Beira 120

Page 1

ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXViii • N. 120 • aGoSTo e SeTeMBro, 2014

Calor atrai barbeiro até os paneiros de açaí Páginas 6 e 7 Amazônia

Sustentabilidade

Castanha-do-pará

Pescada está na moda

Semente é utilizada para combater os sintomas da malária. Páginas 14 e 15

Pesquisas propõem reaproveitamento do couro do peixe. Páginas 12 e 13


UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Coordenação: Prof. Luiz Cezar silva dos santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Brenda Rachit, Marcus Passos, Victor Oliveira e Vitor Barros (Bolsistas). Walter Pinto (561-DRT/PA) Fotografia: Adolfo Lemos, Alexandre moraes e mácio Ferreira Fotografia da capa: Alexandre moraes e Adolfo Lemos Ilustrações: Benelton Lobato/márcio dias/CmP/Ascom Charges: Walter Pinto Projeto Beira On-Line: danilo santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Júlia Lopes e Cintia magalhães Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André marca gráfica: Coordenadoria de marketing e Propaganda CmP/Ascom Secretaria: Silvana Vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Carlos Edilson Maneschy Vice-Reitor: Horácio Schneider Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior Pró-Reitora de ensino de Graduação: maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho Pró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar Prefeito: Alemar dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - AsCOm/UFPA Cidade Universitária Prof. José da silveira Netto Rua Augusto Corrêa n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


Açaí, castanha-do-pará, pescada amarela, juntos ou separados, são elementos comuns à culinária paraense. Longe das panelas, eles atraíram a atenção dos pesquisadores e ganharam destaque nesta edição. O Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular traz uma boa notícia: o prétratamento com castanha-do-pará combate os sintomas clínicos causados pela malária. O estudo é experimental e ainda não foi realizado em humanos. As reportagens de Walter Pinto e Victor Oliveira apresentam os resultados de duas pesquisas que propõem o reaproveitamento dos resíduos da pescada amarela pela indústria da moda. Em sua dissertação, Almira Martins criou uma coleção com 25 peças, a partir do couro do peixe. Já o estudante de graduação Bruno Eiras desenvolveu metodologia de curtimento artesanal para o tratamento do couro. Após o surto da doença de Chagas ocorrido em 2006, um estudo pioneiro, coordenado pelo professor Hervé Rogez, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, mostrou que a relação do barbeiro com o açaí está intimamente ligada ao processo de fermentação do fruto. Para saber mais, leia a reportagem de Marcus Passos. Boa leitura!

Rosyane Rodrigues Editora

Índice Mário Serra - engenheiro, matemático e amazônida ................4 Cultura do Dendê avança no Estado .....................................5 Calor atrai barbeiro até o açaí .............................................. 6 Navegando em outras águas .............................................8 Arriscar, ousar e sonhar alto .......................................... 10 Pescada amarela está na moda ........................................ 12 Castanha é usada contra malária ..................................... 14 Câncer uterino mantém altos índices ................................ 16 Direitos Humanos e indígenas crianças no Brasil ................... 18

Movimento na Feira do Açaí, em Belém (PA). Fotografia de Adolfo Lemos


4-

Beira

do

Rio

-

Agosto e Setembro, 2014

Adolfo Lemos

Opinião Mário Serra - engenheiro, matemático e amazônida Vamos às profundezas da Amazônia observar o pescador mais tradicional e ecologicamente integrado: indígena que usa arco e flecha. Nosso pescador é do tipo que só molha os pés no estritamente necessário, situação em que pescador-peixe ocupam posições, respectivamente, ar-água, em meios de densidades diferentes, quando fenômeno físico, refração, impõe que veja o peixe em posição diferente da em que se encontra. Portanto, observa e faz, mentalmente, contas que determinam a posição exata e atira a flecha. Isso parece uma atividade simplória, especialmente ao que não tenha fome esperando pelo sucesso dessa jornada. O desejado aqui é expor a correlação desse episódio com alguns conceitos matemáticos. É fato que fazer esse cálculo em cada caso não é simples e serve para desmentir e desmitificar que tais pessoas não saberiam matemática. Em compêndios, podemos encontrar teorias mostrando como calcular trajetória 1-dimensional, caminho, curva de compri-

mento mínimo ligando posições pontuais. Por óbvio, no caso pescador-peixe, não há caminho de comprimento máximo e, dependendo do problema, pode haver este ou ambos. Em problemas similares, o intento é conseguido com gasto mínimo de tempo e/ou energia por meio dessa trajetória de comprimento mínimo. Um pouco mais. Modelando matematicamente alguns desses problemas, a trajetória mínima compõe -se de um segmento de reta, indo da posição inicial até um ponto intermediário, seguindo, deste modo, até o ponto final, havendo uma quebra no ponto intermediário. Ocorre que a presença dessa quebra, chamada de não diferenciabilidade, tem implicações profundas em matemática. Deixemos o nosso pescador e vamos ao Campus do Guamá da Universidade Federal do Pará, em Belém, sem haver nisso preconceito de ir ao mais civilizado ou coisa do gênero. Em meados de 1950, tem início o Núcleo de Matemática, formado por engenheiros que se especializaram autodidaticamente nas principais disciplinas, complementaram os estudos ministrando cursos entre si e para alunos interessados, além de estudarem em outros centros. São o que podemos classificar, historicamente, como docentes pioneiros em matemática, da UFPA. Desses, Mário Tasso Ribeiro Serra (1932 -1975) foi, antes de tudo, docente primoroso e de conhecimento matemático amplo. Como material de curso extra, portanto, avançado, Mário Serra, como é mais conhecido, produziu o que denominou de Pesquisa dos Extremos de uma Funcional, 1972, notas essas a mim cedidas pelo docente titular em Física, da UFPA, atualmente aposentado, José Maria Filardo Bassalo, o qual foi o datilógrafo do original. Sendo quase mais preciso, máximos e mínimos podem ser extremos de estruturas abstratas, como no caso de funcionais. Nesse trabalho, Mário Serra determina isso de alguns dos quais só posso dizer que foi ele o criador quando todas as soluções satisfazem a mesma equação que ele chama de EQUAÇÃO DE CARMÉLIA, nome da sua genitora, traduzíveis por trajetórias 1-dimensional. Um desses mínimos que calcula é um caminho composto por dois segmentos de retas, com uma quebra. Para concluir, não sei dizer se esse gostava de pescaria, mas, com certeza, foi um raro fisgador de bons alunos em sala de aula, o que pode ser atestado por diversos ex-alunos seus atuando como docentes, inclusive na UFPA, e em outras atividades. Além disso, em maio deste ano, a Faculdade de Matemática da UFPA comemorou 60 anos de existência, portanto, mais uma justíssima razão para termos saudosas lembranças do paraense Mário Tasso Ribeiro Serra. João Batista do Nascimento - Professor da Faculdade de Matemática/ICEN e-mail: jbn@ufpa.br


Agosto e Setembro, 2014

-

Beira

do

Rio

-5

Agricultura

Cultura do Dendê avança no Estado Pará produz 770 mil toneladas de óleo de palma por ano Vitor Barros

O

Pará produz, por ano, 770 mil toneladas de óleo de palma, produto extraído do fruto do dendê, e responde por 90% da produção do País. A monocultura tem se alastrado pelo interior do Estado de forma intensa, sob o pretexto da produção do biodiesel. Estima-se que a produção em escala do biocombustível comece em 2015. Um estudo feito pelo Grupo de Pesquisa Dinâmicas Territoriais do Espaço Agrário na Amazônia (GDEA), da Faculdade de Geografia e

Cartografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), indica que a expansão da dendeicultura tem modificado os espaços agrários na região. O GDEA tem como objetivo examinar os impactos da cultura do dendê sobre o modo de vida nos territórios quilombolas em cinco municípios do interior do Estado: Acará, Concórdia do Pará, Moju, Tailândia e Tomé-Açu. Desde 2012, o grupo desenvolve estudos sobre a evolução dos usos da terra pela monocultura, por meio do Projeto de pesquisa “Uso do Territó-

rio, Dendeicultura e Modo de Vida Quilombola na Amazônia: estudo da microrregião de Tomé-Açu”. A ideia é fazer uma avaliação dos elementos sociais, institucionais e políticos que se relacionam com a reconfiguração do território a partir da chegada de empresas que exploram a dendeicultura nos municípios. Os primeiros resultados da pesquisa foram obtidos a partir de investigações intensas feitas em campo, desde 2012, sob a orientação do professor e coordenador do GDEA, João Nahum, da Faculdade de

Geografia e Cartografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO). Foram coletados dados, por meio de entrevistas e aplicação de questionário em comunidades, empresas produtoras de dendê, órgãos públicos, federações e movimentos sociais. O grupo reúne alunos de mestrado e de graduação, bolsistas de Iniciação Científica e pesquisadores de outras instituições, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação (FASE).

