Beira87

Page 1

issn 1982-5994

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010

Fotos Alexandre Moraes

Inclusão social 25 Anos JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXV • N. 87 • Outubro, 2010

O

Rosyane Rodrigues Os programas de Pós-Graduação em Direito e Antropologia promoveram, recentemente, curso de formação em Direitos Humanos Sexuais e Reprodutivos. Realizado em parceria com o IPAS Brasil, Organização Não Governamental dedicada a melhorar a qualidade de vida das mulheres a partir da saúde reprodutiva, o curso discutiu violência sexual, aborto legal e gravidez indesejada apresentando casos polêmicos ocorridos em diversas regiões do País. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, Jane Felipe Beltrão, antropóloga e professora da UFPA, e Ana Paula de Oliveira Sciammarella, advogada e representante do IPAS, falaram sobre a necessidade de um atendimento multidisciplinar às vítimas de violência e sobre as interferências das questões de gênero, morais e religiosas na garantia dos direitos. "Talvez uma possibilidade de pensar e sensibilizar socialmente é 'colocar-se no lugar do outro'. A mim, causa espécie pensar em violência de qualquer tipo, 'dá um frio na espinha'. Pense mais à frente: Se for seu filho, sua irmã, sua mãe? É de estremecer, mas todos nós estamos sujeitos e vulneráveis à violência", afirma Jane Beltrão. Beira do Rio – Como tem sido essa parceria entre o IPAS e os Programas de Pós-Graduação em Direito e Antropologia? Jane Felipe Beltrão – A perspectiva é produzir a qualificação de profissionais no campo do Direito e da Saúde, pois - por dever de cidadania e compromisso democrático - os programas devem estar sintonizados com as propostas de Direitos Humanos e cumprimento de dispositivos constitucionais, os quais, se não forem comunicados adequadamente, não geram amparo a quem de direito. Como as questões de direitos sexuais e reprodutivos geram sempre controvérsias, os profissionais precisam estar preparados para atender às demandas, independente dos costumes morais e religiosos, considerando que somos uma sociedade que se apresenta plural e laica. Beira do Rio – Qual a maior dificuldade quando falamos em promoção de Direitos Sexuais e Reprodutivos? Ana Paula de Oliveira Sciammarella – O tema ainda encontra barreiras, especialmente porque exige um diálogo permanente entre diferentes áreas de conhecimento, como Direito e Medicina. Além disso, estes cursos ainda não incorporaram esta te-

mática em seus currículos, dificultando, assim, que novos profissionais conheçam a temática. J.F.B. – Penso que seja a forma de lidar com as questões relativas a sexo e à reprodução, pois os campos são impregnados pelas propostas morais. A aceitação das questões que dizem respeito ao corpo ainda são vistas por ângulos que desrespeitam os direitos de pessoas que pretendem manter o domínio sobre seus próprios corpos e cujas orientações sexuais e reprodutivas vão em direção contrária às de outros grupos que, por orientação religiosa e moral, não aceitam as novas/velhas formas de ser cidadão e de usufruir direitos independente da condição de gênero, da orientação sexual, do credo religioso, entre tantas outras variáveis que interferem na vida cotidiana. Os comportamentos sexuais afastados da reprodução e orientados pela possibilidade de controle do próprio corpo e do prazer ainda são vistos como "atentando contra a sociedade", mesmo que mudanças tenham ocorrido. Por que as mulheres não podem dispor de seus corpos? Por que as vítimas de estupro e de abusos sexuais devem carregar consigo as consequências dos atos violadores? Por que devo carregar comigo e conviver com a dor da perda, do luto antecipado por um anencefálico? Por que a vida das mulheres não é respeitada? São perguntas que nos engasgam, tornando-nos gagas sem sermos! Beira do Rio – Em que medida as diferenças de Gênero interferem na discussão (e mesmo na garantia) desses direitos? A.P.O.S. – Inicialmente, podemos afirmar que essa temática interessa a toda a sociedade. No entanto é inegável que especialmente as questões relativas à reprodução recaem de forma muito distinta sobre as mulheres. Esta distinção se deve à desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade e reforça a imposição da maternidade para as mulheres. Sem dúvida, a desigualdade entre homens e mulheres não permite que estas disponham do seu próprio corpo. J.F.B. – Infelizmente, as diferenças de gênero ainda são vistas como desigualdades e isso faz com que existam hierarquias que colocam algumas como desejáveis e outras como abomináveis, portanto, as primeiras seriam superiores às últimas. Evidentemente que os grupos que se lançam à discussão valorando as diferenças interferem na garantia dos direitos. Direito não é valor, não é moral, é respeito, inclusive e sobretudo, às diferenças, sejam elas de gênero, raciais ou étnicas. Afinal, o comportamento esperado dentro de uma democracia é o de respeito às diferenças. Mas o exercício do respeito, no Brasil

e na América Latina, ainda é marcado por anos de autoritarismo e por uma moralidade cristã-judaica que em todos produz feridas. Os valores morais ainda vêm em primeiro lugar, seguido dos religiosos e do respeito às normas legais e mesmo as da boa convivência. O diferente, seja ele quem for, não exige que o mundo viva a sua diferença. O diferente solicita e requer ser respeitado na diferença. Beira do Rio – Quando falamos em violência sexual, por que o lugar da vítima é sempre questionado? Criança, jovem ou adulta, sobre ela os olhares são sempre de desconfiança... A.P.O.S. – A desconfiança está ligada à questão de gênero, que atribui à mulher, muitas vezes, um papel de "dissimuladora", mas também à dificuldade dos juízes em se posicionarem acerca do tema. Ao longo da capacitação, ressaltamos a importância dos laudos multiprofissionais, nesses casos, para embasar a formação do convencimento dos juízos. Um laudo deve atentar, também, para a cultura em que se encontram inseridos os envolvidos no processo. J.F.B. – Lamentavelmente, embora a diversidade cultural seja reconhecida e referendada pelas declarações e pactos internacionais, a mentalidade de muitos não mudou e mulheres, crianças, pessoas de gênero não conforme ainda são vistas com reservas e, pasmem, como pessoas de qualidade inferior, portanto, não confiáveis. As vítimas de violência não podem ser vitimizadas ao infinito, seja pelo violador, seja pelo profissional de saúde, que não provê o procedimento adequado, seja pelo operador de direito, que não julga adequadamente, seja pela sociedade. A pessoa violada e violentada deve ser atendida e seus direitos devem ser reparados. Não é o comportamento dela que está sob julgamento, é a violência sofrida. Beira do Rio – A violência sexual é um caso de polícia ou de saúde pública? A.P.O.S. – As duas áreas possuem responsabilidade sobre a questão. Aos profissionais da segurança, cabe a apuração do caso, sem "prejulgamentos", e aos profissionais da saúde, cabe uma atenção humanizada às vítimas. J.F.B. – A violência ganha foros de epidemia dependendo do momento - atinge a muitos - , mas ela é endêmica, persistente, cotidiana! Como tal, requer tratamento de segurança pública, não apenas policial. E de saúde pública, pois gera agravos físicos, emocionais e sociais. Portanto, devia ser coibida com políticas públicas que oferecessem proteção ao cidadão, afinal, é o papel do Estado.

Eleições

Setor privado é maior doador de recursos

No chão, a professora Inês Ribeiro conduz as atividades com alunos da Unidade Pedagógica da Ilha do Combu

Patrimônio

Estudo investiga a origem de doações feitas para campanhas dos deputados federais eleitos em 2006. Pág. 3

Educação

Programa valoriza arte na escola

Pág. 11

Linguagem

Projeto reúne mestres e novos grupos de carimbó Fomentar a divulgação dos ritmos paraenses para além das fronteiras do Estado. Este é o objetivo do projeto

de extensão Carimbó.net. Aqui, a internet e a tecnologia digital ajudam a manter a tradição. Pág. 9

Acervo do Projeto

Desigualdades de gênero interferem na garantia de direitos sexuais

Atlas revela diversidade de 'sotaques' Pesquisadores da Universidade participam da coleta de dados para a construção do Atlas Linguistico do Brasil. Pág. 8

Extensão

Alexandre Moraes

"Direito não é valor, não é moral, é respeito"

Projeto "Preamar Teatral: arte, formação e cidadania nas escolas públicas das ilhas de Belém", coordenado pela professora Inês Antonia Ribeiro, da Escola de Teatro e Dança da UFPA, está transformando o cotidiano escolar das Ilhas do Combu e de Caratateua. As salas de aula são transformadas em salas de vivência onde são discutidos vários temas, como meio ambiente, corpo e cidadania. A dinâmica é interativa. Os alunos participam da construção do roteiro com suas próprias histórias. Para os professores, as oficinas são uma oportunidade de formação continuada. Durante as visitas, eles são orientados para desenvolverem suas próprias dinâmicas. Págs. 6 e 7

Alexandre Moraes

Projeto leva teatro às ilhas

Oficinas de grafismo e arte plumária Em Icoaraci, o domingo é dia de roda no Espaço Coisa de Negro

Artesanato indígena em exposição

Ministradas em escolas de Belém e do interior, as oficinas se transformam em opção de renda para participantes. Pág. 10

Entrevista

Opinião

Coluna da Reitoria

Jane Felipe Beltrão e Ana Paula Sciammarella falam sobre direitos humanos sexuais e reprodutivos. Pág. 12

Armando Dias Mendes escreve sobre o Fórum de Pós-Graduação da Amazônia. Pág. 2

O pró-reitor Fernando Arthur de Freitas Neves fala sobre o tema da 13ª Jornada de Extensão da UFPA. Pág. 2


BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010 –

Coluna da REITORIA

Fernando Arthur de Freitas Neves - Pró-Reitor de Extensão da UFPA

O

ano de 2010 na Amazônia reproduz a sanha dos últimos anos em que a natureza pronuncia seu desacordo com o projeto humano. Há quem diga ser um instante da longa existência do planeta, portanto, pouco restaria a fazer senão observar a fragilidade da condição humana e da vida. Longe de negar nossa fragilidade, a universidade tem a primazia de pautar a questão da água como problema estratégico para construção da nação com consequências bastante complexas para a humanidade. Ao eleger o tema "água" para o eixo de intervenção da Pró-Reitoria de Extensão no ano de 2010, reconhecemos a relevância deste insumo no cotidiano da sociedade, tensionando relações políticas e econômicas tanto quanto físicas e químicas, percebemos como somos afetados por sua abundância e, dramaticamente, por sua ausência. Parece pueril mencionar, mas somente 0,01% de toda a água do planeta é de água doce para todos os nossos usos, e

existência no mundo. Ciência, arte e filosofia concebem, continuamente, um aprendizado disciplinar. Agora, somos convidados a tratar o problema de modo interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar. Se a água assumiu um sentido nas muitas cosmogonias humanas, na ciência, ela tornou-se um saber mineral, disposição inorgânica da organicidade físico-química da experiência manifesta em realidade. Toda essa diversidade nos motiva a perceber usos e costumes em relação à água no presente e para as gerações vindouras, contudo parece que só reconhecemos o problema quando somos tocados pelos dissabores, como na perda da água ou na desidratação ao fragmentar os tecidos dos seres vivos e não vivos. A seca é um monumental e significativo fenômeno, ao mostrar, nas rachaduras que provoca na terra, a semelhança com o serpenteado das rugas que atestam a perda do viço na pele humana. Estamos exatamente no meio da Década Internacional de Ação

OPINIÃO

Armando Dias Mendes

C

omento o Protocolo que dá vida ao Fórum de Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. Proponho uma reflexão sobre o próprio cerne do conceito do Fórum, a sua ideia inaugural. É que ela constitui, na prática, uma ideia recorrente ínsita à corrente sanguínea da UFPA quase desde o nascedouro. O destaque para o papel da UFPA – sem desdouro para as congêneres, parceiras – resulta do fato histórico de que foi ela a primeira instituição universitária a vingar na Amazônia. E, também, de que os outros programas envolvidos são, de algum modo, descendentes da pós-graduação do NAEA, gerados por ex-alunos seus. Filiados à mesma ama mater. Na verdade, retomo reflexões anteriores tendentes a rastrear a ideia radical – aquela em que tudo mais se radica – por trás do Fórum. A UFPA foi criada em 1957, instalada em 1959. Tem, portanto, meio século de existência efetiva. Uma das suas componentes foi a Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais do Pará, criada em 1947 e instalada em 1949. Já em 1960, a Faculdade ousou propor-se à Fundação Getúlio

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA beiradorio@ufpa.br - www.ufpa.br Tel. (91) 3201-7577

Educação kkk

Programa valoriza a arte na escola

proex@ufpa.br

Água: de beber a saber devemos compartilhá-lo com outros seres da natureza. O Brasil detém a soberania dos aquíferos Guarani e Alter do Chão, recentemente descobertos, aumentando nossas responsabilidades sobre o destino deste objeto. No século XXI, este recurso pode se tornar completamente propriedade privada; antes disso, já somos privados dele. Se a água nos é tão cara, só isso bastaria para lhe dedicarmos a condição de problema para extensão universitária, como demonstram as explicações sobre a genealogia do cosmos observada em mitos ancestrais. Sistematizar os conhecimentos sobre água implica no estímulo ao conjunto da instituição a organizar uma plataforma contendo o direito à água, ao saneamento, ao consumo; quanto à composição e ao equilíbrio do arranjo químico da água; a historicidade dos costumes quanto ao uso e as suas justificativas para seu aprisionamento; as representações artísticas que explicam a complexa vontade de significar nossa

Água para a Vida, 2005-2015. Também já vivenciamos na Amazônia, em agosto, outra grande seca; por isso a importância de conformar um campo de saber, em torno de uma temática a ser trabalhada anualmente, com vistas ao estabelecimento da compreensão de qual o papel da universidade ao propor um problema, articulando o esforço institucional para investirmos em produção acadêmica, elaborando boas práticas relacionadas ao tema, tornando a cultura da água não apenas uma efeméride, como é o caso do dia 22 de março, promulgado pela ONU. Precisamos que a universidade seja capaz de ofertar a intervenção crítica sobre nossas alternativas de desenvolvimento, ampliando a cadeia de estudos do universo e do particular. Nossa opção de eleger a água como tema central da 13ª Jornada de Extensão da UFPA objetiva um privilégio, mas não a exclusividade, do diferenciado e rico corpo de extensão universitária desenvolvido em nossa práxis acadêmica.

admendes@opendf.com.br

Uma ideia recorrente Vargas para chamar a si a realização, também em Belém, da "Pesquisa sobre Orçamentos Familiares", até então levada a cabo em reduzido número de capitais no sul-sudeste. Esse foi, no entanto, um dos trabalhos, pioneiro, mas não o único, do SETA – Setor de Estudos, Treinamento e Aplicação da Faculdade. Era o embrião da pesquisa acadêmica aplicada à realidade humana e social circundante, não setorial. O passo seguinte viria a ser dado no bojo da efervescência do debate sobre a reforma universitária ao final da década. A Faculdade constituiu, em 1968, Comissão Paritária de professores e alunos a qual produziu manifesto de concepção de uma Universidade amazônica. Em fins de 1969, o Plano de Reestruturação da UFPA outorgava nome e corporificava a proposta da Comissão Paritária, anunciando o NAEA como o seu "órgão de integração". O Estatuto e o Regimento Geral, em 1970, deram corpo ao novo organismo. A ideia central, restrita, do SETA, se ampliava para o âmbito integral e integrador do NAEA. Extrapolava do espaço acanhado de uma Faculdade para o campus expandido da Universidade. Ultrapassava o espaço das disciplinas científicas, para ousar

pensar inter e até transdisciplinarmente. Uma Universidade posta a serviço da Amazônia como hábitat... habitado, ou ecúmeno. Para além do oikos em si, a sua compreensão ou ecologia e a sua explotação ou economia. Ou, ainda, se preferirem, uma interpelação sobre a terra e o homem. Uma interpretação da terra e a civilização nela posta. Um passo mais audacioso seria dado em 1979, sob os auspícios do MEC, com a assinatura do PIUAL Protocolo de Integração das Universidades da Amazônia Legal. Eram, já então, cinco as Universidades da Amazônia brasileira, todas elas federais. A intenção era transpor para a totalidade das academias da macrorregião a aplicação pioneira da academia parauara. E, menos de uma década depois, em 1987, veio a decisão de promover declaradamente a "continentalização do PIUAL", mediante a instauração da UNAMAZ – Associação das Universidades Amazônicas. Esta, abrangendo a totalidade dos países e universidade amazônicos e, ademais, os Institutos de Pesquisa de vocação amazônica. A moldura parecia, enfim, completa. Percalços nas trajetórias de cada uma dessas instâncias - arritmias, colapsos, carências - impuseram a conveniência

11

de edificar o novo Fórum. Parte-se agora de uma nova realidade plural, num patamar mais elevado de consciência amadurecida, competência estabelecida e experiência construída. A ação básica é o empenho comum visando à arquitetura de um Projeto e à feitura de uma Cátedra. O Projeto Amazônico volta-se para a revelação crescente, cumulativa e aprimorada da região atual e sua história de futuro. E a Cátedra Amazônica é colocada à disposição de todos e de cada um dos Programas visando a contribuir para a geração e transmissão do conhecimento sobre o enigma amazônico. É verdadeiramente um Fórum, não é uma plataforma para decolagem de projetos menores, descolados, descompromissados. Nem se propõe a satisfazer aspirações acadêmicas, senão compromissos sociais. Não é concêntrico, fechado em si, mas confessadamente excêntrico, aberto para fora dos muros acadêmicos. Enfim, este é o depoimento de alguém que foi "testemunha ocular da história" – dessa história edificante. Armando Dias Mendes, professor aposentado da UFPA e fundador do NAEA.

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Danin; Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Ana Carolina Pimenta (013.585-DRT/MG)/Ericka Pinto (1.266-DRT/PA)/Igor de Souza/Jéssica Souza(1.807DRT/PA)/Killzy Lucena//Raphael Freire/Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/Suzana Lopes/Yuri Rebêlo; Fotografia: Alexandre Moraes/ Karol Khaled; Secretaria: Silvana Vilhena/Carlos Junior/ Davi Bahia; Beira On-Line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Cyntia Magalhães; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA; Tiragem: 4 mil exemplares.

Exposição de artesanato indígena faz parte das atividades

Yuri Rebêlo

O

estímulo à criatividade torna os seres humanos mais inovadores e ousados em vários aspectos: seja como um executivo criativo nas manobras econômicas, seja como um jogador de futebol capaz de passes improváveis, seja como um escritor de romances bem tramados. E esse estímulo começa ainda na infância, fase em que os pais e a escola desempenham papel fundamental. Por essa razão, o ensino da Arte é tão importante nas séries iniciais da educação básica. Para facilitar este aprendizado, a Universidade Federal do Pará (UFPA), por meio da Faculdade de Artes Visuais (FAV), desenvolve o Programa "Arte na Escola". O Programa faz parte de uma rede nacional de mesmo nome e já existe há 21 anos. Atualmente, conta com 50 polos em 46 cidades de 22 Estados. O objetivo da rede é melhorar o ensino de Arte no País. Na UFPA, o Programa existe há 15 anos e desenvolve projetos de formação continuada de professores, possui uma midiateca e divulga o prêmio "Arte na Escola Cidadã", com o qual são premiadas, nacionalmente, experiências significavas, desenvolvidas em sala de aula com o intuito de divulgar e valorizar o trabalho do professor. O Polo Belém conta, ainda, com o Projeto "Arte e Artesanato Indígena", uma exposição itinerante de artefatos que pode envolver também atividades lúdicas e educativas. Desde 2007, o Polo Belém

Alexandre Moraes

Mácio Ferreira

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010

Em agosto, foi a vez dos alunos da Escola Estadual Barão do Rio Branco conhecerem o acervo da Funai do Programa "Arte na Escola", hoje coordenado pelo professor Neder Charone, é parceiro da Fundação Nacional do Índio (Funai), que cede as peças para o acervo da exposição. A UFPA é responsável pela curadoria, pela montagem da exposição nas escolas da rede pública de ensino da

Região Metropolitana de Belém e por todas as atividades educativas. Ao longo desses quase quatro anos, a exposição já passou por escolas de vários bairros da cidade. Segundo a subcoordenadora do Programa, professora Sandra Francisco, o Projeto "Arte e Artesanato

Indígena" foi idealizado exatamente para incluir a cultura regional no programa de ações do Polo Belém. "Nós visualizamos esta possibilidade e implementamos a ação educativa. Hoje, outros polos da Região Norte pretendem implementar projetos semelhantes".

Material é utilizado para atividades interdisciplinares Ricardo Alves, professor de Geografia e Estudos Amazônicos na Escola Estadual Barão do Rio Branco, que recebeu a exposição durante o mês de agosto, avalia a iniciativa como uma boa oportunidade para cativar os alunos. "O grande legado que estas exposições trazem é atrair os alunos pela curiosidade. Eles querem saber o significado dos artefatos e como são utilizados no dia a dia. Para nós, professores, é muito bom poder usar este tipo de exposição como uma ferramenta de trabalho", afirma. Na exposição, estão materiais de caça, adereços, utensílios domés-

ticos, objetos com os mais variados fins e de diversas etnias, como Tembé, Pataxó, Wai-wai, Karajá, Kaiapó, entre outras. Um aspecto importante e que merece ser destacado, de acordo com a professora Sandra Francisco, é o cuidado que as escolas e os alunos têm com o material, "nunca houve necessidade de reposição. Na escola, da direção aos professores, dos alunos aos demais funcionários, todos zelam pelo acervo e dele cuidam com respeito". Outra característica importante do Programa é a possibilidade da escola desenvolver ações interdisciplinares. Segundo Sandra

Francisca, não são poucos os casos de professores utilizando materiais e métodos fornecidos pelo "Arte na Escola" para o ensino de diferentes disciplinas. Este é, inclusive, um dos objetivos do Programa. "O material é especializado para o ensino das artes, mas ele também pode favorecer o desenvolvimento de projetos interdisciplinares", afirma a professora. Um grande suporte para esses projetos interdisciplinares é o Projeto "Midiateca", composto por um acervo de DVDs, imagens, CDs, entre outros materiais que o professor pode utilizar em sala de aula. É

um acervo especializado, com títulos das artes moderna e contemporânea brasileiras e está disponível, gratuitamente, para professores que atuam com o ensino das Artes nas redes públicas de ensino e para alunos de graduação nas áreas das Artes do Instituto de Ciências da Arte. Para fazer uso do acervo, é necessário fazer um cadastro na sala do Projeto, localizada no Ateliê de Artes da UFPA. Além disso, a cada dois meses, o "Midiateca" promove a projeção de filmes em DVD. Após a exibição, ocorrem discussões mediadas por especialistas na temática abordada.

Minicursos, oficinas e palestras para professores Outro projeto que integra o Programa é o de formação continuada de professores. Ele é desenvolvido em parceria com as instituições de ensino municipais e estaduais. São ofertados minicursos, oficinas, palestras e debates. As secretarias de ensino articulam com as escolas para que os professores estejam presentes em cada evento. As atividades são independentes, assim, o professor pode

escolher de qual quer participar. Todos os espaços do projeto são abertos e qualquer interessado pode obter informações e comparecer ao local do evento. Também faz parte do Programa, o Projeto "Prêmio Arte na Escola Cidadã". O prêmio é uma forma de valorizar os professores de Arte de todo o Brasil, pelo trabalho desenvolvido em sala de aula. Anualmente, os professores inscrevem

os trabalhos dos seus alunos, os selecionados irão representar os polos, que disputam entre si. "O trabalho deve ser desenvolvido durante as aulas da disciplina na escola básica, promovendo o conhecimento da Arte e a construção da cidadania", explica a subcoordenadora do Polo Belém, Sandra Francisco. No ano passado, a UFPA ficou entre os doze finalistas, mas não levou o prêmio. Este ano, a Univer-

sidade foi premiada com o Projeto Auto da Barca Amazônica, desenvolvido pela professora Jaqueline Cristina Souza da Silva, na Escola São Francisco Xavier, no município de Abaetetuba. O Programa "Arte na Escola" valoriza e divulga o trabalho do professor de Artes para que, em um futuro não muito distante, esta área seja valorizada na formação e no crescimento dos estudantes.


10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010 –

Eleições

Projeto ensina grafismo e arte plumária

Oficinas de arte-educação visitarão os municípios de Viseu e Bragança Fotos Acervo Pesquisador

Arte também é empreendedorismo

Três módulos: alunos identificam traçados e formas, desenham no papel e, então, fazem a aplicação em cuias e serigrafia

Q

uando o homem produz e se expressa através de símbolos, passando a compartilhá-los com seus semelhantes de geração para geração, a construção e a manutenção de uma cultura estão sendo viabilizadas. Na esteira desse processo, os índios são exemplos primorosos, principalmente quando analisamos os seus grafismos corporais praticados, foco principal do Projeto de Extensão "Grafismo corporal indígena e arte plumária: identificação e significação", coordenado pela pesquisadora e técnico-administrativa Ana Lucia de Almeida Leal, do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da UFPA. O Projeto começou a se estruturar em 2004, quando a curiosidade da pesquisadora Ana Leal se voltou

para desvendar o que havia por trás dos traçados indígenas presentes nas cuias vendidas na Praça da República, em Belém. Assim, a pesquisa sobre o assunto resultou em sua especialização em Estudos Culturais da Amazônia, no Núcleo de Meio Ambiente da UFPA (NUMA), e na elaboração de um projeto de extensão veiculado à Pró-Reitoria de Extensão da UFPA (PROEX), em 2007. Por meio de oficinas de arteeducação, o Projeto tem a intenção de transmitir o conhecimento sobre grafismo corporal e arte plumária, assim como ensinar a confecção desses artefatos indígenas em comunidades com baixa renda e em interiores do Estado do Pará, principalmente. "O público-alvo eram os jovens, mas acabamos expandindo para os idosos também. As oficinas acabam promovendo uma

interação entre toda a comunidade", enaltece Ana Leal. Com o auxílio dos alunosestagiários da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA), Artur Rodrigues (curso de Cenografia), Rodolfo Gomes (curso de Figurino) e Nélio Borges (artesão autônomo), as oficinas são ministradas em três módulos. O primeiro diz respeito à identificação dos traçados das tribos, das formas de pintura e das vestimentas, de acordo com o cotidiano dos índios. Depois disso, os participantes desenham no papel para treinar a coordenação motora e, então, passam para o último módulo, quando os desenhos e pinturas são aplicados às artes plásticas (cuia, serigrafia ou arte plumária) estabelecendo, assim, a construção do "saber-fazer" em tudo o que eles aprenderam.

Em 2009, o Projeto abrangeu os bairros Terra Firme e Guamá e contou com a participação de vários idosos nas oficinas. Mais do que uma atividade lúdico-cultural, o Projeto também pode ser um exercício de empreendedorismo na terceira idade. "Quando chegam nessa idade, no geral, essas pessoas ficam sem ofício. Assim, as oficinas são pensadas para oferecer uma forma de empreendedorismo solidário, quando os alunos passam a comercializar seus produtos entre os familiares e na comunidade", esclarece a coordenadora Ana Leal. Quando as oficinas são realizadas nas escolas, jovens e professores aprendem a criar e a montar seu próprio produto, encontrando em nossas raízes culturais uma alternativa de trabalho, promovendo, assim, o desenvolvimento sustentável com recursos naturais da Amazônia, entre eles: cuia, sementes, palha, folhas e frutos. Com o curso, alunos e professores se transformam em agentes multiplicadores em escolas e comunidades. Este ano, o Projeto "Grafismo corporal indígena e arte plumária: identificação e significação" foi selecionado, pela segunda vez, para compor o Programa Multicampiartes 2010, da PROEX, o qual promove, há seis anos, atividades de extensão nas áreas da Arte e da Cultura nos municípios onde há núcleos e campi da UFPA. Após passar pelo município de Castanhal, o Projeto visitará os municípios de Viseu e Bragança. Em cada município, ao final do curso, haverá uma exposição para comercialização dos produtos. Além do Programa Multicampiartes, o Projeto continuará realizando cursos em bairros periféricos de Belém. As oficinas duram, em média, quinze dias, com todo o material didático e de trabalho gratuitos. Para mais informações sobre como requisitar a realização do curso em escolas e nos bairros, contatar a coordenação do Projeto pelo telefone (91) 30322668 ou pelo e-mail analeal.ong@ hotmail.com

