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ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXiX • N. 122 • deZeMBro e JaNeiro, 2014

Tradição

Abridores de letras Projeto faz mapeamento dos mestres que ilustram os cascos dos barcos. Páginas 6 e 7 Ditadura

Memórias e silêncios Banco de dados revela vivência da UFPA nos Anos de Chumbo. Páginas 16 e 17

Pesquisa analisa o “Carimbó Chamegado”, de Dona Onete. Páginas 8 e 9


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UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Brenda Rachit e Juliana Theodoro (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA) Fotografia: Adolfo Lemos e Alexandre Moraes Fotografia da capa: Adolfo Lemos Ilustrações: Walter Pinto Charges: Walter Pinto Projeto Beira On-line: Danilo Santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Júlia Lopes e Cintia Magalhães Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Secretaria: Silvana vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Carlos Edilson Maneschy vice-Reitor: Horácio Schneider Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Edilziete Eduardo Pinheiro de Aragão Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho Pró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto sidrim Nassar Prefeito: Alemar Dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - AsCOM/UFPA Cidade Universitária Prof. José da silveira Netto Rua Augusto Corrêa, n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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É em dezembro, tempo de chuvas e maré cheia, que os versos de Paulo André e Rui Barata fazem mais sentido. No inverno amazônico, os rios são as ruas que levam e trazem os moradores das cidades ribeirinhas. E esse cenário de embarcações ancoradas no Ver-o-Peso chamou atenção da professora Fernanda Martins. Diante de seu olhar “estrangeiro”, a professora, que é paulista, ficou encantada com as letras desenhadas nos cascos dos barcos. Foi o pontapé para o Projeto “Letras que flutuam”. A reportagem de Brenda Rachit conta melhor essa história. A edição também traz notícias sobre os barcos que estão sendo projetados pelos engenheiros navais formados pela UFPA. Comemorando 10 anos, o curso recebeu nota 5 na avaliação do MEC e lança o seu Programa de Mestrado em 2015. Na reportagem “O som que vem de Igarapé-Miri”, Juliana Theodoro conversa com o pesquisador Patrich Moraes sobre o carimbó chamegado de Dona Onete. Os fantasmas que assombram a juventude; o uso da biodiversidade em feiras, mercados e terreiros de candomblé; as memórias de professores, alunos e servidores da Universidade sobre os anos de Ditadura também estão em pauta na última edição de 2014. Boa leitura e feliz ano novo! Rosyane Rodrigues Editora

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Índice Escola de Conselhos do Pará .............................................4 Com o vento soprando a favor ...........................................5 Abridores de letras da Amazônia ........................................6 O som que vem de Igarapé-Miri .........................................8 A juventude e seus fantasmas ......................................... 10 Alunos ganham prêmio internacional .........................................13 Entre banhos, cheiros e atabaques ................................... 14 Memórias dos Anos de Chumbo ........................................ 16 Exposição Bauhaus.foto.filme ........................................ 18

Belém vista da Baía do Guajará. Fotografia de Alexandre Moraes


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Adolfo Lemos

Opinião Escola de Conselhos do Pará

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Escola de Conselhos do Pará foi instalada em 25 de janeiro de 2011, sob a coordenação do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará, com o objetivo de promover a formação continuada dos conselheiros de Direitos e conselheiros Tutelares da Amazônia paraense, visando ao fortalecimento da rede de proteção social. O projeto foi apoiado pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca), por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e da Secretaria de Estado de Assistência Social do Pará. A Escola de Conselhos atinge os 144 municípios do Estado do Pará, realizando atividades de formação continuada em 10 municípios polos, a saber: Altamira, Abaetetuba, Belém, Bragança, Breves, Cametá, Castanhal, Itaituba, Marabá e Santarém. A Escola conta com um núcleo gestor, do qual fazem parte: UFPA, Ministério Público Estadual, Universidade do Estado Pará, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Pará, Fórum Estadual dos Direitos da Criança e

do Adolescente, Associação Estadual de Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares e Secretaria de Estado de Assistência Social. Também são parceiros da Escola organizações da sociedade civil referenciadas pela ampla atuação e experiência na área da criança e do adolescente, entre eles, Movimento República de Emaús, Sodireitos, Unipop, Apacc, Programa PRO PAZ, Futura, Comissão Justiça e Paz da CNBB, Defensoria Pública, Fundo das Nações Unidas para a Infância, Rádio Margarida, Programa Infância e Adolescência da UFPA , Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de Belém e Fundação Papa João XXIII. Partindo do reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, enquanto prioridade absoluta de políticas públicas (Art. 207 da Constituição Federal de 1988), a Escola de Conselhos do Pará propõe-se a: Capacitar os conselheiros dos direitos da criança e do adolescente e conselhos tutelares na formulação, na execução e no acompanhamento de políticas públicas para a infância e a adolescência; Integrar os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares com os demais

Conselhos e instâncias do poder público e da sociedade civil organizada para a consolidação do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e Adolescentes no Estado do Pará; Formar os integrantes dos Conselhos dos Direitos e Conselhos Tutelares para elaboração dos planos municipais de ação específica. A concretização desses propósitos irá se efetivar por meio de vivências formativas realizadas com os conselheiros de Direitos e Tutelares nos municípios polos, onde os conselheiros realizarão atividades presenciais e semipresenciais, acompanhadas e avaliadas pela equipe de educadores da Escola de Conselhos. Assentada nessa premissa, a Escola de Conselhos orienta-se, enquanto diretriz metodológica, pela compreensão da necessidade de formação integral e contínua dos conselheiros e pelo entendimento da ação dos conselheiros como agentes de aprimoramento da intervenção política dos Conselhos de Direitos e Tutelares na realidade local, fortalecendo, assim, a participação popular e o controle social das políticas públicas. Prof. Salomão Hage - Coordenador da Escola de Conselhos do Pará. Alexandre Moraes


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Graduação

Com o vento soprando a favor Engenharia Naval faz 10 anos com bons motivos para comemorar Walter Pinto

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té recentemente, uma máxima, em tom de glosa, que se ouvia sobre a UFPA era que, apesar da sua condição amazônica, ela formava muitos doutores, mas não dispunha de know-how suficiente para construir um barco, mesmo que fosse um simples popopô, a pequena e característica embarcação a motor dos rios da Amazônia. Há dez anos, porém, essa máxima perdeu o sentido, com a criação da Faculdade de Engenharia Naval. Instalado numa área de expansão do campus, com acesso por uma trilha de terra batida, em meio à espessa vegetação que acompanha as margens do rio Guamá, o curso de Engenharia Naval é quase desconhecido

da maioria das pessoas que frequenta o campus de Belém. Mas, apesar do pouco tempo de funcionamento, a faculdade, os seus professores e os alunos já têm muito o que comemorar. Entre outras conquistas, a graduação foi reconhecida pelo MEC, em 2011, com nota máxima, 5; em 2012, obteve nota 4 no Enade; em 2013, a maior nota entre os cursos de Engenharia do Brasil, em avaliação do Sisu, foi de um aluno da Engenharia Naval, da UFPA; os graduados estão encontrando um mercado aquecido, com 100% de absorção; em janeiro próximo, a faculdade entrará em nova etapa, com a realização da primeira seleção para o recém-aprovado curso de mestrado. Sem dúvida nenhuma, os ventos estão a favor da Engenharia Naval.