Monocultura provoca impactos ambientais e sociais Com a instituição do Plano Nacional de Produção do Biodiesel (PNPB), em 2004, e o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma, inaugurado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Tomé-Açu, no ano de 2010, as empresas que cultivam o dendê passaram a ter o aval de duas políticas que promovem a produção desse produto no Brasil. Diante disso, as comunidades que estão sob o raio de ação dessas empresas passaram a sofrer impactos ambientais e sociais, sobretudo relacionados ao uso da terra. João Nahum afirma que

pelo menos dois impactos podem ser observados desse processo. Por um lado, a migração do agricultor para trabalhar nos campos do dendê, abandonando seu modo de vida tradicional. E, por outro, o recuo da agricultura regional em favor da dendeicultura. “A maioria dos trabalhadores era agricultor antes de se tornar mão de obra assalariada dessas empresas. Esse homem está sendo expulso do campo pela ausência de políticas públicas que garantam seu modo de vida, a qualidade e o escoamento da sua produção”, explica. Segundo pesquisa de

campo realizada em julho de 2013, na MARBOGES S. A, o grupo constatou o raio de influência da empresa na região, em mais de 70 comunidades, entre Moju e Acará, de onde essas pessoas são recrutadas para trabalho. De acordo com o professor, “isso mostra a grande influência da empresa sobre o lugar, proporcional a quase ausência do poder público. É por intermédio da empresa que podem ser gerados serviços, como segurança, abertura de estradas e vias de acesso”. A dendeicultura tem transformado o campo em pequenos vilarejos, em que as

pessoas deixam a atividade campesina e ingressam em atividades de serviços próprios das zonas urbanas. Um exemplo desse processo ocorre na comunidade da Forquilha, localizada na PA 140, entre Acará e Tomé-Açu. O professor afirma que essas localidades deixaram de ser campo-rural para serem apenas rural. O grande problema acontece quando o campo deixa de produzir alimentos. “O indivíduo que, antes, produzia o próprio alimento tem que pagar para consumir”, afirma João Nahum. Leia mais em jornalbeiradorio. ufpa.br Acervo do Pesquisador


6-

Beira

do

Rio

-

Agosto e Setembro, 2014

kkk Pesquisa

Fotos Mácio Ferreira

Tratamento térmico a 80°C durante 10 segundos garante segurança do consumidor.

Calor atrai barbeiro até o açaí Medidas de segurança podem evitar contaminação Marcus Passos

C

onhecido pelos nomes juçara, palmiteiro, piná, uaçaí, palmito-açaí ou simplesmente açaí (Euterpe oleracea), o fruto redondo, pequeno e de cor roxa tornou-se um dos principais ícones da cultura e culinária paraenses. Ao longo de 14 anos, sua área de influência transpôs os limites amazônicos e ganhou adeptos por todo o Brasil. No Estado do Pará, seu consumo ocorre principalmente pela polpa, acompanhada de farinha de tapioca ou mandioca. Em muitas residências, o alimento é consumido diariamente. “A família do meu pai é do Marajó e, mesmo morando em Belém, alguns costumes marajoaras foram mantidos em nossa família. O gosto pelo açaí é o mais forte deles. Eu bebo açaí todos os dias”, revela Karina Ailyn,

estudante de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará. Essa fruta, rica em vitaminas e fibras, tem, vez por outra, seu nome associado a uma doença comum na Região Amazônica, a doença de Chagas. Isso ocorre em razão da má higienização da polpa do açaí e da conservação inadequada do produto durante o transporte aos postos de venda. Porém uma questão ainda intrigava muitos pesquisadores: o que atraía o barbeiro até o açaí, já que o inseto se alimenta apenas de sangue? Um estudo pioneiro coordenado pelo professor Hervé Rogez, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UFPA, mostrou que a relação do barbeiro com o açaí está intimamente vinculada ao processo de fermentação do fruto. A doença de Chagas é uma doença infecciosa causada por

um protozoário parasita chamado Trypanosoma Cruzi. Sua principal forma de transmissão é por meio da ‘picada’ do barbeiro. Esse inseto hematófago alimenta-se de sangue de mamíferos, e, ao ‘picar’ o ser humano, elimina o parasita. Sem saber, as pessoas coçam o local afetado pelo inseto, facilitando a “entrada” do protozoário. Os números de casos da doença no Pará estão ligados à transmissão oral dessa infecção. Na família da estudante Karina Ailyn, duas pessoas já contraíram a doença por meio do consumo do açaí, seu avô e sua prima. O primeiro acabou falecendo por conta da idade avançada e da associação da doença de Chagas com outras doenças. Sua prima foi diagnosticada precocemente e tratada a tempo. Mesmo assim, Karina Ailyn mantém a tradição familiar e continua consumindo o açaí.


Agosto e Setembro, 2014

-

Beira

do

Rio

-7

Após surto da doença, pesquisas foram intensificadas Em 2006, ano em que começou a pesquisa, houve um surto de doença de Chagas em várias cidades paraenses. Diante disso, o Ministério da Saúde acionou diversos especialistas para investigarem as causas dessa contaminação. O professor Hervé Rogez foi chamado para analisar o lado etiológico da infecção – a causa da doença. “Por meio da Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA), fizemos um inquérito populacional com as pessoas infectadas nessas cidades. Passamos um questionário de hábitos para esses indivíduos, até convergirmos em algo em comum. Descobrimos que elas compraram açaí no mesmo estabelecimento e no mesmo dia”, revela o pesquisador. Assim, quais fatores fariam o barbeiro ir em direção ao açaí? Em nenhum momento do seu ciclo de vida, eles entram em contato com frutos.

