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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2009
Entrevista
A violência está adoecendo a população
JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VII • N. 71 • Abril, 2009
Mácio Ferreira
Geografia do crime na cidade Fotos Alexandre Moraes
Vítimas ficam reféns do próprio medo e precisam de ajuda para superar o trauma Rosyane Rodrigues
BR – Em muitas pessoas, o medo já provocou uma mudança de hábitos e atitudes – horários, percursos, locais frequentados... Qual é a fronteira entre um comportamento cuidadoso e os transtornos de ansiedade – fobias, TOC, entre outros? NG – Aquele que é cuidadoso age, mas tem cautela. Por exemplo, se BR – O que as autoridades chamam todo dia vou levar meu filho ao code “sensação de insegurança”, o légio, eu não vou pela mesma rua cidadão comum chama de medo. sempre, troco o horário. Agora, quem Ele já chegou ao concomeça a desenvolver sultório? um transtorno de anNG – Com toda cersiedade fica imobilizateza. As pessoas saem do, não consegue mais de casa e não sabem fazer a ação. A cautela se retornarão. Todos os é tão exacerbada, que a dias, na TV e no jornal, pessoa já não sai mais temos casos daquilo de casa, começa a senque as pessoas chamam tir taquicardia, ânsia de de bala perdida aquilo choro e vai precisar de que eu chamo de bala um tratamento, pois “achada” – porque ela ficou refém do próprio sempre acha alguém. A medo. “É o processo violência vai desde o BR – Alguns especiaempurrão em alguém listas relacionam a de stress na rua para tomar um doença orgânica com extremado que objeto até o sequestro a doença psíquica. relâmpago. Em qualé possível dizer está levando ao Já quer lugar que você vá que a violência urba– social ou de trabalho na está adoecendo as adoecimento” – encontra um relato de pessoas?
nosso próprio medo. Por outro lado, não podemos maximizar o evento. Uma coisa é negar o que aconteceu, passando por cima, sem escutar a dor do outro, querendo que ele se esqueça daquilo, outra coisa é cultuar uma fala só sobre essas questões. É preciso deixar o outro falar da sua dor, contar a sua versão da situação. É como se ele estivesse se esvaziando. E isso tem um tempo, uma semana, dez dias após o acontecimento. Guardar esse sentimento traz consequências muito mais danosas. E é o que a sociedade faz: se a pessoa sofre por um amor perdido, diz-se logo “ah, arranja outro”; perdeu um relógio, compra outro, como se fossem substituições simples. O importante é dar escuta para a dor do outro, sem críticas, evitando os sentimentos de pena e de compensação.
BR – Mesmo considerando as histórias de vida e as particularidades, o que as vítimas devem fazer para superar o trauma causado pela violência? NG – Primeiro, é evitar a ‘culpabilização’. A vítima acaba se sentindo culpada – “se eu não estivesse naquele lugar...”. Você não é culpado por essa situação, que tem a ver com uma questão mais “É preciso ter social e política. A segunda coisa a fazer é um cuidado estar atento; ter um cuidado preventivo, preventivo, evievitando as situações tando as situade risco; preocupar-se com o contexto em que ções de risco” você está inserido. BR – E de que maneira a família, os amigos, os colegas de trabalho podem ajudar? NG – A nossa cultura é a cultura do ‘não aconteceu’. Quando a criança se machuca, a gente diz “não, não doeu”. Isso é muito ruim, pois a pessoa não aprende a viver a sua dor. Quem está em volta precisa ouvir, deixar o outro falar. Às vezes, as pessoas querem mudar de assunto, desviar a atenção, até porque essas históricas acionam o
BR – Nos últimos anos, tem sido comum famílias que perderam pessoas em situações de violência formarem grupos para pedir justiça. Em Belém, o Movida é um exemplo. Seria uma “estratégia de sobrevivência”? Em grupo, é mais fácil superar a dor? NG – Funcionaria como um grupo terapêutico, não é psicoterápico. É terapêutico na medida em que eu encontro com o outro, que viveu uma dor similar, e me identifico. Seria uma estratégia de enfrentamento porque o indivíduo sozinho se sente menos fortalecido e não é enfrentamento só pela lei, mas por viver a mesma perda emocional. Em grupo, é possível perceber que outras pessoas passaram por situações similares, que a dor não é solitária e que você não é responsável por essa situação. São estratégias de enfrentamento saudáveis, pois amenizam o sofrimento.
