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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2010
Entrevista
“A globalização tende a aumentar o etnocentrismo"
JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 84 • Junho/Julho, 2010
Karol Khaled
UFPA investe em tecnologia
Projeto propõe análise de sofrimentos psíquicos causados pela intolerância diante das diferenças culturais. Rosyane Rodrigues
acontece com as pessoas aqui acontece em qualquer lugar. Os mecanismos psíquicos se assemelham, são universais. O objetivo da Psicanálise é fazer com que aquilo que não é dito em outro lugar possa ser dito ali, no espaço terapêutico
Beira do Rio – Quais são os objetivos do Projeto "Processos identificatórios e diversidade cultural: proposta de constituição de um dispositivo terapêutico”? Suzana Pastori – O objetivo é pensar que a questão psíquica tem relação com a questão cultural. É uma tentativa de constituir um dispositivo terapêutico grupal, destinado a pessoas que vêm do interior. O importante nesse Projeto é você tomar como referência alguns aspectos culturais e voltar a atenção para isso. Ao longo do meu trabalho, percebi que as pessoas que vêm do interior, principalmente, perdem o referencial cultural e familiar.
Beira do Rio – Explique o que seria esse "dispositivo terapêutico"? S.P. – É um espaço onde as pessoas poderiam falar, dizer os "não-ditos", aquilo que não tem espaço para ser dito em outro lugar por não ser socialmente aceito ou ser proibido. Embora existam as especificidades de trabalhar com grupo, ou seja, que você possa partilhar o que é dito, isso faz com que as pessoas sintam-se encorajadas a falar e a dizer coisas que não teriam espaço em outros ambientes. O trabalho é este: fazer com que essas coisas possam ser ditas e partilhadas com outras pessoas com a mesma experiência.
Beira do Rio – Que sintomas apresentam os migrantes que estão em sofrimento psíquico? S.P. – Precisamos ter cuidado para não generalizar, mas os principais são medo, perda da autoestima e ansiedade. Muitos sintomas têm relação com os lutos não elaborados e as crises que se apresentam após as perdas de pessoas, principalmente familiares. Ainda que os sintomas apareçam em outros grupos, entre os migrantes, eles apresentam algumas particularidades, já que eles apresentam uma Medo, perda da fragilidade psíquica. As culturas tradicionais esautoestima e tão colocadas num plaansiedade são no negativo, então, isso tem consequências psísintomas de quicas para as pessoas que estão ligadas a essa sofrimento. cultura. O luto também
Beira do Rio – Em que medida a Psicologia pode contribuir para a construção de uma nova identidade nesse novo lugar? S.P. – A proposta desse trabalho é constituir um espaço onde essas coisas possam ser ditas, possam existir de alguma forma. A Psicanálise, particularmente, trabalha com o que é negativizado, aquilo que é excluído da consciência. O que
acabam formando grandes conglomerados familiares em lugares muito pequenos. Muitas vezes, não há um vínculo afetivo, algumas pessoas se veem compulsoriamente levadas a ajudar, porque a questão familiar é mais forte, nem sempre é por afetividade. Percebo claramente o peso que é receber e sustentar pessoas com as quais não se tem muito vínculo.
Beira do Rio – A globalização tem servido para borrar fronteiras. Isso tem aumentado o etnocentrismo ou contribuído para o exercício da relativização cultural? S.P. – Nós fizemos um congresso internacional baseado nesse tema justamente pensando nas consequências psíquicas dos efeitos da globalização, e isso é uma coisa mundial. A globalização tem um aspecto que é de aproximação, mas ela tende a aumentar o etnocentrismo, porque você não pode se igualar completamente ao outro, você Beira do Rio – De tem necessidade de onde vem a maioria manter uma diferença. dos pacientes atendiEsse apagamento de dos? Como eles chefronteiras faz com que gam até o Projeto? se acirre a necessidade S.P. – A Clínica de de estabelecer a difeA nossa forma Psicologia recebe essas rença em relação ao pessoas. Geralmente, outro. No Brasil, com de lidar com elas vêm para Belém uma experiência de em busca de escolarimigração constituída, a diversidade dade para os filhos e desde o início, por poé negando a tratamento de saúde, vos diferentes e com muitas vezes, em busca grande diversidade diferença. de melhores condições cultural, a tendência é de vida. Eles chegam a negar a diferença. Mas um consultório clínico isso não quer dizer que ou hospital público por encaminhaa gente não procure se constituir como mento. No Projeto, estão os pacientes diferente. Fazemos comparações com que vêm do interior. outras nações como se o Brasil fosse um país onde não existisse racismo. Beira do Rio – É possível fazer em Ele existe sim e talvez a nossa forBelém um mapeamento de migranma de lidar com a diversidade seja tes, ou seja, eles vêm morar em árejustamente negando a diferença ou as ocupadas por conterrâneos? procurando negá-la. Nós precisamos S.P. – Nós não temos esses dados, é poder dar conta da diferença, pois mas muita gente vem para Belém, nela recai essa necessidade de você porque já tem um parente aqui e reconhecer e respeitar o outro.
