ISSN 1982-5994
UFPa • aNo XXViii • N. 119 • JUNHo e JULHo, 2014
Menos ciúme e mais amor, por favor
Páginas 8 e 9 Cultura
Pássaros Juninos Pesquisador registra vocabulário utilizado por grupos regionais. Páginas 6 e 7 Entrevista
Anos de Chumbo Rodrigo Pato fala sobre sua pesquisa no acervo do Serviço Nacional de Informação Páginas 10 e 11
UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Coordenação: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Brenda Rachit, Marcus Passos e Vitor Oliveira (Bolsistas). Walter Pinto (561-DRT/PA) Fotografia: Alexandre Moraes e Laís Teixeira Fotografia da capa: Alexandre Moraes e Adolfo Lemos Ilustrações: Benelton Lobato/Márcio Dias/CMP/Ascom Charges: Walter Pinto Projeto Beira On-Line: Danilo Santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Júlia Lopes e Cintia Magalhães Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Secretaria: Silvana Vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares
Reitor: Carlos Edilson Maneschy Vice-Reitor: Horácio Schneider Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho Pró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar Prefeito: Alemar Dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - ASCOM/UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br
“(...)Tenho ciúme do sol, do luar, do mar Tenho ciúme de tudo Tenho ciúme até Da roupa que tu vestes”. Os versos de Waldir Machado, imortalizados na voz de Orlando Dias e com diversas regravações, falam de um ciúme desmedido e exagerado. Esse nível de ciúme não é comum entre os casais paraenses, afirma Vanessa Alcântara Cardoso, autora da Pesquisa Relação entre ciúme romântico e satisfação conjugal, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Entre os 200 casais entrevistados, a maioria diz sentir ciúme moderado e afirma estar satisfeito com o seu relacionamento. Ficou surpreso? Leia mais na reportagem assinada por Victor Oliveira. Em entrevista ao jornalista Walter Pinto, o professor Rodrigo Patto apresenta a pesquisa que realizou nos acervos do Serviço Nacional de Informações, sobre os efeitos da ditadura nas universidades brasileiras. Nesta edição, você também vai conhecer: o vocabulário utilizado pelos Grupos de Pássaros Juninos que atuam na Região Metropolitana de Belém; os resultados alcançados pelo Parfor nos últimos quatro anos e o sucesso dos transplantes de córnea realizados no Hospital Universitário Bettina Ferro. Boa leitura!
Rosyane Rodrigues Editora
Índice Parfor enfrenta o déficit formativo no Pará ...........................4 Brincadeiras, memória e História .......................................5 Entre fadas, índios e caçadores .........................................6 Ciúme moderado e alta satisfação ......................................8 A universidade no tempo da ditadura ................................ 10 Na contramão da ordem nacional ..................................... 12 Transplante garante vida nova ........................................ 14 Além do que se vê ...................................................... 16 O poder verde-oliva na República Brasileira ........................ 18
Cena de Soure (Marajó). Fotografia de Alexandre Moraes
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Acervo Pessoal
Opinião Parfor enfrenta o déficit formativo no Pará
A
Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica foi instituída pelo Decreto 6.755, de 29 de janeiro de 2009, da Presidência da República, com a finalidade de organizar em regime de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério que não possuem a formação em nível superior, legalmente exigida para atuar nas redes públicas da educação básica. Em atendimento à política nacional, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) foi lançado em maio de 2009, como uma ação emergencial destinada à formação de professores em serviço. Trata-se de um programa implementado pela Diretoria de Educação Básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ao firmar Acordo de Cooperação Técnica com a Capes, em 2009, a Universidade Federal do Pará (UFPA) assumiu uma decisão politicamente estratégica ante os desafios sinalizados pelo Plano Decenal de Formação Docente do Estado do Pará, que apontava para um quadro de 40 mil professores em exercício, nas redes públicas do Estado do Pará, sem a formação legalmente exigida para atuação em território nacional. Considerando sua capacidade instalada e a experiência já acumulada no processo de interiorização, a UFPA colocou-se o desafio de investir na formação de 16 mil desses professores e, assim, mobilizou o conjunto de suas unidades acadêmicas envolvidas na oferta de licenciaturas para assumir essa tarefa. Entre os formatos previstos pelo programa, a Universidade optou por ofertar cursos na modalidade presencial, envolvendo suas unidades e subunidades acadêmicas em um processo de reconfiguração e adequação de seus projetos pedagógicos, de modo a conectar-se aos
princípios estruturantes propostos pela Política Nacional de Formação de Professores e dar conta de um diálogo efetivo e profícuo entre a formação oferecida e a realidade e os desafios da educação básica, considerando que os docentes em formação acumulam vasta experiência nesse nível de ensino. Em julho de 2009, a UFPA disponibilizou sua primeira oferta na Plataforma Freire, tendo iniciado, em janeiro de 2010, os cursos de Ciências Naturais, Matemática, Letras/ Língua Portuguesa, Geografia, História e Pedagogia, num total de 14 turmas distribuídas nos Campi de Abaetetuba, Bragança, Belém e Cametá, com matrícula inicial de 470 alunos. Em 21 de dezembro de 2009, o Conselho Superior de Ensino e Pesquisa aprovou a oferta dos cursos para o quarto período letivo de 2009 (Resolução nº 3.921/2009), a partir de projetos pedagógicos diferenciados e aprovados por essa mesma instância colegiada superior. Os cursos ofertados praticam calendário de regime intervalar intensivo, nos meses de janeiro, fevereiro, julho e agosto. Já em 2010, a UFPA passou a ofertar as Licenciaturas em Artes Visuais, Biologia, Dança, Educação Física, Filosofia, Letras/Língua Espanhola, Letras/Língua Inglesa, Música, Química e Teatro, saltando para um total de 4.934 alunos matriculados. A partir desse ano, as 21 licenciaturas realizaram o processo de reorientação de seus projetos pedagógicos, adequando-os ao tempo, espaço e público em formação e oferecendo, regularmente, novas turmas a cada demanda semestral e, a partir de 2013, anual. Na UFPA, o Parfor apresenta flagrante evolução em seu processo de institucionalização e crescimento, elementos materializados tanto na demanda por vagas, por parte das escolas, quanto na efetivação de matrículas e trajetória exitosa dos docentes em formação. Em 2009, eram 470 professores matriculados em 14 turmas. Em 2013, foram 10.403 professores matricu-
lados em 287 turmas. Durante o ano de 2014, um total de 112 turmas deverá finalizar seu processo formativo inicial e a UFPA aproximar-se-á de um total de 14 mil alunos. O esforço institucional requer a mobilização de 1.200 professores da Instituição e 57 colaboradores que acorrem a 63 polos para aproximar, cada vez mais, a UFPA dos lugares onde as demandas de formação se fazem mais prementes e onde, de outro modo, dificilmente a Universidade chegaria. Considerando o caráter permanente assumido pelo Parfor a partir de 2013, o momento atual do trabalho institucional volta-se para o refinamento do processo de localização da demanda real por formação; a constituição de novos polos a partir da localização dessa demanda real, o investimento na consolidação do processo de inserção institucional do programa; a definição de marcos regulatórios internos que atendam às especificidades do programa e o investimento na consolidação da qualidade acadêmica das ações formativas, de modo a integrar ações de ensino, pesquisa e extensão como ações indissociáveis da dinâmica universitária. A trajetória do programa na UFPA indica, para este momento e de modo prospectivo, a necessidade de avanços significativos no processo de institucionalização do programa e de garantia da qualidade acadêmica e social dos percursos formativos oferecidos aos docentes da educação pública básica do Estado do Pará. Nestes quatro anos iniciais, o Parfor coloca-se, certamente, como a experiência mais arrojada de enfrentamento do déficit formativo no Estado do Pará e quer ser um profícuo laboratório pedagógico voltado para a revitalização e reconfiguração do projeto institucional de formação docente na Universidade Federal do Pará! Josenilda Maués - coordenadora Adjunta do Parfor UFPA e-mail: jomaues@ufpa.br
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Alexandre Moraes
Pesquisa
Brincadeiras, memória e História Aulas discutem conteúdos a partir de relatos da infância Marcus Passos
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or trás do futebol, da pipa e do pula corda, encontra-se uma relação social que vai além do simples ato de brincar, isso ocorre, porque as brincadeiras são caracterizadas como uma prática social. E é nessas brincadeiras que as pessoas, especialmente as crianças, constroem o seu processo de socialização. Por meio desse processo, encontram-se questões bem complexas, “pois cada
brincadeira está situada num tempo histórico, o que indica a existência de uma relação direta entre as práticas de brincar e as referências sociais desse tempo”, revela a professora Clarice Nascimento de Melo, da Universidade Federal do Pará. Com o Projeto “Brincadeiras, Memória e Ensino de História”, a professora desenvolve um estudo sobre as brincadeiras relatadas por quem viveu a sua infância nas décadas de 1950 a 1990. A par-
tir dos relatos, é possível criar problemáticas e tematizações no ensino de História para os primeiros anos do ensino fundamental. O projeto utiliza como metodologia a História Oral, mais especificamente a história de vida das pessoas a partir de suas práticas de brincar. Então, pelos depoimentos coletados entre os familiares dos alunos da Escola Municipal Francisco da Silva Nunes, instituição escolhida para a pesquisa, são produzidos os elementos norteadores
para a produção do trabalho. “Queremos mobilizar um conteúdo de ensino relacionado às praticas de brincar. Como exemplo, temos a ditadura militar, um conteúdo tradicionalmente apresentado a partir dos feitos dos governos ditatoriais. A partir da memória das pessoas que viveram esse período e de suas brincadeiras, pensaremos conteúdos de ensino de História. Ou seja, tematizaremos a ditadura a partir da memória de brincar dessas pessoas”, explica.
Atualmente, ensino privilegia datas comemorativas Outro aspecto abordado pela pesquisa é o ensino de História no ensino fundamental. Normalmente, o conteúdo é trabalhado de maneira tradicional, a partir de datas comemorativas, como a Independência do Brasil, ou de personagens ilustres, como Tiradentes. Essa situação não pode ser reduzida a uma simples falha do sistema educacional. Há um processo mais histórico cultural do que burocrático, ou
seja, “nós vivemos na lógica de que o ensino de História deve ser ministrado pela memorização dos conteúdos. E alterar esse processo demanda tempo”, analisa Clarice Melo. Assim, ações que visem quebrar esse processo necessitam do apoio de um conjunto de atores, como diretores, alunos, professores, pais e governo, além da própria rotina da escola, na execução de suas práticas diárias.
No entanto Clarice Melo destaca que nenhuma pesquisa tem a capacidade de reverter situações definitivamente, mas é possível impulsionar outra perspectiva de ensino. “Estamos tentando mostrar, a partir desse projeto, que é possível ultrapassar esse processo de História tradicional e criar problematizações sobre a sociedade contemporânea”. No decorrer das entrevistas, as relações de gênero
surgiram como uma nova problematização. Ao fazer os seus relatos, as pessoas mencionam brincadeiras voltadas especificamente para meninas ou meninos. Com isso, cabe pensar as relações de gêneros do presente buscando elementos do passado, como propõe o projeto de pesquisa. “Estamos propondo falar de História e relacionar a experiência de vida dos alunos dentro das salas de aula”, finaliza a professora.
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Cultura
Entre fadas, índios e caçadores Pesquisa registra vocabulário utilizado pelos Pássaros Juninos Brenda Rachit
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o Pará, o mês de junho é repleto de cores, sons e movimentos. As quadrilhas juninas começam a ensaiar seus passos, as praças ganham uma rotina diferente e as comidas típicas trazem cheiro e sabor especial ao ambiente. Em meio a esse cenário, há uma manifestação popular que, embora tenha perdido o incentivo ao longo do tempo, sobrevive e mantém viva a tradição, são os Grupos e Cordões de Pássaros Juninos. Um típico teatro paraense com características sui generis, ou seja, próprias, únicas, criadas pelo povo, à sua maneira. Esse teatro divide-se em duas vertentes, os Cordões e os Pássaros Juninos. Ambos desenvolvem o mesmo enredo, a diferença
está na disposição de cada indivíduo em cena. Nas apresentações dos Cordões, todos permanecem no palco, em semicírculo, indo de seus lugares ao centro e vice-versa. Os Pássaros, por sua vez, necessitam de um espaço mais apropriado, com cortina, camarim e palco, a apresentação também se diferencia pelo drama, um pouco mais complexo do que os cordões. Há evidências de que os Cordões de Pássaros já existam desde o século XIX, influenciados pelas operetas nos tempos da Belle Époque. Daí descende o Pássaro Junino como uma ramificação dos Cordões. O Pássaro é conhecido como melodrama-fantasia, por ter um caráter mais melodramático, envolvendo temáticas variadas, como traições, casos amorosos e outros conflitos. A música pontua
toda a apresentação e a história sempre se faz em torno da caçada, morte e ressurreição do Pássaro. Essa história e memória faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Introdução ao Vocabulário dos Pássaros, de Rodolpho Sanchez, estudante de Licenciatura Plena em Teatro da Universidade Federal do Pará, sob a orientação do professor João de Jesus Paes Loureiro. A monografia introduz um estudo ao vocabulário dos Pássaros Juninos, um recorte dos mais de trinta verbetes encontrados em análises bibliográficas e entrevistas. Essas entrevistas foram feitas com cinco representantes de Grupos de Pássaros Juninos, conhecidos como “guardiões”. Hoje, são encontrados, em Belém, 25 grupos de Pássaros, cada um sob a responsabilidade de um guardião.
Um olhar artístico e teatral sobre as palavras A essência do trabalho não compreende os aspectos linguísticos do vocabulário dessas comunidades, mas introduz um olhar artístico e teatral sobre a forma como essas identificações são criadas. O objetivo é preservar esses verbetes, como forma de registro histórico e resguardo dessa identidade como parte da cultura amazônica. Alguns termos podem sofrer alterações com o passar do tempo, a exemplo da cena em que o caçador mata o pássaro, na qual, o termo “matar” tornou-se “alvejar”, pois a ideia de matar um pássaro poderia ser mal interpretada pelas crianças que assistem às apresentações. O mesmo ocorre com o verbete “Índia Branca”, substituído pela expressão “Índia Favorita”, para evitar qualquer conotação preconceituosa. O elenco do Pássaro Junino não é
composto por atores,mas por “brincantes”, que não recebem para se apresentar, pois não se trata de um trabalho profissional, mas de um convite à brincadeira de São João. São, em sua maioria, jovens e crianças da comunidade que acompanham os grupos em atividades, oficinas e apresentações. Os brincantes crescem nesse meio e ajudam a compor a história e a memória dos grupos. O “porta-pássaro” é a criança que leva o nome do grupo junino na representação de seu figurino, “um nome forte e cheio de significado, para designar quem vem portando o elemento principal da brincadeira”, explica Rodolpho Sanchez. O termo “matutagem” indica os brincantes que entram em cena para descontrair a plateia, contrapor o clima melodramático e levar o público ao riso. A singularidade desse vocabulário vai além da compreensão dos verbetes, é a expressão do olhar e da vivência dessas comunidades dentro de sua própria cultura. A análise possibilita o entendimento não só das nomenclaturas em si, mas também do indivíduo que constrói essa identidade, que é parte dessa história.
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FOTOS ACERVO DO PESQUISADOR
IPHAN discute patrimonialização dos Grupos O universo artístico dos Pássaros Juninos tornou-se mais presente na vida de Rodolpho Sanchez quando o estudante passou a integrar o Grupo de Trabalho de Patrimonialização do Pássaro Junino no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O projeto é coordenado pela professora Inês Ribeiro e conta com a consultoria do professor Paes Loureiro. O intuito é preservar essa expressão popular e discutir políticas de salvaguarda dos Pássaros. A primeira etapa compreende o levantamento preliminar do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) Pássaro Junino, primeiro, na capital paraense e, em seguida, no interior do Estado.
Além da pesquisa, Rodolpho também foi convidado para participar do Grupo Junino Tucano. Como brincante, o estudante pôde acompanhar de perto a trajetória dos grupos, tornando-se pesquisador participante dessa construção. Durante a elaboração do TCC, as portas estiveram abertas justamente por sua proximidade com o objeto de estudo. Essa convivência possibilitou-lhe, como pesquisador-atuante, observar tanto a construção artística dos pássaros quanto a dificuldade dos guardiões em custear essa produção. Alguns grupos têm a ajuda de um padrinho, porém esses “patrocinadores” estão cada vez mais escassos. O Instituto de Artes do Pará (IAP)
apoia os grupos promovendo oficinas de bordado, além de produzir, desde 2011, a Série Cadernos do IAP, um projeto de restauração artística do Pássaro Junino. Ainda assim, os guardiões necessitam de apoio. Diversas culturas exerceram influência na composição da identidade dos Pássaros Juninos, como a evidência indígena na presença do cocar, da maloca e do próprio índio. Segundo Sanchez, no interior do Pará, o cinema também foi inspiração, a figura do cowboy e de outros personagens ganham vida na encenação dos Cordões. O figurino possui traços carnavalescos e, nessa mistura de referências culturais, o Pássaro Junino segue construindo sua singularidade.
Grupo Junino Tucano em apresentação no teatro do Museu Emílio Goeldi.À esquerda, os guardiões, o caçador e o porta-pássaro. À direita, componentes do quadro da nobreza.
glOSSáRiO de veRBeteS RegiStRadOS Alvejar – Ferir o pássaro. Balé – Recurso cênico. Entra no intervalo necessário para mudança de figurino. Não necessariamente é o ballet clássico, mas uma dança. Caçador – Aquele que caça os pássaros. Um dos personagens principais. Capacete – Adereços usados pelos índios, personagens da maloca. Diferencia-se do cocar por ser maior e mais barato em sua confecção. Fada – Ser encantado que protege o pássaro e outros personagens. Em algumas encenações, é quem cura o pássaro quando este é alvejado pelo caçador. Feiticeira – Personagem que, dependendo do autor da peça, pode ser boa ou má. Quando boa, ela pode
curar o pássaro e quando má, ela faz encantamentos para prejudicar os personagens. Guardião – Responsável pelos grupos. É figurinista, produtor, ensaiador e/ou diretor da peça. Índia Branca – Índia que fala português, não precisa ser branca, mas assume o papel de intermediadora entre o homem branco e a tribo. Também é chamada de Índia Favorita ou Índia mais Bela, entre outras variações do termo. Maloca – É um quadro da encenação composto por mais de dez pessoas. A maloca é representada pelos índios. Marcha de apresentação – Música que dá início ao espetáculo, que apresenta o grupo de pássaro. Marcha de rua – É a música cantada
pelo grupo quando este sai da casa do guardião ou sede do grupo até o local onde se apresentará. Marcha de despedida – É a música que marca o fim do espetáculo. Nobreza – Núcleo de personagens ilustres, como a princesa, o príncipe e o marquês, entre outros. Marquês – Personagem pertencente ao quadro da nobreza e o grau mais alto na hierarquia da dramaturgia dos pássaros, geralmente é o vilão. Pajé – Pertencente ao quadro da maloca, é o curandeiro da tribo. Porta–pássaro - Criança que se veste com o figurino do pássaro que dá nome ao grupo. Passagem de cabeça – É o ritual de troca de porta-pássaro, de uma criança para outra.
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Psicologia
Ciúme moderado e alta satisfação Dissertação analisa ciúme romântico entre casais paraenses Victor Oliveira
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ciúme já inspirou letra de canções, peças de teatro, livros e novelas. Acreditase que o ciúme constitui um lado negativo dos relacionamentos, gerando distúrbios e grandes transtornos para a relação. De certo, em muitos casos, o senti-
mento pode levar ao descontrole e, em casos extremos, à violência doméstica. Daí surge a questão motivadora para a Dissertação Relação entre ciúme romântico e satisfação conjugal, desenvolvida por Vanessa Alcântara Cardoso, para o Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento: como o ciúme, visto pelo senso comum como algo prejudicial ao relacionamento, evoluiu com a espécie humana? A autora tratou de desmistificar o conceito, demonstrando em seus resultados que é possível sim, que o ciúme seja um mecanismo de colaboração para a satisfação entre os casais. De acordo com Vanessa Alcântara Cardoso, a dissertação trata do ciúme romântico, “usamos a palavra ‘romântico’ para especificar que é o ciúme entre casais humanos”. O trabalho, orientado pela professora Regina Britto, tem como
base a Psicologia Evolucionista, uma área da Psicologia que analisa os indivíduos considerando, além da visão ontogenética – transformações sofridas pelo indivíduo desde a fecundação do óvulo até a morte, também a filogenética, ou seja, a história evolucionária da espécie humana. A filogênese humana inclui toda a história da construção anatômica e psicológica pela qual passaram nossos ancestrais no ambiente de seleção da espécie, que permite, hoje, sermos chamados de “espécie humana”. Foram entrevistadas 200 pessoas, 100 casais residentes no Estado do Pará, heterossexuais e com relacionamento maior ou igual a seis meses. A faixa etária varia entre 18 e 65 anos e a escolaridade mínima aceitável era o ensino fundamental incompleto. O objetivo da pesquisa era investigar qual a influência do ciúme na relação dos casais e, mais especificamente, medir o nível de ciúme dos participantes, verificar o grau de satisfação dos pares e comparar a satisfação com o nível de ciúme encontrado.
ALExANDRE MORAES
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Análise a partir da Psicologia Evolucionista A análise dos resultados foi realizada a partir da proposta da Psicologia Evolucionista de base darwiniana, a qual pressupõe que os mecanismos psicológicos e comportamentais e as estruturas cerebrais neles envolvidas foram escolhidos por meio da seleção natural ao longo da evolução da espécie humana, por ter determinado a sobrevivência da espécie ao solucionar os problemas de adaptação por eles enfrentados, nos ambientes ancestrais. Segundo Vanessa Cardoso, após a espécie humana ter se tornado bípede e o cérebro ter chegado ao tamanho atual, o casal teve que investir igualmente na sobrevivência dos filhos. A partir daí, as mulheres
passaram a ser, gradativamente, mais criteriosas na escolha do pai dos seus filhos. Elas observam características comportamentais que indiquem a intenção do companheiro em compartilhar com ela a criação dos filhos. Ao mesmo tempo, os homens que irão investir todos os seus recursos nos filhos com aquela companheira também são exigentes e criteriosos. Eles querem mulheres que apresentem indicativos de boa saúde e fertilidade. Esse jogo de exigências é sequenciado por uma série de estratégias de manutenção do parceiro, que são comumente chamadas de ciúme. Exemplo: estar sempre por perto, controlar o tempo do parceiro, verificar seus pertences, entre outras.
Por que essas táticas de guarda são importantes? Por um lado, porque uma relação afetiva e amorosa demanda um grande investimento dos envolvidos. Por outro lado, há uma grande competitividade, entre homens e mulheres, por sexo sem compromisso, assim, as táticas de guarda, chamadas conceitualmente de ciúme, preveniriam a deserção de parceiros e a perda do investimento já realizado na relação. “O momento que poderia ser de deserção do homem, pois já fecundou a fêmea e poderia partir para outra cópula, é dedicado a prover recursos para sua prole, garantindo a sobrevivência desta”, explica a pesquisadora.
