ISSN 1982-5994
UFPa • aNo XXX • N. 129 • FeVereiro e MarÇo, 2016
Mulheres nas Ciências Exatas: “nós vamos invadir a sua praia”.
Páginas 6 e 7.
Nesta edição • Violência doméstica • transexualidade • Azulejos de Belém
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br direção: Prof. luiz Cezar silva dos santos edição: Rosyane Rodrigues (2.386-dRt/Pe) Reportagem: Alice martins morais, daniel sasaki, Juliana theodoro e maria luisa moraes (Bolsistas), Jéssica souza (1.807-dRt/PA) e Walter Pinto (561-dRt/PA) fotografia: Adolfo lemos e Alexandre moraes fotografia da capa: Adolfo lemos Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: danilo santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: elielson Nuayed e Júlia lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André marca gráfica: Coordenadoria de marketing e Propaganda CmP/Ascom secretaria: silvana Vilhena Impressão: Gráfica UfPA tiragem: mil exemplares
Reitor: Carlos edilson maneschy Vice-Reitor: Horácio schneider Pró-Reitor de Administração: edson ortiz de matos Pró-Reitora de desenvolvimento e Gestão de Pessoal: edilziete eduardo Pinheiro de Aragão Pró-Reitora de ensino de Graduação: maria lúcia Harada Pró-Reitor de extensão: fernando Arthur de freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: emmanuel Zagury tourinho Pró-Reitora de Planejamento: Raquel trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: flávio Augusto sidrim Nassar Prefeito: Alemar dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - AsCom/UfPA Cidade Universitária Prof. José da silveira Netto Rua Augusto Corrêa, n.1 - Prédio da Reitoria - térreo CeP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br
E
sta edição do Beira do Rio está pulando o carnaval e antecipando as comemorações pelo dia Internacional da mulher, festejado em 8 de março. em pauta, estão projetos que mostram um universo feminino múltiplo, com mulheres protagonistas de suas próprias histórias. A reportagem assinada por maria luisa moraes traz detalhes sobre o Projeto “laboratório de engenhocas: estimulando a formação de futuras engenheiras”, que está incentivando meninas do ensino médio a optarem por carreiras na área das Ciências exatas. o que tem em comum o cotidiano de catadoras de mangaba do município de Indiaroba, em sergipe, e as do trevo de Belterra, em santarém? A professora dalva mota, do Núcleo de Ciências Agrárias e desenvolvimento Rural da UfPA, obteve a resposta ao pesquisar a influência do Programa de Aquisição de Alimentos, do governo gederal, na economia local e na vida dessas mulheres. em diferentes contextos, elas ganharam autonomia, poder de decisão e melhoraram a qualidade de vida das suas famílias. Ainda nesta edição: Pará e maranhão lideram os índices de casamentos na infância; Gepem promove debate e coloca a transexualidade em pauta; Pesquisas indicam que a violência de gênero persiste mesmo com a lei maria da Penha; Professora Violeta loureiro é a primeira Professora emérita da UfPA. