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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2010
Fotos Alexandre Moraes
Inclusão social 25 Anos JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXV • N. 87 • Outubro, 2010
O
Rosyane Rodrigues Os programas de Pós-Graduação em Direito e Antropologia promoveram, recentemente, curso de formação em Direitos Humanos Sexuais e Reprodutivos. Realizado em parceria com o IPAS Brasil, Organização Não Governamental dedicada a melhorar a qualidade de vida das mulheres a partir da saúde reprodutiva, o curso discutiu violência sexual, aborto legal e gravidez indesejada apresentando casos polêmicos ocorridos em diversas regiões do País. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, Jane Felipe Beltrão, antropóloga e professora da UFPA, e Ana Paula de Oliveira Sciammarella, advogada e representante do IPAS, falaram sobre a necessidade de um atendimento multidisciplinar às vítimas de violência e sobre as interferências das questões de gênero, morais e religiosas na garantia dos direitos. "Talvez uma possibilidade de pensar e sensibilizar socialmente é 'colocar-se no lugar do outro'. A mim, causa espécie pensar em violência de qualquer tipo, 'dá um frio na espinha'. Pense mais à frente: Se for seu filho, sua irmã, sua mãe? É de estremecer, mas todos nós estamos sujeitos e vulneráveis à violência", afirma Jane Beltrão. Beira do Rio – Como tem sido essa parceria entre o IPAS e os Programas de Pós-Graduação em Direito e Antropologia? Jane Felipe Beltrão – A perspectiva é produzir a qualificação de profissionais no campo do Direito e da Saúde, pois - por dever de cidadania e compromisso democrático - os programas devem estar sintonizados com as propostas de Direitos Humanos e cumprimento de dispositivos constitucionais, os quais, se não forem comunicados adequadamente, não geram amparo a quem de direito. Como as questões de direitos sexuais e reprodutivos geram sempre controvérsias, os profissionais precisam estar preparados para atender às demandas, independente dos costumes morais e religiosos, considerando que somos uma sociedade que se apresenta plural e laica. Beira do Rio – Qual a maior dificuldade quando falamos em promoção de Direitos Sexuais e Reprodutivos? Ana Paula de Oliveira Sciammarella – O tema ainda encontra barreiras, especialmente porque exige um diálogo permanente entre diferentes áreas de conhecimento, como Direito e Medicina. Além disso, estes cursos ainda não incorporaram esta te-
mática em seus currículos, dificultando, assim, que novos profissionais conheçam a temática. J.F.B. – Penso que seja a forma de lidar com as questões relativas a sexo e à reprodução, pois os campos são impregnados pelas propostas morais. A aceitação das questões que dizem respeito ao corpo ainda são vistas por ângulos que desrespeitam os direitos de pessoas que pretendem manter o domínio sobre seus próprios corpos e cujas orientações sexuais e reprodutivas vão em direção contrária às de outros grupos que, por orientação religiosa e moral, não aceitam as novas/velhas formas de ser cidadão e de usufruir direitos independente da condição de gênero, da orientação sexual, do credo religioso, entre tantas outras variáveis que interferem na vida cotidiana. Os comportamentos sexuais afastados da reprodução e orientados pela possibilidade de controle do próprio corpo e do prazer ainda são vistos como "atentando contra a sociedade", mesmo que mudanças tenham ocorrido. Por que as mulheres não podem dispor de seus corpos? Por que as vítimas de estupro e de abusos sexuais devem carregar consigo as consequências dos atos violadores? Por que devo carregar comigo e conviver com a dor da perda, do luto antecipado por um anencefálico? Por que a vida das mulheres não é respeitada? São perguntas que nos engasgam, tornando-nos gagas sem sermos! Beira do Rio – Em que medida as diferenças de Gênero interferem na discussão (e mesmo na garantia) desses direitos? A.P.O.S. – Inicialmente, podemos afirmar que essa temática interessa a toda a sociedade. No entanto é inegável que especialmente as questões relativas à reprodução recaem de forma muito distinta sobre as mulheres. Esta distinção se deve à desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade e reforça a imposição da maternidade para as mulheres. Sem dúvida, a desigualdade entre homens e mulheres não permite que estas disponham do seu próprio corpo. J.F.B. – Infelizmente, as diferenças de gênero ainda são vistas como desigualdades e isso faz com que existam hierarquias que colocam algumas como desejáveis e outras como abomináveis, portanto, as primeiras seriam superiores às últimas. Evidentemente que os grupos que se lançam à discussão valorando as diferenças interferem na garantia dos direitos. Direito não é valor, não é moral, é respeito, inclusive e sobretudo, às diferenças, sejam elas de gênero, raciais ou étnicas. Afinal, o comportamento esperado dentro de uma democracia é o de respeito às diferenças. Mas o exercício do respeito, no Brasil