Pinturas mostram relação "homem x natureza" Entre os grupos étnicos trabalhados nas oficinas, destaca-se a cultura dos Kayapó e dos Asurini do Koatinemo, cujas aldeias estão localizadas à margem direita do Rio Xingu (Altamira), com população aproximada de 137 índios. São povos que ainda mantêm os costumes da pintura corporal, cujos significados perpassam, geralmente, a sua relação com a natureza. "Antes da pesquisa, eu não sabia que os traçados tinham significados. A partir daí, passei a identificar que as pinturas nas costas, na hora da luta, significavam o couro da onça, com o objetivo de dar mais força ao índio. Alguns traçados são

aleatórios, mas a maioria possui uma explicação vinda do cotidiano dos indígenas, da caça, da pesca e dos mitos vivenciados por eles", explica a pesquisadora Ana Leal. Cada tribo possui padrões de pinturas fiéis ao seu modo de ser. No caso dos Kayapó, a pintura presente na arte plumária simboliza a ordenação de suas aldeias. As cores do cocar são um bom exemplo disso. Em forma de arco, o cocar traz as cores: vermelho, que representa a casa dos homens, localizada no coração da aldeia; amarelo, referese às residências e às roças, áreas dominadas pelas mulheres; e verde,

representando a mata que protege as aldeias e, ao mesmo tempo, é a morada dos mortos e dos seres sobrenaturais. A pesquisadora explica que alguns grupos possuem mais expressões do que outros, pois, atualmente, muitas tribos não mantêm a cultura da pintura corporal. "Algumas meninas só se pintam com batom, pois não querem ficar com a tinta vermelha das sementes do urucum, cujo tempo de duração na pele é de quinze dias. Então, por meio das oficinas, promovemos o resgate desta cultura, além de valorizá-la e mantê-la ao alcance das pessoas", ressalta Ana Leal.

Traçados remetem ao cotidiano

Transparência garante boas escolhas Estudo investiga doações para campanha de candidatos

Ericka Pinto

M

anter partidos políticos, divulgar candidatos, realizar campanhas eleitorais. Tudo isso só é possível com o financiamento político, mas, junto com ele, surge também uma prática que, no Brasil, tornou-se corriqueira: o "caixa dois". Saber de onde vem o recurso, quem doa e qual o seu destino foram os principais questionamentos do trabalho de pesquisa do cientista político Paulo Sérgio dos Santos Ribeiro. O estudo deu origem à dissertação de mestrado "Desvendando o padrão de financiamento de campanhas eleitorais dos deputados e deputadas federais eleitos no Brasil em 2006", defendida recentemente no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob a orientação do professor Carlos Augusto da Silva de Souza. A pesquisa é referente ao pleito de 2006, realizada a partir do levantamento da receita utilizada nas campanhas dos 513 deputados federais, eleitos nesse ano. Além dos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o trabalho teve como base uma vasta literatura nacional e internacional. A dissertação contém 263 páginas, divididas em quatro capítulos, que abor-

Fiscalização pela internet

Alexandre Moraes

Extensão

Igor de Souza

3

Propaganda: políticos investem durante a campanha e depois de eleitos dam o financiamento de campanhas eleitorais nas três esferas de atuação dos candidatos eleitos naquele pleito: estadual, regional e nacional. Inicialmente, a metodologia utilizada foi de uma análise quantiqualitativa, com o objetivo de investigar de onde vinham esses recursos e como eles eram utilizados. "Consegui, no Tribunal Superior Eleitoral, a base de dados dos 513 candidatos eleitos, a qual corresponde a um grande arquivo. Posteriormente, depurei esse arquivo para separar os deputa-

dos federais eleitos de acordo com seus respectivos blocos ideológicos e a composição de recursos em nível estadual, regional e nacional", relatou Paulo Ribeiro. O estudo aponta que os recursos utilizados para financiar as campanhas dos deputados eleitos em 2006 foram originados, em sua maioria, de doações de pessoas jurídicas. No caso da participação dos partidos, poucos doaram recursos para financiar as campanhas eleitorais referentes àquele pleito.

Captação de recursos não respeita ideologia Quanto aos gastos, os parlamentares investem massivamente em publicidade e propaganda. "Como vivemos em um sistema eleitoral proporcional, de lista aberta, existe uma necessidade muito grande de dar visibilidade às propostas na situação de candidato e também ao longo do exercício de seus mandatos, pois o eleitorado, muitas vezes, esquece rapidamente em quem votou", enfatizou Paulo Ribeiro. A dissertação também desmistifica a "aversão" ao capital. Segundo o cientista político, Esquerda, Direita e Centro não têm preceitos ideológicos quando é preciso angariar recursos para as campanhas

eleitorais, "neste sentido, quem está competindo, disputando uma vaga, tem obrigatoriamente que conseguir recursos, inclusive da iniciativa privada. O que conta são os recursos, ficando as ideologias restritas aos estatutos partidários". No Pará, a média de gastos de um parlamentar federal nas eleições de 2006 girou em torno de R$ 900 a R$ 1 milhão. De acordo com Paulo Ribeiro, existe uma correlação direta entre quantidade de recursos e votos. Quanto maior o volume de gastos do candidato, mais chances ele tem de se eleger. "Aqueles parlamentares que nas eleições de 2006 dispuseram de maiores recursos tiveram maior

número de votos, isso tanto na esfera estadual, quanto na regional e na nacional. Isso demonstra que o dinheiro é extremamente importante para definir uma eleição no Brasil. Tal tendência deve manifestar-se na disputa dos demais cargos, mas há necessidade de novas investigações", aponta. No Brasil, o financiamento de campanhas é do tipo misto, isto é, os recursos vêm do setor privado e do público, de doações de pessoas físicas, de recursos dos próprios candidatos, de doações dos partidos e de promoções realizadas pelas agremiações em conformidade com a Lei.

Candidatos "em dívida" com setor privado A pesquisa apontou que a maioria dos recursos advém do setor privado. Com isso, o comprometimento do candidato, ao assumir o cargo, desvirtua-se e ele, então, passa a "operar" na engenharia política para conceder vantagens a empresas privadas, numa espécie de "troca de favores". São doações de bancos, construtoras, empresas, entre outras. Foi a partir de 1993, época em que ocorreram denúncias de "caixa dois" no governo Fernando Collor de Mello - e que levaram ao impeachment deste presidente – que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou várias medidas para coibir a prática

ilegal, entre elas, a fiscalização na prestação de contas e a punição de políticos e partidos. Ainda assim, parlamentares envolvidos em escândalos em eleições anteriores, como o mensalão, ficaram impunes. "Por conta dos trâmites burocráticos muito longos, eles ainda não foram responsabilizados e a classe política fica com uma má imagem. Parlamentares que cometem esta prática ilegal, que desviam recursos para as campanhas, tendem a se eleger em detrimento daqueles candidatos que querem realizar a boa política. É uma prática nefasta, difícil de ser identificada, porque é realizada às escuras", critica o cien-

tista político. Segundo Paulo Sérgio Ribeiro, para coibir o "caixa dois", seria necessário uma legislação extremamente rigorosa, que punisse, de fato, os responsáveis pela prática ilegal. Com a punição, está o voto consciente, isto é, a sociedade cobrar e saber escolher melhor o candidato. "Precisamos garantir maior transparência aos recursos que financiam as campanhas, ou seja, saber quem financia e quem é financiado. Por outro lado, precisamos que a sociedade se mobilize e não vote em candidatos que realizam o "caixa dois". É dessa forma que poderemos melhorar a política brasileira", acredita.

Para responsabilizar ainda mais os partidos e os candidatos que praticam o "caixa dois", seria necessária uma reforma política sistêmica. Segundo Paulo Sérgio Ribeiro, isso implicaria mudanças nos três poderes, principalmente no Judiciário, com a criação de varas específicas para julgar os crimes políticos. "Nesta reforma, deveria ser decidido, por exemplo, adotar a votação em lista fechada, com o financiamento público ou misto de campanhas eleitorais, além, obviamente, da instituição de orçamento impositivo aos executivos. Tais mudanças seriam muito bem-vindas a nossa jovem democracia", sugere o pesquisador. Pela primeira vez, o financiamento de campanha pode ser feito via internet. Paulo Sérgio Ribeiro considera a prática um avanço no processo de institucionalização da democracia. "Quando você possibilita que a democracia se valha de todos os instrumentos, de todas as ferramentas de comunicação, isto dá maior transparência e faz com que o cidadão participe da vida política, doando ou fiscalizando, pois a participação é um dos pilares centrais da democracia", avalia. Segundo o cientista político, nos Estados Unidos, a internet foi uma grande aliada na captação de recursos durante a campanha de candidatos à presidência daquele país, a exemplo de Barack Obama, que conseguiu angariar boa parte do financiamento através desta ferramenta. "Deve-se permitir a utilização da internet, bem como instituir mecanismos legais para nortear a competição política neste espaço, pois devemos preservar nosso sistema eleitoral do abuso do poder econômico", afirma. A prestação de contas dos partidos políticos e de campanhas eleitorais via internet também é considerada um avanço no processo de transparência do financiamento no Brasil. A medida lançada pelo TSE permite aos eleitores consultar os recursos aplicados em campanhas, bem como conhecer as fontes doadoras. Desde então, as medidas evitam que se façam doações ocultas, isto é, os eleitores já podem saber quem é o doador de recursos para as campanhas, pois os partidos políticos têm a obrigação de declarar a fonte dos recursos que irão transferir para candidatos durante as campanhas eleitorais. "Caminhamos rumo à transparência plena dos recursos utilizados para financiar campanhas eleitorais no Brasil, porém, cabe ao eleitor a decisão, por exemplo, de votar ou não em candidatos que se utilizam do "caixa dois". Mais que transparência, a Justiça Eleitoral e o cidadão devem fiscalizar", finalizou Paulo Sérgio Ribeiro.