Amor e ciúme garantem o sucesso reprodutivo Em seu estudo, Vanessa Cardoso afirma que o amor e o ciúme teriam evoluído para garantir o sucesso reprodutivo. Ou seja, numa relação em que haja amor, são menos recorrentes os episódios de infidelidade, desvios de recursos de uma prole para outra e desinteresse na manutenção da relação atual. O ciúme tem o papel de “proteger” a relação. A diferença entre homens e mulheres é que “o ciúme do homem é mais sexual e o da mulher é mais emocional. Provavelmente, o homem terá mais problema com as questões sexuais da relação com
sua parceira, enquanto a mulher se preocupa com a deserção emocional do homem em meio ao relacionamento”, afirma Vanessa. A famosa expressão “marcar o território” vem daí, quando o homem, para proteger a parceira, utiliza-se de táticas como: exibição de recursos, intimidação e violência física voltada contra o concorrente. Já a mulher investe na aparência para mostrar-se atraente, além de exercitar certa docilidade e subordinação ao macho. Para determinar os níveis de ciúme e a relação com a satisfação conjugal dos entrevistados durante
a pesquisa, Vanessa Cardoso usou a Escala de Ciúme Romântico (ECR), que mostra os graus de ciúme romântico entre os entrevistados, e adaptou o questionário de satisfação no casamento, questionário MARQ, que indica a satisfação dos participantes com o relacionamento atual. Os níveis de ciúme são: ínfimo, leve, moderado, intenso e excessivo. Para a pesquisadora, a satisfação no relacionamento é preponderante no bem-estar dos indivíduos, “considera-se uma relação como satisfatória quando os benefícios nesse relacionamento são maiores do que os custos”, avalia.
Casais satisfeitos com seus relacionamentos Os resultados delinearam o perfil dos casais paraenses. O percentual de satisfação da mulher ficou em: 57% satisfeitas, 36% muito satisfeitas e 7% moderadamente satisfeitas. Os homens também estão satisfeitos no relacionamento, havendo, portanto, uma equivalência de respostas entre os sexos. O percentual de satisfação dos homens ficou distribuído assim: 56% satisfeitos, 39% muito satisfeitos e apenas 5% moderadamente satisfeitos. A pesquisadora acrescenta que, em
termos percentuais, os homens parecem estar mais satisfeitos com o relacionamento do que as mulheres. “A mulher aparece como mais exigente, porque seu investimento no relacionamento é maior”, supõe Vanessa Cardoso. Os dados da pesquisa ainda indicam que 73% das mulheres possuem um ciúme moderado, enquanto o maior percentual dos homens entrevistados alcançou 63% em relação ao mesmo grau de ciúme. A média do casal foi desnecessária,
visto que isso iria mascarar o ciúme individual. Nos outros níveis, 14% das mulheres e 14% dos homens possuem um nível de ciúme intenso e 4% das mulheres e 7% dos homens possuem um nível de ciúme excessivo. Apenas 9% das mulheres e 17% dos homens possuem um nível de ciúme considerado baixo (ínfimo e leve). Os resultados atestam que os casais paraenses estão satisfeitos com o atual relacionamento e que o nível de ciúme está presente de maneira significativa entre os indivíduos.
nÚMeROS 200 casais entrevistados, heterossexuais, com idade entre 18 e 65 anos. 57% das mulheres estão satisfeitas, 36%, muito satisfeitas e 7%, moderadamente satisfeitas.
56% dos homens estão satisfeitos, 39%, muito satisfeitos, e 5%, moderadamente satisfeitos.
73% das mulheres têm ciúme moderado, 14%, ciúme intenso e 4%, ciúme excessivo.
63%
dos homens têm ciúme moderado, 14%, ciúme intenso e 7%, ciúme excessivo.
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Entrevista
Rodrigo Patto Sá Motta
A universidade no tempo da ditadura Punição para os divergentes era demissão ou aposentadoria Alexandre Moraes
Walter Pinto
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istoriador voltado ao estudo do Brasil contemporâneo, o professor Rodrigo Patto Sá Motta, mineiro de Belo Horizonte, vem realizando pesquisas que revelam uma parte da história do tempo presente relacionada às instituições, organizações e representações políticas nacionais. Autor dos livros Jango e o golpe de 1964 na caricatura, Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964) e o mais recente As universidades e o regime militar, Rodrigo Patto esteve em Belém participando do seminário sobre os 50 anos do golpe militar de 1964. Na entrevista abaixo, ele fala sobre os resultados da pesquisa que realizou sobre as universidades nos Anos de Chumbo, principalmente, nos acervos do Serviço Nacional de Informações.
A pesquisa Minha pesquisa sobre o regime militar e as universidades começou pelo acervo da extinta Assessoria de Segurança e Informação (ASI), da Universidade Federal de Minas Gerais, que ajudei a organizar, em 2005. Diante da riqueza do material, pensei em ampliar o estudo incluindo outras universidades. O acervo disponível naquele momento era o da UnB, que ainda se encontrava na própria universidade. Depois, tive acesso aos acervos das outras instituições de ensino e pesquisa, à medida que os documentos do SNI foram liberados, em 2006. Resolvi, então, ampliar a pesquisa para além do tema da repressão política, ao perceber que, para entender as universidades na ditadura,
teria que olhar também os aspectos da modernização promovida pelos militares. Então, resolvi estudar o lado repressivo e o lado modernizador da ditadura, até para entender como ambos se articulavam. Além dos acervos consultados, realizei 50 entrevistas e,
nos Estados Unidos, pesquisei documentos diplomáticos e documentos da Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). Ao final de seis anos, havia levantado um material que resultou na publicação do livro As universidades e o regime militar.
Reforma universitária Quando os militares tomaram o poder, eles não tinham um projeto para a universidade brasileira. O primeiro trabalho da ditadura em relação à universidade foi promover um expurgo político, afinal, lá,
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como nos movimentos sindical e de trabalhadores rurais, os segmentos à esquerda eram grandes. Com o passar do tempo, a ditadura abraçou a ideia de fazer uma reforma universitária, uma demanda anterior ao golpe, inserida nas reformas de base anunciadas por João Goulart, no início dos anos de 1960. Mas a reforma universitária da ditadura ficou aquém da reivindicada por professores e estudantes, principalmente os de esquerda, que ansiavam por maior envolvimento da universidade no processo de mudanças sociais, por uma universidade menos elitista e mais popular. Mesmo promovendo a modernização científica, tecnológica e administrativa da universidade, a reforma da ditadura teve um caráter autoritário, centralizador, elitista e concentrador de renda.
Marxismo Apesar do perfil antimarxista da ditadura, durante todo o regime militar, o marxismo aumentou sua influência no Brasil. Foi algo que os militares não conseguiram impedir, era algo muito difícil de controlar, porque os estudantes se sentiam atraídos pelo marxismo. A massa de estudantes aumentou muito durante a ditadura. No começo, eram 140 mil universitários. Quinze anos depois, esse número subiu para 1,5 milhão. Então, era muito mais difícil exercer um controle ideológico sobre toda essa gente. Por outro lado, a ditadura brasileira adotou uma atitude totalmente ambígua. Se você olhar a lista dos livros censurados pela Policia Federal, verá que as obras de Marx não foram proibidas. O que o governo proibiu foram autores revolucionários, como Lenin, Mao, os intérpretes de Marx, que viraram lideres revolucionários. O ministro da Educação da época, Jarbas Passarinho, e alguns reitores elaboraram um pensamento,
segundo o qual, o marxismo era uma filosofia e, como tal, não podia ser proibida, porque seria proibir a liberdade de opinião, e as leis da própria ditadura diziam que havia liberdade de opinião. Assim, a leitura do marxismo avançou, apesar de, de vez em quando, a ditadura prender algum professor sob acusação de dar aulas de marxismo, como aconteceu com o historiador Manoel Maurício, preso em 1972, no Rio de Janeiro.
