issn 1982-5994
12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Maio, 2009
Entrevista
O Centro de Memória está de portas abertas
JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VII • N. 72 • Maio, 2009
UFPA investe no ensino básico
N
Travessa Rui Barbosa, n. 491, bairro do Reduto, Belém, Pará. Esse é o endereço onde está guardado um tesouro que interessa a todos nós. Amontoadas em pacotes e amarradas com barbantes, pouco a pouco, estão sendo organizadas, catalogadas e ordenadas para consulta as 35 toneladas de papel, vindas do arquivo do Tribunal de Justiça do Estado (TJE). São processos cíveis e criminais que datam do século XVIII até 1970 e trazem a história de Belém contada, não pelos grandes nomes, mas pelos anônimos que fizeram o dia a dia da cidade. Estamos falando do Centro de Memória da Amazônia. Criado, há dois anos, por meio de parceria da Universidade Federal do Pará com o TJE, o Centro está instalado no prédio que já abrigou a Gráfica Universitária. Longe de ser um depositário de papel, ao andar pelos seus corredores, veem-se pessoas apaixonadas pelo que fazem: servidores, bolsistas, dirigentes, todos estão ali como guardiões da memória. Em entrevista ao JORNAL BEIRA DO RIO, o professor Otaviano Júnior, atual diretor do CMA, faz um balanço desses dois anos de trabalho e fala do que ainda está por vir. Beira do Rio – Qual o balanço após dois anos de existência do Centro de Memória da Amazônia? Otaviano Júnior – O balanço é muito positivo. Desde que o Centro de Memória foi criado, nós temos recebido apoio do motorista ao reitor, cada um ajuda do jeito que pode. Nós já organizamos 70% da documentação que recebemos inicialmente. Esse material serviu de fonte para 800 pesquisadores locais. Nosso site está há dois meses no ar, já teve 2.500 acessos e foi indicado como um dos sites interessantes na área da educação. Os nossos bolsistas estão tendo uma formação diferenciada porque eles não trabalham apenas na organização da documentação, mas fazem cursos, leituras, seminários internos de discussão. Todos estão capacitados para apresentar o Centro e isso é muito gratificante.
contundente para as demandas do presente. Nosso esforço é também chegar às crianças. É importante que elas entendam que trabalhar com a memória é trabalhar com a realidade em que elas estão inseridas. Beira do Rio – Há um ano, o Centro contava com nove bolsistas do curso de História e duas especialistas em arquivo para a organização do material. Atualmente, essa equipe é composta por quem? O.J – São 15 bolsistas, duas especialistas na área de arquivo, uma secretária executiva e mais duas pessoas na área da Administração, onde temos uma demanda muito grande para convênios, parcerias, além da própria burocracia do Centro de Memória. Agora temos um porteiro, que antes nós não tínhamos. Quanto a pessoal, nós estamos bem servidos. Obviamente, nunca é suficiente, mas é o que é possível. E o bom administrador tem que entender isso: a Universidade não se resume ao Centro de Memória, existem outras demandas.
Beira do Rio – O Centro de Memória é vinculado ao Gabinete do Reitor e seu dirigente é indicado pela Faculdade de História, ou seja, será sempre um historiador. Como é feita essa escolha? O.J – O dirigente é indicado pela Faculdade e esse nome é confirmado pelo reitor. É importante que a Faculdade de História tenha a administração do Centro porque Aqui, nós o historiador não está preocupado apenas com aprendemos que a preservação do docuo brasileiro tem mento, mas com o seu uso como instrumento memória e gosta de ação de cidadania. O passado não é apenas de tê-la curioso, ele é uma arma
Beira do Rio – Há um projeto de reforma pronto e a expectativa é de que ele saia do papel ainda este semestre. Além da preservação do patrimônio, o que está previsto? O.J – A Universidade destinou recursos na ordem de R$ 1.200.000,00 para a reforma do prédio. O projeto foi feito, inicialmente, pela arquiteta
Otaviano Júnior: “O passado é uma arma para as demandas do presente”
Joana Barreto, da UFPA, e a empresa R2 foi contratada para fazer os projetos complementares. Estão previstos: uma sala de pesquisa; um auditório multifuncional; um museu permanente gráfico; uma sala de índice e uma de consulta; um laboratório de restauro de documentos; uma sala de projetos e uma área para crianças. Recursos do Reuni garantirão a climatização e as estantes deslizantes. A sede do Centro de Memória é importante para que as pessoas venham até aqui, mas nós também queremos entrar na casa das pessoas e, principalmente, nas escolas públicas de qualquer lugar da Amazônia. Dizem que o brasileiro não tem memória, mas nós aprendemos que isso não é verdade. O brasileiro tem memória e gosta de tê-la. O que falta são políticas de ação patrimonial na área de memória e nós estamos fazendo isso.
africanos, uma exposição sobre GuinéBissau, além de palestras, oficinas e grupos de contadores de história, para três comunidades Quilombolas, próximas a Oriximiná. Esse projeto ainda depende de captação de recursos.
Beira do Rio – Os museus e os arquivos públicos são mais visitados pelos pesquisadores com algum interesse acadêmico. Como tornar esses espaços mais atraentes para o grande público? O.J – Querer que a criança ou o adolescente que tenha acesso à internet saia do seu computador cheio de imagens e de cores, com uma linguagem que eles conhecem, entre em um prédio antigo, empoeirado, para ler um documento do século XVIII, é ilusão! É preciso tornar o documento mais prazeroso. O projeto Leitura Musical traz um trecho do documento, por exemplo, o processo sobre o assassinato da Severa Beira do Rio – Quais são os projetos Romana, e depois fala sobre o período que hoje estão em anem que ela foi morta: o damento no Centro? que se ouvia em Belém? O.J – O projeto que E você terá as músicas estuda a presença da que tocavam naquela Inquisição na Amazôépoca. O que se vestia nia, por meio do qual em Belém? E você terá levantamos todos os imagens das roupas que processos, denúncias ou eram usadas. Como era habilitação de familiaa cidade de Belém? E res - que é uma espécie você terá fotos da cide espião da Inquisição dade. As pessoas pre- do Grão Pará e do Macisam de ferramentas ranhão. Agora, estamos para imaginar como era Queremos digitalizando e já temos Belém no passado. uma primeira leva de entrar na casa documentos disponíBeira do Rio – O site veis. Na prática, isso do CMA acabou de das pessoas significa que nenhum entrar no ar. Essa é e nas escolas pesquisador brasileiro mais uma tentativa de que queira pesquisar aproximação com o públicas essa temática precisará público? ir até Lisboa. Outro O.J – O nosso site é a projeto está estudando nossa casa virtual. Hoje, a história da população, entre 1700 e temos publicada uma coleção chamada 1940, por meio de registros paroquiais: “Fronteiras Impertinentes”, que traz certidões de batismo, casamento e óbiartigos de antropólogos e historiadores to. Existe uma parceria com a Univerescrevendo sobre diversos temas. É um sidade de Trento, onde pesquisadores livro de bolso, numa linguagem feita de lá e da UFPA estão estudando temas para o grande público e com imagens. como lazer, casamento, fotografia, no O primeiro foi sobre a cidade de Beperíodo de 1850 a 1920, para fazer um lém. O segundo volume está saindo estudo comparativo. Também temos o agora e é sobre migração na região. “Barco Cultural”, que vai levar a banda Essa é a nossa política para invadir as Tribo de Jah, uma mostra de filmes casas e as escolas.
Narrativa de contos de fada e lendas amazônicas ajudam as crianças a desenvolverem habilidades para a leitura Pág. 6
Juventude
Seminário discute infância e adolescência Evento reuniu grupos de pesquisa dedicados ao tema. Relatório será apresentado aos gestores públicos do Estado e dos municípios. Pág. 11
Testes comprovam que combinação tem efeito analgésico, diminuindo indicadores de dor
Pesquisa indica colo e água com açúcar
Estudo realizado pela professora e pediatra Aurimery Gomes Chermont, da Faculdade de Medicina da UFPA, revela que colo materno e água com açúcar diminuem, em até 50%, as dores de bebês recém-nascidos. Pág. 8
Cátedra
UFPA renova parceria com Unesco Pág. 10 Rede social
Avós garantem renda e afeto para família Pág. 5
Casamento
Infância
Cresce número de uniões Circulação de formais na capital paraense crianças é tema Fora de moda no final do século XX, o casamento “no civil e no religioso” volta a crescer na Região Metropoli-
tana. É o que indica a pesquisa “Casamento e família em Belém: estrutura e valores”. Pág. 9
de pesquisa
O projeto “Modos e Modas de Família” agrega estudos sobre as razões e personagens envolvidos no “ir e vir” de crianças na Amazônia. Pág. 4
Extensão
A arte como instrumento de intervenção Pág. 3 Na atualidade, muitas vezes o ritual vem formalizar a união já existente
Coluna do Reitor
Cuidado mistura prazer e dever
Alex Fiúza de Mello fala sobre a universidade como centro cosmopolita de debates públicos. Pág. 2
Opinião Maria do Socorro Coelho discute a participação de egressos na avaliação institucional Pág. 2
Entrevista Otaviano Júnior apresenta os projetos do Centro de Memória da Amazônia Pág. 12
Mácio Ferreira
Rosyane Rodrigues
Contação de história não é brincadeira
Alexandre Moraes
Fotos Mácio Ferreira
Imaginação
Alexandre Moraes
E convida a todos: pesquisadores, curiosos, jovens e crianças, a conhecerem um pouco mais da sua história.