Então, o que justifica o Trypanosoma cruzi estar contaminando esse típico alimento da população amazônica? A partir dos anos 2000, houve uma explosão nas vendas do açaí, tanto no mercado nacional quanto no internacional. Com isso, muitas comunidades resolveram investir somente no açaí, com a perspectiva de maiores lucros. Ao ampliarem as plantações de açaizeiros, os ribeirinhos interferiram no ciclo alimentar dos barbeiros. Sem alimentos, esses insetos migraram do seu habitat para as casas dos ribeirinhos, em busca de sangue de mamíferos. Ao visitar a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, Hervé Rogez encontrou uma pesquisa que apontava quatro aspectos que fazem com que os barbeiros sejam atraídos pelos mamíferos: o CO2 que é liberado por esses animais; a umidade relativa,

já que todos os mamíferos respiram, transpiram e exalam umidade; o calor emitido pelos corpos e a irradiação por ultravioleta. Ao ser retirado da palmeira, as vassouras do açaí seguem para o processo de debulhamento, que é a remoção dos frutos dos cachos. O açaí é colocado em paneiros, que ficam organizados em frente à casa do ribeirinho, à espera da embarcação que fará o transporte. É nesse período que o fruto começa a sua intensa respiração e fermentação – mecanismo para obtenção de energia celular. Após a debulhação, o açaí libera bastante calor. São 5 graus Celsius em cinco horas. Como exemplo, 10 paneiros de açaí equivalem a um adulto, no que se refere à produção de calor. Em decorrência dessa “respiração”, há uma produção acentuada de CO2. “O fruto respira, usa o

oxigênio e, logo depois, ele fermenta. O barbeiro detecta o paneiro de açaí por essa produção de calor e de CO2”, afirma Hervé Rogez. O caroço do açaí transpira, exalando cheiros comuns ao suor dos mamíferos. O barbeiro, ao receber esses sinais, identifica-os como sendo desses animais. O feromônio – substância química de atração sexual - seria mais um motivo para esses insetos serem encontrados nos paneiros. Pensando que são fêmeas, os barbeiros voam para acasalar. O inseto também pode pousar nos paneiros durante a viagem de barco. Ao fazer um voo, o barbeiro busca alimentar-se ou reproduzir-se. E, ao chegar aos paneiros de açaí e perceber que não há alimento, ele permanece ali, para restabelecer as forças usadas durante o voo, o que leva mais de 24 horas. Do porto, o açaí segue para a comercialização.

Termo de ajuste de conduta deve garantir segurança Na literatura científica, as fezes do barbeiro – contendo o Trypanosoma cruzi – são produzidas apenas quando ele suga o sangue. “Porém, ao realizar uma simulação exercitando os barbeiros em alta velocidade por 15 minutos, como em uma trepidação de barco, verificamos que muitos deles haviam defecado, por causa do estresse sofrido. E como o transporte de açaí é bastante longo, isso pode ocorrer durante a viagem”, explica Hervé Rogez. Com isso, foram criadas algumas normas para o manuseio do fruto em Belém, por meio da Instrução Normativa publicada no Diário Oficial do Estado em 2013. O documento consiste em um termo de conduta assinado por representantes dos agricultores e batedores de açaí, do Ministério Público, das Secretarias de Estado de Agrcultura e de Saúde Pública,além

do professor Hervé Rogez, como representante da Universidade Federal do Pará. Os agricultores e transportadores comprometeram-se em tampar os paneiros e fechar os porões dos barcos. Os comerciantes (pequenos batedores) terão que fazer o tratamento térmico a 80°C durante 10 segundos, por meio da técnica de branqueamento, por causa do material fecal do barbeiro e de algumas bactérias. Já o setor industrial irá realizar a pasteurização, técnica do branqueamento em grande escala. Assim, a cadeia de comercialização ficará protegida. Hervé Rogez destaca a importância do estudo, “Fomos os primeiros a descobrir as propriedades benéficas e maléficas do açaí”, afirma. Nesse sentido, a “Pérola da Amazônia” segue representando a cultura paraense.


8-

Beira

do

Rio

-

Agosto e Setembro, 2014

Tecnologia

Navegando em outras águas Internet móvel reconfigura dinâmica social em Afuá Fotos Acervo do Pesquisador

Em Afuá, realidade contraria números indicados no Mapa da Inclusão Digital, da Fundação Getúlio Vargas.

Brenda Rachit

O

mapa da inclusão digital, trabalho executado pela Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Fundação Telefônica, publicado em 2012, constatou, por meio de pesquisas quantitativas, que o município de Afuá, no arquipélago do Marajó, tem, em média, 0,8% de acesso à internet. Esse percentual reflete o baixo índice de conexão para muitas cidades da Amazônia e é uma das questões discutidas pelo pesquisador Diogo Silva Miranda de

Miranda, em sua Dissertação Palafitas digitais: comunicação, convergência, cultura e relações de poder em Afuá, defendida recentemente no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, da Universidade Federal do Pará (PPGCom-UFPA). Na pesquisa, foram observados outros aspectos, além dos quantitativos, para compreender a reconfiguração do ambiente comunicacional no município. Utilizando a perspectiva metodológica da Cartografia, o pesquisador construiu um

método próprio e com elementos da Antropologia, Sociologia e Análise do Discurso. Ele selecionou teorias e procedimentos que mais se adequavam aos seus objetivos. A proposta inicial era discorrer sobre tecnologias móveis, a “cibercultura de bolso”, pois, na cidade, a popularização da internet está bastante atrelada ao uso crescente dos smartphones. Contudo a pesquisa revelou outros caminhos e Diogo de Miranda propôs-se a “pensar o cenário que se desenvolveu com a chegada da internet e das novas dinâmicas criadas pela maneira como a web se relaciona com outras mídias em uma determinada sociedade”, explica. O pesquisador reconhece a importância das estatísticas, mas alerta que é preciso estar atento aos contextos específicos de cada região. Em viagens ao município, foi possível observar um consumo de tecnologias digitais muito maior do que aquele constatado no Mapa da Inclusão Digital. “Como posso encarar como verdadeiros esses números se, ao chegar a Afuá, percebo que as pessoas utilizam intensamente os diferentes aparelhos, como o dono do mercadinho que acessa a internet wifi por um Iphone?”, questiona.

Trabalho de campo releva singularidades O Mapa da Inclusão Digital é elaborado a partir de um recorte do que pode ser mensurado quantitativamente, normalmente considerando os computadores pessoais e as linhas de telefonia fixa. Em muitas cidades da Amazônia, o acesso à internet via celular e tablets é muito mais frequente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir do próximo censo, irá considerar essas especificidades, como a rede móvel. As particularidades afuaenses só puderam ser percebidas quando o pesquisador esteve em campo.

Diogo de Miranda viajou três vezes à ilha durante a pesquisa. Muito mais do que descrever Afuá e seus contextos, o pesquisador quis viver a dinâmica da cidade. “Partilhei um universo em comum com esses sujeitos, o que nos tornou próximos, participantes das mesmas dinâmicas e experiências. E isso foi fundamental para entender as questões da pesquisa”, afirmou. Segundo ele, as estatísticas acabam por reafirmar a compreensão já estigmatizada sobre a Amazônia como um território em “atraso”. “As singularidades da região

necessitam de outras perspectivas de análise”, destaca Diogo. A internet popularizou-se em Afuá entre 2005 e 2007, porém, em períodos anteriores, houve outras tentativas de conectar a comunidade à rede mundial de computadores. Algumas lan houses (centros de acesso à internet) surgiram, mas não conseguiram se sustentar, pois a internet ainda não havia alcançado o cotidiano da comunidade, como as rádios. Diogo observa que o rádio, muito mais do que a televisão, exerce um papel central nas relações sociais dentro da cidade.


Agosto e Setembro, 2014

-

Beira

do

Rio

-9

Conversas agora se desdobram no ciberespaço Em Afuá, não há produção de telejornais e o conteúdo regional veiculado pelas emissoras de televisão traz notícias de Macapá e Belém, a maioria das vezes. Por isso, as rádios têm um espaço cativo na comunidade. “As rádios articulam a dinâmica do cotidiano da cidade, dão visibilidade às suas interações sociais”, avalia Diogo de Miranda. O atraso na conexão de Afuá à internet também decorreu das inúmeras barreiras físicas, pois o município é localizado em região de várzea. A cidade, também conhecida como a “Veneza Marajoara”, não possui ruas ou estradas, é interligada

por pontes e sustentada por palafitas, tornando difícil a instalação de um sistema cabeado de rede. Por isso, a internet foi introduzida via rádio. “A implementação da telefonia móvel e o sucesso dos celulares no município fizeram com que a internet se popularizasse e fosse incorporada ao dia a dia das pessoas”, explica o pesquisador. Hoje, além da telefonia móvel, há três lan houses bastante frequentadas. Com a chegada da internet móvel, as pessoas apropriam-se de forma diferente desse recurso e isso ressignificou o contexto sociocul-

tural do município. A partir daí, a interação da comunidade foi além da relação restrita ao rádio e à conversação verbal, ela se desdobrou no ciberespaço. As pessoas passaram a convergir conteúdos dentro do que elas ouvem na rádio, o que vivem e o que produzem na internet. Os radialistas comunicam-se por redes sociais com os ouvintes, ao mesmo tempo em que verbalizam na rádio essa interação. Ao assumir um papel de mesmo valor daquele exercido pela rádio, a internet ganha forças em Afuá. “Sem a rádio, a internet não seria o que é hoje”, afirma.