e na América Latina, ainda é marcado por anos de autoritarismo e por uma moralidade cristã-judaica que em todos produz feridas. Os valores morais ainda vêm em primeiro lugar, seguido dos religiosos e do respeito às normas legais e mesmo as da boa convivência. O diferente, seja ele quem for, não exige que o mundo viva a sua diferença. O diferente solicita e requer ser respeitado na diferença. Beira do Rio – Quando falamos em violência sexual, por que o lugar da vítima é sempre questionado? Criança, jovem ou adulta, sobre ela os olhares são sempre de desconfiança... A.P.O.S. – A desconfiança está ligada à questão de gênero, que atribui à mulher, muitas vezes, um papel de "dissimuladora", mas também à dificuldade dos juízes em se posicionarem acerca do tema. Ao longo da capacitação, ressaltamos a importância dos laudos multiprofissionais, nesses casos, para embasar a formação do convencimento dos juízos. Um laudo deve atentar, também, para a cultura em que se encontram inseridos os envolvidos no processo. J.F.B. – Lamentavelmente, embora a diversidade cultural seja reconhecida e referendada pelas declarações e pactos internacionais, a mentalidade de muitos não mudou e mulheres, crianças, pessoas de gênero não conforme ainda são vistas com reservas e, pasmem, como pessoas de qualidade inferior, portanto, não confiáveis. As vítimas de violência não podem ser vitimizadas ao infinito, seja pelo violador, seja pelo profissional de saúde, que não provê o procedimento adequado, seja pelo operador de direito, que não julga adequadamente, seja pela sociedade. A pessoa violada e violentada deve ser atendida e seus direitos devem ser reparados. Não é o comportamento dela que está sob julgamento, é a violência sofrida. Beira do Rio – A violência sexual é um caso de polícia ou de saúde pública? A.P.O.S. – As duas áreas possuem responsabilidade sobre a questão. Aos profissionais da segurança, cabe a apuração do caso, sem "prejulgamentos", e aos profissionais da saúde, cabe uma atenção humanizada às vítimas. J.F.B. – A violência ganha foros de epidemia dependendo do momento - atinge a muitos - , mas ela é endêmica, persistente, cotidiana! Como tal, requer tratamento de segurança pública, não apenas policial. E de saúde pública, pois gera agravos físicos, emocionais e sociais. Portanto, devia ser coibida com políticas públicas que oferecessem proteção ao cidadão, afinal, é o papel do Estado.
Eleições
Setor privado é maior doador de recursos
No chão, a professora Inês Ribeiro conduz as atividades com alunos da Unidade Pedagógica da Ilha do Combu
Patrimônio
Estudo investiga a origem de doações feitas para campanhas dos deputados federais eleitos em 2006. Pág. 3
Educação
Programa valoriza arte na escola
Pág. 11
Linguagem
Projeto reúne mestres e novos grupos de carimbó Fomentar a divulgação dos ritmos paraenses para além das fronteiras do Estado. Este é o objetivo do projeto
de extensão Carimbó.net. Aqui, a internet e a tecnologia digital ajudam a manter a tradição. Pág. 9
Acervo do Projeto
Desigualdades de gênero interferem na garantia de direitos sexuais
Atlas revela diversidade de 'sotaques' Pesquisadores da Universidade participam da coleta de dados para a construção do Atlas Linguistico do Brasil. Pág. 8
Extensão
Alexandre Moraes
"Direito não é valor, não é moral, é respeito"
Projeto "Preamar Teatral: arte, formação e cidadania nas escolas públicas das ilhas de Belém", coordenado pela professora Inês Antonia Ribeiro, da Escola de Teatro e Dança da UFPA, está transformando o cotidiano escolar das Ilhas do Combu e de Caratateua. As salas de aula são transformadas em salas de vivência onde são discutidos vários temas, como meio ambiente, corpo e cidadania. A dinâmica é interativa. Os alunos participam da construção do roteiro com suas próprias histórias. Para os professores, as oficinas são uma oportunidade de formação continuada. Durante as visitas, eles são orientados para desenvolverem suas próprias dinâmicas. Págs. 6 e 7
Alexandre Moraes
Projeto leva teatro às ilhas
Oficinas de grafismo e arte plumária Em Icoaraci, o domingo é dia de roda no Espaço Coisa de Negro
Artesanato indígena em exposição
Ministradas em escolas de Belém e do interior, as oficinas se transformam em opção de renda para participantes. Pág. 10
Entrevista
Opinião
Coluna da Reitoria
Jane Felipe Beltrão e Ana Paula Sciammarella falam sobre direitos humanos sexuais e reprodutivos. Pág. 12
Armando Dias Mendes escreve sobre o Fórum de Pós-Graduação da Amazônia. Pág. 2
O pró-reitor Fernando Arthur de Freitas Neves fala sobre o tema da 13ª Jornada de Extensão da UFPA. Pág. 2