Pará tem firmado parcerias com o governo para desenvolver a educação pública no Estado. A mais recente ação é a reserva de 50% das vagas das licenciaturas oferecidas nos campi do interior para professores da educação básica sem a qualificação adequada. Pág. 7
Mácio Ferreira
o Pará, 40 mil professores do ensino básico não têm curso superior e 22 mil possuem uma licenciatura, mas ministram aulas de outras disciplinas para as quais não têm a devida qualificação. Para melhorar esse quadro, desde 2006, a Universidade Federal do
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Maio, 2009 –
Juventude
Coluna do REITOR Alex Fiúza de Mello
reitor@ufpa.br
Centro cosmopolita de debates públicos
A
Mácio Ferreira
Amazônia não é – não pode ser – o quintal do Brasil nem a reserva do mundo. Simbolicamente, ela se constitui numa das principais atrações do planeta e precisa fazer desta vantagem comparativa uma estratégia de desenvolvimento. Precisa, portanto, ser cosmopolita – e não “doméstica” ou “regionalista”. Para isso, a Universidade amazônica precisa liderar a produção de conhecimentos sobre a própria região e, assim, tornar-se referência mundial, catalisando, em consequência, a promoção de grandes eventos científicos nacionais e internacionais sobre temas pertinentes e transformando-se, definitivamente, em uma sede global de grandes debates públicos postos para o terceiro milênio. Para tal, é necessário, em primeiro lugar, formar seus doutores nas principais universidades do globo. Doutores que, no seu conjunto, além de falarem inglês, espanhol, alemão, francês, japonês, chinês,
italiano (e outras línguas), estabeleçam, com os centros acadêmicos de sua formação no exterior, laços sólidos de cooperação científica, permanentes e dinâmicos, atraindo, para a Amazônia, também sob o signo dos interesses locais, parte significativa do conhecimento de ponta disponível no planeta, cujos depositários são as pessoas e as instituições de pesquisa. Em segundo lugar, há de se obter, para a academia regional, financiamento suficiente para fazer circular, nos programas de pósgraduação locais, cientistas dos cinco continentes. Esta prática dotará a Universidade amazônica de cosmopolitismo, dinâmica intelectual, atualidade, vínculo universal, transformando-a, de uma vez por todas, em polo de referência da rede mundial do conhecimento. Em terceiro lugar, a Universidade amazônica precisa construir em seu espaço acadêmico (seus campi), com tecnologia de comunicação
avançada, grandes bibliotecas e arquivos (ricos acervos) e grandes auditórios e centros de convenções, para propiciar as condições materiais necessárias à realização desses eventos de grande porte e a circulação do conhecimento. Constituir em seu seio, portanto, instâncias competentes de logística de apoio às relações internacionais e cerimonial bem treinado no ofício da organização desses grandes simpósios, congressos e seminários. A programação acadêmica de uma Universidade na Amazônia precisa prever, mensalmente, senão semanalmente, com a participação de convidados locais, nacionais e/ou internacionais, grandes debates abertos ao público, com transmissão em tempo real para toda a região, o país e o mundo, conforme o caso. Temas de interesse geral, polêmicos, formadores de opinião, esclarecedores, capazes de ampliar a esfera pública da informação e do conhecimento e elevar a cultura da sociedade,
OPINIÃO
Maria do Socorro Costa Coelho
É
consenso que todo curso superior tem como objetivo formar com qualidade seu futuro egresso. Que EGRESSO é esse que as universidades apresentam anualmente à sociedade? Pode-se definir o egresso como aquela pessoa que saiu de uma instituição de ensino após a conclusão dos estudos, amparado pela certificação ou pelo diploma. Egresso não é, portanto, aquele que abandonou a instituição ou dela foi expulso. O egresso é aquele que saiu da referida instituição após a aprovação em exames e a conclusão da carga horária curricular exigida. Registra-se que, culturalmente, o egresso é abandonado, esquecido pelas instituições formadoras, depois da sua diplomação, uma vez que estas não mantêm diálogo com os seus ex- alunos. Na maioria dos casos, o diploma representa o corte do cordão umbilical entre a universidade e o egresso e, em consequência, desta instituição com a sociedade, pela qual o futuro ex-aluno será envolvido, cheio de expectativas em relação
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA beiradorio@ufpa.br - www.ufpa.br Tel. (91) 3201-7577
linkando os estudantes na academia e nas escolas – e as várias camadas populacionais – às principais questões da atualidade, dotando-lhes de progressiva consciência crítica e, em consequência, de maior capacidade de exercício da cidadania. A Universidade precisa assumir, pela liderança do debate público de qualidade, o lócus hegemônico de formatação de uma nova consciência social e de reflexividade, mais universal e atenta aos movimentos da contemporaneidade, contribuindo diretamente à construção de um novo projeto de Nação, mais democrático e republicano, e de um modelo alternativo de desenvolvimento regional, sustentável, tecido pelo acúmulo das polêmicas e das ideias publicamente expostas e compartilhadas, assim, então, resgatada à Academia a importância e o reconhecimento que deve merecer da sociedade que a sustenta – razão de ser de sua trajetória e de sua existência.
socorrocoelho@gmail.com
Egresso e universidade ao mundo do trabalho e ansioso para exercer, em prol da população, a formação recebida. No continente europeu, na década de 90, o debate sobre o tema “egresso ou diplomado” originou-se a partir da situação de empregabilidade dos egressos de ensino superior. O assunto adquiriu visibilidade e centralidade nas preocupações dos governos e da sociedade europeia. Desta forma, os empregadores dos egressos de ensino superior passaram a ser elementos importantes e foram utilizados no processo de avaliação da qualidade do ensino superior. A iniciativa de avaliação envolvendo egressos existe em várias instituições da Europa, em especial nas portuguesas, sendo que as Universidades de Lisboa, Aveiro e Minho distinguem-se das demais instituições por constituírem experiências incentivadas por suas reitorias, com objetivo de conhecer, de forma profunda, a situação de todos os cursos por elas ofertados. Nas universidades brasileiras, há carência de discussão e bibliografia que alimente o diálogo
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sobre o assunto. Registra-se que importantes processos de avaliação com egressos foram realizados no Brasil, na década de 90. Destaca-se o trabalho de acompanhamento dos ingressantes e da trajetória profissional dos egressos do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo (FEUSP); o estudo sobre o perfil dos egressos do curso de Química, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na década de 90; assim como o trabalho “Elementos para um diagnóstico da graduação da Unicamp”, publicado pela Reitoria desta Instituição em 1992. Os resultados, orientações e sugestões oriundas dos referidos trabalhos não foram incorporados pelas universidades nem pelo Ministério da Educação (MEC) durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O mérito do governo Luiz Inácio Lula da Silva reside no fato de, pela primeira vez na história da educação brasileira, o MEC ter consagrado em normativa a incorporação dos egressos no processo de avaliação institucional, por inter-
médio da Portaria n.300, publicada em janeiro de 2006, referente aos instrumentos de avaliação externa do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Entre as várias dimensões do referido instrumento, destaca-se a de n.09, que cita as políticas de atendimento aos estudantes, por meio das quais os egressos estão contemplados com políticas de acompanhamento e programas de educação continuada voltados para os ex-alunos. A temática surge oficialmente no Brasil em um contexto em que a própria universidade está reavaliando sua função e papel social. Conclui-se que, mesmo com o SINAES normatizando sobre a matéria, o que é um grande avanço, ainda é pequena a participação dos egressos no processo de avaliação institucional das universidades brasileiras. Maria do Socorro Costa Coelho é doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora do Instituto de Educação da UFPA.
Reitor: Alex Bolonha Fiúza de Mello; Vice-Reitora: Regina Fátima Feio Barroso; Pró-Reitora de Administração: Simone Baía; Pró-Reitor de Planejamento: Sinfrônio Brito Moraes; Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Licurgo Peixoto de Brito; Pró-Reitora de Extensão: Ney Cristina Monteiro de Oliveira; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação: Roberto Dall´Agnol; Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Sibele Bitar Caetano; Prefeito do Campus: Luiz Otávio Mota Pereira. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Luciana Miranda Costa; Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Ana Carolina Pimenta (013.585-DRT/MG) Andréa Mota/ Glauce Monteiro (1.869-DRT/PA)/ Jéssica Souza (1.807-DRT/PA)/ Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/ Suzana Lopes/ Tatiara Ferranti/ Walter Pinto (561-DRT/PA) ; Fotografia: Alexandre Moraes/Mácio Ferreira; Secretaria: Isalu Mauler/Elvislley Chaves/Gustavo Vieira; Beira on-line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Glaciane Serrão; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.