Punições De acordo com uma estimativa que realizei, cerca de 300 professores foram punidos com aposentadoria ou demitidos pelo regime militar, entre os anos de 1964 e 1971. O número de estudantes expulsos, com base na aplicação do Decreto nº 477 e de outros instrumentos de punição, foi em torno de mil. Mas esses números são estimativas. Para aprofundá-los, serão necessários mais estudos nas universidades, como os que a professora Edilza Fontes está realizando na UFPA. Há que se verificar caso a caso, porque as informações que obtive foram para o país inteiro e, certamente, contêm alguma imprecisão, embora sejam números mais ou menos confiáveis.
casos, o argumento foi político e não ideológico. Ou seja: eles foram aposentados não por serem de esquerda, mas pela acusação de estimularem a rebeldia estudantil em 1968. Foram punições políticas que serviram de exemplo para que os demais dirigentes universitários soubessem que a ditadura iria punir quem se opusesse à sua política. É preciso que fique claro que não havia reitores de oposição, isso era algo impossível, pois eles eram nomeados pelos militares, após verificação de nomes e trajetórias. No entanto, na pesquisa, encontrei situações de reitores que protegeram algumas pessoas de esquerda, que se opuseram à demissão exigida pelos órgãos de informações. Aqui, no Pará, em 1983, por exemplo, o reitor Daniel Coelho de Souza se recusou a abrir processo contra professores e funcionários acusados de militância de esquerda. Há vários casos assim no Brasil inteiro. Todos estão registrados na documentação do Serviço Nacional de Informação, o SNI.
“Marx não estava na lista de livros censurados pela Polícia Federal”
Reitores As punições também atingiram reitores que se opuseram ao regime militar. Em 1969, a ditadura aposentou dois reitores (USP e UFMG) e cinco diretores de faculdades (UFMG, UFRJ e UFGS). Nesses
ASI nas universidades As Assessorias de Segurança e Informação funcionavam sempre, dentro das universidades, como órgãos das instituições. Em geral, a ASI situava-se ao lado da sala do reitor, porque era uma assessoria direta da Reitoria. Seus membros eram funcionários da Universidade, escolhidos pelo reitor ou aceitos a partir de indicações do general da área. Os reitores mais fracos aceitavam isso, outros faziam escolhas, até porque eles queriam
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controlar os funcionários para que não trabalhassem contra eles. As informações colhidas pelos funcionários-agentes iam tanto para o reitor quanto para Brasília. Formalmente, esse funcionário tinha que responder diretamente ao reitor, mas, se fosse muito fiel ao regime, poderia passar por cima do reitor e enviar informações diretamente aos chefes, em Brasília.
Tortura Encontrei na documentação uma conversa entre o reitor da UFRJ e o cônsul americano, em 1964. Ao receber um pedido de informações sobre estudantes presos num arrastão contra o PCB, o reitor respondeu que não se envolvia com assuntos de polícia. Revelou que tinha um acordo com o DOPS para que os agentes evitassem prender estudantes dentro do campus, mas nada tinha contra prisões realizadas a partir do portão de saída. Era, então, uma declaração da Reitoria da UFRJ lavando as mãos.
Anistia Com a anistia decretada em 1979, a maioria dos punidos pelo regime pôde voltar à universidade. Encontrei uma documentação do Ministério da Educação, datada daquele ano, na qual, dos cerca de 170 professores que solicitaram retorno, 10 % não foram atendidos. O argumento para negar o retorno ao trabalho foi que o afastamento se deu por improbidade administrativa. Houve casos em que a Reitoria barrou o retorno de professores, porque o reitor era da extrema direita, como o da UnB, que impediu o retorno de três professores muito visados, o que causou uma demissão em massa naquela universidade. Leia mais: http://www. jornalbeiradorio.ufpa.br/novo/
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História
Na contramão da ordem nacional No século XX, o Pará teve cena radiofônica com sonoridade própria Brenda Rachit
A
expressão “sem fio” é comumente usada nos dias atuais para se referir às redes que não necessitam de cabos para transmitir informações, mais conhecidas como redes wireless. Mas, em meados do século XX, quando toda essa tecnologia era apenas uma pretensão, já havia um “sem fio” repercutindo na história do Brasil. A partir da década de 1930, o rádio começava a ganhar espaço e estabelecer as primeiras relações de troca com seu público. Ele seria tão onipresente quanto a televisão
e a internet nos dias atuais. As sociedades produzem e reconfiguram seus meios de comunicação na medida em que elas próprias sofrem transformações. Para Antonio Maurício Dias da Costa, professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA), “estudar os meios de comunicação é, principalmente, uma maneira de estudar a sociedade que produz esses meios”. Em 2009, Maurício Costa iniciou um projeto de pesquisa pautado no elo entre a produção artístico-cultural dos meios de comunicação no Pará
Samba era marca nacional Desse primeiro momento da pesquisa, o professor destaca a forte influência nacionalista exercida sobre a música difundida pelas rádios das capitais mais desenvolvidas, como Rio de Janeiro e São Paulo. Por consequência disso, essas grandes emissoras assumiam a responsabilidade de conscientização e valorização nacional, idealizando o Brasil por meio do samba. Então, “o samba torna-se a marca registrada da cultura brasileira”, afirma Maurício Costa. As grandes rádios priorizavam a cultura, a música e a identidade nacional em detrimento de qualquer influência de outros ritmos e estilos vindos de fora. Paralelamente ao contexto central do País, o cenário radiofônico paraense desprendia-se da obrigação de propagar a cultura brasileira presa ao samba e abraçava os ritmos latinos e cantores internacionais que eram trazidos para o Pará e tornavam-se não só ícones, mas também
influências na composição da programação local. Essa influência tornava comum a presença de artistas caribenhos aqui, no Pará, bem como artistas de Portugal, da Espanha e de países da América do Sul. As emissoras de rádio traziam esses músicos para se apresentarem ao vivo em suas sedes, nos programas de auditório, nos teatros e, principalmente, nas programações do Círio de Nazaré. “Pelo fato de o rádio paraense estar localizado na periferia do sucesso, ele não assumia nenhum compromisso com o samba como música nacional por excelência, como havia no Rio de Janeiro”, acrescenta o pesquisador. Porém esse “periférico” não carregava um sentido de desqualificação. Segundo Maurício Costa, havia profissionalismo no trabalho das emissoras regionais como empreendedoras dentro da futura expansão da indústria cultural não só no Pará, mas também no Brasil.
e a sociedade da época. O professor conta com uma equipe de alunos da graduação e da pós-graduação, bolsistas de Iniciação Científica, além da contribuição de Sônia Chada, etnomusicóloga e professora do Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPA. Inicialmente, a pesquisa deteve-se ao estudo do rádio como ferramenta central dos processos de trocas comunicacionais entre público, artistas e produtores das emissoras regionais. Apesar desse recorte, o estudo não compreende o rádio de maneira isolada, pois muitos profissionais, além de
radialistas, também eram jornalistas, editores de revistas, intelectuais e literatos. O projeto teve como um de seus primeiros resultados o Artigo “Na periferia do sucesso: rádio e música popular de massa em Belém nas décadas de 1940 e 1950”. O período refere-se à emblemática “Era de ouro” do rádio, no Brasil. “O rádio vai se transformar num fenômeno comunicacional midiático e comercial, porque ajuda a comercializar bens de consumo e, ao mesmo tempo, comercializar produtos culturais”, explica o professor.