Mas, por que a UFPA levou tanto tempo para criar um curso desta natureza e importância numa região localizada na maior bacia hidrográfica do mundo? A resposta é simples: não havia massa técnica qualificada na região, toda ela concentrada no Sudeste. A superação desse obstáculo ocorreu de forma gradual e contou com a cooperação de docentes das Faculdades de Engenharia Civil e Engenharia Mecânica, entre os quais, Roberto Pacha e Nilton Soeiro, que, na década de 1980, organizaram um curso de Especialização em Transportes e Engenharia Naval. Um dos alunos, Hito Braga de Moraes, partiu para o mestrado no Rio de Janeiro. De regresso a Belém, tornou-se professor da Faculdade de Engenharia Civil, para a qual ajudou a criar

uma cadeira voltada para os estudos navais. Anos depois, ele deu continuidade à formação acadêmica naval no doutorado realizado na Inglaterra. Sua volta coincidiu com a decisão da Sudam de priorizar a Engenharia Naval entre as áreas fundamentais para o desenvolvimento da Amazônia. “Não que isso tenha sido um fator determinante, mas pelo menos foi algo que nos estimulou a pensar numa graduação própria. Então, escrevemos um projeto pedagógico, depois, melhorado e, finalmente, aprovado pela UFPA, em 2005, ano em que teve início a primeira turma. De lá para cá, formamos em torno de 60 engenheiros navais”, conta Hito, atual diretor da faculdade, a terceira implantada no Brasil.

Faculdade terá importância no desenvolvimento naval Os primeiros passos de qualquer curso são sempre um desafio. No caso da Engenharia Naval, o desafio está sendo grande, porque a faculdade ainda aguarda a construção de laboratórios próprios. Enquanto isso, os alunos utilizam laboratórios e equipamentos da Faculdade de Engenharia Mecânica. Mas o curso já conta com um Laboratório de Engenharia Naval, que dispõe de salas de aula e laboratório de informática dotado dos melhores softwares. Com o vento a favor, a faculdade aguarda a construção

de uma infraestrutura adequada para a prática do ensino e desenvolvimento de pesquisas, assim como a capacitação de pessoal naval e de aprimoramento de técnicas construtivas de embarcações. Um setor vital nesse processo será o Laboratório de Otimização da Produção e Planejamento em Estaleiro de Construção Naval (OPPE), cuja construção está quase finalizada. Junto ao OPPE, será construído um tanque de prova, dotado de gerador de ondas e praia de dissipação de ondas. Um resultado imediato do trabalho do tanque

de provas será a adequação da potência dos motores às embarcações, que incidirá numa grande contribuição à economia de transporte, com redução no consumo de combustível e mais eficiência das embarcações. Outro laboratório importante será o Centro de Certificação Naval da Amazônia (CCENA), que desenvolverá trabalhos de avaliação e certificação de estabilidade de embarcações. Para os estudantes, o curso possui muitos pontos positivos, e a expectativa de trabalho é vista como um dos

principais. Para Cleber Lopes de Moraes júnior, aluno do 3º ano, a indústria naval na região está abrindo muitas portas e a tendência é aumentar ainda mais. “Existe mercado de trabalho não só aqui como também lá fora. O Brasil tem um litoral imenso, muitos portos e hidrovias. O mundo está aberto para nós. Além disso, há sempre a possibilidade da carreira acadêmica. Eu, por exemplo, pretendo continuar na pós-graduação, fazer o mestrado e o doutorado e, se possível, tornar-me professor da UFPA”, planeja. Alexandre Moraes


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Tradição

Abridores de letras da Amazônia Projeto está mapeando mestres em diversas cidades da região Fotos Acervo do Pesquisador

As frotas de embarcações estão cada vez menores, mas os abridores de letras continuam requisitados.

Brenda Rachit

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s águas amazônicas não levam somente barcos: levam arte, experiências, tradição, cultura e expressividade. Em cada casco de embarcação, pode-se ver traços que revelam artistas e mestres, mais comumente conhecidos como “abridores de letras”. Esses são os atores principais no Projeto “Letras que flutuam”, coordenado pelas pesquisadoras Fernanda de Oliveira Martins e Sâmia Batista e Silva, do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da Universidade Federal do Pará. A pesquisa teve início com a professora Fernanda Martins, paulista, com formação em Type Design pela Basel School of Design, que, ao chegar a Belém, ficou impressionada com a arte das embarcações que viu no Ver-o-Peso. A partir daí, começou a registrar essas letras pelos lugares onde passava. Esse foi o tema da sua monografia de especialização em 2008. A partir daí, o projeto foi submetido a vá-

rios editais até que, em 2013, foi aprovado no Programa Amazônia Cultural e obteve recursos para ser executado. O trabalho iniciou com o mapeamento de 41 abridores de letras de barcos nos municípios de Igarapé-Miri, Barcarena e Abaetetuba, o que constitui a primeira etapa da pesquisa, a qual foi projetada para alcançar quatro polos: Santarém, Marajó, Belém e região do Salgado. O projeto está em andamento desde julho de 2014 e conta com uma equipe multidisciplinar. Segundo a pesquisadora Sâmia Batista, o objetivo da pesquisa é educar e conscientizar a nova geração a preservar essa tradição que está enfraquecendo. “Nós queremos repassar e mostrar que eles podem aplicar essa arte em outras coisas,

em suportes mais atuais, como cartazes, grafite, serigrafia e, de repente, isso chegar a gerar renda”, explica a pesquisadora. O primeiro momento da pesquisa foi feito por meio de entrevistas com esses artistas, além de registros em vídeo e fotografia. As entrevistas ajudaram a registrar como esse saber vem sendo repassado, a identificar as suas características e a perceber se essa atividade sustenta economicamente essas pessoas. “Nós definimos que seria muito importante conhecer a origem desse saber, a sua árvore genealógica”, explica Sâmia Batista.


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A técnica é repassada dos pais para os filhos Segundo Sâmia Batista, foi cogitada a hipótese de que essas letras surgiram a partir da tipografia Vitoriana, influência presente à época da exploração da Borracha na Região Amazônica. Eram letras muito utilizadas na Europa e chegaram aqui por meio de cartazes e rótulos vindos de Lisboa, Londres, Paris e, aos poucos, teriam sido incorporadas nos comércios e, por fim, nos barcos. Porém a pesquisa mostrou que essa origem teve muito mais a ver com uma relação de trocas de visualidades entre os municípios ribeirinhos. “Vem um barco lá do Amapá e passa pelo Marajó, por Igarapé-miri ou por Abaetetuba, o abridor de letras enxerga-o e aquilo o influencia. Existe esse intercâmbio gráfico, pois os barcos passeiam por toda a região ribeirinha levando essa arte”, acrescenta Sâmia. As entrevistas constataram também que, assim como na maioria dos saberes tradicionais, essa prática foi repassada de pai para filho. A maioria desses artistas aprendeu a abrir as letras apenas olhando. Segundo a professora Sâmia Batista, esses trabalhadores são muito talentosos,

Vaivém de barcos entre os municípios promeve um intercâmbio gráfico entre os mestres.

entretanto faltam oportunidades para explorar esse talento. A maioria prefere, por necessidade, trabalhar de carteira assinada em alguma empresa a depender unicamente da atividade de abridor de letras. As pesquisadoras perceberam que esses homens aprenderam o ofício de abrir letras não por falta de escolaridade, pois a maioria possui segundo grau completo, mas fizeramno por aptidão. Para a professora Sâmia Batista, muitos não ingressaram em um curso de nível superior por

falta de oportunidade. Ela diz que o talento iria levá-los, naturalmente, a serem profissionais destacados no mercado. Os donos de estaleiros que foram entrevistados contam que os pedidos de construção de embarcações diminuíram bastante e as frotas de embarcações estão cada vez menores. Porém os abridores de letras ainda são bastante requisitados. Segundo os artistas que se mantiveram em atividade, o ofício garante o sustento financeiro de suas famílias.