4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010 –

Patrimônio

Tecnologia

Carimbó disponível para download

Rede virtual reúne admiradores do teatro Teatro d@ Floresta divulga produção teatral paraense

explica Wlad Lima. Porém a Rede passou a ser mais do que um simples blog que fala de teatro. Ela se configura, hoje, como uma rede sociopolítico-artística que instaura novas ações entre os artistas da cena amazônica, proporcionando uma interação continuada na perspectiva de fomentar a formação de

artistas-articuladores na região. Esse potencial, como meio de articulação política, já obteve uma conquista: o reconhecimento do "custo amazônico" pelo Ministério da Cultural (MinC), por meio do Edital de Microprojetos da Amazônia, que prevê o investimento de R$ 13,8 milhões para financiar projetos

o trabalho do Grupo de Teatro do Instituto Universidade Popular (UNIPOP), posso ter acesso aos conteúdos publicados por participante e saber quais eventos teatrais irão acontecer. A Rede é uma vitrine do fazer teatral na Amazônia", destaca Felipe Cortez, ator, estudante de Comunicação Social da UFPA e membro da Rede desde julho de 2009. Para a idealizadora da Rede, também é feito um trabalho políticojornalístico-acadêmico. "Reunimos informações do nosso interesse, como editais de políticas públicas e livros

virtuais sobre teatro. Os estudantes de Teatro e Dança são estimulados a usarem a Rede para compartilhar os conhecimentos construídos na Escola", salienta Wlad Lima. A Rede também articula a realização do "Carona", que são encontros presenciais para discutir as ações do teatro na região e a importância das novas mídias para as Artes Cênicas. "Quando se fala em articuladores, não há uma equipe que nos representa, nós todos somos articuladores. É uma participação democrática, horizontalizada", explica Wlad Lima.

os cenógrafos brasileiros, essa rede social foi construída nos moldes da Rede Teatro d@ Floresta e já possui mais de 50 membros. Para conhecer, acesse o endereço: http:// cenografia.ning.com/

articuladores. Conheça no endereço: http://teatroderuanobrasil.blogspot. com/

Mais teatro na internet *Por tal Cennarium: transmite espetáculos teatrais via internet, com a intenção de apresentar a arte teatral para quem tem poucas chances de conhecê-la ou apreciá-la como gostaria. Para ter acesso aos espetáculos, basta fazer o cadastro e receber um "login", que permite escolher a atração a que deseja assistir. O espetáculo fica disponível por 24 horas. http://www.cennarium. com/ *Cenografia Brasil: voltada para

Tecnologia garante a tradição

Felipe Cortez, ator e estudante de Comunicação Social da UFPA, aponta a Rede como uma vitrine

Rede vitrine do 'fazer teatral' na Amazônia A Rede foi criada na plataforma de rede social gratuita Ning, que oferece ao usuário uma página pessoal em que ele pode escrever, postar fotos e vídeos, participar de fóruns de discussão, criar grupos de trabalho, participar da agenda de eventos. Além disso, em outras páginas da Rede, os membros podem conferir diários de pesquisa, blogs de processos de criação, de organização política e de coletivos de experimentação de linguagem. "Na Rede, fico por dentro das discussões sobre cultura e artes cênicas na Amazônia e no Brasil, divulgo

Projeto registra e disponibiliza música paraense na internet

Fotos Acervo do Projeto

D

e que maneira as pessoas de teatro estão se apropriando da internet em benefício das artes cênicas? Essa foi uma das perguntas feitas pela professora Wlad Lima quando pensou em se utilizar do ciberespaço e das suas ferramentas para falar de teatro. A resposta? A criação do Projeto de Pesquisa "Teatro d@ Floresta: uma história do teatro da Amazônia do tempo presente inscrita na WEB", desenvolvida pelo Grupo Pesquisa em Artes Cênicas na Amazônia (PACA), da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA). Em andamento desde 2009, a pesquisa pretende buscar as novas maneiras do fazer teatral na contemporaneidade, aliadas às novas tecnologias de informação e comunicação, contribuindo, assim, para a construção de uma historiografia do teatro do tempo presente da região amazônica. Para alcançar tal objetivo, a primeira ação do Projeto foi o desenvolvimento da Rede Teatro d@ Floresta, uma rede social virtual que, inicialmente, se configurava como um blog para trabalhar os processos de pesquisa e montagem teatral, no qual as pessoas pudessem compartilhar suas experiências formando uma rede de relações, o que é chamado, no teatro, de diário de bordo. "Hoje, é muito comum um grupo de teatro, a cada montagem de peça, criar um blog para relatar o processo de montagem e construção do ato teatral",

Alexandre Moraes

Raphael Freire

9

*Rede Brasileira de Teatro de Rua: foi criada em março de 2007, em Salvador/BA. É um espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo, onde todos os artistas-trabalhadores e grupos pertencentes a ela são seus

*Blog Teatro na Net: reúne sites de escolas e instituições de teatro, sites de jornais e revistas que divulgam teatro, glossário de termos técnicos da área, sites de centros de estudo e bancos de dados, sites de grupos de teatro e companhias que produzem metodologias e técnicas, notícias e outros conteúdos on line sobre teatro. http://teatronanet.blogspot.com/

culturais nos nove Estados da região. Por meio da Rede Teatro d@ Floresta, os membros se organizaram alegando que a distância dos grandes centros faz aumentar o custo de equipamentos, serviços e comunicação, daí a necessidade de que o financiamento de políticas públicas para a cultura, aqui,seja diferenciado.

Artistas e admiradores No início, a Rede era voltada exclusivamente para pessoas de teatro da região amazônica, porém seus administradores foram percebendo que consumidores de teatro, de outras regiões e até mesmo de fora do Brasil, também queriam participar. Com isso, a Rede Teatro d@ Floresta passou a ser aberta a todos os interessados. Basta acessar o link "Registre-se" para tornar-se membro. Ao fazer a inscrição na Rede, o internauta deve aguardar a aprovação de um dos administradores. Essa medida é para que haja controle e conhecimento mínimo sobre o interessado. Hoje, a Rede conta com mais de 800 membros. Cada usuário pode criar o seu próprio perfil e nele postar fotos, vídeos, músicas, textos, entre outros conteúdos. Para Felipe Cortez, uma pessoa que estuda, trabalha ou se interessa por teatro deve se tornar um membro da Rede, "ela nos possibilita interagir com os artistas e torna visível a nossa produção artística", expõe. A Rede contribui também para a articulação do Fórum Permanente de Teatro e divulgação da produção dos estudantes de Artes Cênicas da ETDUFPA. Para saber mais, acesse: http://www.redeteatrodafloresta.ning.com/

Espaço Cultural Coisa de Negro reúne, aos domingos, mestres e novos grupos para tocar o ritmo paraense Jéssica Souza

"O

lêlê, olálá. Misturei carimbó e siriá. Carimbó, sirimbó é gostoso. É gostoso em Belém do Pará...". Qual o paraense que nunca arrastou o pé ao som de "Sinhá Pureza", de Pinduca, ou de tantas outras músicas, como as do Mestre Verequete ou Mestre Lucindo, representantes máximos desse ritmo da terra? No Pará, é fácil ouvir nas esquinas da cidade ou nos centros culturais espalhados pelo interior do Estado essa batida contagiante. Porém o ritmo ainda é pouco conhecido para além das fronteiras amazônicas. Com o objetivo de valorizar a cultura local e fomentar a divulgação dos ritmos paraenses por meio

da internet e das novas ferramentas possibilitadas pela tecnologia digital, o Projeto de Extensão Carimbó. Net, da Universidade Federal do Pará, visa desenvolver o cenário da música popular e incentivar a produção musical de grupos folclóricos da região. O Projeto teve início no Espaço Cultural Coisas de Negro e foi vinculado à Universidade por meio da produtora cultural da Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, Luciane Bessa. Na verdade, foi em uma roda de carimbó, que ocorre todos os domingos no Espaço Cultural Coisas de Negro, onde tudo começou. "A iniciativa da roda de carimbó, em Icoaraci, surgiu dos próprios grupos folclóricos. No Distrito, há muitos grupos que se inquietavam por to-

carem apenas em eventos turísticos ou no período das festas juninas. A movimentação acabou atraindo admiradores da música popular e, desde então, a roda nunca parou", conta Luciane Bessa. Além das rodas de carimbó, o Espaço começou a gravar em CD as músicas de mestres que nem pensavam mais em divulgar o trabalho de uma vida inteira e também de grupos novos que começaram a surgir a partir dessas reuniões. O propósito era resgatar um movimento das décadas de 50 e 60, no Pará, quando se gravavam muitos LPs do ritmo paraense. Além disso, o Espaço começou a promover oficinas gratuitas para crianças e adolescentes que frequentavam a roda e queriam aprender a tocar o ritmo.

Acervo estará em biblioteca virtual e multimídia Foi assim que tudo caminhou para o Carimbó.Net. O Projeto surgiu em 2009, quando a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa) lançou o Edital de Ações Colaborativas para a Cidadania Digital, ao qual deveriam ser submetidas propostas de utilização para os infocentros do Programa NavegaPará. O Coisas de Negro decidiu aproveitar a oportunidade para também se apropriar das novas tecnologias na divulgação do carimbó. Em 2010, a UFPA adotou o Projeto por meio do Edital Navega Saberes, na expectativa de conferirlhe um viés mais acadêmico. Como prática de extensão, o Projeto prevê a compra de equipamentos especialmente para a grava-

ção de CDs e a promoção de oficinas que capacitem pessoas para atuarem no campo musical. Este ano, já foram ministradas oficinas de gravação de CD com software livre e de carimbó – com ensino dos instrumentos banjo, flauta e percussão. Há, ainda, a proposta de mapear as manifestações de grupos de carimbó em Icoaraci e, a partir desses resultados, transformar o Carimbó.Net em uma biblioteca virtual multimídia, na qual deverão ser disponibilizadas as músicas dos grupos mapeados, as partituras, as informações sobre o ritmo e as suas manifestações no Pará, como vídeos e fotografias. Agora, o Projeto está no momento de realização de seminários para a montagem da

pesquisa, a ser orientada pela professora Maria Athayde Malcher, da Faculdade de Comunicação Social da UFPA. Para o segundo semestre, estão previstas oficinas de elaboração de projetos culturais, software livre para arte gráfica, confecção de embalagem orgânica de CD, percussão, construção de blogs e webdesigner. Os locais disponibilizados para as oficinas são o da UFPA e o do Espaço Coisas de Negro, em Icoaraci. Para participar do Projeto, basta acessar o blog www.coisasdenegro. blogspot.com e fazer o download da ficha de inscrição. Após o preenchimento, a ficha deve ser enviada por e-mail, pois o processo é feito todo on line.