Interação com o universo digital é diferenciada Em 2013, foi inaugurada a primeira praça digital com acesso gratuito à comunidade, tornandose um espaço coletivo bastante representativo na inclusão digital da cidade. “Por que a Prefeitura investiria em um projeto social pra estabelecer uma praça digital para uma população que teria, em tese, 0,8% de acesso à internet?”, questiona Diogo de Miranda. “É claro que há questões políticas nesse

cenário, mas esse fato ilustra a importância que a internet passou a ter na vida dessa população”, avalia. Mas, assim como na capital, as formas de interação com o universo digital acontecem de maneira diferenciada entre os afuaenses. Segundo Diogo Miranda, infraestrutura e fatores socioeconômicos influenciam diretamente na maneira como cada indivíduo

participa desse ambiente e nas formas de apropriação das tecnologias. Além disso, há relações de poder e de disputa entre os indivíduos: quem não está inserido no novo contexto sofre certa marginalização, ao mesmo tempo, quem não participa também exerce algum poder ao obrigar as instituições a criarem condições que permitam a sua participação e a expansão do mercado.

No estúdio da Rádio Afuá, locutores recebem mensagens de texto e respondem, ao vivo, aos ouvintes.


10 -

Beira

do

Rio

-

Agosto e Setembro, 2014

Entrevista

Paulo Markun

Arriscar, ousar e sonhar alto Paulo Markun lança desafio aos jovens jornalistas Acervo Pessoal

Walter Pinto

O

jornalista Paulo Markun, mais conhecido nacionalmente pelos dez anos que passou como apresentador do Programa Roda Viva, exerceu diversas funções nas redações dos principais jornais, nas revistas e nas emissoras de televisão brasileiras. Um pouco dessa experiência como repórter, editor, comentarista, chefe de reportagem e diretor de redação, ele compartilhou com estudantes do curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Pará (UFPA), em palestra na qual exortou os universitários a realizarem produções independentes, explorando a diversidade temática da Amazônia. Segun-

do ele, “há muitas histórias para contar e gente interessada em ouvir”. Beira do Rio – Você é um jornalista com uma carreira iniciada no tempo do Regime Militar, tendo trabalhado junto com Wladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura. Fale um pouco do Herzog e da sua relação com ele. Paulo Markun – Vlado me procurou na redação da Folha de São Paulo, em março de 1975, provavelmente. Ele assumira a chefia da sucursal do Opinião e queria que eu fosse um dos colaboradores. O Opinião era o sonho de consumo, se é que a metáfora se aplica, dos jornalistas que viam a profissão como uma trincheira de luta pela

democracia. Não conseguia noticiar quase nada, barrado pela censura, mas se dispunha a fazer o que muito jornalão evitava. Escrevi uns artigos (censurados), substituí Vlado no posto e, quando ele foi convidado para dirigir o jornalismo da TV Cultura, me levou como chefe de reportagem. Mal entramos na redação e começou uma campanha pela imprensa, patrocinada por jornalistas a soldo da repressão dizendo que os comunistas tinham tomado o poder na emissora. Deu no que deu. Beira do Rio – A censura à imprensa está definitivamente encerrada no Brasil? Paulo Markun – Durante a ditadura, a censura era ampla, geral e irrestrita. Pior em


Agosto e Setembro, 2014

alguns veículos, mais indireta em outros, mas geral. Depois do regime, temos liberdade de imprensa. Pode haver, aqui e acolá, a supremacia de interesses dos donos dos veículos, a pressão do Judiciário ou de poderosos locais, mas não há, hoje, como suprimir uma notícia. E isso é muito bom. Beira do Rio – O fim do Regime Militar parece ter sepultado a chamada imprensa alternativa, aquela comprometida com um projeto à esquerda. Os jornalistas combativos daquela época estão, agora, atuando na grande imprensa. Dentro desse quadro de liberdades democráticas, o governo e uma parcela da sociedade acalentam o desejo de implantar um controle social da mídia. O que você pensa sobre essa proposta? Paulo Markun – Há publicações comprometidas com um projeto à esquerda, com mais de um projeto, na verdade. O que elas têm pouco são condições de sustentação, porque existe pouco público e ainda menos anúncios. A internet subverte isso em parte e cada vez mais. Creio que o debate sobre a regulamentação da mídia deve ser encarado de frente. Uma discussão complicada, em que as paixões e os interesses de vários tipos se digladiam. Se controle social for censura, sou contra, claro. Se liberdade de imprensa for zorra total, também. Há questões complexas nesse jogo, como o tratamento dado a emissoras de TV a serviço de religiões. Pode, não pode, só pode para quem tem como pagar a conta e cobrar mais adiante? Beira do Rio – Por que você afirma que a profissão de jornalista está em crise e ameaçada de extinção? Paulo Markun – Digo que a profissão acabou e vai sobreviver como ofício. Penso em férias, 13o, plano de carreira,

hierarquia rígida, veículos de comunicação com faturamento crescente, audiência ou tiragens subindo. Antes do século XX, o jornalismo existia, mas não era indústria. Por que não pode voltar a ser dessa maneira? As novas tecnologias oferecem muitas alternativas. Mas os estudantes que correm para o vestibular sonham, acredito, com a bancada do Jornal Nacional, as colunas dos jornais, postos severamente defendidos por seus atuais ocupantes. É nesse sentido, e com alguma margem de provocação, que costumo afirmar que a profissão acabou.

legiam projetos nascidos no Norte e Nordeste. É uma saída, não para todos, mas para alguns. Outra coisa: a Amazônia é mercado para o mundo, em muitos sentidos. Por que não pensar numa agência de notícias que cubra o que se passa no interior do Pará, do Amazonas etc.? Mochila nas costas, câmera na mão, inglês fluente... tenho impressão de que há muitas histórias para contar – e gente interessada em ouvir. Talvez seja palpite fácil de quem está longe. Mas alguém tentou?

“A Amazônia é um mercado para o mundo, em todos os sentidos”

Beira do Rio – Sobre os jovens que estão se lançando no mercado, você acha que eles estão saindo das Faculdades de Jornalismo preparados para trabalhar com as novas mídias, como celulares, tablets, redes sociais? Paulo Markun – Se saem, não creio que tenham aprendido na escola, com seus professores. Essa geração é o que Caio Túlio Costa chama de “os nativos digitais”. Não é o nosso caso – meu, do Caio e de uma tropa inteira. O que essa moçada precisa fazer é arriscar mais, ousar mais. Sonhar mais alto. Beira do Rio – Em palestra realizada em Belém, você exortou os estudantes a desenvolveram produções independentes. Há, no entanto, algumas dificuldades que não podem ser desconsideradas no caso da Região Norte. Uma delas é a mínima disponibilidade de patrocínio. Qual o caminho para os estudantes do Norte? Paulo Markun – A Ancine tem vários programas que privi-

Beira do Rio – Apesar do papel internacional que a Amazônia alcançou, principalmente em relação a questões ambientais, percebe-se, na contramão, um certo retraimento dos grandes jornais brasileiros sobre a região, inclusive com fechamento de sucursais. Como explicar essa contradição? Paulo Markun – A grande imprensa está cortando custos faz tempo. É um jogo perdido e não gostaria de estar na pele de quem está no comando. Santa Catarina, onde moro, não tem mais correspondentes dos principais veículos. E a mídia local segue encolhendo. Na Amazônia então, a coisa é ainda pior. Beira do Rio – Por dez anos, você foi diretor e âncora do Programa Roda Viva. Depois, foi diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura de São Paulo. Como foi a experiência de trabalhar numa televisão estatal para um profissional com larga experiência nos meios de comunicação privados?