Barcarena: artistas estão abandonando o ofício O projeto mostra que os abridores de letras de Igarapé-Miri e Abaetetuba mantêm os padrões da letra Vitoriana, mais trabalhada, com bastantes detalhes, enquanto em Barcarena e Belém, as letras parecem estar cada vez mais simples e limpas. “A nossa impressão é que a manifestação cultural está se enfraquecendo nos lugares em que a economia está mais globalizada”, observa Sâmia Batista. Entre as particularidades de cada região, foi percebido que, em Barcarena, há um número menor de abridores de letras, pois a maioria dos artistas deixou a atividade por um trabalho de carteira assinada. A pesquisadora diz que há uma influência cada vez mais forte das tipografias de aparelhagens, bastante comuns não só em Belém mas também nos interiores. Ela destaca

o exemplo de Abaetetuba, onde os barcos de uso familiar estão sendo decorados com referências do grafite. “Já está surgindo outra estética e nós percebemos essa influência das aparelhagens, que é bastante presente há muito tempo”, afirma a professora. A professora Sâmia Batista enfatiza que ainda não se vê nos pontos turísticos de Belém nada que remeta às letras de barcos e esta expressão deveria ser mais destacada no cenário local, tanto para os turistas como para os próprios profissionais da região. Para ela, “o nosso design ainda olha muito para fora e temos todas as nossas referências visuais e gráficas aqui mesmo, no entanto isso não é utilizado para reforçar o reconhecimento dessa identidade”. Ela explica que a letra é a base do design, sendo assim,

a letra dos barcos pode ser uma grande influência para os artistas paraenses. Entre as ações do projeto, está a participação desses artistas como reprodutores desse saber desenvolvendo oficinas para os jovens da comunidade. Tal ação possibilita que os moradores dos municípios percebam, de forma mais contundente, a importância dessa manifestação artística. Sâmia Batista chama atenção para a importância dessas discussões, no sentido de preservar o patrimônio artístico e cultural da Região Amazônica. “O meu sonho é que isso seja trazido para a Universidade, discutido em sala de aula e mais e mais pessoas pesquisem, busquem, aprendam, para que tenhamos esses elementos da nossa identidade bem resguardados”, declara.


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O som que vem de Igarapé-Miri Dissertação analisa repertório de Dona Onete Juliana Theodoro

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estre em Artes pela Universidade Federal do Pará, o professor Patrich Moraes resolveu desvendar, em sua dissertação, o feitiço caboclo de Dona Onete. Nascido em Igarapé-Miri, onde Dona Onete passou boa parte de sua vida, Patrich conheceu a cantora ainda quando criança, “ela foi professora em Igarapé-Miri e eu estudei na mesma escola em que ela lecionava. Sempre acompanhei seu trabalho com o Grupo Canarana. Desde essa época, ela já trabalhava com composições próprias”, lembra o pesquisador. Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes, sob orientação da professora Lilian Cristina Barros Cohen, a Pesquisa “O Feitiço Caboclo de Dona Onete: um olhar etnomusicológico sobre a trajetória do carimbó chamegado, de Igarapé-Miri a Belém” analisou três músicas de três momentos diferentes da carreira de Dona Onete. A primeira é a composição “Nosso Igarapé-Miri”, com o Grupo folclórico Canarana; a segunda, “Chuê, Chuá”, que fez parte da primeira edição do Festival Terruá Pará em 2006, e a terceira, “Carimbó Chamegado”, do CD “Feitiço Caboclo de Dona Onete”, lançado em 2012. Patrich Moraes explica os diferenciais do carimbó produzido por Dona Onete, “ela trabalha com os elementos do carimbó tradicional e do carimbó moderno, usa tanto curimbós quanto bateria, sopros, teclado, assim como maracás. Em Belém, em alguns locais, ela se apresenta com um grupo musical tradicional, mas, nos festivais, ela vai com uma banda moderna”. Dona Onete dizia que, em Igarapé-Miri, o Grupo Canarana não tinha instrumentos harmônicos, não tinha banjo etc. Para ela, o banjo só precisava de alguém que fizesse “aquele sonzinho”, desse um ‘pontiado’. “Esse ‘pontiado’ aparece nas três composições que analisei: na primeira, há duas guitarras – uma solo e uma base, e uma dessas guitarras fazia só esse desenho, a música inteira faz esse ‘pontiado’. Na composição do Terruá Pará, há o músico Luiz Pardal tocando violino e é ele quem faz esse desenho durante toda a música. Já na gravação do CD “Feitiço Caboclo de Dona Onete”, a composição “Carimbó Chamegado” também tem uma guitarra que fica fazendo esses desenhos. Isso é característico do carimbó dela, não se encontra esse desenho, que, no meu trabalho, eu chamo de ‘pontiado’, em outros carimbós”, diz o pesquisador. Adolfo Lemos


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Música Letras trazem imaginário e lendas amazônicas de acordo com Patrich Moraes, o nome do carimbó de Dona Onete, “Chamegado”, nasceu de uma de suas viagens pelos rios do interior de Igarapé-Miri. Ao chegar às casas, Dona Onete perguntava se os moradores eram casados e, certa vez, um senhor respondeu que não gostava de utilizar a palavra “casado”. “A senhora está vendo aquela mulher ali? Eu tenho um chamego de 50 anos com ela”, disse ele. A partir dessa história, Dona Onete começou a dizer que seu carimbó seria uma espécie de chamego. As músicas da cantora falam sobre o imaginário e as lendas da Amazônia, mais especificamente de Igarapé-Miri. seu carimbó é mais compassado para poder contar as histórias do cotidiano dos ribeirinhos. “Ela usa todo o imaginário

dos caboclos e dos negros, porque fez muitas pesquisas sobre esses temas para utilizar em suas aulas. Na época em que era professora de História, pesquisou sobre os negros que moraram em Igarapé-Miri, sobre as senzalas que existiram ali”, explica Patrich. “quando analisei a música ‘Chuê Chuá’, apresentada no Projeto Terruá Pará, eu achava que essa composição era sobre a história de Belém, sobre a chuva da tarde. Mas, ao conversar com Dona Onete, ela disse que a canção era sobre uma pescaria feita em Igarapé-Miri. No meio da pesca, caiu uma chuva muito forte e eles se abrigaram em um lugar coberto por palha e o barulho dessa chuva fazia ‘chuaaaa’, por isso, o título da música”, conta o pesquisador.

“Tudo o que ela escreve está relacionado aos lugares onde viveu, primeiro em Rio das Flores, interior de Igarapé-Miri, e, depois, na cidade, onde começou a escrever particularidades dos lugares por onde andou. Dona Onete é um verdadeiro livro de cultura, principalmente de IgarapéMiri”, avalia Patrich Moraes. O pesquisador apresenta sua dissertação sobre a música de Dona Onete como um registro da identidade musical de Igarapé-Miri e acredita que, com o reconhecimento do carimbó como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, “outras pessoas já estão começando a se interessar pelo tema, o que deverá fortalecer a identidade a partir disso. As próprias escolas irão apresentar o carimbó para os alunos, enfim, a partir daqui, inicia-se um novo rumo para o carimbó”.