O Os bairros da Terra Firme e do Guamá, de acordo com Aiala Colares, destacam-se como rotas de passagem de drogas
Pistolagem
Cidadania
Crime ainda é comum no Estado
Código de Posturas promove cidadania na Universidade
Grupos deixam as zonas de fronteira e agora crescem na região sudoeste do Pará, atingindo as comunidades da “Terra do Meio”. Pág. 8
Memória
Aprovado pelo Conselho Superior Universitário, o Código estabelece regras de convivência dentro dos
campi da UFPA. O texto final contou com a contribuição de professores, servidores e alunos. Págs. 6 e 7
comércio ilegal das drogas mudou a geografia da Região Metropolitana de Belém. A cidade encontra-se dividida em zonas e redes, que funcionam como corredores de distribuição. E nesse comércio, todos estão envolvidos - os bairros do centro e da periferia. A pesquisa “A geografia do crime na metrópole: da economia do narcotráfico à territorialização perversa em uma área de baixada de Belém”, de autoria do geógrafo e especialista em Planejamento Urbano Aiala Colares, releva o caminho percorrido pelas drogas desde a sua chegada pelos rios da cidade e a maneira como as comunidades vivem subjugadas pelos grupos de traficantes,criando aquilo que o autor chama de “territorialização perversa”. Pág. 3
Entrevista A psicóloga Niamey Granhen analisa como a violência está alterando o cotidiano. Pág. 12
Engenheiros preservam patrimônio Pág. 9
Coluna do Reitor Objetivo é evitar as situações de desmazelo com o patrimônio
Tecnologia
Edifício já foi o 5º mais alto do país
Pesquisa
Alunos Razões da ganharão conta violência na de e-mail Pág. 11 escola Pág. 5
Alex Fiúza de Mello discute a vocação internacional da universidade. Pág. 2
Opinião A professora Célia Brito escreve sobre o uso do hífen de acordo com a nova Reforma Ortográfica. Pág. 2
Alexandre Moraes
violência. As pessoas que ainda não foram vítimas são a exceção e, com isso, não tem como não ter medo. E esse medo é real, ele já não vem para preservar a nossa integridade física e psíquica, é muito mais de antecipação da situação, quando a pessoa começa a ficar imobilizada. No consultório, atendemos desde crianças de três e quatro anos - com medo dos pais saírem para trabalhar e morrerem na rua - até adolescentes, adultos, idosos. Esse medo está circulando por todas as gerações.
NG – A doença caracteriza a nossa sociedade, o nosso momento histórico e social. As crianças já estão adoecidas. Esse é um fenômeno que vem sendo objeto de pesquisa. E ele não é particular de uma classe social, de um gênero – ainda que os homens tentem parecer mais fortes, eles acabam paralisados pela impotência diante de uma situação violenta. Uma mãe que não pode proteger o filho se sente abalada por não ter cumprido sua função materna. É um processo de stress extremado que está levando ao adoecimento orgânico, com taquicardias, problemas de tireóide, úlceras, dermatites, entre outras. O medo exacerbado muda todo o metabolismo.
Alexandre Moraes
Beira do Rio – Por muitos anos, ouvíamos histórias de violência nas periferias da cidade, hoje, elas estão por toda parte – no centro e na periferia. É impressão ou a violência está mais perto de nós? Niamey Granhen – A saída da violência da periferia para o centro tem relação com a divisão de classe: quem é da periferia é menos favorecido econômica e socialmente. As pessoas, no centro, circulam com objetos que causam cobiça. A sociedade está priorizando muito mais o ter, então, se eu desejo e não consigo pelos meios legais, vou procurar alguma outra forma. Muitas vezes é o ter para comprar a droga, a arma, não é só para ficar com aquele objeto. Às vezes, quem puxa um cordão, um relógio, não é nem pelo valor, mas é para transformá-los em dinheiro ou em outra moeda de barganha.
Niamey: “O medo está circulando por todas as gerações”
Mácio Ferreira
O medo, aquele sentimento que conhecemos ainda na primeira infância e que nos protege das situações de perigo, garantindo a nossa integridade física e psíquica, está cada vez mais presente no cotidiano da sociedade contemporânea. Os crescentes índices de violência são responsáveis por trazer o medo para o nosso dia a dia. E de acordo com a professora Niamey Granhen, esse medo é real e está adoecendo parte da população. Envolvidas em situações de violência – assaltos, sequestros relâmpagos, roubos e arrombamentos – as vítimas desenvolvem transtornos de ansiedade que dificultam o convívio social. “No consultório, atendemos desde crianças de três e quatro anos - com medo dos pais saírem para trabalhar e morrerem na rua - até adolescentes, adultos, idosos”, afirma a psicóloga, nesta entrevista exclusiva ao JORNAL BEIRA DO RIO.