O Carimbó.Net valoriza a identidade cultural paraense, auxilia o desenvolvimento do mercado musical local, cria uma perspectiva de futuro para os músicos que atuam nessa área e incentiva as pessoas a atuarem na valorização das raízes culturais paraenses e do conhecimento tradicional da Amazônia. De acordo com a coordenadora do Projeto, Luciane Bessa, a inclusão digital do carimbó e de grupos folclóricos visa dar continuidade à tradição para que o conhecimento cultural acumulado não se perca. "Para a Academia, as vantagens de ter projetos de extensão, como o Carimbó.Net, incluem a possibilidade de conferir ao conhecimento tradicional popular a atenção que ele merece, de enriquecer a produção científica, uma vez que a cultura é diversificada e oferece muitas possibilidades de abordagens", diz a coordenadora. O Projeto também oportuniza maior integração da Universidade com a comunidade externa, cumprindo a missão de contribuir para o desenvolvimento regional. Como uma de suas ações, o Carimbó.Net tem a intenção de promover um seminário envolvendo Universidade e gestores públicos na tentativa de suscitar a criação de novas políticas voltadas para o fomento da cultura. Origem – Há quem diga que o carimbó é um ritmo predominantemente indígena e que teve influências africanas e europeias. Porém outras vertentes dizem que já existia na África um ritmo chamado carimbó e que este chegou ao Brasil com os africanos. Como toda cultura dinâmica, em contato com os brasileiros, o ritmo teria se transformado e assumido características diferenciadas ao longo do tempo. O carimbó é predominantemente manifestado por comunidades negras. Tem como base um instrumento que se chama curimbó (um tronco oco, coberto com couro de veado), nome pelo qual o ritmo também é conhecido em alguns lugares. Pandeiro, milheiro, triângulo, em alguns casos, violão, banjo, maracas, flauta, clarinetes e saxofones são alguns dos outros instrumentos que entram na roda. O carimbó está presente no imaginário de todo paraense, mas, em alguns municípios, tem mais força, como em Marapanim, Santarém Novo, Salvaterra, Cahoeira do Arari, Belém, Icoaraci, Vigia, entre outros. Cada região tem uma particularidade, ou seja, o sotaque do carimbó. Em Santarém Novo, por exemplo, o carimbó é comparado com o samba de cacete, um ritmo originado em comunidades de remanescentes quilombolas. Já em Belém, o ritmo adquire uma sonoridade mais urbana.


8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010 –

Literatura

Atlas Linguístico revela ‘sotaques’

EM DIA

Acervo Projeto

Linguagem

Círio I No dia 8, as ruas do bairro da Cidade Velha, em Belém, serão palco de mais uma edição do Auto do Círio. O espetáculo, coordenado pela Escola de Teatro e Dança da UFPA, já faz parte da agenda cultural da cidade. Além das escolas de samba, dos artistas locais e da volta dos Palhaços Trovadores, ainda haverá uma homenagem ao cantor e ex-professor da UFPA Walter Bandeira.

Publicação mostra as diferentes maneiras do brasileiro falar

Killzy Lucena

G

eralmente, começamos a conhecer o Brasil, ainda na escola, quando a professora abre o atlas geográfico. Dentro daquele mapa, "existem" diferentes tipos de pessoas, sotaques e costumes. Aos poucos, conhecemos essas particularidades e uma das mais interessantes é o modo de falar dos brasileiros, que, a partir do ano que vem, poderá ser melhor conhecido por meio da publicação do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB). Os traços mais marcantes do falar de todas as regiões do País, inclusive os do Norte, estarão lá e os responsáveis são os professores Marilucia Barros de Oliveira e Abdelhak Razky, coordenadores do Atlas no Pará e em parte da Região Norte, ambos da Universidade Federal do Pará (UFPA). A rede de pontos de pesquisa do ALiB conta com um total de 250 localidades, distribuídas por todo o país e selecionadas de acordo com critérios demográficos, históricos e culturais. Também se levou em consideração a extensão de cada Estado/ região e a natureza de seu povoamento. A regional Pará é responsável pelos seguintes Estados: Amazonas, Tocantins e Pará, que já publicou o Atlas Linguístico Sonoro do Pará (ALISPA). De acordo com a professora Marilucia Oliveira, doutora em Linguística, com ênfase em Socio-

Círio II

Atividade incentiva a aproximação com os livros e desenvolve habilidades de comunicação

Uma leitura de corpo e alma

"Leituras Dramatizadas" faz nova abordagem do texto Ilustração mostra as variações regionais de como chamar a "abertura da parte dianteira da calça masculina" linguística, o Atlas será publicado em fascículos devido ao volume dos dados, que estão sendo coletados desde 2002. Um atlas linguístico é a forma que os pesquisadores têm de registrar as diferentes maneiras de falar em território brasileiro. Para isso, o País foi dividido em mesorregiões e, com a pesquisa de campo,

foram mapeadas, em cada uma dessas regiões, as diferentes maneiras de dizer a mesma coisa. Por exemplo: cigarro de palha. Algumas pessoas conhecem assim, mas outras podem conhecer como porronca, cigarro de fumo ou palheiro. O trabalho de coleta dos dados é feito e disponibilizado em rede,

podendo ser acessado por quem tiver interesse. "Estamos construindo uma plataforma para que todos os dados fiquem on line, disponíveis para todos os pesquisadores do Brasil. Como a plataforma ainda está em construção, o que fazemos é coletar os dados, fazer cópias e mandar os originais para a Bahia".

Processo de coleta de dados utiliza mesma metodologia A iniciativa de um atlas linguístico nacional surgiu na Universidade Federal da Bahia (UFBA), tradicionalmente reconhecida como um centro dialetológico e de geolinguística. O Projeto é coordenado pelas professoras Suzana Cardoso e Jacira Mota e reúne 16 universidades, entre elas, a UFPA. "O ALiB não é um ajuntamento de atlas feitos regionalmente, ele funciona com a aplicação de uma mesma metodologia e questionários em todas as regiões do País continuamente. Às vezes, pesquisadores de regiões diferentes são designados para fazerem coleta de dados em região que não é a sua de origem. Pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) já

vieram coletar dados aqui, no Pará, e nós, algumas vezes, já fomos coletar em Maceió, por exemplo", explica Marilucia Oliveira. O ALiB não é feito apenas para linguistas. Poderá ser explorado, na opinião de Marilucia Oliveira, por antropólogos, sociólogos, geógrafos e por profissionais de outras áreas do conhecimento, "já que a língua guarda essa relação direta com o social". Para a professora, publicar o Atlas é um grande feito, um sonho antigo e ambicioso dos pesquisadores de dialetologia, linguística e sociolinguística. "A língua é uma espécie de depósito do conhecimento da humanidade e, quando se registra isso, está se registrando muito mais

que o linguístico. O Atlas será uma contribuição social", reflete. O 1º fascículo do Atlas irá abordar alguns fenômenos linguísticos, fonéticos e lexicais, como a realização do ‘s’ pós-vocálico, por exemplo, na palavra pasta, que, na Região Norte e no Rio de Janeiro, é mais puxada para o "x" [paxta], e na Região Sul, fica com o som do ‘s’ mais evidente [pasta]. Outro fenômeno a ser publicado é o uso dos ditongos [peixe], [touro] e monotongos [pêxe], [tôro]. Marilucia Oliveira e Abdelhak Razky são responsáveis, dentro do ALiB, pelo estudo da palatalização do "lê" em todas as capitais do Brasil. Palatalização é o que acontece em alguns lugares, como

aqui, em Belém, onde se fala [lhixo] e não [lixo]. O Atlas Linguístico é uma construção feita por centenas de pessoas. Na UFPA, são professores, alunos da iniciação científica, da graduação e da pós-graduação que estão coletando dados para o Atlas, fazendo transcrições grafemáticas e utilizando-as em suas pesquisas. Em média, 11 pessoas estão envolvidas aqui, no Pará, com o ALiB e, de acordo com Marilucia Oliveira, a intenção é que boa parte desses pesquisadores participe do I Congresso Internacional de Dialetologia e Sociolinguística (CIDS), que acontecerá na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), de 17 a 21 de outubro de 2010.