MÚsiCas analisadas NOSSO IGARAPÉ-MIRI

CHUÊ CHUÁ

CARIMBÓ CHAMEGADO

Refrão Se você ainda não viu, vá ver Se já viu vá ver de novo Nosso Igarapé-Miri alegria do meu povo

(A) É no Chuê Chuê É no Chuê Chuá

Que Carimbó é esse De toque maneiro, gostoso brejeiro. D’onde é que tu vem? Vim do Baixo Tocantins Pra tocar aqui em Belém

I Vá ver Festa de Santana Conhecer a tradição Vá tomar cachaça doce, Mujica de Camarão. Vá tomar banho no rio Na noite de São João II Vá ver tipo de Madeira Que temos para exportar Tem o cedro e a Cupiúba Andiroba e Marupá Angelim e Piquiá Isso é produto de lá III Vá dançar um Carimbó Você vai sentir na cuca Isso todo mundo sabe Que é do Pim e do Pinduca

(B) Chuva fina não me molha Chuva grossa que vai me molhar Belém do Chuê Chuê Pará do Chuá Chuá (B) Mas chove chuva Chove, chove sem parar Nas folhagens das mangueiras Na Baia do Guajará Chove na cidade inteira Nas águas do Rio Guamá (B) Mas lá vem ela Deixa à vida o tempo é dela Tira roupa do varal Fecha as portas e janelas Belém do Chuê chuá Vai levar a noite inteira De manhã tem chuva e sol E chuva casamenteira (...)

Que Carimbó é esse De toque maneiro, gostoso brejeiro. D’onde é que tu és? Da cabeceira dos rios Dos lagos dos Igarapés Onde a Canarana é Viçosa E o tapete é Mururé Onde a Canarana é Viçosa E o tapete é Mururé Sou Carimbó de água doce Muito diferenciado Por que tenho toque maneiro Meu swing é Chamegado Lá o branco o negro e o índio Deixou tudo misturado Lundu... Banguê... Carimbó... Siriá... O tambor de Nagô Toada de boi – bumba. (...)


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Entrevista

Rosaly de Seixas Brito

A juventude e seus fantasmas Estudo analisa desafios dos jovens na Grande Belém Alexandre moraes

Walter Pinto

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rofessora da Faculdade de Comunicação da UFPA, jornalista, mestre em Comunicação e doutora em Ciências Sociais, Rosaly de Seixas Brito defendeu, em abril deste ano, a Tese “Diferentes, desiguais e conectados (?) Vivências juvenis, representações midiáticas e negociação de sentidos na cena metropolitana”, sob orientação da antropóloga Angélica Motta Maués. No relato abaixo, ela trata de alguns dos fantasmas que rondam a juventude da Região Metropolitana de Belém, entre os quais, a segregação racial, os novos arranjos familiares, o acesso ao ensino superior e os estereótipos na mídia.

Juventude e história Tanto quanto a maneira de se conceber a família ou a infância, também a ideia de juventude é algo que vai se tecendo ao longo dos séculos e é determinada social e historicamente. Em um famoso livro sobre a história social da criança e da família, o historiador francês Philippe Ariès formula a tese de que, até o século XVIII, as classificações por idade não existiam de forma clara e as fronteiras entre as chamadas “idades da vida” estavam embaçadas. Além do mais, ao examinar os tratados pseudocientíficos do período medieval e a rica iconografia da época, o pesquisador concluiu que havia uma ausência do sentimento de infância e até mesmo de família, na Europa medieval. A socialização da criança, então, não era exclusividade da família e esta, por sua vez, não tinha uma função afetiva como hoje, em relação aos filhos. No que se refere aos

jovens, eles entram em cena ainda mais tardiamente e seu reconhecimento social como faixa etária distinta está ligado à emergência da época moderna. Mas, embora os jovens e a

juventude estivessem inscritos no imaginário ocidental, sobretudo pela literatura, pelo menos desde o século XVIII, é a partir do XIX que o jovem ganha status de um indivíduo reco-

nhecido em sua singularidade, no interior da família e na sociedade em geral. Para muitos autores, porém, a adolescência e a juventude, mais próximas da ideia que temos em torno


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delas hoje, são uma “invenção” do século XX, quando se delineiam e se difundem, em maior escala, imagens da juventude, especialmente pelo cinema e pelas mídias de massa de modo geral. É quando, efetivamente, esse segmento da população passa a ocupar a cena urbana e a ser visto, inclusive, como mercado de consumo muito promissor.

Faixa etária Por esse mesmo raciocínio acima, as faixas etárias são estabelecidas socialmente e podem variar em diferentes sociedades. O ciclo vital e as fases em que ele se divide não são universais, variam de uma sociedade para outra, ou até no interior de uma mesma sociedade. O que é comum a todas são os ritos de passagem entre elas. Diferentemente da visão do senso comum, portanto, a idade e a faixa etária não são fatos meramente biológicos, e sim estabelecidos social e culturalmente. Há, inclusive, imagens culturais que circulam e ajudam a produzir a ideia que se tem de infância, juventude e velhice em diferentes épocas. Desde os fundadores da Antropologia, tanto a idade como o sexo foram tomados como princípios universais da organização social. Mas, a despeito disso, estudos sobre a infância e a juventude são bem mais recentes, datam das primeiras décadas do século XX; antes, essas faixas etárias ocupavam um lugar mais periférico nos estudos da disciplina. Outro aspecto importante sobre isso é que as idades devem ser vistas de maneira relacional, pois, como diz Pierre Bourdieu, “somos sempre o jovem ou o velho de alguém”. Parece óbvio que a infância e a juventude não sejam vividas da mesma maneira por crianças e jovens de diferentes classes sociais. Ou seja, quando falo de crianças e jovens, não devo

tomá-los como uma unidade social, como grupos dotados de interesses e vivências necessariamente comuns, mas tentar fazer o que se chama, nas ciências sociais, de “desnaturalização” desses sujeitos, vê-los como pessoas “de carne e osso”, por meio da pesquisa, em suas nuances e especificidades.

Envelhecimento Outro aspecto importante a ser destacado, no caso da juventude, é que, para além de uma faixa etária definida, se transformou em um valor cultivado pelas sociedades contemporâneas. Todos q u e r e m se r jovens, ainda que seja por meio de intervenções plásticas e práticas corporais as mais diversas. Há um culto à juventude. Disseminou-se um medo do envelhecimento, quase como se o ato de envelhecer passasse a significar um não pertencimento, numa lógica social em que tudo é feito para não durar e para ser substituído rapidamente, em que se cultua a novidade. Os efeitos subjetivos disso são terríveis. Pode-se dizer que estamos presenciando uma nova forma de embaçamento entre as fronteiras etárias e geracionais.

outros marcadores sociais da diferença, que são de várias ordens: étnico-raciais, de gênero, de acesso ou não ao mundo do consumo (para o qual todos são interpelados, indistintamente), educacionais; aquela que decorre da segregação espacial e social na cidade, pois muitos vivem em condições precárias de habitação, de serviços e de equipamentos urbanos, nas franjas da metrópole, e são discriminados, por exemplo, pelo seu endereço quando pleiteiam um emprego; o grau de exposição à violência tanto física quanto simbólica; os efeitos subjetivos de todas as formas de discriminação sofridas. É por isso que, nas pesquisas tanto sociológicas quanto antropológicas, se costuma pluralizar o termo juventude, para assinalar que não existe uma, mas várias juventudes em um mesmo espaço urbano.