Grupos discutem infância e adolescência Seminário debate problemas enfrentados pelos jovens na Amazônia
Walter Pinto
O
Instituto de Ciências da Educação (Iced) promoveu, em março, um evento que reuniu os quatro grupos da UFPA que estudam questões relacionadas à juventude, para debaterem problemas, como políticas públicas, educação família, saúde, violência sexual e direitos humanos, entre outros. O evento serviu também para definir propostas com vistas ao desenvolvimento de ações articuladas pelos grupos em forma de rede institucional. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará, o “I Seminário sobre Juventude: Construção de Subjetividades e Saberes” ganhou o status internacional em função da participação do professor Vítor Franco, da Universidade de Évora, Portugal. Na palestra de abertura, ele problematizou a questão da violência com jovens no contexto mundial e a angústia dos estudiosos da questão, que, produzindo a análise do que ocorre, não possuem condições para resolver os problemas, na maioria das vezes, negligenciados pelas políticas públicas e ignorados no próprio âmbito familiar. Os quatro grupos da UFPA, dedicados ao estudo da juventude, são: do Iced, Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Juventude, Representações Sociais e Educação (Gepjurse), voltado à intervenção nas práticas educativas de pais e professores para formação do jovem; Grupo de Estudo e Pesquisa sobre o Trabalho (Gepete), que realiza estudos e experiências de trabalho relacionadas à família, à infância e à adolescência na Amazônia; do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Grupo de Estudo e Pesquisa da Infância e Adolescência (Gepia), que realiza iniciativas de investigação e intervenção social por meio do ensi-
Mácio Ferreira
LURDINHA RODRIGUES
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Debates enfatizam a necessidade de implementação de políticas sociais que atendam às demandas da categoria no, da pesquisa e da extensão como atividades acadêmicas indissociáveis; do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Núcleo Fenomenológico de Pesquisas e Práticas Clínicas (Nufen), dedicado aos estudos fenomenológicos gestálticos da juventude e da família. Durante o Seminário, foram realizadas cinco mesas-redondas. A primeira discutiu o tema “A juventude e a família – encontros e desencontros”, com participação dos professores Carlos Maciel e Ivany Pinto, coordenadora do evento e vice-diretora do Instituto de Ciências da Educação. Discutiu-se o papel da família, considerando que essa insti-
tuição é constantemente questionada a respeito de suas funções e papéis, além de ser responsabilizada pela falta de atenção e cuidado com os filhos. De forma instigadora, expôsse a seguinte indagação: “estamos tratando de que família?”. O questionamento foi tratado partindo de pressupostos psicossociais e psicanalíticos para trazer a compreensão sobre as novas configurações por que passa a família, com a desestruturação do modelo tradicional nuclear (paimãe-filho) e crescimento de famílias reconstituídas (mãe-filho; pai-filho; avó-filho; tio-filho; casais de mesmo gênero-filho). Segundo Ivany, “há de se conhecer e cuidar da família, des-
n Políticas públicas: a ausência mais sentida A segunda mesa tratou do tema “O protagonismo juvenil e as políticas públicas” e teve a participação dos professores Genilton Rocha e Lúcia Isabel Silva. O debate apresentado destacou a necessidade de problematizar o conceito de “protagonismo juvenil”, termo cunhado pela política neoliberal que, ao imputar ao sujeito a responsabilidade sobre sua ação, retira toda e qualquer responsabilidade sobre o Estado. Os pesquisadores, porém, ressaltam que a categoria juventude tem uma enorme amplitude histórica conceitual e necessita ser compreendida sobre várias perspectivas. Assim, o conceito em questão é usado para designar sujeitos tão diferentes, sem se considerar os diferentes contextos em que esses sujeitos se encontram. O professor Genilton ressaltou a necessidade de o jovem ser protagonista da sua história, mas enfatizou a urgência de políticas sociais que contemplem mais as demandas específicas da juventude.
O tema “A juventude no campo na Amazônia” foi discutido pelos professores Jacqueline Freire e Wilson Barroso, este representando a Secretaria de Educação do Estado. Os professores observaram que, para tratar da educação no campo, é necessário compreender a dimensão urbana e rural, afinal o processo educativo não pode ser pensando somente na perspectiva da zona urbana, desconsiderando as vivências e peculiaridades do meio rural; assim como, valorizar as culturas juvenis e identidades plurais. A quarta mesa do Seminário debateu o tema “Juventude, educação, profissão, saúde: recorte de cenários”, com participação dos professores Ronaldo Marcos de Araújo, Elenilze Guedes Teodoro e Adelma Pimentel. A partir da sua experiência como ex-diretor de Ensino Médio da Seduc, Ronaldo Araújo expôs um levantamento sobre quem é o jovem estudante de escola pública. O quadro
traçou um perfil pouco animador, do qual emerge um jovem fadado a entrar numa área de grande vulnerabilidade, pois o ensino médio ainda não oferece condições para que ele possa desenvolver habilidades e crie condições para ser protagonista do seu futuro. O tema “Juventude: direitos humanos e programa de enfrentamentos à violência sexual” foi discutido na quinta mesa do Seminário, pelos professores Enima Santos, atual diretora de Ensino Médio da Seduc; Alberto Damasceno; João Guilherme Abrahão e Janaína Ali Pinheiro. Os expositores abordaram questões específicas de suas áreas, como orientação profissional; projeto multicampisocial desenvolvido na região do Marajó pela UFPA; direitos fundamentais do adolescente, com ênfase à importância de reconhecer os jovens como atores e protagonistas; e plano estadual de enfrentamento à violência sexual contra a criança e o adolescente.
fazendo, assim, os equívocos sobre ela na contemporaneidade”. O professor Carlos Maciel apresentou reflexões sobre a família e as políticas sociais. Tratou da falta de capacitação profissional nos projetos de atendimento familiar e realizou análise crítica dos programas que tendem a homogeneizar um padrão de família a ser atendido. Por outro lado, observou que a implementação de políticas sociais tem por objetivo o controle das condutas dos jovens por meio da família. Segundo Maciel, é imperativo que profissionais com atuação nesses programas se qualifiquem para compreender as novas configurações de família na modernidade.
n Ações de intervenção A partir do Seminário, a rede composta pelos quatro grupos da UFPA que pesquisam e estudam a juventude na Amazônia assumiu a tarefa de mediar e fomentar a organização de propostas, projetos de pesquisa e ações de intervenção no setor. Para alcançar esse objetivo, elaborou um relatório com as discussões desenvolvidas durante o evento, o qual será apresentado aos gestores públicos do Estado e dos municípios, conselhos profissionais e conselhos de controle social que atuam com a infância e adolescência. Entre outras iniciativas, a rede irá mapear as organizações da sociedade civil que trabalham com juventude; deve criar, até 20 de março de 2010, uma agenda de eventos preparatórios para o II Seminário Internacional; além de lançar um portal para proporcionar o intercâmbio com as organizações que atuam na área.
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Extensão
Edufpa reedita “Poesia” de Paulo Plínio
Acervo Pesquisador
Paixão de LER
Jovens podem (re)conhecer e valorizar o trabalho do poeta paraense
P
aulo Plínio foi professor da Universidade Federal do Pará, onde chefiou o Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, dedicando grande parte de sua breve vida à Literatura. Sua vida foi simples, sem grandes e marcantes acontecimentos, e breve. Mas sua existência interior foi plena e rica. Uma inteligência viva, penetrante e uma excepcional sensibilidade poética. Despertava, com sua presença imediata, simpatia e impunha-se por uma personalidade que se afirmava pela maneira reservada de conduzir-se e pelo modo cortês de falar. O poeta fez parte de uma geração que não se limitou apenas aos escritores franceses. Descobriu os poetas ingleses, alemães e se encantou com Fernando Pessoa, Carlos Drummond, Bandeira, Cecília Meireles e demais poetas de vasta criação em língua portuguesa. Isto quando, no Brasil, pouco se falava sobre eles. Eleger “Poesia” para reeditá-la é afirmação de mérito poético, reco-
nhecimento de excelência e também da necessidade de contemplar o leitor com um valioso presente, isto é, fazêlo conviver e fruir da obra poética de um dos autores mais fascinantes e atuais das letras amazônicas. A nova edição traz um estudo de Amarílis Tupiassú e mantém tanto o precioso prefácio do professor Francisco Paulo Mendes, um verdadeiro ensaio literário, como uma breve cronologia, notícias e notas veiculadas, à época, na imprensa, sobre o autor, além de estudos (orelhas) dos professores Machado Coelho e Cônego Ápio Campos. A poesia de Paulo Plínio lembra a dos pós-simbolistas e a dos surrealistas. Sua poética, na verdade, concilia duas correntes de origem simbolista: a mallarmeneana e a rimbauldiana. Um dos aspectos da obra do poeta paraense que exige atenção é o da sua temática. São numerosos os temas: o da viagem, o do amor e da amada, o da infância, o do anjo, o da pureza. E, dominando todos esses, o tema da morte. Raro é o poema seu em que ela não apareça. Esta “Poesia”, de insinuações e finuras simbólicas, só passou à letra de forma em 1977, dezoito anos
INSCRIÇÃO PARA A ETERNIDADE Para que não me esqueças quando eu for derrotado. E obrigado a me esconder na terra ou no fundo do mar Lembra-te que para guiar-me no caminho Nessa estrada de Deus que chegarei sozinho Levo somente a Glória de te amar. A AVENTURA
Livro contém 62 trabalhos do autor depois da morte do poeta. São composições recolhidas, reunidas e editadas, juntadas numa pequena, mas intensa obra. O livro contém apenas 62 trabalhos, uns concluídos, outros inconclusos. A Edufpa, ao reeditar a obra de Paulo Plínio, mantém o compromisso de editar obras consagradas e de referência às letras paraenses, como é “Poesia”. Assim, os jovens podem (re)conhecer, valorizar e amar o trabalho desse grande poeta.
Eu te encontrei como quem atravessa o corredor longo e de janelas fechadas, como quem vem para a manhã trazendo o sono enfermo das madrugadas. Eu te encontrei como quem saiu da noite e foi descalço até o mar para brincar nas pedras. Como quem sob a chuva saiu para apanhar as açucenas, e dormiu nas grandes folhas úmidas das árvores, ou como quem, perdido nos caminhos, de súbito encontrou o mar.