-

Beira

do

Rio

- 11

Paulo Markun – A TV Cultura é a mais pública das TVs brasileiras. Tenho boas lembranças dos dez anos em que estive à frente do Roda Viva, foram sete anos como apresentador, mais três como diretor e apresentador. Já a experiência de gestão não foi tão agradável. Mesmo a mais pública das TVs está longe de ser blindada e nenhum governo gosta de pagar para ter uma emissora que não atende seus interesses mais diretos. Beira do Rio – Sua mais nova produção, o Programa Retrovisor, transmitido pelo Canal Brasil, é uma experiência inédita de jornalismo e história, na qual você entrevista personagens da história do Brasil interpretados por atores. Qual a maior dificuldade para a realização do projeto? Paulo Markun – A dificuldade do projeto vem do fato de ele trafegar na fronteira entre a ficção e a realidade, em ser um misto de jornalismo, teatro e história. A preparação e a bagagem cultural dos atores, aliadas ao talento, desempenham um papel fundamental no processo. O anacronismo comparece, como quando Anita Garibaldi diz “ok”. Mas, se ele não suplantar o rigor histórico e a veracidade da interpretação, passa. Tivemos a ajuda de duas historiadoras, Daisy Perelmutter e Maria Isabela Ryan; uma especialista em caracterização, Ana MacLaren; um figurinista, Carlos Alberto Gardin. A direção de fotografia é de Sérgio Roizenblit e a escalação do elenco, de Ana Roxo. Ao todo, foram 45 pessoas envolvidas. Como fonte, usamos livros, jornais, memórias e textos de época. E o indispensável patrocínio, via leis de incentivo, da Tractebel Energia, do Bradesco e do BNDES. Estou agora empenhado em viabilizar a segunda temporada, com 26 personagens. É o que me leva a seguir trabalhando.


12 -

Beira

do

rio

-

Agosto e setembro, 2014

Sustentabilidade

Pescada amarela está na moda Pesquisas transformam resíduos do peixe em roupas e acessórios Walter Pinto

E

m viagem de campo à Reserva Mãe Grande, no município de Curuçá, região nordeste do Pará, a então mestranda do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará Almira Alice Fonseca Araújo Martins, especialista em moda pela Universidade Anhembi Morumbi, observou que, em vários portos da reserva por onde passou, havia sempre alguns monturos, de considerável altura, de algo que, de longe, lhe pareceu lixo. Examinando mais detidamente, descobriu que os

monturos eram compostos por peles de peixe, descartadas no ambiente por uma grande empresa exportadora de pescados bem como pelos próprios pescadores, após a retirada dos filés. A descoberta instigou a mestranda, que realizava estudo sobre as possibilidades de uso da fibra do curauá na indústria da moda, a redirecionar sua pesquisa, permanecendo, porém, no campo da moda. De imediato, vislumbrou a possibilidade de estudar o beneficiamento da pele de peixe e a utilização como matéria-prima para confecção de roupas, cin-

tos, sapatos, bolsas, carteiras, enfim, toda uma linha de acessórios de moda. Tudo isso seria realizado segundo um projeto que comprovasse a viabilidade econômica, social, ambiental e cultural à população tradicional da Reserva Mãe Grande. efetivada a mudança de rumo, ela realizou reuniões com grupos de mulheres da comunidade, sobretudo esposas e filhas de pescadores, para as quais, explicou a proposta do trabalho, destacando o grande potencial econômico das peles de peixe na indústria de moda, principalmente se as peças a serem

produzidas estiverem associadas às tendências contemporâneas de design e de mercado. Por meio de oficinas, a pesquisadora propôs-se a ensinar as principais etapas do processo de produção, ou seja, o beneficiamento do couro, a elaboração do figurino e a confecção das peças. Ao final das oficinas, as mulheres da comunidade teriam adquirido conhecimento suficiente para desenvolver suas próprias produções, expandindo, assim, a cadeia produtiva da pesca, uma atividade tradicionalmente associada ao gênero masculino.

Beleza garante demanda e valorização no mercado Segundo Almira Martins, o couro de peixe selecionado para uso foi o da pescada amarela por ser o de maior demanda no mercado, em função da beleza de seu relevo. Em contato com o proprietário da empresa de exportação de peixe, ela conseguiu que as peles não fossem mais descartadas no ambiente, mas entregues aos pescadores, que, assim, teriam garantida a matéria-prima para dar continuidade à produção, a ser executada segundo o modelo de economia solidária, conforme propunha o projeto.

No entanto a pesquisadora defrontou-se com algumas adversidades na execução do trabalho. A principal foi a ausência de um curtume para beneficiamento das peles na Reserva mãe Grande. dessa forma, as peles foram transportadas e beneficiadas num pequeno curtume da Ilha de Outeiro, localizada na Região Metropolitana de Belém. No curtume, quase doméstico, o beneficiamento só alcançou o estágio inicial, correspondente à transformação do couro em camurça. O projeto da mestranda “desenhou” dois cenários a

serem implantados na Reserva Mãe Grande, viáveis, inclusive, para qualquer comunidade de pescadores. Os dois contavam com a implantação de curtumes sustentáveis para elaboração de couro de peixe, em maior ou menor escala. Mesmo sem ser uma etapa ideal, aquele estágio inicial adequou-se à proposta do projeto, pois a camurça não esconde a beleza natural do relevo do couro da pescada amarela e serve como matéria-prima para confecção de vários acessórios do vestuário, desde que não

submetidos diretamente à água. Evidentemente, um tratamento mais prolongado, que atingisse outras etapas, resolveria esse problema e agregaria mais valor aos produtos. Mantendo a proposta de diálogo entre moda e recursos naturais, Almira Martins desenhou e confeccionou 25 peças, transformando o lixo descartado pela empresa exportadora de peixe em requintados e modernos acessórios de uso pessoal, entre os quais, tiaras, prendedores de cabelo, cintos e sandálias.

Pesquisadora lamenta desorganização da comunidade O estudo de Almira Martins aponta para uma alternativa economicamente viável de aproveitamento do rejeito da indústria da pesca. A indústria da moda possibilita maior valor agregado ao produto final, mas há várias possibilidades. Uma delas seria o uso da pele como matéria-prima para produção de ração para consumo animal. En-

tretanto a pesquisadora entende que, qualquer que seja o destino dado à pele do pescado, a comunidade precisa se organizar como uma cooperativa. “Penso que os moradores da Reserva Mãe Grande de Curuçá devem atuar como agentes de seus próprios destinos. Isso, eles só vão conseguir com organização. Percebi que este é

um dos mais graves problemas que enfrentam. É algo que se manifesta na principal atividade econômica local, a pesca. Eles têm dificuldade, por exemplo, de partilhar barcos, por isso, ficam na mão de atravessadores”, avalia. Outra observação que retirou da experiência com a comunidade é a dependência dela para com o poder público, seja

municipal, seja estadual, seja federal. “eles esperam muito do governo. Um exemplo disso é a administração da própria Reserva. Em vez de organizarem-se a partir de bases sólidas para alcançar suas demandas, eles ficam aguardando providências externas”. Leia mais em jornalbeiradorio. ufpa.br