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Empresários não acreditavam na força publicitária Conhecida pelo prefixo PRC5, a Rádio Clube do Pará inaugurava a produção radiofônica no Estado, oficialmente, em abril de 1928. Fundada por Edgar Proença, Eriberto Pio e Roberto Camelier, a primeira rádio paraense adentrava casas, feiras e locais públicos da capital. No início, a produção dos programas contava com a ajuda de comerciantes que cediam seus discos às emissoras e tornavam-se anunciantes na rádio. Embora a emissora fizesse um grande esforço para garantir um retorno financeiro aos
anunciantes, os empresários não acreditavam no potencial dessa publicidade. Até que, no final da década de 1930, o presidente Getúlio Vargas liberou o comércio de anúncios e as emissoras no Brasil passaram a se profissionalizar. Maurício Costa explica que, a partir daí, fica evidente a identificação do público com os produtos anunciados e os investimentos nas rádios tornam-se cada vez maiores. Po r v i n t e e s e i s anos, a Rádio Clube do Pará atuou praticamente sem concorrência, até que, em
fevereiro de 1954, a Rádio Marajoara entrou em cena com seus equipamentos modernos e seu transmissor de alta potência. A emissora fazia parte da rede de comunicação nacional de Assis Chateaubriand. Inaugurada pelo jornalista Frederico Barata, diretor dos Diários e Emissoras Associadas Zona Norte, a Marajoara chegou ao cenário radiofônico paraense com tecnologias mais avançadas do que as usadas, até então, pela Rádio Clube, mas “a PRC-5, apesar de ser economicamente mais fraca, mantinha vínculos com outras
emissoras, em escala nacional”, explica o professor. Embora, no começo, o conteúdo das programações fosse mais erudito, com a popularização do rádio, ele se tornou mais diversificado. Os auditórios eram sempre lotados pelo público das camadas mais pobres, enquanto os ouvintes se dividiam entre os que podiam ter aparelhos mais modernos e os que possuíam rádios caseiros ou de baixa qualidade. Além disso, era possível ouvir rádio na casa do vizinho, como mais tarde acontecerá com a chegada da televisão.
Rádio acompanha as transformações da sociedade
Ilustração Márcio Dias
Segundo o professor, “no período desenvolvimentista, pósEstado Novo, nos anos 1950 e 1960, o rádio ganha uma forte conotação comercial”. Assim, com um investimento significativo por parte dos anunciantes, as emissoras cresceram em número e qualidade. Técnicos, artistas, estúdios, auditórios, orquestras e até propriedades não diretamente ligadas ao rádio, como o Cassino Rancho Grande, pertencente à Marajoara, eram parte do promissor empreendimento radiofônico de Belém. Outro resultado da pesquisa é o Artigo “A cor local: rádio e artistas da música popular em Belém
nas décadas de 1940 e 1950”, o qual trata da singularidade da produção e difusão musical em Belém, no período em questão, fundamentado em fontes históricas como os periódicos locais e relatos da memória de profissionais da música e artistas da época. Atualmente, o professor pesquisa a projeção, em âmbito nacional, dos artistas Raimundo Sátiro de Melo e Ari Lobo. A pesquisa discute a funcionalidade do rádio dentro da sociedade. Embora a televisão tenha adaptado o modelo de entretenimento radiofônico ao televisivo e redirecionado o fluxo das verbas para si, o rádio não se manteve estático, mas adaptou-se às mudanças e transformações da sociedade. Para o professor, os novos modelos tecnológicos, à medida que vão surgindo, não se anulam uns aos outros, mas complementam-se, tornando mais complexos os mecanismos de atuação dessas mídias no contexto histórico e social em que são produzidos. Embora, atualmente, o rádio não seja um veículo central nos processos de comunicação, ele ainda contribui dentro da esfera midiática contemporânea.
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Saúde
Transplante garante vida nova Hospital Bettina Ferro já é referência nas cirurgias de córnea Acervo Bettina Ferro
Procedimento é indicado quando a córnea perde a transparência por conta de doença genética ou de outras patologias.
Marcus Passos
T
omar banho, ler um livro e sair para passear são atividades simples de serem executadas pela maioria das pessoas. Porém Maria Cristina da Silva, 40 anos, necessitava do auxílio da família para realizá-las, normalmente, marido ou filhos. Essa dependência teve início aos 16 anos de idade, transformando o seu modo de enxergar o mundo. As lembranças são de um período difícil da vida de Maria Cristina, causado pelo diagnóstico de um leucoma em sua adolescência – a doença é caracterizada pela opacidade corneana. Atualmente, ter autonomia para realizar qualquer atividade simboliza a superação conquistada com as cirurgias de transplantes de córnea realizadas no
Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS), da Universidade Federal do Pará. O Hospital Bettina Ferro é referência em Oftalmologia na Região Norte. Em janeiro de 2014, das 16 cirurgias de transplante de córnea realizadas no Pará, sete foram no HUBFS. No ano passado, das 238 cirurgias feitas no Estado, 29 (12,2%) aconteceram no Bettina. O crescimento do número de atendimentos deve-se a muitos investimentos, como afirma o diretor geral do Hospital, o médico e sociólogo Paulo Amorim. “Investimos no aumento de transplantes, porque não se pode conceber que pessoas fiquem sem visão por causa de doenças que atingem as córneas, que são patologias tratáveis. Por isso, realizamos desde a consulta até
o procedimento mais complexo. Assim, o interesse do Bettina é firmar-se cada vez mais como um local de serviço público de qualidade e eficiência”, afirma Amorim. Em 2011, o HUBFS tornou-se o primeiro Hospital Universitário da Região Norte a realizar transplante de córnea, quando foi credenciado pelo Ministério da Saúde para fazer o procedimento. No Pará, os únicos hospitais de serviço público que realizam transplante de córnea são o Hospital Ophir Loyola e o Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. O processo de credenciamento do HUBFS no Ministério da Saúde contou com a colaboração do coordenador da Central de Transplantes do Pará, André Rodrigues, e da atual gestão administrativa do Hospital Bettina.
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Cuidado durante o pós-operatório é importante Como forma de descentralizar o serviço de transplante corneano do Ophir Loyola e, em razão do crescimento na área oftalmológica no Bettina, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizou vistoria para conhecer as salas de cirurgia e os índices de infecção hospitalar no HUBFS. Cumpridos todos os itens que exigiam a portaria do Ministério da Saúde, o hospital foi autorizado a realizar o transplante. Em outubro de 2011, foram realizadas as duas primeiras cirurgias. Na ocasião, Maria Cristina da Silva foi uma das transplantadas. Como tinha a visão obstruída nos dois olhos, a primeira correção
aconteceu no seu olho direito. O médico Jesu Sisnando, coordenador da equipe de Transplante de Córnea do HUBFS, composta por seis cirurgiões, diz que essa cirurgia é indicada quando a córnea, região transparente localizada na frente do olho, fica opaca por causa de doenças genéticas ou de qualquer patologia que leve à perda de transparência da córnea. Assim, a única forma de melhoria da visão é a troca da córnea opaca por uma transparente, fruto de doação. A segunda cirurgia de Maria Cristina foi realizada em dezembro de 2013, também no Hospital Bettina. “Nos dois processos de trans-
plantes aos quais me submeti, fui acompanhada por meio de exames, do Serviço de Assistência Social e Psicologia, antes das cirurgias. Atualmente, o meu acompanhamento continua através das medicações que são receitadas”, afirma. Os pacientes inscritos na fila de transplantes devem ter os exames pré-operatórios atualizados para que estejam aptos à cirurgia. “Após realizar o transplante, o paciente deverá seguir o tratamento à base de medicamentos, evitando, assim, infecções e risco de rejeição, o que garantirá uma alta taxa de sucesso”, enfatiza o cirurgião Jesu Sisnando.