Desenvolvimento
Ana Carolina Pimenta
P
oucos sabem, mas a Universidade Federal do Pará (UFPA) compõe o seleto grupo de instituições brasileiras de ensino superior que integra o Programa de Cátedras da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). As cátedras foram criadas com o objetivo de fortalecer o ensino superior nos países da América Latina, no Caribe e em outras regiões. A UFPA passou a integrar esse cenário a partir de setembro de 2006, quando foi estabelecida a Cátedra Unesco de Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento Sustentável, parceria entre a Universidade e a Unesco que, devido aos bons resultados alcançados, foi renovada por mais dois anos. No Brasil, a Unesco é responsável por 25 cátedras implementadas em conjunto com entidades de ensino superior de prestígio. O Programa é um plano de ação internacional para promover um sistema integrado de pesquisa, ensino, informação e documentação entre países em vias de desenvolvimento. A UFPA exerce grande destaque ao sediar a única Cátedra Unesco na Amazônia, por isso, sua importância estratégica na promoção do desenvolvimento sustentável da região. “A Cátedra atua na elaboração de projetos que buscam promover a sustentabilidade nos chamados ‘Trópicos Úmidos’. Suas ações também consistem numa apro-
ximação com os governos locais para que eles cumpram acordos e políticas públicas”, destaca o professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) Luis Aragón, coordenador da Cátedra de Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento Sustentável. Segundo Luis Aragón, as cátedras surgem como uma nova forma de cooperar. “A Unesco atentou para a importância de fortalecermos os laços horizontais. Não se trata de rejeitar a cooperação do Norte, mas sim de potencializar os recursos que vêm de lá”, diz. Dessa forma, o coordenador acredita que um real desenvolvimento dos países do Sul, sobretudo dos que compõem a Pan-Amazônia, somente será viável com a valorização e efetivação do intercâmbio entre eles. Resultados - Turismo sustentável no Peru, cultivo e processamento de champignons no Equador e a idealização de uma Rede de Reservas de Biosferas da Amazônia. Mesmo tão distintas, essas iniciativas têm algo em comum: todas podem ser consideradas um desdobramento da Cátedra de Desenvolvimento Sustentável. Isso porque surgiram no contexto de cooperação e estímulo ao desenvolvimento local preconizado pelo Programa. Outro exemplo de que o acordo entre UFPA e Unesco já gerou bons frutos é o Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PDTU), do Naea, imple-
Mácio Ferreira
UFPA sedia única Cátedra Unesco da Amazônia
Diante dos bons resultados, Naea e Unesco renovam parceria mentado em 1994, no âmbito das primeiras negociações do Programa de Cooperação Sul-Sul. Desde então, foram defendidas quase 100 teses que buscam definir estratégias de sustentabilidade econômica, ambiental e social na Amazônia brasileira e em outras regiões. Atualmente, cursam o PDTU quatro estudantes de países da pan-amazônia e há perspectiva de que o número de alunos beneficiados pela parceria aumente com a criação de cursos de especialização. A renovação do acordo, concretizada em fevereiro deste ano, é, portanto, o certificado de que seus objetivos têm sido alcançados. Mas os desafios permanecem. De
acordo com Luis Aragón, a grande dificuldade não é a carência de recursos financeiros; mas, de recursos humanos. Para ele, os pesquisadores ainda têm receio da cooperação Sul-Sul e, embora haja instituições de excelência em países em desenvolvimento, as pessoas tendem a optar por programas de universidades sediadas em nações desenvolvidas. “A academia não vê da mesma forma um doutorado na Índia e um na Inglaterra, por exemplo”, comenta. Apesar das adversidades, a UFPA prossegue conquistando visibilidade e respeito e, sobretudo, promovendo do desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Resultados mostram que participação em oficinas melhora o comportamento e afasta crianças e adolescentes do ócio e da delinquência
Arte é instrumento de intervenção social Crianças participam de oficinas de teatro, balé clássico e canto coral
Jéssica Souza
I
magine uma mola. Quando pressionado fisicamente, esse objeto tende a modificar o seu formato. Ao ser liberado da pressão, imediatamente, a mola retoma seu formato inicial. Essa propriedade refere-se a um conceito da Física denominado “resiliência”, que também pode ser compreendido como a capacidade concreta de algo retornar ao seu estado natural de excelência, superando uma situação crítica. Para além do conceito ofertado pelas Ciências Naturais, a resiliência, do ponto de vista humano, pode ser entendida, também, como a capacidade biopsicossocial de uma pessoa em enfrentar, superar e sair fortalecido de problemas e adversidades. De um modo geral, um ser humano não pode ser comparado a uma mola, mas, adaptando o conceito para as Ciências Sociais Aplicadas, entende-se que um problema grave, por exemplo, na realidade de uma pessoa resiliente, faz com que ela mude a sua forma de conceber e estar no mundo e, a partir do enfrentamento e superação desse problema, retorne à sua forma emocional anterior, ainda que seja com alterações advindas da experiência com a adversidade. Um comportamento não resiliente é o de pessoas que lidam com problemas muito maiores do que a sua capacidade de enfrentálos e que acabam buscando soluções extremas, como o suicídio. “Resiliência: fator de prote-
ção na vida de crianças e adolescentes inseridos na Arte” é uma pesquisa realizada com crianças e adolescentes em situação de direitos violados, atendidos pelo Projeto Crianças e Adolescentes Resilientes (Procriar), da Faculdade de Serviço Social, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que enfoca as linguagens artísticas utilizadas como instrumento de intervenção social na realidade. A pesquisa objetiva investigar se a arte, como ferramenta interventiva, se constitui num elemento propiciador de resiliência em crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade econômica, social e cultural. Luamim – Com bolsa Pibic/CNPq, o plano de pesquisa de iniciação científica da aluna Priscila Pereira Sarquis vincula-se ao Programa “Luamim: peças interventivas na realidade”. A proposta é fazer com que a vivência de atividades artísticas desperte nas crianças o interesse pela participação em movimentos de luta e pela reivindicação de políticas públicas que viabilizem a cidadania e a efetivação de seus direitos. O projeto iniciou em 2007 e, desde então, atende 37 crianças na faixa etária de seis a 14 anos, moradoras dos bairros do Guamá e da Terra Firme, por meio de oficinas de Teatro, Balé Clássico e Canto Coral. As aulas e momentos de convivência ocorrem no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), localizado no Guamá. “O estímulo ao comporta-
Alexandre Moraes
Laïs Zumero e Giselda Fagundes
Heliana Soria: garantia de direitos mento resiliente pode ser feito de diversas maneiras, mas no caso das crianças, optou-se por atividades artísticas por trabalharem com a brincadeira, situações que proporcionem boas condições de convivência social”, explica Priscila. De acordo com a estudante, esse comportamento pode ser avaliado a partir da manifestação de algumas características, como a capacidade de sociabilização, flexibilidade, comunicação, tolerância, justiça, entre outras, observadas durante a realização das oficinas. É aí que entra em atividade o profissional de Serviço Social que intervém na realidade das
crianças para identificar a existência ou não dessas características e, posteriormente, potencializá-las ou estimular seu desenvolvimento. E, nessa perspectiva, a pesquisa levantou dados sobre alguns fatores da realidade das crianças que interferem diretamente na melhoria da sua qualidade de vida, como os fatores de risco e os de proteção. “Os fatores de risco são aqueles que oferecem perigo ou possibilidade de perigo, enquanto os fatores de proteção são aqueles que proporcionam condições de segurança para as crianças. Esses fatores variam de acordo com o grau de resiliência da pessoa, isto é, fator de proteção em excesso, pode acarretar, por exemplo, fator de risco”, observa Priscila. Os resultados da iniciativa foram medidos com a aplicação de questionários sobre aspectos sociais, econômicos e artístico-culturais da vida das crianças e revelaram que as dinâmicas de grupo desenvolvidas no projeto têm fundamental implicação na capacidade de resiliência, bem como na ampliação e internalização de conhecimentos sobre direitos e cidadania. “Constatamos, entre as crianças atendidas pelo Procriar, a ocorrência de mudança de comportamento, além da compreensão de que a participação em oficinas os afasta do ócio, da evasão escolar e da suscetibilidade à violência, realidade comum aos bairros do Guamá e da Terra Firme”, comemora a pesquisadora.
n Atividades de extensão não devem assumir papel do Estado O Procriar nasceu das atividades do Grupo de Estudos e Pesquisas de Resiliência na Amazônia (Resilo), liderado pela professora Heliana Baia Evelin Soria, e faz parte do “Programa Luamim”, criado pelo poeta e jornalista Paulo Martins em 1992. “A intenção é subsidiar a prática profissional mais qualificada na dimensão da ciência e consciência, contribuindo para que grupos excluídos possam ver atendidos os seus direitos constitucionais à cultura, uma vez que o acesso à arte e à cultura é um direito social previsto constitucionalmente; no caso da criança e do adolescente, inclusive, garantido pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA)”, explica Heliana Soria. A palavra Luamim é um neologismo criado por Paulo Martins e significa “filho da lua minguante”. O Programa é premiado com o selo “Cultura Viva”, do Ministério da Cultura. De acordo com a professora, a função de projetos de extensão universitária como o Luamim não é assumir o papel do Estado. “A missão da universidade é formar pessoas que possam auxiliar no desdobramento das políticas públicas a serem promovidas pelo governo. E, de um modo geral, ainda há extrema carência no que consiste a promoção de políticas públicas, principalmente
as voltadas para a infância e, em especial, políticas de arte e de cultura. No bairro do Guamá e da Terra Firme, por exemplo, não encontramos espaços de lazer/convivência que atendam a demanda cultural dos moradores dessas localidades”. Além do Procriar, também fazem parte do Programa Luamim os projetos “ProLuamim”, que atende adolescentes e jovens no processo de aprendizagem cidadã, iniciado com as oficinas de arte; e o “Ser Brasileiro”, que trabalha estimulando a atuação de universitários em pesquisa na área cultural e a participação em oficinas de arte. Mais recentemente, o projeto “Guamá e Terra Firme: a morada de
artistas”, cujo objetivo é promover a capacitação de lideranças de grupos folclóricos dos bairros em foco para potencializarem a sua ação como espaços de agregação de cultura antiviolência, integra o Programa e conta com recursos do PROEXT/Cultura.
Serviço O Programa Luamim está sediado nos altos do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), da UFPA – Campus Profissional. Mais informações pelo e-mail luamimufpa@yahoo.com.br ou pelo telefone 3201-8175.