Agosto e setembro, 2014

-

Beira

do

rio

- 13

Em Bragança, estudo propõe curtimento artesanal Victor Oliveira

B

runo José Corecha Fernandes Eiras, graduado em Engenharia de Pesca pela UFPA, em Bragança, também percebeu que as comunidades não encontram utilidade para o resíduo do pescado, geralmente, depositado em lixões e rios. Segundo Bruno Eiras, é possível que o resíduo do pescado seja reaproveitado de diversas maneiras: peças artesanais podem ser confeccionadas com a pele do peixe; as escamas podem ser utilizadas artesanalmente na confecção de bijuterias e acessórios; a carcaça, transformada em farinha e concentrados proteicos, que, por sua vez, ajudariam na nutrição da merenda escolar. A monografia “elaboração de uma metodologia de curtimento artesanal da pele

da pescada amarela (cynoscion acoupa) e aplicação através de oficinas em uma comunidade no município de Bragança – PA” apresenta proposta em que a pesquisa é complementada pela extensão. Durante o trabalho, foram selecionadas e treinadas artesãs da Comunidade pesqueira do Castelo, localizada no município de Bragança, nordeste paraense. Entre os resíduos de peixe desprezados pela aparente falta de valor, está a pele. O autor deu enfoque ao aproveitamento desse material criando um método de curtimento que permitisse o uso da pele na confecção de roupas e acessórios de couro não convencional. “Entre os peixes com potencial para o curtimento, pode-se citar a pescada amarela, pelo grande porte e alto rendimento de pele”, afirma. A pescada amarela é uma das espécies de maior importância econômica na nossa região. O processo para confecção do couro foi simplificado, diminuindo o número de máquinas e reagentes químicos, assim, as artesãs poderiam reali-

zá-lo em suas residências, utilizando materiais comuns ao seu cotidiano. “A pele é colocada de molho para descongelar ou retirar o sal. Outra vez se põe de molho junto com cal, esse ‘ingrediente’ vai agir na pele a fim de limpar a sua estrutura interna onde estão os elementos que dificultam o processo de curtimento, além disso, o cal facilita a remoção da escama”, descreve o engenheiro de pesca. O material é processado por meio de uma ferramenta conhecida como “estira”, que remove as escamas, os restos de carne e outras substâncias que não farão parte da estrutura do couro. esse processo facilita a ação do agente curtente e garante maior maciez ao couro. Em seguida, é adicionado o componente curtente vegetal denominado de tanino – substância vegetal (polifenol) que atua na pele do peixe transformando-a em couro. Então, o couro é coberto com óleo vegetal – nesse caso, foi usado óleo de andiroba, e levado para secagem. A coloração final é definida pelo tanino que predomina nas estruturas d a

pele. O processo de curtimento dura duas semanas e os resíduos desse processo constituem apenas água, cal, tanino, óleo de andiroba. Todos eles possuem pequeno impacto ambiental comparado às quantidades de reagentes químicos utilizados pela metodologia industrial de curtimento. O processo simples e lucrativo permite que a comunidade mantenha a atividade sem a necessidade da presença de um técnico. “As peles de peixes correspondem entre 4,5% e 14% do peso do animal e geralmente são desperdiçadas”, comenta o autor da pesquisa. “No mercado, a pele de peixe é bastante valorizada. Por exemplo, o couro curtido com origem na pela da tilápia custa em torno de R$ 150,00 e R$ 200,00 o metro quadrado, enquanto o couro bovino é comercializado por preço médio entre R$ 40,00 e R$ 60,00”, afirma Bruno. Ainda é possível acrescentar maior valor a esse couro, com peças produzidas a partir desse material. O processo permite maior custo beneficio e, se alavancado em grande escala, reduz o impacto ambiental gerado pelo descarte dos resíduos nos lixões. ALexANdRe mORAes


14 -

Beira

do

Rio

-

Agosto e Setembro, 2014

Amazônia

Castanha é usada contra malária Estudo experimental comprova alívio dos sintomas da doença Fotos Alexandre Moraes / Adolfo Lemos

Camundongos receberam pré-tratamento com solução equivalente a duas castanhas por dia.

Marcus Passos

E

la ajuda no combate aos radicais livres, fortalece o sistema imunológico e diminui o colesterol ruim. O que parece ser a atuação de um medicamento são apenas os benefícios proporcionados pela castanha-do-pará. Essa semente esférica, marrom, originada da castanheira, uma árvore nativa da Floresta Amazônica. Recentemente, um estudo da Universidade Federal do

Pará, por meio do Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular, agregou mais um benefício a essa lista. Sob a autoria de Layse Martins Gama e orientação da professora Maria Elena Crespo López, o estudo “Malária e medicina popular: efeito da Castanha-do-Pará em camundongos infectados com Plasmodium berghei” comprovou que o consumo da semente influencia também no quadro da malária. A malária é uma doença

infecciosa, com alta incidência em regiões de climas tropical e subtropical. Sua transmissão ocorre por meio da picada do mosquito Anopheles fêmea, infectada pelo protozoário do gênero Plasmodium. A escolha pelo estudo da castanha ocorreu em razão da sua composição rica em agentes capazes de combater alguns quadros de intoxicação e auxiliar em quadros de infecção. “A malária entrou nesse contexto quando vimos que havia indicação positiva em localidades paraenses sobre o uso da castanha. A população afirma que basta comer duas castanhas por dia ou tomar a água do ouriço para os sintomas da doença diminuirem”, revela Layse. A metodologia do estudo foi baseada nessa experiência popular. Outras referências afirmam que a cada grama de castanha são ingeridas 128 microgramas de Selênio – um mineral importante para o organismo. Para o estudo, as castanhas foram compradas no mercado do Ver-o-Peso, em Belém, em barracas aleatórias, vindas de diversas regiões do Estado.

Pré-tratamento garante maior resistência O estudo resolveu comprovar, experimentalmente, a eficácia nutritiva da castanha-do-pará no combate aos sintomas clínicos causados pela malária. Para isso, foram realizados testes em camundongos para a comprovação dessas hipóteses. Foram três grupos experimentais: Controle – que não tinha nenhum tratamento, ou seja, um grupo normal; Plasmodium berghei, que foram apenas infectados com o parasita; e o Grupo Plasmodium berghei e castanha-do-pará – que receberam um pré-tratamento à base de castanha e, depois, foram infectados. Dentro das várias linhagens de camundongos, a pesquisa utilizou

a espécie Balb/C, infectada pelo Plasmodium berghei, por desenvolver um ciclo biológico equivalente às espécies que infectam humanos, sendo semelhante ao quadro de malária comum na Amazônia. “É um modelo experimental, bem definido nas pesquisas científicas. Para essa análise, propusemos criar uma relação de semelhança entre a malária humana, de acordo com os sintomas clínicos, características patológicas e o que acomete essa espécie”, explica Layse Gama. A pesquisa avaliou: o nível de parasitemia – quantidade de hemácias que contém o parasita; a massa corporal do animal – para ver se a castanha conseguia manter o

peso do camundongo que estava infectado; a sobrevida, a pesagem dos órgãos, além das enzimas hepáticas no sangue. Para facilitar a ingestão pelo animal, a semente foi diluída em uma solução equivalente a duas castanhas por dia. A castanha-do-pará foi administrada como um pré-tratamento, ou seja, antes da inoculação com o Plasmodium berghei para o grupo ‘Castanha + Plasmodium’. “Foram 11 dias de pré-tratamento e, depois, a infecção. Analisamos se o tratamento conseguia fazer com que o animal resistisse melhor aos efeitos do parasita. E a castanha fez com que os animais ficassem mais resistentes!”, comemora a pesquisadora.