Hospital atende capital e interior do Estado O Hospital Bettina Ferro de Souza atende pessoas de Belém e de outros municípios. Metade do seu atendimento vem da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) e os outros 50%, de municípios do interior do Estado. Os pacientes são cadastrados e atendidos pela lista única da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa). Para o diretor Paulo Amorim, era difícil entender como essa patologia, que possui uma correção técnica relativamente tranquila,
deixava tantas pessoas sem visão. Por essa razão, o Hospital pretende aumentar o número de transplante por meio de convênios com o Ministério da Saúde. “Nós, como representantes da Universidade, precisamos sair dos nossos muros e levar esse compromisso até a sociedade, para melhorar a saúde do nosso Estado”, avalia. A cirurgia dá aos pacientes a oportunidade de usufruir uma nova vida. A exemplo de Maria Cristina da Silva: “Agora, eu tenho outra visão, tanto física quanto profissional. Pos-
so fazer minhas atividades diárias e, futuramente, quero tentar fazer Faculdade de Teologia”. Por ser o primeiro hospital de ensino da Amazônia a realizar o transplante de córnea por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o Bettina recebeu menção honrosa dada pela Assembleia Legislativa do Estado para a equipe que realiza os transplantes. Como financiadoras desse serviço, estão a Universidade Federal do Pará, que mantém o hospital universitário, e a Secretaria Municipal de Saúde.
Serviço Para ter acesso ao transplante de córnea, o paciente deve ir até uma Unidade Municipal de Saúde (UMS), obter encaminhamento e agendamento para o Bettina. No hospital, a triagem irá verificar o tipo da patologia. Se for o caso de transplante, o paciente será cadastrado na fila única da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos, da Sespa. Mais informações na Secretaria de Oftalmologia do HUBFS: (91) 3201 8596.
olhando por dentro
Ilustração Márcio Dias
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Dança
Além do que se vê Deficiência visual não limita processo criativo de bailarina Fotos Acervo do Pesquisador/ Ilustração Márcio Dias
Cenas dos ensaios para o espetáculo "O seguinte olhar", no qual a bailarina Socorro Lima interpretou a lenda do Guaraná.
Victor Oliveira
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conhecimento sobre o corpo e a noção de espaço adquiridos com a dança contribuem para a autonomia das pessoas com deficiência visual (DV). Essa é a ideia defendida pela professora de Dança, bailarina e pesquisadora Marina Alves Mota em sua Dissertação O seguinte Olhar: estudo de caso de um processo criativo em Dança com uma bailarina deficiente visual, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPA, sob orientação da professora Giselle Guilhon. O estudo ultrapassa os limites acadêmicos ao apresentar os resultados do trabalho desenvolvido pelo Grupo “Passos para a Luz”, formado integralmente por
bailarinos com deficiência visual. Marina Mota afirma que a colaboração da dança, neste caso o ballet clássico, para os membros do grupo, é inegável, visto que, no decorrer da pesquisa, notou-se uma melhora significativa na autoestima e postura física dos participantes. “Ao andar na rua, o portador de baixa visão tende a curvar-se para conseguir enxergar os obstáculos no caminho”, explica. Essa melhoria na qualidade de vida dos bailarinos possibilita a realização de novos sonhos, uma vez que as limitações são vencidas. Socorro Lima, bailarina e primeira pessoa deficiente visual a ingressar no curso técnico de Dança da UFPA, conta que sua experiência começou quando percebeu a dança como algo
viável. “O primeiro momento foi perceber esse corpo que dança e, depois, descobrir em quais gêneros da dança eu poderia ser inserida. Comecei com o ballet”, lembra Socorro. O primeiro e maior obstáculo da pesquisa foi a metodologia: como repassar as informações necessárias para a construção da coreografia sem o auxilio visual? “Eu já dava aula para pessoas videntes, usava a cópia e a reprodução pelos alunos. Quando era necessário, eu ia até eles e corrigia. No entanto esse modelo não podia ser aplicado com esse grupo, pois os alunos não estavam me vendo”, explica Marina Mota. Foi necessário criar uma nova metodologia de ensino para os deficientes visuais.
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Pesquisadora criou novo método de ensino Esse período foi marcado pela conversa com os bailarinos sobre como seria mais fácil o aprendizado e desenvolvimento da dança, para que eles pudessem estar no palco sem o auxilio de uma pessoa vidente. A etapa seguinte foi tornar o aluno um criador e pesquisador da própria dança, processo iniciado quando o grupo foi beneficiado com uma bolsa de estudos do Instituto de Artes do Pará (IAP), em 2011. Sob a supervisão de Marina Alves Mota, os dançarinos tiveram maior autonomia para a composição dos movimentos. Os métodos ainda dependiam de uma análise do grau de acuidade visual de cada membro, portanto, delimitando qual a forma mais correta de conduzi-los no espetáculo – que é o produto final da pesquisa. O método adotado para trabalhar com a bailarina Socorro Lima, que possui um déficit de visão de 40% no melhor olho – enxergando apenas a um metro de distância, dependendo da condição de luz ambiente –, contemplava a necessidade de uma experiência criativa na dança.
Outra dificuldade encontrada pela pesquisadora Marina Mota foi repassar os gestos para os bailarinos, trabalhar, um a um, os movimentos durante os encontros em sala. “Percebi que a minha fala precisava ser melhorada, pois, quando eu pedia um movimento com o braço, cada um levantava de um jeito. Precisei reaprender a falar, comecei a construir referências, buscando sempre aproximar tais referências do corpo deles”, explica. Para a bailarina Socorro Lima, esse entendimento foi bem eficaz, pois, para absorver o que era repassado, o corpo precisava entender de onde surgia cada movimento. “Se eu fosse levantar a perna, de onde que começava a levantar? Era para levantar o braço para frente ou para o lado? A linguagem descrevia com detalhes os movimentos. A partir daí, criei uma memória que meu corpo entendia”, relembra. A pesquisadora ressalta que seu trabalho com deficientes visuais contribuiu para o processo de ensino e aprendizagem das turmas de pessoas com visão. Ao aprender
uma nova maneira de expressar a elaboração dos movimentos da dança, Marina Alves Mota pode utilizar informações mais completas e com novos recursos de aprendizado. Esse suporte permite integrar maior percepção do corpo na dança. Mesmo com a visão, era necessário um fiel “sexto sentido” para a evolução artística. Durante os encontros com o Grupo “Passos para a Luz”, Marina introduziu elementos, até então, desconhecidos para aqueles que já nasceram sem enxergar, como arcos, que também foram abertos para dar a noção de semicírculo, além de côncavo e convexo. “Pedia para que eles fizessem um movimento com os braços que lembrasse um pássaro, mas muitos deles nunca havia visto um pássaro voando”, relembra. Era necessário explorar de forma tátil objetos concretos, trazendo para as suas articulações as possibilidades de movimentações referidas pelos instrumentos. Tal perspectiva enriqueceu a compreensão das formas dos movimentos e a ação desse corpo dentro da dança.
Espaço cênico precisou de atenção especial O espetáculo O Seguinte Olhar apresenta a lenda do Guaraná, baseado na obra de Nunes Pereira, descrita no Livro Os Índios Maués. Com a bailarina Socorro Lima, responsável por interpretar todos os papéis dentro do espetáculo, iniciou-se o trabalho de improvisação e disposição do repertório de movimentos. “Como coreógrafa, comecei a catalogar os movimentos dela e a trabalhar cada um deles dentro da composição. Existe a participação dela como intérprete-criadora e
a minha, organizando a estrutura que ela apresenta”, explica Marina Mota. Quanto ao espaço cênico, ficou definido que a bailaria atuaria nas bordas do palco, guiada por esteiras para facilitar o seu deslocamento e possibilitar que o público com baixa visão ou cegos pudesse perceber os sons e os movimentos produzidos por ela. “É possível que o deficiente visual perceba os variados tipos de movimentos dependendo da escala e da proximidade”, revela Marina.
