que damos às línguas. Se o português vem do galego e o galego do latim, é claro que temos uma continuidade histórica, só nos nomes mudaram. Porém os nomes das línguas não são inocentes. Quando os estudos históricos fazem o vínculo direto “português— latim”, eles passam por cima do galego, da história e da geografia. Foi todo um processo ideológico que tentou apagar as origens galegas da língua portuguesa, para que o português fosse considerado uma língua tão nobre e importante quanto a latina.

Pesquisadores do Campus de Cametá participaram de escavações arqueológicas no sítio de Tel Megiddo, em Israel

História

Urbanodiversidade

Relação do rio com a cidade norteia projeto Grupo do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos analisa os espaços de vivências ribeirinhas nas orlas das cidades médias. Páginas 6 e 7.

Saúde

Baixo Amazonas entra na Guerra Constitucionalista Dissertação defendida no Programa de História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará

(UFPA), investiga a participação dos paraenses de Óbidos na revolta liderada por São Paulo. Página 10.

Acervo do Pesquisador

“O ensino parece ter medo ou nojo da língua falada pelas pessoas”

Alexandre Moraes

Luta contra o preconceito linguístico

fim de resgatar aspectos da História Oriental antiga diretamente da fonte, o professor Josué Berlesi e o bolsista Robson de Castro Nascimento, da Faculdade de História do Campus de Cametá, estiveram em Israel, em julho deste ano. A dupla representou a Universidade Federal do Pará (UFPA) nas escavações aqueológicas no sítio de Tel Megiddo. O lugar, que é patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês) desde 2005, reúne 26 camadas dos escombros de antigas civilizações, a exemplo de Egito, Mesopotâmia e Canaã. Os pesquisadores da UFPA escaravaram uma área do Período Cananita, onde encontraram uma diversidade de cacos cerâmicos e utensílios domésticos, tais como antigos pilões usados na moagem de cereais. O sítio de Tel Megiddo também possui significado bíblico. Segundo a sagrada escritura, no local, ocorrerá o Armagedom. Página 11.

Acervo do Pesquisador

De Cametá para o Oriente Médio

Conhecimento popular ajuda a combater mal Pesquisa interinstitucional visa à criação de medicamentos contra a malária, com base em produtos naturais da Amazônia. Página 3.

Teatro

Trajetória das artes cênicas no Pará, em vídeo Motivos peculiares levaram Óbidos a entrar na Revolução Constitucionalista

Entrevista

Rio Tocantins margeia Cametá

Marcos Bagno, da Universidade de Brasília (UnB), sai em defesa da língua falada no dia a dia. Página 12.

Opinião Roselene Garcia assina o artigo sobre a implantação de novos sistemas de gestão organizacional. Página 2.

"Ribalta" resgata a história do teatro no Estado a partir da contribuição de artistas. Programa piloto foi sobre Cláudio Barradas. Página 9.

História na Charge Ilustração de Walter Pinto suscita o debate sobre o conceito antropológico de alteridade. Página 2.


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