“A família é a referência, a âncora, a razão de ser de seus projetos futuros”

Diferenças sociais São incontáveis as diferenças que separam jovens de distintas camadas sociais, tanto no espaço social e na sua vivência cotidiana concreta quanto na imagem que é projetada em torno deles na sociedade. À desigualdade econômica, flagrante e cruel, somam-se

Juventude e família São inúmeros os fatores que contribuíram para disseminar a ideia de que a família está em crise. Essa percepção do senso comum, no entanto, não se sustenta quando você tem a possibilidade de olhar a questão mais de perto, por meio da pesquisa social. Neste particular, a pesquisa que fiz com jovens de Belém permitiu-me chegar a uma constatação importante: contrariando a ideia de instituição em crise, a família é um valor central na vida deles, é a sua referência e a sua âncora, também a razão de ser, muitas vezes, de alguns de seus projetos para o futuro. Por exemplo: jovens de baixa renda sonham em poder

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proporcionar um futuro de menos privação de ordem material para os pais, por isso, correm atrás de sua própria ascensão social por meio da educação formal. Isso não quer dizer, porém, ausência de tensão, de conflito e padecimento no interior do grupo familiar. Ao contrário, como todos os agrupamentos humanos, a família é marcada por múltiplas tensões e ambivalências. Ao mesmo tempo que acolhe, também é fonte de sofrimento psíquico para o indivíduo. A dissolução do vínculo conjugal dos pais, por exemplo, muitas vezes, causa sofrimento quando os novos arranjos que surgem não são capazes de incluí-los satisfatoriamente. A violência doméstica também é outro fator crucial de sofrimento, tanto em sua face física quanto simbólica. Não dá para idealizar a família e pensá-la como lugar somente de afetos, harmonia e acolhimento, como preconiza o modelo judaicocristão, fortemente enraizado no imaginário social.

Educação e futuro Independentemente de sua origem social, todos os jovens que participaram da pesquisa reconhecem na educação formal, sobretudo de nível superior, o único caminho possível para livrá-los de uma exclusão ainda maior do que a que já sofrem, no caso dos que pertencem às camadas populares. Para os demais, também é indiscutível que a educação de nível superior é condição sine qua non para enfrentar o mercado de trabalho com um mínimo de chance. Portanto, avançar na educação é projeto de vida de todos.

Geração digital Creio que não há dúvida, culturalmente falando, de que a presença tecnológica ou as interações mediadas pelas tecnologias sejam uma marca


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Entrevista da época contemporânea, que afeta a sociedade como um todo e especialmente os mais jovens, aos quais se atribuiu o rótulo de “geração digital”, “tecnológica” ou dos “nativos digitais”, ou seja, aqueles que já nasceram sob a égide da chamada revolução digital. Os jovens são pensados e representados hoje por essa ideia da conexão e de pessoas que vivem com o pé mais na realidade virtual do que na presencial. Mas é claro que essa é mais uma questão, entre tantas outras, que precisa ser relativizada e vista em seus matizes. Nenhum dos jovens participantes da pesquisa nega que o mundo digital constitua uma parte importante de suas interações, mas, evidentemente, ela não é exclusiva nem substitui as outras formas de vínculo e de interações. Entre eles, há aqueles que têm total preferência pelos contatos presenciais, como também, em sua maioria, os que interagem cumulativamente nesses níveis de “realidade”. Não existem fronteiras claras entre a vida on-line e a off-line para a maioria, são dois âmbitos que se

Rosaly de Seixas Brito interpenetram nesta época em que imperam as mídias móveis. Com a proliferação das redes sociais, novas formas de narratividade surgiram, sobretudo biográficas, que implicam certos artifícios e performatividade das imagens de si que são projetadas. Outra coisa importante: diferentemente do que se pode pensar à primeira vista, há um cálculo que permite separar o que pode ser mostrado da vida de cada um e o que não pode, pois há um âmbito da intimidade que permanece indevassável. Também é fato que o acesso à tecnologia é diferenciado entre eles. Sabemos que o advento dos smartphones generalizou mais o acesso, mas cerca de um terço dos jovens que participaram da pesquisa não tinham computador doméstico com acesso à internet. Com uma única exceção, todos mantêm perfis em redes sociais, alguns têm seus próprios blogs.

Representações na mídia Como eu digo na tese, o jovem é um dos outros da mídia e essa relação de al-

teridade foi sempre marcada por assimetrias, representações estereotipadas, que não condizem com os jovens da chamada “vida real”. Tanto reproduzem e amplificam estigmas presentes na vida social como também desautorizam, até certo ponto, a fala dos próprios jovens, negandolhes, portanto, a condição de sujeitos. De modo geral, a mídia reitera a ideia de que os jovens não podem falar por si mesmos. Lembro, por exemplo, uma edição especial da Revista Veja dedicada aos jovens, analisada no meu trabalho. Dos 23 temas relativos ao mundo juvenil tratados na edição, a esmagadora maioria deles era desenvolvida a partir da fala de 35 especialistas de diferentes áreas, e os jovens foram ouvidos muito pouco, o que já é um dado problemático por si só. Já em uma amostra de 408 textos analisados dos dois principais jornais locais, em quase 90% deles, os jovens aparecem como vítimas ou como praticantes de atos violentos, especialmente nas páginas policiais dos jornais.

Os jovens das páginas policiais são pobres, moram nas áreas periféricas da cidade e, quase sempre, são negros. A juventude branca, de classe média ou mesmo das elites, ganha espaços mais valorizados na imprensa local, como os suplementos dominicais, geralmente associada a assuntos fúteis. Se levarmos em conta que a mídia é uma esfera hegemônica, hoje, de construção das representações que circulam na sociedade, evidentemente que é muito grave a reprodução de estigmas em torno da juventude, como os que associam a pobreza à criminalidade, para citar um dos mais evidentes que encontrei na imprensa local. Os dados revelam uma dimensão ética que se perdeu, com consequências muito sérias, nas maneiras de representar diferentes segmentos sociais e diferentes realidades por eles vividas. A maneira como essas imagens impactam a subjetividade das pessoas envolvidas é algo que sequer se pode dimensionar. Leia mais: http://www.jornalbeiradorio.ufpa.br/novo/


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Engenharia de Alimentos

Alunos ganham prêmio internacional Eles criaram biscoito infantil apenas com ingredientes regionais FOTOS ACERvO DO PROJETO

Juliana Theodoro

fessora Luciana Centeno. “Ao valorizar as casas de farinha, muito presente nos municípios do interior do Estado, o nosso objetivo é melhorar o que já temos aqui, gerando emprego e renda para as pessoas da nossa região. Esse é o foco do nosso trabalho, além do nosso produto ser algo nutritivo, claro”, afirma a estudante Lívia Martins. Além do cuidado social e cultural, a escolha da mandioca e de outros elementos da biodiversidade amazônica como matérias-primas deu-se também pela sua presença na vida da população da região. “A Amazônia tem uma biodiversidade rica e com ampla possibilidade de uso em produtos alimentícios. Na verdade, foi até difícil selecionar uma matéria-prima. Na formulação do produto, nós levamos em consideração as frutas que a população consome e com as quais tem mais familiaridade, consideramos o histórico tradicional de uso daquele alimento”, conta a professora Luciana.