4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Maio, 2009
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Maio, 2009 –
Infância
Casamento
Circulação de crianças é tema de pesquisa
Em Belém, crescem uniões formais
“Ir e vir” dos pequenos está presente em todas as classes sociais
n Mulheres casam mais tarde
Cristina Trindade Modernidade: crianças se desdobram para cumprir todas as atividades agendadas pelos pais na Amazônia”, de Luisa Maria Silva Dantas, todas três estudantes do curso de Ciências Sociais, da UFPA, e bolsistas de Iniciação Científica, vinculadas ao projeto da professora Angélica. A pesquisa tem se desenvolvido no âmbito das configurações familiares da atualidade, embora, como enfa-
tizou a pesquisadora, o tema deste estudo se constitua em “uma prática muito recorrente e historicamente presente entre nós”. A prática da “circulação de crianças” é definida por Claudia Fonseca, antropóloga que primeiro começou o estudo desta prática no Brasil,
em Porto Alegre (RS), como “toda transação pela qual a responsabilidade de uma criança é transferida de um adulto para outro”. Dados nacionais recentes indicam que, no Brasil, cerca de três milhões e meio de crianças de camadas populares se encontram fora de seus domicílios de origem.
Mácio Ferreira
Angélica: dinâmicas familiares Para Daniele Lopes Igreja, estudante envolvida na pesquisa, a circulação, nas camadas média e alta, distingue-se das demais situações de movimentação, porque se modificam os personagens e os espaços sociais frequentados pela criança. Além disso, a circulação se dá com “fluxos mais curtos, mais intermitentes e mais dinâmicos”, constata. Muitos pais justificam esse “agendamento” com fins de garantir o “futuro” de seus pequenos.
A pesquisa feita pela aluna de graduação Luisa Dantas tratou, justamente, de problematizar os casos das chamadas “crias” de família que, em sua maioria, são meninas advindas do interior do Estado. O projeto focaliza, por outro ângulo, o tema nas relações de circularidade entre as camadas populares. Entregues por sua família de origem, essas meninas “ajudam” nos serviços domésticos em troca de educação, vestuário, alimentação, moradia, ou seja, uma “chance na vida”. A diferença entre a criança das classes média e alta para a das camadas populares reside, entre outros fatores, no que a professora Angélica MottaMaués chama de “obrigatoriedade”. Para essas crianças, muitas vezes, as difíceis condições financeiras de sua família acabam por justificar essa circulação. “A justificativa dada pelas famílias para fazerem as crianças circularem não está só no âmbito do cuidado, mas também na preocupação com o futuro do filho”. Ao entregar a criança nas mãos de outras famílias, geralmente residentes na capital, há uma perda de vínculos entre a criança e seus parentes. Daí, surge o estreitamento dos laços entre a família que acolheu e a criança. Entretanto, Luisa Dantas alerta para a posição ambígua que essa menina passa a ter no seio dessa
nova família, “muitas vezes, essas mulheres convivem desde a infância com as famílias, desenvolvem afeto, gratidão, mas também mágoa devido ao estatuto desigual que lhes é atribuído em relação aos filhos legítimos”. Um fato que ilustra tal vínculo se refere à própria Joana que, no dia posterior ao seu casamento, voltou para a casa da “madrinha”, expressão utilizada, por vezes, pelas “crias” para a mulher que as recebe, pois não conseguia ficar longe ou se adequar à nova situação. Resultado: Joana passava o dia na casa da patroa e seu marido a buscava todas as noites. Solidificadas as relações de “quase da família”, as “crias” também circulam dentro da família que as recebeu, muitas servindo gerações de filhos de uma mesma família até a morte. Para Angélica Motta-Maués, a circulação de crianças, em seus diversos formatos, espaços de atualização, personagens, motivações, sinaliza bem a multiplicidade de combinações que traduzem as dinâmicas familiares brasileiras. Neste sentido, “a prática da circulação de crianças pode ser pensada como uma estrutura básica (ainda que não pelas mesmas razões, por vezes) da organização de parentesco no Brasil. E não apenas dos “grupos brasileiros de baixa renda”, como tem sido sempre referido”, ratifica a antropóloga.
E
ntre as mudanças de comportamento e de costumes ocorridas no século XX, o estabelecimento da informalidade na união entre um homem e uma mulher é uma das mais acentuadas, particularmente nas camadas médias. Nas duas últimas décadas do século passado, as estatísticas já apontavam para um crescimento das uniões estáveis de muitos anos e com filhos, mas sem formalização. Casar no “civil e no religioso” deixou, assim, de ser fundamental para se constituir uma família. Estaria o casamento formal, sobretudo o religioso, destinado a ser apenas lembranças no álbum de recordações, ou restrito a grupos tradicionalistas da sociedade? Os resultados de um estudo, realizado em Belém, mostram o contrário. Pelo menos na capital paraense, tanto para grupos de camadas abastadas como entre os mais carentes, o casamento na igreja ainda tem um significado muito forte. “Embora não exista uma pressão da sociedade, como se via em tempos passados, em algum momento de suas vidas, as pessoas almejam oficializar a união conjugal por meio
do casamento religioso”, diz a antropóloga e historiadora Cristina Donza Cancela, docente e pesquisadora do Laboratório de Antropologia da UFPA, onde foi desenvolvida a pesquisa “Casamento e família em Belém: estrutura e valores”. A pesquisadora analisou os registros de casamento católico, realizados no período de 1995 a 2006, em quatro paróquias de Belém. Foram levantados, por meio de fonte serial, os documentos das paróquias São Francisco de Assis, em São Brás; São Pedro e São Paulo, no Guamá; Nossa Senhora da Conceição, na Pedreira, e Arquidiocese de Belém (Sé), na Cidade Velha. Certidões – Cerca de três mil certidões de casamento foram consultadas com o objetivo de traçar o perfil do casamento atual, a partir de dados como a idade e a naturalidade dos nubentes, o local de moradia, além do significado do casamento para as pessoas. Os resultados mostram que, embora a prática do “viver junto” seja intensa nesse período, o percentual de casamentos também é alto e cresceu nos últimos cinco anos. Também se
observa um aumento no número de casais que buscaram oficializar sua união perante a Igreja Católica mesmo que, do ponto de vista legal, não tivessem a necessidade de fazê-lo. De acordo com a pesquisadora, “atualmente, ainda se tem a ideia de que casamento formal é algo mais típico das camadas médias e que, por não terem dinheiro, as pessoas pobres vivam juntas, sem instituírem a união. Por isso consultamos paróquias em bairros centrais e de periferia, onde comprovamos que, entre os segmentos mais populares, o casamento, mesmo não sendo uma prática corriqueira, não deixa de ser um ideal, tem um valor simbólico muito presente, ainda que o significado seja diferente”. Foi na paróquia de São Pedro e São Paulo, no bairro do Guamá, que esse quadro ficou evidenciado com a grande procura pelo casamento comunitário, mesmo por quem já tem anos de conjugalidade e filhos. “No bairro, eles são vistos como casais, sem nenhum estigma, se assumem como marido e mulher. O código civil ampara a relação nas questões patrimoniais, mas ainda assim, querem passar pelo ritual do casamento, que para eles tem um valor simbólico e não prático”, ressalta Cristina Cancela.
n Registros retratam a migração na Amazônia A formação da família moderna e a estrutura do casamento em Belém, no período de 1870 a 1920, constituíram o tema da tese de doutorado da pesquisadora Cristina Donza Cancela. O estudo defendido na Universidade de São Paulo (USP) analisou o perfil do casamento na virada do século XIX para o século XX, tendo como fonte de pesquisas os registros da Igreja da Sé, da Trindade e da Basílica de Nazaré. O projeto “Casamento e família em Belém: estrutura e valores” surgiu a partir da inquietação da pes-
quisadora em comparar as questões referentes à conjugalidade dos belenenses na virada do século XX para o atual com o momento anteriormente estudado para composição da tese. O estudo teve o apoio do Programa de Apoio ao Recém-Doutor (Pard/ CNPq) e contou, ainda, com o auxílio dos estudantes Breno Alencar e Elayne Santos, bolsistas de Iniciação Científica. “O casamento em Belém, no período de 1870 a 1920, era algo recorrente nas camadas médias e de elite quando as pessoas tinham um
patrimônio para institucionalizar. As pessoas mais pobres, comumente, viviam juntas, pois casar podia sair caro”, afirma Cristina. No final do século XIX, Belém vivia o período áureo da borracha. A migração nacional e estrangeira era intensa, influenciando o registro dos matrimônios. Assim, 41% dos casamentos realizados na Paróquia de Nazaré eram de pessoas de fora, a maioria nordestina. Hoje, apenas 12% dos casamentos realizados são de pessoas que não nasceram no Pará.