Agosto e setembro, 2014

-

Beira

do

rio

- 15

Resultados são significativos Em quase 30 dias de análise, o experimento chegou aos seguintes resultados: o nível de parasitemia do animal que consumiu a castanha-do-pará apresentava-se menor em suas células. Em relação ao peso dos animais, o grupo que foi infectado com Plasmodium berghei perdeu mais peso em relação ao grupo que fez o pré-tratamento à base da semente amazônica. em relação à inflamação, na pesagem dos órgãos, o tamanho do fígado foi maior nos camundongos infectados com Plasmodium berghei do que nos animais dos outros grupos. A alteração das enzimas hepáticas foi maior no grupo que não ingeriu a castanha. Em relação à sobrevivência dos animais, o último camundongo do grupo sem castanha morreu com 25 dias depois da infecção, enquanto o último animal que consumiu o fruto morreu dois dias depois, com 27 dias. Por meio desses resultados, “verificamos que os aspectos clínicos dos animais melhoraram. A castanha não destruiu o parasita da doença, porque ela não tem propriedade antibiótica, mas os sintomas clínicos agressivos da malária foram reduzidos nos camundongos. Nesse caso, ela pode ser entendida como um reforço nutricional. Assim, esse consumo evidenciou uma boa diferença entre o animal que tinha consumido a castanha e o animal que não tinha”, analisa Layse Gama. Em comparação ao medicamento usado para matar o parasita, o qual traz vários efeitos colaterais para o paciente – dor de cabeça, náuseas e vômitos, por ser um medicamento forte, a castanha-do-pará poderia ser um suplemento alimentar que atuaria na diminuição dessa toxicidade. ela funcionaria como uma colaboradora nesse tratamento. essa pesquisa pioneira confirma a relação que possuímos com as frutas da Amazônia. “A castanha pode funcionar como base de suplementos que possam melhorar a condição do paciente, principalmente na nossa região, onde muitas pessoas não têm acesso ao medicamento ou não conseguem chegar ao posto de saúde. O reforço com a castanha poderia ajudar essa população”, enfatiza Layse Gama.

Dentro do corpo científico, o estudo tem uma dimensão abrangente, pois a utilização da castanha-do-pará está sendo usada para outras pesquisas. Para Layse Gama, mesmo sendo um trabalho experimental e não r e a l i z a d o em humanos, o resultado é extremamente significativo. É o primeiro trabalho que comprova, cientificamente, que a castanha pode ter um papel importante no tratamento da malária e os resultados apoiam o uso popular desse fruto como um agente protetor.

anÁlise Parâmetros / Grupos

Sobrevivência dos animais após infecção

Evolução do peso dos animais

Nível de parasitemia

Animais infectados com Plasmodium Berghei Sobreviveu até o 25° dia (P.b)

18º dia após a infecção, foram Iniciou em torno de 35g No verifi cadas em torno de 28% de e terminou abaixo de 20g células infectadas

Animais pré-tratados com castanha-dop a r á e i n f e c t a d o s Sobreviveu até o 27º dia posteriormente (Cast + P.b)

18° dia após a infecção, foram Iniciou em torno de 35g e No verifi cadas em torno de 17% de terminou acima de 20g células infectadas. Fonte: Dissertação / Baseado em 10 animais (P.b) e 10 animais (Cast + P.b)


16 -

Beira

do

Rio

-

Agosto e Setembro, 2014

Saúde

Câncer uterino mantém altos índices Pesquisa aponta equívocos nas estratégias de prevenção Brenda Rachit

O

câncer está em quarta colocação no ranking mundial de mortalidade por patologias. Em âmbito nacional, a doença ocupa o terceiro lugar e, na Região Norte, o primeiro. Em se tratando de câncer de colo do útero, a incidência, no Brasil, só está abaixo da do câncer de mama e, no Norte, novamente, aparece em primeiro lugar. Para colaborar com as estratégias de prevenção à doença, a professora Dirce Nascimento Pinheiro, da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará, desenvolveu, em sua tese de doutoramento, a Pesquisa Fatores interferentes nas estratégias de controle do câncer do colo do útero com ênfase no HPV, defendida no Programa de Pós-Graduação

Fatores de Risco

em Doenças Tropicais da UFPA, sob orientação da professora Marília Brasil Xavier. A professora, que também já atuou na Secretaria do Estado de Saúde Pública (SESPA), trouxe a familiaridade que tinha com o tema para verificar quais os impedimentos para o bom funcionamento das iniciativas públicas de prevenção ao câncer de colo do útero, no Pará. De acordo com Dirce Pinheiro, hoje, há muitas interferências na execução das estratégias de prevenção, o que acaba comprometendo a eficiência dessas políticas. Baseado no histórico da doença no Brasil e incentivado pela Conferência Nacional das Mulheres, que ocorreu na China, em 1995, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) desenvolveu o Programa Viva Mu-

lher, responsável pelo rastreamento nacional de casos de câncer de colo do útero (CCU). O combate à doença foi considerado prioritário, entretanto há situações que precisam ser revistas dentro das iniciativas públicas de controle. Entre essas estratégias, está a aplicação do exame colpocitológico, mais conhecido como exame preventivo. “Além de detectar precocemente as lesões, permite saber se há alguma infecção genital”, explica Dirce Pinheiro. Até o final da década de 1990, o exame só era disponibilizado em Belém. A partir de 2000, houve a expansão do preventivo para todas as regiões do interior do Pará e, de acordo com a pesquisadora, “hoje, os 144 municípios têm o exame sendo ofertado para as mulheres, em alguma unidade básica”.


Agosto e Setembro, 2014

-

Beira

do

Rio

- 17

Estilo de vida está associado às ocorrências Ilustração e Infográfico Márcio Dias

Dirce Nascimento Pinheiro explica que o aparecimento do câncer se dá a partir de uma célula alterada. No período menstrual, as células uterinas passam por uma renovação e, a partir daí, podem surgir células que se diferenciem morfologicamente das demais, ou seja, alteradas em sua estrutura natural. Estas se desenvolvem aceleradamente e crescem além do normal, são células potencialmente cancerígenas. A professora alerta que a eficiência do exame depende da qualidade do esfregaço cervical obtido por um procedimento simples e de fácil execução, que deve ser realizado por profissional treinado. “O colo do útero possui uma camada de células que o recobre externamente, chamada ectocervice, e uma camada que reveste a parte interna do canal, que é chamada endocervice. A junção desses dois epitélios é dita como junção escamo-colunar (JEC). Nesta junção, ocorre a maior parte das lesões pré-malignas e malignas, cerca de 80%. Assim, a coleta adequada e o bom uso desse exame como estratégia de rastreamento auxiliam o diagnóstico das lesões pré-malignas e a redução da mortalidade por câncer”, explica.

O exame preventivo deve ser feito em mulheres jovens, quando a chance de sucesso no tratamento é maior.

Alguns fatores, como o início precoce da vida sexual, a multiplicidade de parceiros e o uso prolongado de anticoncepcionais, deixam a mulher mais vulnerável ao Papilomavírus humano (HPV). “O HPV sozinho não leva ao câncer, é preciso ter hábitos e estilo de vida que favoreçam o surgimento da doença”, alega Dirce Pinheiro. De acordo com a pesquisadora, o HPV é mais frequente entre jovens mulheres – de 15 a 20 anos, e desenvolve-se sem sinais aparentes. Da mesma forma, o câncer de colo uterino é assintomático e suas fases pré-clínicas são potencialmente

tratáveis. Ao alcançar o estágio avançado, as chances de cura são bem menores. Por isso, a importância de detectar as lesões ainda em fase inicial da doença. O exame colpocitológico é uma estratégia de prevenção secundária. “A prevenção primária é o estilo de vida. A mudança de hábitos prejudiciais à imunidade é fundamental para prevenir uma possível contaminação viral e a suscetibilidade ao câncer. O ideal é que o exame seja aplicado em mulheres jovens, quando são maiores as chances de prevenção e tratamento”, afirma a pesquisadora.