A

na Clara vasconcelos, Ed Junior, Lívia Martins e Thaís Andrade, alunos do último semestre do curso de Engenharia de Alimentos do Instituto de Tecnologia (ITEC) da Universidade Federal do Pará, utilizaram matérias-primas amazônicas como base para a criação do Cookitos, biscoito rico em proteína, fibra, com baixo teor de sódio e destinado a complementar a merenda escolar infantil. Sob orientação da professora Luciana Ferreira Centeno, o Projeto Cookitos participou da primeira edição do Prêmio Estudantes da Ciência de Alimentos Combatendo a Fome, do Congresso Internacional de Ciência e Tecnologia de Alimentos, da Union of Food Science and Technology, em Montreal, no Canadá, e foi vencedor. Os estudantes paraenses concorreram com outros oito projetos alimentícios. Entre os participantes, estavam a Universidade de São Paulo (USP) e estudantes

da Austrália, Coreia do Norte, Tailândia e Cingapura. Além do biscoito, o Projeto Cookitos criou uma estrutura de integração com as casas de farinha, comuns no interior do Estado, para a produção do cookie.. “É o que chamamos de solução completamente integrada, porque trabalhamos também a responsabilidade social, a atenção com a cultura local, além de todo o aspecto da viabilidade econômica”, explica a pro-

Experiência envolveu todos os processos de produção Com a formatura prevista para o final deste ano, o Projeto Cookitos serviu como teste para o mercado de trabalho. Com o projeto, os estudantes vivenciaram todos os processos da produção de alimentos, desde a definição do processamento adequado, a segurança alimentar dos produtos finais, os cálculos das proporções adequadas ao teor de nutrientes desejado até a elaboração da embalagem. “Nós desenvolvemos uma identidade visual para a embalagem do produto utilizando elementos que remetem a nossa cultura

e a nossa região. Criamos um personagem para o Cookitos, um indiozinho, para chamar atenção das crianças. O fato de ser colorido representa a fauna e a flora, pois queríamos enfatizar a Amazônia, afinal de contas, estamos em um local privilegiado do País”, comenta Lívia Martins. A professora Luciana Centeno explica que “na área de desenvolvimento de produtos, um projeto como este faz com que o aluno revise toda a sua formação e veja o quanto está preparado para o mercado de trabalho. Assim,

é extremamente enriquecedor para os estudantes que participam e, por isso, nós estimulamos a elaboração desse tipo de projeto. Isso é comum em outros lugares e nós estamos tentando trazer essa cultura para a nossa realidade. Com a premiação, percebemos que o nosso curso não fica atrás do de nenhuma outra instituição”. “O prêmio serve de incentivo para outros alunos, para quem não acreditava no potencial do curso. várias pessoas vieram conversar conosco. Nós tivemos o reconhecimento dos professores e isso foi muito gra-

tificante”, diz a estudante Thaís Andrade. “Foi a primeira edição do prêmio e a UFPA alcançou o primeiro lugar, o que significa que estamos dando o exemplo para outras instituições”, completa a professora. O Projeto Cookitos foi elaborado pela Rede de Pesquisa MANI para o desenvolvimento Científico e Tecnológico da Cadeia Produtiva da Mandioca, que é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos (PPGCTA), coordenado pela professora Alessandra Lopes e financiado pelo CNPq e pela Fafespa.


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Amazônia

Entre banhos, cheiros e atabaques Pesquisa analisa uso medicinal e religioso da biodiversidade Brenda Rachit

“C

hega-te a mim”, “comigo ninguém pode”, “chama freguês”, “ganha aqui, ganha acolá”, “pega não me larga”, “faz querer quem não me quer”. Esses são alguns dos banhos que perfumam o mercado do Ver-o-Peso e atraem turistas e nativos com a promessa de trazer prosperidade, felicidade, saúde, amor e bons fluidos. Esses banhos e ervas também são comumente encontrados em outros mercados e nas feiras de Belém. Embora o paraense disponha da biodiversidade amazônica cotidianamente, as características genéticas e ecológicas dessa diversidade biológica são pesquisadas com mais frequência do que seus aspectos socioculturais, ou seja, a forma como o indivíduo se apropria e utiliza esses recursos.

Para melhor entender essa questão, o professor do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural da UFPA Flávio Bezerra Barros desenvolveu o Projeto “Do Ver-o-Peso aos terreiros de candomblé: um estudo sobre as dimensões sociais da biodiversidade em Belém do Pará”. A proposta da pesquisa surgiu dentro do Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Biodiversidade, Sociedade e Educação na Amazônia (BIOSE). O projeto, sob a coordenação do professor Flávio Barros, dedicou-se a estudar a dimensão da biodiversidade em dois campos de pesquisa: nos mercados e nas feiras e também nos terreiros do candomblé na Região Metropolitana de Belém. A pesquisa é de cunho interdisciplinar, dialogando com a Antropologia, Etnobiologia e Etno-

fotografia, “que corresponde a um registro fotográfico em contexto com o campo teórico, no sentido de dar visibilidade à etnografia escrita, trazendo uma dimensão que aproxima o leitor da narrativa que está impressa ali no texto”, explica o professor. Segundo Flávio Barros, uma das pesquisas do projeto destacou mais de 180 espécies de plantas e animais com finalidades medicinais e mágico-religiosas apenas no Mercado do Guamá. O professor explica que o caráter medicinal desses produtos está ligado tanto ao tratamento físico quanto ao espiritual e tem relação direta com a crença dos consumidores, em sua eficácia. Problemas como desemprego, doenças físicas e da alma são algumas das razões que levam as pessoas a procurar banhos e chás nas feiras e nos mercados. Alexandre Moraes


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Acervo do Pesquisador

Banhos e ervas são utilizados para curar doenças do corpo e da alma.

Chá de tamaquaré deixa o marido “manso” A utilização dessas plantas e animais revela a intimidade entre a população da região e a natureza. Como exemplo, temos o uso do lagarto tamaquaré, em chás ou em pó, que geralmente é procurado por mulheres que desejam “amansar” seus maridos, como brinca Dona Onete na música “Feitiço Caboclo”: “O resultado fica tudo dominado, ele fica abestado, abobalhado, bobão, pateta, patetão, pilotado, só faz o que você quer com o chá do Tamaquaré”. “Isso mostra que as pessoas observam, conhecem essa biodiversidade e querem transferir para o lado humano aquela propriedade que o animal possui. Partindo do

princípio de que o tamaquaré é manso, o companheiro também ficará manso como o lagarto”, explica Flávio Barros. A pesquisa verificou que o universo religioso também está estreitamente ligado ao uso da biodiversidade. Segundo o pesquisador, as pessoas também se utilizam das propriedades naturais de forma mágico-religiosa. “Elas atribuem valores e conceitos que fogem da nossa capacidade de compreensão do que é natureza e do que é cultura”, acrescenta Flávio Barros. Assim, o projeto também é desenvolvido com base em entrevistas e observações empreendidas em terreiros de candomblé. Com a

autorização do sacerdote do terreiro, a equipe faz os registros da pesquisa. O perfil do público analisado é bastante diverso, são mulheres e homens de idades e orientações sexuais diferentes, bem como de padrões econômicos distintos. “Temos feito entrevistas de cunho qualitativo e abertas para dar voz ao interlocutor, para que ele narre a sua história e a sua experiência, para que possamos capturar os elementos que consideramos cruciais no entendimento desse fenômeno”, explica o pesquisador. O projeto também utiliza a observação participante, para que os pesquisadores entrem em contato com a dinâmica dos grupos analisados.