O Conectados: alunos utilizam rede sem fio na orla do campus universitário, em Belém
Aniversário
Alter do Chão
Ciências para quem está começando
Descoberta reserva de água potável na Amazônia
Clube de Ciências comemora 30 anos de atividades divulgando Ciências e Matemática para o público infanto-juvenil. Pág. 8
Cultura
O aquífero está localizado em uma formação geológica sob os Estados do Amazonas, Pará e Amapá. Os 86
quatrilhões de litros d'água seriam suficientes para abastecer 100 vezes a população mundial. Pág. 10
Tamará Saré/Ag. Pará
Beira do Rio – O que causa maior sofrimento: a perda do contato com a cultura do local de origem ou o processo de adaptação em um novo contexto cultural? S.P. – Acho que as duas coisas estão interligadas. Por exemplo, o novo contexto cultural com a vida em Belém, que é uma cidade grande e cosmopolita, está completamente interligado a uma dificuldade em se apropriar de determinados elementos culturais que possam ser úteis no seu dia a dia. Ser caboclo – como são chamados os que são do interior – é difícil, pois o que marca a sua identidade não são elementos positivos ou favoráveis. Mas você não consegue, simplesmente retirar esses elementos da sua vida, da sua maneira de ser. Esses elementos que são constitutivos. Mas como você vai fazer com que eles existam, façam parte da sua vida numa cidade como Belém?
Suzana Pastori: "Ser caboclo marca a sua identidade com elementos negativos"
Escola de Música da UFPA intensifica movimento cultural na Catedral Metropolitana de Belém. Pág. 4
Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação da Universidade Federal do Pará está desenvolvendo diversos projetos com o objetivo de ampliar e melhorar os serviços de telecomunicação nos campi universitários. Entre eles, está a rede wireless (sem fio), que garante o acesso gratuito à internet em locais abertos da Universidade. Já é possível utilizar o serviço no Campus Básico, na orla, no Restaurante Universitário e no Ver-oPesinho. Além disso, as contas de e-mail e sites institucionais estão com maior capacidade de armazenamento e a rede de informação ganhou agilidade e segurança. Págs. 6 e 7
Saúde
Portas abertas para música clássica
Pesquisa investiga águas minerais Nome da reserva foi inspirado na fomosa praia de Santarém
Professores e alunos de Geologia e Engenharia Sanitária realizarão estudo sobre a qualidade das águas comercializadas no Pará. Pág. 11
Psicologia Entrevista Karol Khaled
tem a ver com os entraves para esse resgate de valores culturais
fotos Karol Khaled
Nos últimos 20 anos, a sensação de que vivemos numa aldeia global está cada vez mais presente. A globalização trouxe consequências para a economia, para os sistemas governamentais e também para o cidadão. Esse novo mundo, onde as fronteiras estão desaparecendo, põe em risco aquilo que o indivíduo tem de mais caro: a sua identidade. Abrir mão da sua cultura para melhor adaptar-se e sofrer menos com a discriminação tem sido a opção para quem precisa sair do seu lugar. O Projeto "Processos identificatórios e diversidade cultural: prosposta de constituição de um dispositivo terapêutico”, coordenado pela professora Suzana Pastori, da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará, tem estudado esse processo na realidade amazônica, com pacientes vindos do interior do Pará. A estratégia de sobrevivência no novo lugar traz um sofrimento psíquico que não passa despercebido nos consultórios médicos. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, a professora explica melhor como isso acontece e de que maneira o Projeto está auxiliando esses pacientes.
Suzana Pastori conversa sobre os sofrimentos psíquicos na globalização Pág. 12
Opinião Rodolfo Salm discute os efeitos da construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Pág. 2
Coluna do Reitor Carlos Maneschy escreve sobre o papel da UFPA no fortalecimento da eduação básica. Pág. 2
Laboratório ajuda a lidar com perdas.
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