Pesquisa analisou perfil socioeconômico Cinco unidades básicas foram observadas. Uma delas é mantida pela Secretaria Municipal de Saúde, no bairro Guamá; outra é ligada à Universidade Estadual do Pará (UEPA), no bairro Marco; uma unidade mantida pela Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA), no bairro Pedreira; e duas atendidas pelo Programa Saúde da Família. De acordo com a professora, a pesquisa pretendia avaliar “a efetividade das estratégias no ambiente amazônico, que tem uma história de câncer permanente”. Um dos fatores analisados na pesquisa foi o perfil socioeconômico. “As mulheres que adoecem de câncer de colo do útero têm baixa renda e baixa escolaridade”, revela

Dirce Pinheiro. Dados da pesquisa comprovam que menos de 50% das mais de 800 mulheres entrevistadas chegaram ao ensino médio. Outro dado que chamou atenção da professora foi a idade das pacientes dessas unidades. “A maioria pertence à faixa etária desfavorável ao programa de prevenção, o qual prioriza mulheres com 25 anos, quando, geralmente, surge a doença. As mulheres que procuram as unidades para realizar o preventivo estão na faixa dos 40 anos. Nessa faixa etária, provavelmente, o câncer está em estágio avançado”, explica. Como a doença se desenvolve de forma lenta, os sintomas irão intensificar por volta dos 40 ou 50

anos, período que coincide com a menopausa e quando as queixas ginecológicas são mais incômodas, levando as mulheres a procurarem orientação e tratamento médico. Segundo a professora, isso explica os altos índices de mortalidade. “Para melhorar as estratégias desenvolvidas nas unidades de saúde, é preciso levar educação em saúde para a escola”, afirma Dirce. As estratégias precisam alcançar as mulheres que ainda não realizaram o preventivo, fazendo a busca ativa dessa jovem que já iniciou a vida sexual. Outro aspecto importante é a reavaliação do perfil etário dessas mulheres, pois a prematuridade no diagnóstico favorece o tratamento e a erradicação do câncer.


18 -

Beira

do

Rio

-

Agosto e Setembro, 2014

Resenha Direitos Humanos e indígenas crianças no Brasil

Serviço Indígenas Crianças, Crianças Indígenas, de Assis da Costa Oliveira. Ed. Juruá

Você leu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? Será que as crianças contidas no ECA compreendem as indígenas crianças? Respondendo negativa ou afirmativamente às perguntas, é interessante conhecer a rigorosa problematização feita por Assis da Costa Oliveira sobre os direitos de indígenas crianças ou crianças indígenas, tema tão instigante e escassamente debatido no cenário acadêmico e inexistente na formulação de políticas públicas. Como docente do Programa de PósGraduação em Direito (PPGA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), acompanhei a concepção do trabalho, a realização da pesquisa de campo e os passos necessários à defesa de uma dissertação que se transformou em livro, que veio a lume recentemente, trazendo no bojo, de forma aconchegada, a proposta de não apenas discutir a trama relevante ao tema, pois oferece mais! Propõe caminhos para construção de um novo paradigma que situe e trate as questões relativas à diversidade de ser criança no Brasil, considerando os marcadores étnico-raciais que apontam diferenças que geram intermináveis discussões, especialmente na Amazônia. O livro contextualiza a disputa pela determinação de direitos das crianças – indígenas e não indígenas – apontando o “descaso” com as primeiras no âmbito do Poder Legislativo, ampliando, assim, a compreensão da estratégia dos povos indígenas em busca da conquista dos novos direitos indígenas, luta renhida e persistente enfrentando o colonialismo que oprime e ho-

Acervo do Pesquisador

mogeniza as pessoas etnicamente diferenciadas. Na sequência, o autor trabalha os aportes relativos à fundamentação e à compreensão dos paradigmas da infância e dos direitos humanos, com base em aportes jurídicos relativizados pela Antropologia. A realidade sociojurídica e cultural dos povos indígenas é apresentada de forma etnográfica, fruto de consequente trabalho de campo, raríssimo no campo do Direito. A etnografia destaca a construção social da infância e da juventude entre os povos indígenas em contraponto à construção social da infância e juventude no Ocidente. O segundo capítulo pretende, como define o autor, propor a construção de filosofia política complementar à Doutrina da Proteção Integral, que rege, hoje, os direitos das crianças, produzindo subsídios para a estruturação da denominada Doutrina da Proteção Plural, que

possui, por suporte principiológico, a autodeterminação dos povos indígenas e rege-se pela articulação entre os valores da igualdade, da diferença e do protagonismo. Ao final, Oliveira, de forma competente, apresenta a construção hermenêutico-normativa de propostas para transversalizar direitos indígenas de crianças e jovens em relação a determinados assuntos que, na atualidade, provocam intervenção e reflexão do Sistema de Garantia de Direitos. A discussão de temas, como ato infracional, trabalho infantil, violência contra criança, entre outros, deve ser pensada na interface da diversidade cultural, para recepcionar adequadamente os povos indígenas. A discussão feita na obra é pautada na interculturalidade dos Direitos Humanos, de maneira a assinalar a relevância da categoria pessoa como equivalente funcional no diálogo intercultural que justifica a inversão axiológica: de crianças indígenas para indígenas crianças e possíveis repercussões aos seus direitos, pois independente da condição de ser criança, as crianças são, primordialmente, indígenas e vivenciam o dia a dia de acordo com as normas do povo ao qual pertencem. Afinal, diferença expressa, apenas, a diversidade, e esta é plural, como o Brasil. Jane Felipe Beltrão – Antropóloga e historiadora, docente dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) e Direito (PPGD) da UFPA.


Agosto e Setembro, 2014

-

Beira

do

Rio

- 19

A História na Charge

Em Tempo Seminário

Artigos

Odontologia

Estão abertas as inscrições para o II Seminário Nacional de Linguagens, Tecnologias e Práticas Docentes, promovido pelo Grupo de Estudos Linguagens e Práticas Educacionais da Amazônia (GELPEA), da UEPA, em parceria com a UFPA. Nos dias 11 e 12 de setembro, os participantes irão compartilhar referenciais que visem melhorar o ensino e a aprendizagem. Informações: http://gelpea.blogspot.com.br/

A Revista Amazônica está recebendo artigos para publicação. O periódico publica artigos inéditos, relatórios de pesquisa, notícias de pesquisas em andamento, resenhas, traduções, resumos de teses e ensaios fotográficos. Os trabalhos podem ser submetidos pelo site ou pelo e-mail: revistaamazonica@gmail.com A Amazônica é publicada em março e setembro, somente em versão digital, com acesso gratuito.

O Instituto de Ciências da Saúde (ICS) e a comunidade odontológica do Estado do Pará comemoraram o centenário da Faculdade de Odontologia. A cerimônia contou com a presença de autoridades, professores, alunos e técnico-administrativos. Entre os homenageados, estava a ex-estudante Lucimar da Costa Revorêdo, 98 anos, que se formou em Odontologia, em 1946.

Prêmio

Antropologia

Equipamentos

Estão abertas as inscrições para os Prêmios Santander Universidades. A iniciativa é composta por quatro premiações: Empreendedorismo; Ciência e Inovação; Universidade Solidária e Destaque do Ano. Cada projeto é avaliado por uma banca independente, formada por instituições de importância nacional e internacional. As inscrições podem ser feitas até o dia 18 de setembro, no site www.santander.com.br/universidades.

A UFPA vai receber o Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica. O evento, promovido pelo Grupo Visagem, acontecerá no período de 4 a 6 de novembro. Os prazos para submissão de trabalhos são: 20 de agosto, para resumos; e 10 de setembro, para mostra de filmes. Mais informações n o s i t e h t t p : / / w w w. e a v a a m 2 0 1 4 . com.br/

A UFPA receberá da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ainda em 2014, R$ 2.468.400 para a aquisição de equipamentos de pesquisa destinados à consolidação ou expansão de seus Programas de Pós-Graduação. A concessão foi anunciada com o resultado do Edital do Programa Pró-Equipamentos, que aprovou integralmente a proposta apresentada pela UFPA.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.