Sacrifício de animais também foi analisado Outra questão observada foi a dos animais sacrificados em rituais de terreiros, pois há uma grande dissensão quanto a isso. Flávio Barros chama atenção para a necessidade de esclarecer os processos sociais envolvidos nessas dinâmicas. Uma das pesquisas revelou, a partir da Etnografia, a beleza e os fundamentos da atividade ritualística envolvendo animais. “Nós não pensamos que,

ao comer peixe e carne de gado, esses processos também implicam sacrifício do animal”, pondera o professor. O projeto está em andamento há dois anos e constitui-se como um projeto “guarda-chuva”, como diz o pesquisador. A partir do projeto principal, outras pesquisas são conduzidas, sendo estruturadas para se desenvolver a longo prazo. Para o professor, os estudos têm

contribuído para melhor compreensão da biodiversidade a partir de um enfoque mais antropológico. “O projeto contribui para entender a biodiversidade a partir da diversidade de apropriações que as pessoas imprimem nessa relação com a natureza”, além do diálogo fomentado pela Universidade com a sociedade. Isso contribui para diminuir os “pré-conceitos” e a intolerância.


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História

Memórias dos Anos de Chumbo Banco de dados revela vivências da Ditadura na UFPA Walter Pinto

A

o completar 50 anos, o Golpe Civil e Militar de 1964, que mergulhou o Brasil numa Ditadura de 21 longos anos, foi tema de uma série de eventos na Universidade Federal do Pará durante todo o ano. Um dos pontos altos da programação foi um seminário realizado em setembro, quando foi disponibilizado, para consulta e pesquisas, um banco digital com depoimentos de professores, alunos e servidores da UFPA que vivenciaram aquele período ditatorial. O banco de dados faz parte do Projeto “Os Anos de Chumbo e a UFPA: memórias, silêncios, traumas e cultura educacional (1964-1985)”,

coordenado pela historiadora Edilza Joana Oliveira Fontes, e está sob responsabilidade da Comissão da Verdade da UFPA. O acervo é composto por relatos de 42 pessoas, gravados em filme pelo Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia, da Assessoria de Educação a Distância da UFPA. A história deste banco de dados começou com uma solicitação da Comissão Nacional da Verdade ao reitor Carlos Edilson de Oliveira Maneschy, de realização de um levantamento e identificação de documentos que tratassem da violação de direitos humanos no âmbito da UFPA. Coube à professora Edilza elaborar um projeto, com apoio financeiro do Gabinete da Reitoria

e da Assessoria de Educação a Distância (AEDI), da UFPA, para efetivar as pesquisas. Os documentos que serviram de base para o início do trabalho foram os da antiga Assessoria de Segurança e Informação, um braço do Serviço Nacional de Informação, implantada na UFPA durante a Ditadura Militar. Além de documentos e imagens, o projeto preocupou-se em ouvir pessoas que, de alguma forma, foram vítimas da repressão. Ainda em execução, a pesquisa formou um acervo que já pode ser considerado como a maior fonte de informações para o estudo da história da Ditadura Militar no Pará, mais especificamente no âmbito da UFPA.

Acervo do Projeto

Repositório deve fomentar pesquisas Como metodologia da história, relatos orais são fontes preciosas para a análise da história do tempo presente. No caso específico dos relatos de professores, estudantes e servidores da UFPA, eles podem ser enquadrados como fontes para a História vista de baixo, a abordagem historiográfica que se preocupa em dar acesso às vozes dos excluídos pelos regimes opressores ou pelas estruturas de dominação das sociedades ao longo do tempo. Assim, ao privilegiar os excluídos, ela permite a realização de um reexame à história das elites. Segundo o historiador inglês Jim Sharpe, “a história de pessoas comuns, mesmo quando estão envolvidos aspectos explicitamente políticos de sua experiência passada, não pode ser disso-

ciada das considerações mais amplas da estrutura social e do poder social”. Conforme Edilza Fontes, além das ações já efetivadas, o acervo de relatos orais disponibilizado no Repositório Digital da UFPA pretende fomentar a elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso de estudantes interessados na análise de temas e períodos abordados pela pesquisa. Outro objetivo do projeto é a formação de um grupo de pesquisa para o estudo da História do Tempo Presente no Pará, pós-1964. Os 42 relatos orais que formam, atualmente, o Banco de dados digital “Os Anos de Chumbo na UFPA” revelam muito sobre os procedimentos da Ditadura Militar no Pará, mas também revelam experiências dos perseguidos

pelo regime, assim como as estratégias de enfrentamento à Ditadura. Um dos últimos relatos gravados para o banco de dados foi o do advogado, jornalista e mestre em Filosofia Flávio Augusto Neves Leão Salles, paraense, 64 anos, atualmente residente no Rio de Janeiro. Filho de um casal de médicos sem participação ativa na vida política à época, Flávio Salles era, em 1967, calouro do curso de Direito da UFPA. Em seu depoimento, ele diz que aquele era um tempo de mudanças políticas, de novas proposições no mundo, uma época de manifestações libertárias. “O tempo era realmente quente. Uma palavra de ordem era suficiente para mobilizar os estudantes”, conta.


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Da manifestação estudantil à guerrilha urbana Flávio Salles, que seria um dos personagens de destaque num ousado assalto à Sorveteria Gelar, em Belém, segundo uma estratégia de levantar fundos para o movimento de resistência, era frequentador da Casa da Juventude, um núcleo da Igreja que congregava os jovens e onde se discutiam também questões políticas. A passagem das manifestações estritamente estudantis para a guerrilha urbana ocorreu após a percepção de que o problema da educação não era o reitor da hora, mas o governo. Flávio entrou para a Aliança Nacional de Libertação, a ALN, uma organização de guerrilha urbana. Logo que conseguiu uma arma, ele saiu do imobilismo ao assaltar, com um grupo de outros militantes, a mais famosa sorveteria de Belém, a Gelar. “O assalto deu errado, porque prenderam um dos participantes. Tive que sair daqui. Não voltei mais”, diz. Com um documento falso, ele pegou a Belém-Brasília e rumou para São Paulo. Carlos Marighella estava articulando a viagem de um grupo de guerrilheiros para treinamento em Cuba. Flávio seria um deles. Mas a morte do líder revolucionário provocou um grande abalo psicológico na ALN. O treinamento foi cancelado. Na ALN, ele comandava um grupo com cerca de 30 pessoas, dividido em dois comandos táticos, e tinha contato com todos os grupos de esquerda do Brasil. “O Rio de Janeiro hospedava a direção nacional de tudo quanto era organização nacional de esquerda. Eu havia criado uma infraestrutura completa de revitalização da ALN. Este, talvez, tenha sido o motivo de eu ser, então, o mais perseguido pela repressão militar”, conta Flávio Leão Salles. Coordenação – Ele desempenhou um amplo papel na organização. Cabia-lhe coordenar a área de socorro médico, ajudar nas questões de documentação, fornecer armas e trabalhar na impressão de panfletos. Isso tudo sem descuidar das ações de apoio em casos de falhas nas ações. Flávio Salles recebia militantes de todas as organizações de esquerda, com exceção ao MR8. quando algum militante caía nas mãos da repressão, todos sabiam que, logo em seguida, haveria sessões de tortura. “O importante era acompanhar o trajeto dessa pessoa pela sala de tortura até chegar à prisão e colher informação sobre qual tinha sido o comportamento do preso, se tinha ou não revelado algo sobre a organização, sobre os militantes”, revela o ex-militante. As informações podiam vir de várias maneiras, enroladas num cigarro, dentro de um palito, numa caixa de fósforos. “Era importantíssimo que nós soubéssemos como essa pessoa tinha se comportado. Ela podia causar sérias complicações para os outros militantes e para a organização. Então, tínhamos que ter as informações corretas para tomar medidas de segurança do grupo”, explica salles. segundo ele, existem duas coisas que marcavam a vida de qualquer pessoa vinculada à uma organização de esquerda nos Anos de Chumbo. A primeira era o medo daquilo que lhe podia acontecer, diante da certeza de que o tratamento, por parte da repressão, seria brutal. A segunda era o receio da sua própria reação, de como iria conviver no seu dia a dia com isso. questionado se, hipoteticamente, pudesse voltar no tempo, faria tudo novamente, Flávio Salles não titubeia: “faria melhor, com certeza”. Leia mais: http://www.jornalbeiradorio.ufpa.br/novo/ Acervo disponivel no link http://www.multimidia.ufpa.br/jspui/ pesquisar “anos de chumbo”