Congresso discutirá estudos dialetais e sociolinguísticos Organizado pela equipe do Projeto Atlas Linguístico do Maranhão (Alima), sob coordenação do professor José de Ribamar Mendes Bezerra, o I Congresso Internacional de Dialetologia e Sociolinguística acontecerá em comemoração aos 44 anos da UFMA. A temática abordada será "A contribuição dos estudos dialetais e sociolinguísticos para uma política de línguas". O evento tem como objetivo principal promover, nos âmbitos na-

cional e internacional, a discussão e o intercâmbio de experiências entre grupos de pesquisadores, professores e estudantes da área de Dialetologia e Sociolinguística, visando à melhoria da educação continuada dos professores dos ensinos superior, médio e fundamental. Para a professora Marilucia Oliveira, também membro da Comissão Organizadora do CIDS, o evento contará com a presença de François Gaudin, da Universidade de Rouen; Louis-Jean Calvet, da Univer-

sidade de Provence e Michel Contini, da Universidade de Stendha. "A Europa tem uma tradição em construção de atlas. Quando se constrói algo assim, registramos a maneira das pessoas falarem num determinado tempo e espaço marcados por certos fenômenos e relações sociais. Quando estamos pesquisando, sentimos uma lacuna no Pará e, quando temos de fazer comparativos, é quase impossível, pela falta de registros e documentações. A pesquisa sociolinguística e

dialetológica no Pará começou a partir de 1996, ou seja, é algo muito recente", relata Marilucia Oliveira. Serviço: I Congresso Internacional de Dialetologia e Sociolinguística (CIDS), de 17 a 21 de outubro, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), no Campus do Bacanga. Abertura do evento ocorre às 19h do dia 17, no Palácio Cristo Rei, com a conferência de Michel Contini.

Suzana Lopes

N

ão basta ler. É preciso interpretar, viver o texto, ouvir-se e ser ouvido. É nessa perspectiva de leitura como compreensão do mundo e de si que trabalha o Projeto de Extensão "Leituras Dramatizadas: o livro em cena", da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA). Coordenado pela professora Bene Martins, o Projeto existe desde 2007 e oferece oficinas de leitura para a comunidade. A ideia começou a partir da

percepção de que grande parte dos estudantes possui dificuldades para ler, não no sentido de decifrar códigos linguísticos, mas, como ressalta a professora, no de "fazer uma leitura bem dita, vivida". É assim que o Projeto tem como objetivo principal preparar os estudantes para gostar de ler e se expressar melhor. Aliada ao incentivo à leitura está a divulgação da literatura paraense. A partir de uma seleção prévia, a professora Bene Martins torna acessíveis textos de diversos escritores paraenses, como João de Jesus Paes Loureiro,

Márcio Souza e Olga Salvari, além de outros grandes nomes das artes literárias: Milton Hatoun, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Rubem Alves, Carlos Drummond de Andrade e Mia Couto. Além da diversidade de autores, a variedade de estilos e formatos de textos também permite que os participantes se interessem e tenham acesso a um maior número de textos. "É difícil os alunos não se identificarem com as leituras. Existem tipos de textos para todos os gostos", afirma a coordenadora do Projeto.

Aprendizado envolve expressão corporal A leitura de um livro, poema ou artigo agrega conhecimento ao leitor, é bem verdade. Porém ainda há muito mais para aprendermos ao lermos um texto. Ao fazerem leituras em voz alta, os participantes têm a oportunidade de ouvirem uns aos outros. Assim, desenvolvem habilidades vocais e de expressão corporal, melhorando a sua comunicação. Mirna Spritzer, atriz, professora e pesquisadora de Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diz que "não há dizer sem corpo, nem ouvir descarnado". Desta forma, voz e corpo são componentes indissociáveis para uma boa interpre-

tação. "O olhar, os gestos fazem toda a diferença na entonação que damos ao texto. O que nós trabalhamos é a busca de um equilíbrio entre as linguagens, tanto com exercícios de voz quanto com exercícios de corpo", explica a professora Bene Martins. As oficinas de Leituras Dramatizadas também ajudam a superar uma barreira: a timidez. "Em um primeiro momento, deixamos que o aluno faça a leitura para verificarmos como ele se expressa. Alguns já possuem habilidades que são desenvolvidas ao longo das oficinas. Outros, no entanto, chegam bastante inibidos e, com o tempo, vão interpretando melhor os textos",

conta a coordenadora do Projeto. Maílson Soares, ator e monitor do "Leituras Dramatizadas", ainda ressalta a importância da troca de experiências entre os participantes, "nós temos alunos de todas as idades, desde adolescentes até idosos. Na dinâmica de ouvir as pessoas lendo e de ler textos para os outros ouvirem, nós também promovemos o contato entre gerações, num processo de troca". A professora Bene Martins exemplifica: "quando um jovem vê uma pessoa idosa fazendo a leitura expressiva de um texto, ele se sente motivado a também interpretar com desinibição suas leituras".

No futuro, a intenção é atuar em outros espaços Em tempos de textos curtos, leituras rápidas e informações mastigadas, o Projeto "Leituras Dramatizadas: o livro em cena" destaca o papel do livro na formação do indivíduo e da leitura interpretativa como fator socializante. "Neste mundo tão corrido, todos somos muito ocupados. Mas é reconfortante ver que há pessoas que reservam um tempo regular das suas vidas para a leitura. Poderiam fazer qualquer coisa, mas se reúnem para ler e ouvir os outros

lerem", alegra-se a professora. Para o futuro, ela já tem grandes planos. A ideia é levar a experiência das oficinas para além das paredes da ETDUFPA. A professora adianta que pretende instalar o Projeto em outros espaços, como hospitais e presídios. Para isso, são necessários investimentos e multiplicadores, pessoas que, após as oficinas, se sintam estimuladas a também auxiliar outros a descobrirem o universo da leitura dramatizada.

Enquanto isso, quem quiser penetrar neste estimulante, libertador e prazeroso mundo da leitura junto com professores e alunos da Escola de Teatro e Dança da UFPA, basta ter a partir de 15 anos. As inscrições acontecem sempre no início do semestre, na secretaria da Escola. E para os interessados em ser monitor do Projeto, um dos requisitos é já ter participado de outras edições das oficinas. Mais informações, pelo telefone: 3212-5050.

Este ano, os promesseiros que acompanham a procissão na corda serão presenteados com novas estações. Projetadas pelo professor Nagib Charone Filho, elas estão maiores e mais seguras. As estações dividem a corda em cinco pontos e sincronizam os passos dos promesseiros.

Envelhecimento Ocorre, no período de 17 a 19 de novembro, a 9ª Jornada de Estudos e Pesquisas sobre Envelhecimento Humano na Amazônia. Este ano, o tema é "Dimensões do Envelhecer no Século XXI: possibilidades e limites do empoderamento da pessoa idosa na atualidade". Mais informações pelo e-mail: jepeha@yahoo.com.br

Extensão A UFPA realiza a 13ª Jornada de Extensão no período de 23 a 25 de novembro. O calendário de inscrição varia de acordo com a modalidade de participação. Para mais informações, acesse o site www.proex.ufpa.br

Intercâmbio Estão abertas, até o dia 15 de outubro, as inscrições para o Programa Capes/BRAFAGRI (Brasil –França – Agricultura), que promove intercâmbio de estudantes das áreas das ciências agronômicas, agroalimentares e veterinárias por meio de bolsas e apoio financeiro no projeto de estudos. Informações no site http://bresil.campusfrance.org/

Vestibular Candidatos ao Processo Seletivo 2011 da UFPA terão até o dia 19 para efetuarem suas inscrições. Serão ofertadas 6.134 vagas, divididas em 146 cursos e 12 municípios. O Processo Seletivo 2011 da UFPA terá apenas duas fases. A primeira será feita por meio de notas obtidas nas provas do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), as quais acontecerão nos dias 6 e 7 de novembro. Na segunda fase, dia 19 de dezembro, será aplicada uma prova objetiva contendo 55 questões de múltipla escolha.

5


6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010 –

7

Cidadania

É tempo de maré cheia na Escola de Teatro e Dança da UFPA Preamar Teatral está transformando vidas com a linguagem teatral

Laboratório de vivência: proposta de roteiro e criação de textos surgem a partir das experiências das crianças Os alunos e educadores da Unidade Pedagógica da Ilha do Combu, a apenas 20 minutos de barco de Belém, estão entre os contemplados pelo Preamar. Nesta escola, a equipe do Projeto utiliza o teatro como ferramenta didático-pedagógica, repassando, de modo lúdico e interativo, noções de cidadania, meio ambiente e organiza-

ção do corpo no espaço. A professora Inês Ribeiro identifica, por exemplo, que as crianças de seis e sete anos têm problemas referentes à lateralidade, com dificuldades de percepção entre direita e esquerda. Desta forma, ela inclui em sua dinâmica uma canção sobre uma antiga lenda indígena. "Pela música,

pela dança, elas aprendem sem saber que estão sendo ensinadas", diz a professora, que ressalta os resultados positivos alcançados pelas técnicas teatrais quando introduzidas nas aulas, uma vez que é por meio da experiência de atuação direta com o corpo que o aluno-ator aprende a se reconhecer.

Formação continuada para professores da rede pública Outro ponto trabalhado é a valorização da cultura ribeirinha. Na Semana do Folclore, por exemplo, as lendas foram contadas e dramatizadas pelos alunos. A professora Inês Ribeiro conduz, mas não induz as crianças. A imaginação delas remete a histórias riquíssimas em detalhes, sempre resgatando o imaginário caboclo. As crianças se empolgam e a história vai sendo construída. Todos têm um tio, uma prima, um vizinho que já foi engolido pela "Cobra grande", ou assombrado pela "Matinta Pereira" ou que já tenha levado uma lição do "Curupira".

Paralelamente à ação com os estudantes, a equipe do Preamar Teatral - composta pela pesquisadora da ETDUFPA, por quatro estagiários e pelos professores colaboradores Paulo Santanna e Walter Chile - vai interagindo com os educadores locais. Bastante receptivos, os professores da educação infantil e os do ensino fundamental anotam tudo o que está acontecendo, recebem orientações dos técnicos do Projeto e repassam seus conhecimentos sobre a realidade das Ilhas. Além das oficinas práticas, os educadores recebem aporte teórico

para que possam desenvolver suas próprias dinâmicas. Para a professora Inês Ribeiro, a articulação entre a Escola de Teatro e Dança e as escolas públicas das ilhas de Belém, mediada pelo fazer teatral, possibilita a formação continuada de professores, contribuindo para a ampliação da sensibilidade e para a descoberta de novos caminhos. O objetivo é potencializar as concepções pedagógicas dos educadores, no que se refere aos usos da linguagem teatral, e fazer com que eles se tornem multiplicadores do Projeto.