A construção do espetáculo também considerou a opinião de cada pessoa com DV convidada para os workshops. Os participantes falaram sobre a sua percepção acerca daquilo a que assistiram e comentaram as cenas, mesmo sem saber qual história foi contada. Após conhecer o enredo da lenda, discutiam o que não fora notado e sugeriam formas mais fáceis de perceber a ação proposta. Os sons de cada cena também influenciavam no melhor entendimento do conteúdo. A pesquisadora salienta, por meio de sua pesquisa, que “75% da percepção da pessoa com deficiência visual é auditiva. Por isso, foi tão impactante quando todos os sons entraram em cena”. O objetivo maior era beneficiar também o público DV consumidor de artes, numa interlocução contínua entre bailarina e plateia.
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Resenha O poder verde-oliva na República brasileira Walter Pinto
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Serviço Livro: A vontade de potência Autor: Orlando Sampaio Silva Chiado Editora
s cinquenta anos do golpe militar de 1964 vem suscitando a edição de muitos livros enfocando a repressão promovida pelos generais ditadores ou a heroica resistência de segmentos à esquerda àquela onda de terror que tingiu de sangue o Brasil por 21 longos anos. São estudos localizados dentro de um recorte temporal identificado pela historiografia como História do Tempo Presente, em geral, começando pelos antecedentes do golpe: a eleição/renúncia de Jânio Quadros e a euforia das reformas de base no ambíguo governo de João Goulart. Em seguida, adentram ao golpe, enveredando, então, por caminhos que levam à repressão ou à resistência. Uma das exceções dentro do boom editorial centrado no golpe militar é o livro A vontade de potência, do antropólogo, cientista político e advogado Orlando Sampaio Silva, editado pela Chiado, editora portuguesa. Não somente o título do livro como também a construção da narrativa se apropriam do conceito de Schopenhauer, ampliado por Nietzsche, para mostrar que a vontade de poder dos militares brasileiros é uma vontade insaciável, algo que estaria além dos sentidos, mas dentro de uma realidade efetiva, geradora de relações de tensão permanente, às vezes, delicada, às vezes, violenta. O que o difere dos demais títulos recentemente publicados é o seu longo recorte histórico. Ele parte do final do Segundo Império para mostrar o empenho dos militares pela conquista do poder civil, até chegar à conquista efetiva, em 1964, com apoio das armas. Em 373 páginas, o autor seleciona eventos que reconstroem uma história política dos militares, entre os quais, a Primeira República e os movimentos militares da década de 1920, o Tenentismo, o Levante dos 18 do Forte, a Comuna de Manaus em 1924; a Segunda República, com destaque à resistência oligárquica
paulista na Revolução Constitucionalista de 32 (a Constitucionalista na Amazônia, estudada por mim, parece-lhe desconhecida), à “Intentona Comunista”, o Estado Novo, o Brasil na Segunda Guerra; o curto período democrático, do fim da ditadura Vargas ao governo do Jango; os Anos de Chumbo, da ditadura militar de 1964 aos movimentos pelas Diretas Já e pela Anistia. Uma das mais interessantes contribuições do livro é a análise que faz, no capítulo II, sobre a natureza do militar brasileiro, especificamente com objetivo de desvendar o que seria uma identidade coletiva militar e de compreender, como anuncia, “o ser militar enquanto ser”, desvelando antagonismos revelados em vários daqueles eventos. É o momento em que o autor trata de questões como hierarquia, disciplina, o ser ou ente militar, questões de formação, dicotomias ideológicas e oposição binária civis/militares. É raro um estudo sociológico sobre ditadura militar que, para além de questões envolvendo a repressão ou os avanços e retrocessos da época, se propõe a estudar o militar, para entendê-lo “como ser, sem uma visão pré-concebida, sem querer condená-lo”, pois
enfoca-o como integrante da sociedade brasileira, previsto na Constituição. Antes que um juízo desavisado se forme, há que se dizer que Orlando Sampaio Silva sofreu na mão da ditadura, tendo sido um dos cinco professores da Universidade Federal do Pará aposentados pelo AI 5. Em 1969, ele era professor de Antropologia Brasileira. Sobre os 21 anos da ditadura militar, Orlando Sampaio mostra um governo cingido por duas correntes, a “linha dura”, dos generais Costa e Silva e Médici, e a “linha não tão dura”, de Castelo Branco, Geisel e Figueiredo. Ambas, porém, cassaram mandatos, fecharam o Congresso e torturaram civis. A diferença entre elas é que a segunda tinha o projeto de devolver o poder aos civis, após a eliminação da “presença de comunistas nas funções públicas” e o fim da chamada “República sindicalista”. Em comum entre as correntes, estava o fato de os militares, por natureza, autoritários, se considerarem capacitados e competentes para administrar o poder, pois achavam que os civis eram incultos e facilmente manipuláveis pelos comunistas. Escrito por um acadêmico, A vontade de potência não é um trabalho propriamente de cunho acadêmico, sua análise sobre a identidade militar, por exemplo, foge ao cânone historiográfico, não se inserindo nas duas concepções que explicam o papel da organização militar: a instrumental, que vê o Exército como instrumento dos designíos de determinadas classes sociais, e a organizacional, que analisa o comportamento do Exército a partir da análise de sua organização interna, o que inclui observação sobre suas dissenções. Trata-se, portanto, de um livro autoral, de memória e testemunho, livre de qualquer amarra acadêmica. Walter Pinto – Mestre em História Social da Amazônia, jornalista da Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA.
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A História na Charge
Em Tempo Saúde Coletiva
Povos Indígenas
Violência sexual I
O Mestrado em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia (PPG-SAS) já iniciou suas atividades acadêmicas. O PPG-SAS é vinculado ao Instituto de Ciências da Saúde e reúne docentes do Instituto de Ciências Biológicas, Filosofia e Ciências Humanas e do Núcleo de Medicina Tropical. O objetivo do curso é formar pesquisadores e profissionais na área de Saúde Coletiva.
Em cartaz até o dia 22 de junho, no Complexo do Ver-o-Rio, a Exposição Povos Indígenas no Brasil 1980/2013 – Retrospectiva em Imagens da Luta dos Povos Indígenas no Brasil por seus Direitos. A exposição traz momentos e personagens históricos retratados ao longo dos últimos 33 anos, quando os povos indígenas saíram da invisibilidade para entrar na agenda do Brasil.
Pesquisadores da UFPA divulgaram a conclusão do relatório sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes em Altamira, região sudoeste paraense. Os resultados são da segunda fase da pesquisa e revelam o mapeamento dos 46 locais de ocorrência ou suspeita de exploração sexual e da identificação de seis modalidades de exploração sexual existentes no município.
Violência sexual II
Seminário I
Seminário II
O relatório irá subsidiar a atualização do Plano Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes de Altamira. O documento também será encaminhado aos órgãos estadual e federal para que possa subsidiar a construção de Políticas Públicas mais eficazes de proteção às crianças e aos adolescentes, em especial, nos locais de implantação de grandes obras.
Estão abertas as inscrições de trabalhos para o Seminário Nacional Literatura e Cinema de Resistência. O evento será realizado na UFPA, no período de 1º a 5 de dezembro de 2014. Para submissão, os trabalhos devem ter temas relacionados com Literatura e Cinema, História, Memória, Regimes de Exceção, Estética e Resistência.
Para as Sessões Coordenadas, direcionadas aos professores de Instituições de Ensino Superior (IES), os trabalhos podem ser enviados até 30 de junho. Para a Sessão de Comunicação Livre, voltada para alunos de graduação, pósgraduação, professores de Educação Básica e demais pesquisadores, as inscrições podem ser feitas até 31 de agosto. Informações no blog do evento http://selcir.wordpress.com/