Há mudanças significativas também na idade dos nubentes. As mulheres, em sua maioria, casavamse entre os 14 e 25 anos. Hoje, casam entre 25 e 35 anos. Já os homens casavam a partir dos 21 anos. Hoje, casam mais após os 30 anos. Os casamentos eram, tradicionalmente, realizados no mês de maio. Hoje, a preferência é por julho e dezembro. A idade atual dos nubentes comprova as estatísticas oficiais de que, com a entrada maciça no mercado de trabalho e com investimento maior na formação educacional, a mulher está casando mais tarde. Mas isso não significa que a vida afetiva está sendo posta de lado. Muitas estão casando com mais de 30 anos, mas algumas estão apenas oficializando uma relação já existente há anos. “A mulher, muitas vezes, estabelece uma relação de conjugalidade com o seu parceiro e, paralelamente, vai investindo na vida profissional e, em algum momento, o casal oficializa a união”. A conjugalidade do “viver junto” entre essas pessoas ficou evidente na documentação dos nubentes, pois muitos já compartilhavam o mesmo endereço. Outro ponto levantado diz respeito à moradia dos nubentes. Nos registros examinados nas paróquias de São Brás e na Sé, percebeu-se que nem sempre os noivos são moradores do bairro onde essas igrejas estão localizadas. Já na paróquia do Guamá, muitas vezes, tanto o noivo quanto a noiva são moradores do bairro, havendo uma maior homogamia espacial. As mudanças na configuração do casamento se refletem na configuração da própria família, cada vez mais pautada na valorização do diálogo. É nesse novo modelo de família, em que os papéis são questionados, que pode surgir o rompimento do casamento. “Mas isso não significa que as pessoas não queiram uma família. O que querem é também manter uma relação de qualidade e menos hierárquica” esclarece a pesquisadora. Mácio Ferreira
Realizados preferencialmente nos meses de julho e dezembro, casamentos formalizam união já estabelecida
n Crianças têm vida “agendada” n Circulação pode durar anos Entretanto, em artigo apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia, em junho de 2008, na Bahia, Angélica Motta-Maués sugere que a prática do ‘ir e vir’ de crianças não se restringe às famílias de baixa renda, mas envolve também o cotidiano das classes média e alta. Apesar de surgirem de uma mesma matriz conceitual, a movimentação de crianças entre as classes difere ou pode diferir entre si. As distorções estão tanto no âmbito da prática, quanto no seu porquê. Os casos de Joaquim e Joana, nomes fictícios de personagens exemplificados pelas pesquisadoras no artigo aqui referido, são emblemáticos. Joaquim, de oito anos de idade, tem seu tempo todo ocupado pelas atividades programadas por seus pais - tem “uma vida agendada”, como diz sua mãe. Segundo Angélica, ao contabilizar as horas que o menino passa se deslocando de uma atividade para outra, chega-se à conclusão de que ele passa, pelo menos, um dia inteiro da semana, na contagem total de horas utilizadas, dentro do carro da família. E mais ainda, a antropóloga considera que esse tempo pode corresponder à parte considerável do próprio tempo de convivência entre eles.
Neste início de século, rituais civil e religioso têm valor simbólico Alexandre Moraes
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om oito anos de idade, Joaquim já tem uma rotina de adulto. Escola, futebol, natação, acompanhamento escolar, kumon, fonoaudióloga durante a semana e, aos sábados, aulas de reforço. Um pouco distante dali, da casa e da vida de Joaquim, Joana é levada de casa, no interior do Estado, para “brincar” com Lindalva, menina de três anos, que mora na capital. Aparentemente, não há ligação alguma entre essas duas realidades. Entretanto, ambas exemplificam o que a Antropologia chama de “circulação de crianças”. Na Universidade Federal do Pará, o projeto “Modos e Modas de Família: configurações, ‘circulação de crianças’ e adoção na Amazônia”, coordenado pela professora Maria Angélica Motta-Maués, do Laboratório de Antropologia “Arthur Napoleão Figueiredo” e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, pesquisa sobre o tema. Em que consiste a prática da circulação de crianças? Quais as situações que podem ser consideradas “circulação”? Diante da multiplicidade de casos que envolvem o tema, o projeto abrangeu, até agora, mais três propostas de estudo: “Falando de família”, de Nara Isa da Silva Lages; “Formas de família e cuidados com a criança em Belém”, de Daniele Greice Lopes Igreja, e “Pais ou patrões? Um estudo sobre ‘crias de família’
Eunice Pinto/Ag. Pará
Andréa Mota
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Cristina: questionamento de papéis
8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará –Maio, 2009
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Maio, 2009 –
Família
Recém-nascidos
Estudo propõe medidas que diminuem o sofrimento nos primeiros dias
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há de erva-doce, infusões, medicamentos... esses e outros métodos são comumente usados por pais de recém-nascidos na tentativa de sarar ou amenizar a dor do neném. Entretanto, pesquisas recentes mostram que o colo materno e a água com açúcar são capazes de reduzir, em até 50%, as primeiras dores dos bebês. O resultado é fruto da tese de doutorado defendida pela professora Aurimery Gomes Chermont, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA). A pesquisa, realizada em uma maternidade de Belém, foi feita por amostragem, com 640 recém-nascidos, durante as suas primeiras horas no hospital, no período de março de 2006 a outubro de 2007. Todos os participantes eram saudáveis e foram divididos em quatro grupos. O primeiro grupo recebeu apenas glicose dois minutos antes da vacinação contra a hepatite B. O segundo grupo foi colocado em contato direto com a pele da mãe dois minutos antes e durante o procedimento. No terceiro, foi aplicado o combinado entre as duas medidas não-farmacológicas (colo materno e água com açúcar) e o quarto grupo não recebeu nenhuma das fórmulas. Para validar seus resultados, Aurimery, orientada pela professora Ruth Guinsburg, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), utilizou três escalas validadas de dor, baseadas em expressões faciais, choro, movimentos de braços e pernas, entre outras características. E concluiu que, isoladas, as duas práticas (colo e água com açúcar) diminuem em 30% a ocorrência da dor. Porém, quando aplicadas juntas, os episódios dolorosos são reduzidos pela metade. Especialistas em neonatologia - subespecialidade da Pediatria que trata de crianças desde o nascimento até o
n Estimulação sensorial múltipla
Fotos Mácio Ferreira
Raphael Freire
Cheiro da mãe ajuda no combate à dor 28º dia de idade - afirmam que, nos primeiros momentos após o nascimento, os bebês enfrentam cerca de 100 episódios dolorosos, como o teste do pezinho, a aplicação de injeção de vitamina K e a coleta de material para exame. De acordo com Aurimery, a pesquisa mostra que “tratar a dor é ético e humanitário”, principalmente em pacientes que não conseguem verbalizar seu desconforto, como é o caso dos bebês neonatos.
Aurimery: "tratamento é ético"
Primeiros cuidados com o recém-nascido Limpeza do cordão umbilical: deve ser realizada com uma gaze esterilizada em álcool, três vezes ao dia. Entre o 7º e o 15º dia de vida, o cordão cairá.
que alguém as corte com uma tesoura de pontas redondas, enquanto outra pessoa segura o dedo do bebê.
Limpeza do ouvido: deve-se limpar a parte externa, o orifício do canal auditivo na sua porção externa. Jamais se devem limpar os ouvidos por dentro, já que isso estimula a secreção de cera e pode lesionar o canal auditivo.
Limpeza dos olhos e do nariz: os olhos devem ser limpos com soro fisiológico. Já no nariz, deve-se fazer uma higiene externa, nunca interna. E quanto aos pontinhos brancos que aparecem no nariz, são cistos sebáceos que desaparecem naturalmente.
Corte das unhas: se tiverem muito compridas, o ideal é
Limpeza da boca: envolver o dedo na fralda umedecida com
água mineral e passar na língua do bebê. Não é necessário fazê-la a cada mamada. O modo de dormir: o bebê deve dormir sempre de lado, a fim de evitar a morte súbita. Durante os quatro primeiros meses, no quarto dos pais para estar sempre ao alcance da mãe. Fragilidade na moleira: essa região pode ser acariciada e lavada normalmente, porém não é aconselhada a pressão, pois não há camada óssea para proteger o cérebro do bebê.
Na comunidade acadêmica, a origem do efeito analgésico, resultante da combinação entre colo materno e água com açúcar, ainda não é consensual, porém presumese que esse efeito decorra de uma estimulação sensorial múltipla, em que o cheiro da mãe, o pele a pele, os batimentos cardíacos escutados pelo neném, possivelmente, bloqueiem a chegada do estímulo que levaria a dor ao sistema nervoso central. Outra justificativa é que essa estimulação sensorial ocorra devido à liberação de opioides endógenos (substâncias “calmantes”, produzidas pelo próprio organismo), pela estimulação de receptores gustativos na cavidade oral. Os testes comprovaram que a combinação, além de reduzir os indicadores de dor - mímica facial, frequência cardíaca e saturação de oxigenação - diminui também o tempo de duração desses sintomas. Fato que ajuda na redução do uso de medicamentos analgésicos em recém-nascidos. É importante lembrar que qualquer remédio utilizado possui efeito colateral e por isso a medicação analgésica, seja farmacológica ou não, deve ser indicada com base em evidências científicas. Com os resultados obtidos pela tese, muitas mães podem pensar que o colo materno e a glicose (água com açúcar) resolvem toda e qualquer dor nos bebês, como amenizar a cólica, por exemplo, mas o efeito analgésico, em situações como essas, não será o mesmo. O método é válido somente em determinadas circunstâncias - antes da aplicação da vacina contra hepatite B e nos primeiros momentos de vida. A professora Aurimery faz uma importante recomendação: “não é para deixar de amamentar o neném”, enfatiza. Portanto, a combinação não foi realizada para substituir o leite materno em momento algum. A pesquisadora pretende dar continuidade ao estudo avaliando a eficácia de soluções mais concentradas da glicose na redução da dor durante procedimentos dolorosos agudos, rotineiros no atendimento neonatal. A ideia também é implantar o método, eficaz e de baixo custo, em maternidades e postos de saúde locais, onde os recém-nascidos, geralmente, recebem vacinas e passam por episódios dolorosos. Segundo Aurimery Chermont, para que pesquisas nessa linha avancem ainda mais, seria importante que houvesse uma maior interação entre os cursos da área da saúde, pois fisioterapeutas, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, entre outros, contribuiriam de diversas maneiras e tornariam o estudo interdisciplinar, promovendo descobertas significantes para a sociedade em geral.