WALTER PINTO


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ResenHa Exposição Bauhaus.foto.filme

F

undada em 1919 por Walter Gropius, na cidade de Weimar, na Alemanha, a Escola Bauhaus, mais conhecida por desenvolver a produção do design e da arquitetura, representou uma revolução na linguagem artística do início do século XX. Inovadora na forma de ensinar, buscou a renovação no processo de concepção do desenho e da arquitetura, adequando-os às novas formas que a produção mecanizada demandava, o que na Alemanha já vinha sendo desenvolvido desde a fundação da Deutscher Werkbund, em 1907. As atividades da escola buscavam integrar variadas linguagens artísticas, como o próprio manifesto de fundação da Bauhaus já anunciara: a grande catedral da arte, onde se fundiriam arte, arquitetura e artesanato, em sua inicial versão expressionista. Esse gesto integrador e experimental logo passa a incluir os meios audiovisuais que na Escola iriam se oficializar em 1929, com o curso de Publicidade do fotógrafo Walter Peterhans, ano em que a fotografia foi introduzida como parte do currículo. No entanto as fotografias e os filmes expostos e apresentados na Mostra Bauhaus.foto.filme, que esteve aberta em setembro, no Museu do Estado do Pará, em Belém, comprovam que esta linguagem já fazia parte dos processos criativos e de comunicação dos alunos e profesores da escola. As cinquenta fotografias expostas fazem parte do Arquivo da Bauhaus em Berlim, que possui mais de 40.000 fotografias, e representam material produzido por alunos e professores da Escola, entre os anos de 1921 e 1932, menos de um ano antes de seu fechamento. As imagens brindam-nos com as multifacetadas atividades que se desenvolviam dentro e fora da Bauhaus. KLAUs sTENZEL/FREE IMAGEs

Apresentaram-se fotografias de professores conhecidos da Bauhaus, como Lazlo Moholy-Nagy, e do fotógrafo Peterhans, além de fotos de outros autores. As primeiras imagens apresentam alunos e professores em atividades nos ateliers e em momentos de lazer em outros espaços abertos. Nessas fotografias, percebe-se o caráter experimental e vanguardista desses registros, em tomadas e enquadramentos incomuns e em montagens criativas que, em muitos casos, antecipariam os artifícios digitais utilizados em edições de fotografias atuais. Na segunda sala, viam-se registros de edifícios pouco conhecidos, como a Escola do Sindicato Geral Alemão, de 1930, de Hannes Meyer; imagens da exposição da Bauhaus de 1926, com o mobiliário tubular de Marcel Breuer, aluno e posterior professor da Bauhaus; a casa experimental Haus am Horn, de 1923; e o interior da sede da Bauhaus em Dessau, de Walter Gropius e Hannes Meyer. Expôs-se também uma foto histórica e rara da construção original do Pavilhão de Barcelona de Mies Van der Rohe,

construído para exposição internacional de 1929 e já demolido. Todas essas obras representando a máxima em que arte, arquitetura e técnica formariam uma unidade. Na terceira sala, a linguagem da forma moderna traduzia-se em experimentos em que técnicas distintas se mesclavam em fotomontagens, e nos meios audivisuais, cuja temática, mais uma vez, continuava sendo a integração da arte às novas mídias, em um momento em que a técnica fotográfica ainda não havia sido assimilada como uma linguagem artística. A exposição finalizava com a mostra de entrevistas com antigos alunos e profesores da escola, filmes experimentais e documentários que apresentavam diferentes registros que giravam em torno de um tema caro à Bauhaus e aos arquitetos alemães desse período: a introdução da habitação moderna na sociedade europeia. Um dos filmes apresenta os emblemáticos CIAMs (Congressos

Internacionais de Arquitetura Moderna), por meio do registro do 4º congresso realizado em uma viagem de navio entre Marselha e Atenas. Um documento de valor inestimável, no qual Le Corbusier aparece, junto com outros arquitetos conhecidos, explorando e admirando a cultura clássica, referência em muitos de seus textos e obras de arquitetura. Uma mostra que não deixa dúvidas do legado dessa escola para a cultura arquitetônica, artística e do design em todo o mundo, em uma época de rápidas transformações da e na cidade moderna, que a Bauhaus soube tão bem traduzir no ambiente ousado e original, incomum até mesmo para os padrões das cidades onde teve suas sedes, Weimar, Dessau e Berlim. Um novo olhar e uma nova prática que, de certa forma, ainda têm sua vigência nos dias atuais. Celma Chaves Pont Vidal – Doutora em Teoria e História da Arquitetura, docente da Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPA.


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A História na Charge

Em Tempo Patente

Fotografia I

Fotografia II

As correspondências endereçadas à Coordenadoria de Propriedade Intelectual - CPINT/ UNIVERsITEC/UFPA devem ser enviadas para o e-mail spi@ufpa.br A Coordenadoria de Propriedade Intelectual atende a comunidade universitária, as instituições e os órgãos públicos interessados em pedidos de depósitos de patentes junto no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual.

A Revista virtual FALAS BREvES, da Faculdade de Letras do Campus Universitário do Marajó/Breves, está promovendo concurso para premiar as melhores imagens da cidade e seu entorno. O concurso é destinado à comunidade estudantil da região, a partir dos 14 anos de idade. Os autores das 15 melhores fotos poderão participar do curso de fotografia ofertado no campus, gratuitamente.

Para participar, você pode submeter imagens inéditas às categorias: cotidiano da cidade, meio ambiente e paisagem. As três melhores fotografias serão premiadas na cerimônia de abertura do II Colóquio de Letras, no dia 4 de fevereiro de 2015. A fotografia deve ser enviada para o e-mail falasbreves@ufpa.br até o dia 30 de dezembro. Mais informações: http://www.falasbreves.ufpa.br/

Abaetetuba

Antropologia I

Antropologia II

O curso de Licenciatura em Física do Campus de Abaetetuba recebeu nota 4, numa escala de 0 a 5, na avaliação feita pelo Ministério da Educação (MEC). Criado em 2012, o curso passou pelo processo de reconhecimento e, este ano, foi avaliado pela primeira vez. Atualmente, o corpo docente é formado por 7 doutores e 2 mestres, os quais atendem aos 101 alunos matriculados.

Foi lançado recentemente, na UFPA, o livro Mobilização Social na Amazônia - A luta por justiça e por educação, que reúne artigos sobre o papel das coletividades e identidades vulnerabilizadas na Amazônia, na construção de processos políticos. A obra foi organizada pela UERJ, com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA e de outras instituições.

O mais inovador da obra é a colaboração de autores quilombolas do Marajó, de agricultores familiares da Transamazônica e de pessoas pertencentes aos povos indígenas Kaingang e Xipaya que estão em formação pela UFPA, alguns experientes e outros estreando, fato que confere créditos importantes à ação de ter a sociedade como referente para o trabalho acadêmico.



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