São grandes os desafios encontrados. O desinteresse e a tendência à dispersão dos alunos das escolas assistidas são apontados pelos integrantes do Projeto como alguns dos principais problemas a serem superados. Segundo o estudante de Pedagogia Breno Monteiro, bolsista do Preamar, as ações desenvolvidas por meio das técnicas teatrais têm amenizado aspectos problemáticos. Para o estagiário, à medida que as intervenções aumentam, há um progresso quanto à concentração e à socialização dos alunos.

Alunos têm melhor desempenho em outras disciplinas Para Fátima Nogueira Dias, professora do ensino fundamental da Unidade Pedagógica do Combu, o Preamar tem gerado resultados visíveis. "As ações do Projeto em nossa escola têm aumentado o interesse dos alunos em sala de aula. Tenho uma aluna, por exemplo, que sempre foi inquieta e dispersa. Desde que o Teatro entrou em nossa rotina, descobri algo fantástico. A menina se volta completamente às atividades, se envolve e participa. Isso tem se refletido em seu desempenho em todas as disciplinas", destaca a educadora.

Como estão entre os objetivos do Projeto a promoção de mostras teatrais nas escolas envolvidas e a visita a espetáculos em Belém, os laboratórios de vivência têm atuado também na formação de plateias. Nesta atividade, os alunos-atores têm a oportunidade de descobrir um papel social e individual que precisa ser desenvolvido. Esta ação gera uma fonte inesgotável de cultura e reflexão, favorecendo uma atuação mais consciente na sociedade e despertando o aluno para o mundo das artes cênicas. "Esta primeira edição do Pro-

jeto é uma iniciativa piloto e projetamos novos caminhos a partir desta experiência. Queremos aumentar a participação dos familiares, promover exposições sobre Artes Cênicas nas escolas e, futuramente, adquirir o Barco Preamar Teatral, que seria uma versão flutuante do Projeto", diz a coordenadora. O Projeto Preamar almeja, também, contribuir para a saúde e a geração de renda dos moradores das Ilhas. Uma das ideias é a introdução de uma alimentação alternativa na rotina dos comunitários a partir do aproveitamento dos nutrientes proce-

dentes das cascas, raízes, sementes e polpas. A construção de uma padaria comunitária, gerida por mulheres das comunidades ribeirinhas, é outro plano que está sendo estudado. Para o professor da ETDUFPA Walter Chile, colaborador do Preamar e autor da ideia, a implementação da padaria pode garantir sustento, agregar os membros da comunidade e preencher uma lacuna na alimentação dos moradores. Pelos êxitos obtidos até agora e pela vontade de toda a equipe, não restam dúvidas de que tais planos sejam concretizados.

De forma um tanto fortuita, o Projeto Preamar incluiu um novo eixo de ação: oferecer práticas pedagógicas teatrais, especialmente oficinas de clown (palhaço), às vítimas de escalpelamento atendidas pelo Espaço Acolher, da Santa Casa de Misericórdia do Pará. Na Amazônia, onde a população ribeirinha utiliza embarcações como transporte diário, o escalpelamento ainda é comum. No acidente, o cabelo da vítima enrola no eixo do motor e o couro cabeludo é arrancado bruscamente. As principais vítimas são meninas e mulheres que costumam usar cabelos compridos. A parceria com o Espaço Acolher iniciou em maio de 2010. "Estava na Escola de Teatro quando chegaram alguns estudantes do curso de Farmácia da UFPA querendo orientação para um seminário sobre escalpelamento. Estes alunos queriam falar sobre o assunto por meio da linguagem teatral. Orientei-os a usar o teatro de sombra com depoimentos de uma vítima do acidente", conta Inês Ribeiro, que, quando criança, sofreu escalpelamento. A partir deste encontro, ela atentou para o fato de que as meninas acidentadas vivem nas ilhas e que uma parceria com o Espaço Acolher seria algo interessante. Superação – Além de fornecer subsídios metodológicos aos futuros farmacêuticos, a professora foi convidada para participar da abertura do

Alexandre Moraes

Grupo também atende vítimas de escalpelamento

O escalpelamento é considerado uma tragédia amazônica e 90% dos casos ocorrem nos rios do Pará seminário, relatando desde o acidente que sofreu com banha quente, aos dois anos de idade, até a superação pelo esporte. "Hoje, sou uma mulher que superou os traumas, assumiu uma função profissional e vive com muito bom humor". Com base em sua experiência de vida e em sua trajetória profissional, a pesquisadora decidiu ajudar outras vítimas e estabeleceu os primeiros encontros para firmar a

parceria entre o Espaço Acolher e o Projeto Preamar. A primeira atividade do Preamar no Espaço foi uma visita informal no dia da Festa de São João, quando alguns alunos do Curso Técnico de Ator da ETDUFPA foram apresentar uma performance, resultado da disciplina Clown, ministrada pelo professor Beto Benone. Ainda em junho, as meninas foram até a Escola

Bom humor resgata autoestima e diminui a dor Acervo do Projeto

C

orpo, voz e emoção. Com essa matéria-prima, a professora Inês Antonia Ribeiro, da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), e a equipe do Projeto "Preamar Teatral: arte, formação e cidadania nas escolas públicas das ilhas de Belém" têm transformado as rotinas dos estudantes e professores das ilhas de Belém. Por meio de técnicas, como contação de histórias, jogos teatrais e improvisação, o Projeto de Extensão do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da UFPA tem levado, desde janeiro deste ano, oficinas teatrais às Ilhas do Combu e de Caratateua. Atuando em um eixo paralelo, o Preamar Teatral também estende suas atividades ao Espaço Acolher da Santa Casa de Misericórdia do Pará, que atende vítimas de escalpelamento. Nas escolas ribeirinhas, durante a intervenção do Preamar, as salas de aula se convertem em laboratórios de vivência. O cenário é a vasta vegetação e o rio ao longe. O roteiro é criado de forma colaborativa pelas crianças e adolescentes. Atores e plateia se confundem. No que se refere à produção e à criação de textos teatrais, o que conta é a experiência direta das crianças."Não trazemos nada pronto. Tudo é construído e repassado a partir do que os alunos vão contando e demandando na hora", explica a professora Inês Ribeiro, coordenadora do Preamar.

Alexandre Moraes

Ana Carolina Pimenta

Oficina de Clown é uma das atividades ofertadas para as vítimas em tratamento no Espaço Acolher A agenda cultural reforça as ações já realizadas durante o tratamento no Espaço Acolher. Quando as meninas vêm a Belém para serem tratadas, passam a desenvolver suas atividades escolares nas escolas públicas da capital, para não perderem o ano letivo. Elas são acompanhadas durante esse período e são capacitadas em oficinas para produzirem perucas e pulseiras, por exemplo. Também são organizadas agendas com passeios, ida ao cinema, aos parques e, a partir de agora, os teatros passam a integrar o roteiro. A primeira oficina de Clown começou a ser ministrada em setem-

bro. Segundo a professora Inês Ribeiro, a ação busca trabalhar a autoestima das vítimas e ajudá-las a superar o sofrimento gerado pelo traumático acidente. A consciência corporal, a relação com o outro, o trânsito entre o cômico e o sensível são alguns dos tópicos abordados durante as oficinas. Pela sua concepção, o mais importante não é formar comediantes, mas ajudar as alunas a abandonarem os estereótipos, firmando-se como cidadãs e protagonistas de suas próprias histórias. Para a equipe do Projeto Preamar, o primeiro objetivo é gerar transformações individuais, porém a

coordenadora explica que as oficinas podem ter um desdobramento ainda maior. "Temos a intenção de que estas meninas possam ser capacitadas a transformarem a vida de outras vítimas. Após as oficinas, elas estariam aptas a intervirem nas unidades de tratamento de pessoas escalpeladas, levando alegria e esperança", explica a professora. "Precisamos ter mais colaboradores, porque no Preamar Teatral é preamar mesmo !!!", brinca a coordenadora fazendo alusão ao nome do Projeto, que remete à maré cheia, quando a maré atinge seu nível máximo.

de Teatro e Dança conhecer o espaço e participar da Ciranda Junina. Desde então, o Projeto vem ampliando a inserção das meninas na cena teatral de Belém. Para isso, o Preamar Teatral sugeriu visitas aos espaços teatrais da cidade. A primeira foi ao Teatro Cláudio Barradas, onde elas assistiram ao espetáculo "Dons de Quixote", realizado pelo Grupo de Teatro Universitário da ETDUFPA.

O escalpelamento na Amazônia O escalpelamento é considerado uma tragédia amazônica, em especial no Pará, onde ocorrem 90% dos casos. O acidente pode ser evitado com o investimento de apenas R$25,00, valor, em média, da carenagem metálica, ou seja, o protetor do eixo dos motores dos barcos. Apesar do valor irrisório, o escalpelamento continua sendo comum na região amazônica, com uma média de um caso por mês. O tratamento das vítimas é longo, doloroso, não recupera os cabelos nem as lesões decorrentes do arrancamento de orelhas e p á l p eb ra s. E m B e l é m , o socorro é realizado, no primeiro momento, no Pronto Socorro Municipal e, posteriormente, na Santa Casa de Misericórdia do Pará, onde as vítimas, meninas e mulheres, precisam passar por várias intervenções cirúrgicas, acompanhamento ambulatorial com cirurgião plástico e outros profissionais da instituição.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.