Avós garantem renda e afeto
Instabilidade econômica e emocional faz da casa da vovó o porto seguro Tatiara Ferranti
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o bairro do Jurunas, situado na periferia de Belém, há flores e pedras preciosas que muitos nem sabem que existem, mas elas assumem lugar central na socialização, na convivência familiar e na transmissão de regras e valores morais de crianças. Amarílis, Dália, Violeta, Safira, Pérola, Esmeralda, como são identificadas algumas das avós entrevistadas durante a pesquisa que resultou na tese de doutorado da professora Selma Suely Lopes Machado, do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA, não são mulheres “coitadinhas”, que necessitam de cuidado. Pelo contrário, elas são as vovós que garantem bens materiais e simbólicos por meio das práticas do cuidado com os netos. “Tudo sou eu que pago com minha pensão, inclusive as contas. Eu sou o homem e a mulher da casa”, afirma Pérola. A tese “O legado das avós e os bens do cuidado. Estudo sobre família, gerações e redes sociais em bairro popular de Belém/PA”, defendida em agosto de 2008, sugere uma nova maneira de entendermos a família, que pode ser composta por famílias extensas em que três ou mais gerações coabitam o mesmo espaço domiciliar, e não apenas
EM DIA
Alexandre Moraes
Pesquisa indica colo e água com açúcar
Energia O professor João Tavares Pinho, da Faculdade de Engenharia Elétrica, foi eleito presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (ABENS). A eleição ocorreu em março, por meio de votação eletrônica no site da ABENS. A nova diretoria reúne pesquisadores do Instituto Federal de Santa Catarina, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal do Ceará e da Universidade de São Paulo. Cuidados com os netos têm misto de prazer e obrigação
pelo modelo tradicional - pai, mãe e filho. Segundo a professora, compreender esses novos modelos inclui a possibilidade de se ter diferentes formatos de família. “É importante considerar isso no âmbito das políticas públicas e da legislação. Olhar essa família e, à primeira vista, não rotulá-la de desestruturada já é um avanço significativo”. Para Selma Machado, um dos objetivos do estudo é oferecer,
inclusive aos assistentes sociais que trabalham e convivem com famílias e pessoas idosas, uma compreensão maior sobre o assunto. Ela acredita que um dos desafios é olhar os papéis sociais diferenciados entre homens e mulheres na família. No caso dos homens, “eles estão historicamente distanciados dessa relação do cuidado porque, por via de regra, foram socializados dessa forma. Precisamos reverter isso”, defende.
n Criando, olhando ou reparando os netos A pesquisa revelou que as avós são as líderes de família e assumem o lugar de provedoras econômicas e a gestão dos cuidados maternais, estabelecendo trocas de ordem material, simbólica e laços afetivos com as demais gerações, em especial, com os netos. As avós do estudo possuem entre 58 e 74 anos, a maioria migrou do interior para Belém, possui baixa escolaridade (ensino básico incompleto) e precária inserção no mercado de trabalho. Todas são proprietárias dos seus imóveis, algumas ocuparam áreas de invasão, mas já foram regularizadas. Possuem renda men-
sal girando em torno de um salário mínimo. Na relação de cuidado com os netos, elas estabelecem uma distinção entre criar e reparar ou olhar os netos, enquanto as filhas ou noras fazem alguma atividade fora de casa. Criar significa assumir o neto como filho e arcar com todas as responsabilidades financeiras e afetivas, mesmo que os pais morem juntos. Já reparar é sinônimo de cuidar dos netos por um tempo provisório, com autoridade parcial sobre eles e sem arcar sozinha com as despesas. O estudo mostra que nenhu-
ma das entrevistadas oficializou uma relação de adoção ou de guarda dos netos. Todos são registrados no nome dos seus respectivos pais biológicos e conhecem as suas mães, mas acabam ficando com as avós ou optando por morarem com elas por se sentirem mais acolhidos, por terem maior conforto material e laços de afeto mais intensos. Entretanto, esse cuidado tem um misto de dever e de prazer. “Tece-se uma relação de dever moral e obrigação com a parentela, de cuidar porque é do próprio sangue. Mas, o prazer e o afeto acabam mesclando a obrigação”, explica a professora.
n Avós atendem ao circuito do cuidado Mas, por que as avós optam por cuidar dos netos? Segundo Selma Machado, há uma expectativa velada do cuidado recíproco, “obedecendo à lógica de que eu cuido hoje para amanhã também cuidarem de mim. É o circuito do cuidado: dar, receber e retribuir. Essa lógica familiar relacional. aliada ao suporte das políticas públicas, permite a reprodução social desses grupos”. A professora considera legado os bens simbólicos que as gerações de avós transmitem aos netos em termos de valores morais. “Hoje, eu identifico que elas ocupam um papel central na
socialização dessas crianças, tanto na forma de educar quanto nos próprios cuidados maternais que elas têm com os netos, (re)atualizando seu lugar social no cenário doméstico”. A precariedade do trabalho nas camadas populares gera a instabilidade dos filhos, que não conseguem ter renda ou trabalho estável, além de outras dificuldades materiais e emocionais que comprometem a sobrevivência doméstica. Em decorrência disso, o domicílio das avós passa a ser compartilhado por vários núcleos residenciais. “Eu encontrei entrevistada que já cria até bisnetos.
Então, prevalece a perspectiva do coletivo nessa dinâmica relacional. A renda que se ganha é em função do grupo”, explica. De acordo com Selma Machado, as avós demonstraram uma preocupação especial com o aprendizado formal, como estratégia de melhoria das condições de vida. Das nove entrevistadas, cinco participavam de um programa de alfabetização de adultos. Quanto aos netos e bisnetos, com idades entre 02 e 18 anos, todos estudam ou estão em creche, “aí percebemos a importância do suporte público, que oferece escola, saúde e outros serviços”.
Congresso Estão abertas as inscrições para o III Congresso Brasileiro de Eficiência de Energia, que acontecerá em Belém, no período de 07 a 10 de setembro. O evento é coordenado pela Universidade Federal do Pará e contará com sessões técnicas – para apresentação de artigos, feira de exposições de empresas e instituições associadas ao tema, além de minicursos painéis e palestras com convidados de renome internacional. Mais informações no site http://www. cbee2009.ufpa.br
Portal de Periódicos A Capes está disponibilizando para teste e apreciação, até o dia 10 de maio, no Portal de Periódicos, a base de dados Bertham Science, com informações nas áreas farmacêutica, médica e biomédica. Dependendo do número de acesso, a Capes analisará a possibilidade de adquirir o conteúdo para a inclusão no Portal. Mais informações no site http://www.periodicos.capes.gov. br/portugues/index.jsp
Amazônica A Amazônica - Revista em Antropologia, editada pelas professoras Denise Schaan e Jane Beltrão, recebe, até o dia 15, trabalhos para sua edição de setembro. O periódico pretende ser um fórum de debate e divulgação de pesquisas científicas da região. Os interessados podem enviar artigos, resenhas, resumos e ensaios. Mais informações no site http://www.periodicos.ufpa.br/ index.php/amazonica/index
Minerais No período de 18 a 22, o Instituto de Geociências promove a 7ª Semana Nacional de Museus. Estão previstos cursos e palestras nas áreas de mineralogia e geoquímica.
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BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Maio, 2009 –
Imaginação
Educação
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ra uma vez, há muito tempo, uma princesa que vivia num grande castelo. Era uma vez um golfinho que saía do rio e se transformava em homem para seduzir donzelas em noites de festa no interior. Era uma vez príncipes, bruxas, visagens e assombrações que povoavam histórias contadas para crianças antes de dormir e que influenciavam, definitivamente, o adulto que elas viriam a ser. “A criança fala, expressa seus sentimentos, ideias, dificuldades, problemáticas e revela seu desenvolvimento. Se quisermos investigar a infância, somente quem a vive poderá dizer como é. Por isso, as crianças são a melhor fonte para estudarmos as questões do universo infantil”, defende Laura Alves, pesquisadora das narrativas polifônicas nos discursos infantis e professora da pósgraduação do Instituto de Educação da UFPA. Durante a pesquisa para sua tese de doutorado, a pesquisadora ouviu crianças, entre cinco e 12 anos, contarem suas histórias favoritas. “Meninos e meninas narram histórias a partir das que contaram para eles. Algumas foram contadas pelos pais, professores, avós e amigos. Outras foram descobertas em páginas coloridas de livros infantis. Mas todas narram o enredo a partir de uma matriz cristalizada em sua mente, uma espécie de versão da história que a criança
Cláudio Santos/Ag. Pará
Narrativas podem ser usadas como ferramentas para a formação infantil
Ao ouvir e contar histórias, a criança desenvolve habilidades para a leitura
Durante o estudo, as crianças e as narrativas se dividiam em dois grupos. As meninas preferiam os contos de fada e os meninos, as lendas amazônicas, especialmente as que tratam de visagens e assombrações. “Meninos buscam aventura e ação e as meninas se identificam mais com a emoção das princesas. O ritual da metamorfose da Gata Borralheira que se torna realeza em um toque de mágica é mais interessante para as meninas. Os meninos contavam histórias como ‘A moça do táxi’ e a lenda da Matinta Pereira, buscando provocar o medo e a emoção com momentos de impacto e suspense”, resume a pesquisadora. “Embora as diferenças tenham a influência dos papéis sociais de homens e mulheres, as crianças não têm a lógica do preconceito. Elas não têm valores morais e tabus, mas, quando crescem, passam a sentir as influências sociais e a serem influenciadas por uma cultura de gênero que as leva, com o tempo, a elegerem seus contos literários favoritos”, avalia Laura Alves. As lendas do Boto, do Curupira e da Matinta Pereira eram as favoritas da criançada. “Nesses casos, temos uma peculiaridade. Diferente dos contos de fada, que se mantêm mais padronizados, as lendas regionais ga-
Alexandre Moraes
n Contos de fada e lendas
Laura: narrativa é aprendizagem nharam versões múltiplas no imaginário popular, baseadas em experiências e nas relações sociais de cada um. As crianças contam essas histórias com tanta propriedade que fica claro que creem no que estão narrando”. A psicóloga reafirma que “infelizmente, ainda não sabemos usar as narrativas como parte da formação das crianças. Esse não é apenas um momento lúdico, mas uma oportunidade de aprendizagem. É certo que a criança ouvir e recontar histórias desenvolve habilidades para a leitura”.
guarda para si. Crianças menores, com até seis anos, tendem a seguir fielmente essa matriz. Acima dessa idade, elas começam a questionar a versão contada e a interferir na história”, revela Laura Alves. Muitos pais se perguntam por que seus filhos pedem tanto para repetir inúmeras vezes as mesmas histórias. Esse comportamento é comum na fase de construção de sua matriz. “Na verdade, cada vez que ouvem a narrativa, os meninos e as meninas fixam-nas mais nitidamente. É como se a matriz, a lembrança da história construída pela criança, ficasse mais nítida, presente a cada leitura”, explica a pesquisadora. Conforme as crianças crescem e sua matriz se fortalece, elas começam a cobrar fidelidade aos detalhes e, depois, passam a acrescentar elementos que tornem sua versão mais interessante. “Elas começam a perguntar e a exigir todos os passos da história: ‘Cadê a bruxa? E onde está o príncipe?’ Pouco tempo depois, é como se elas se descobrissem enquanto narrador. É como se nos dissessem: ‘Eu sei como é o conto, mas eu sou o narrador agora e posso contar como quiser, porque essa é a minha história’. Eles começam a tornar a narração um elemento de sociabilidade e tentam dar ênfase para atrair seu ‘público espectador’”, comenta Laura Alves. “Tivemos, por exemplo, versões originais em que a Chapeuzinho Vermelho encontra, além do lobo, um anjo na floresta”.
n Narrativas refletem sofrimento Ao analisar as histórias contadas por crianças internadas no Hospital Universitário João de Barros Barreto, a psicóloga Celina Monteiro Azevedo percebeu que os narradores mirins refletiam em seus personagens os problemas que enfrentavam no dia a dia. “Internadas, essas crianças sofriam com dois tipos de dificuldades. De um lado, o isolamento e o afastamento da família, da escola, dos amigos. De outro, a expectativa trazida pela própria enfermidade, como o medo e os incômodos do tratamento. A maioria das crianças veio do interior do Estado para se tratar na capital e, por isso, era comum estar acompanhada apenas por um familiar ou mesmo por um parente desconhecido que vive em Belém. Essa situação causava um estresse intenso nos meninos e meninas”, avalia Laura Alves, orientadora da pesquisa. “A Celina percebeu que a prática da narrativa ajudava a aliviar o sofrimento dos pequenos pacientes e propôs essa atividade lúdica como forma de intervenção e melhoria dos cuidados com crianças internadas em hospitais”. As duas pesquisas fazem parte do livro “Educação infantil e Estudos da Infância na Amazônia”, que reúne pesquisadores na discussão do
antigo modelo educacional aplicado em Belém, a Escola Cabana; da formação de professoras que trabalham com a alfabetização de crianças; das influências narrativas nas histórias de crianças de Belém; dos critérios de seleção de histórias contadas por crianças hospitalizadas; do abuso sexual contra crianças na Amazônia e dos desafios da educação rural na ilha do Marajó. O livro apresenta uma polifonia discursiva sobre a educação infantil e a situação da criança na Amazônia. “Ao trabalhar na pós-graduação do Instituto de Ciências da Educação da UFPA, percebi que nós não tínhamos produções bibliográficas nossas, do Estado e da Região, na área da infância. O resultado deste livro não poderia ser melhor. Poucos meses depois de lançado, ele já é referência para outros pesquisadores”, comemora a organizadora do livro, Laura Alves.
Serviço O livro “Educação Infantil e Infância na Amazônia”, lançado pela Editora da UFPA, custa R$ 25,00 e está disponível na Livraria do Campus, localizada na Cidade Universitária José da Silveira Netto.
UFPA investe na formação de professores
Reserva de vagas e licenciaturas visam ao desenvolvimento da rede pública Suzana Lopes
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uando, na década de 60, o governo brasileiro começou a investir maciçamente em educação, vislumbrou-se, apenas, a questão quantitativa, ou seja, para democratizar o acesso ao ensino, construíram-se escolas, muitas escolas. A expansão da educação básica foi desproporcional à capacidade de as universidades formarem professores para atuarem na rede. Sem contar com os diversos fatores que tornaram a profissão de educador pouco atrativa, como precárias condições de trabalho, baixa remuneração e ausência de planos de carreira. Foi neste contexto que, mais incisivamente na década de 1980, a Universidade Federal do Pará começou a expressar maior preocupação com a qualificação de professores. A partir de 1987, intensificou-se o processo de interiorização da Universidade, com a abertura de cursos, em especial, de licenciatura, em campi e núcleos no interior paraense. “Ainda assim, 20 anos de interiorização não foram suficientes para suprir o déficit na formação de professores para o ensino básico”, analisa o Pró-Reitor de Ensino de Graduação da UFPA, professor Licurgo Brito. “Apenas 10% dos professores que atuam na capital e no interior do Estado têm a qualificação adequada”, informa. Resultado: hoje, só no Estado do Pará, 40 mil professores do ensino básico da rede pública não têm curso superior e 22 mil possuem uma licenciatura, mas ministram aulas de
n O desafio da formação docente Formar professores na Amazônia é uma tarefa que propõe vários desafios. O primeiro é aliar a prática à pesquisa em educação. “As pessoas ainda não têm a consciência, de um modo geral, de que o ato de educar é um ato que envolve constante reflexão e que é tema permanente de pesquisa”, enfatiza Licurgo Brito. Para ele, o aspirante a professor deve vislumbrar, já nos primeiros contatos com a prática docente, que é preciso pesquisar e não apenas cumprir cargas horárias e conteúdos programáticos. O segundo desafio da formação docente é o confronto entre a teoria e a vivência. Na universidade, o futuro professor aprende, na perspectiva dos melhores procedimentos metodológicos, relações humanas harmoniosas e boas condições de infraestrutura. “É quando ele chega à sala de aula que está o desafio, quando ele se depara com a violência, com as precárias instalações, com as dificuldades de relacionamentos, porque ele não foi preparado com o pé no chão da escola”, avalia o pró-reitor de Ensino.
Fotos Mácio Ferreira
Contação de histórias não é brincadeira
Glauce Monteiro
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Edukanet: software propõe processo interativo de aprendizagem outras disciplinas para as quais não têm a devida qualificação. Na tentativa de melhorar esse quadro, a UFPA está fazendo parcerias com o governo estadual, por meio do protocolo Secretaria de Estado de Educação - Instituições de Ensino Superior (Seduc-IES). O acordo existe desde 2006 e tem como objetivo favorecer o desenvolvimento da educação pública do Pará. A proposta é executar ações conjuntas, como a oferta de cursos
de licenciatura estratégicos em alguns municípios paraenses. A mais recente ação da UFPA, resultante dessa parceria, é a reserva de 50% das vagas das licenciaturas oferecidas nos campi do interior para professores da educação básica sem a qualificação adequada. Essa medida valerá para os cursos de licenciatura ofertados no Processo Seletivo Especial, que acontece em maio de 2009, e está sujeita à aprovação para os próximos concursos.
Licurgo: "educar envolve reflexão"
n Tecnologia a serviço da matemática Um grande desafio, não só para a formação de professores, mas também para todo o processo de ensinoaprendizagem, é o avanço tecnológico. Internet, softwares interativos e outros instrumentos cada vez mais se incorporam ao cotidiano da sociedade. E utilizá-los para potencializar o processo educacional é um caminho vislumbrado por alguns professores. É o caso do Projeto Edukanet, iniciado em 2003, sob a coordenação do professor Danilo Alves, da Faculdade de Física da UFPA, e dos pesquisadores Edgardo Cheb-Terrab e Katherina Von Bülow. Trata-se do desenvolvimento de um programa educativo para alunos do ensino médio. O software disponibiliza ao estudante conteúdos de matemática em cinco idiomas (português, espanhol, inglês, francês e mandarim). São interfaces com textos explicativos e atividades altamente interativas que possibilitam a participação do estudante em todo o processo de aprendizagem. “Cada tópico do conteúdo pode ser explorado pelo aluno com um clique. Aparece o que nós chamamos de Applets Interativas Edukanet (AIE),
que são interfaces com um texto mínimo que dá a ideia central do assunto e, a partir daí, a aprendizagem acontece com a exploração do conceito com várias atividades interativas”, explica Danilo Alves. O diferencial do software para um livro, por exemplo, é a possibilidade de o próprio aluno experimentar exemplos e verificar a solução. É essa interatividade que caracteriza a posição ativa do aluno no processo, em oposição ao modelo tradicional de educação, em que o professor repassa assuntos e os estudantes apenas ouvem. Atualmente, o projeto está em fase de testes com grupos de alunos de escolas públicas. A previsão é que, no segundo semestre de 2009, o material esteja pronto para ser disponibilizado na internet. O acesso para estudantes da rede pública será gratuito e para alunos da rede privada equivalerá ao preço de um livro didático; tudo dependerá de parcerias com secretarias de educação, escolas brasileiras e estrangeiras. Mas o Edukanet não para por aí. “Além do software de matemática do ensino médio, estamos desenvolvendo outros com conteúdos de física dos en-
sinos fundamental e superior. A ideia é também estender a outras disciplinas”, adianta Danilo Alves. Projetos como esse propõem novos posicionamentos tanto para o aluno, como para o professor. “Há uma realocação do professor, que vai deixar de ser aquele que está escrevendo no quadro para ser aquele que explica, orienta, instiga. O programa vem para complementar a educação, permitindo, assim, que o docente tenha uma função mais refinada de interação com os alunos e aprofundamento dos conteúdos”, afirma Silvio Pereira, que faz parte da equipe do Edukanet e, em sua dissertação de mestrado, entre outras coisas, analisou o uso das interfaces interativas pelos estudantes. Já que o professor, nessa nova proposta de educação, cumpre papéis diferenciados, eis mais um desafio para a formação de educadores. As escolas e universidades precisam preparar gerações com um pensamento mais aberto à inserção criativa e inteligente da tecnologia, não somente como substituta de homens, mas também como provedora de experiências de ensinoaprendizagem mais enriquecedoras.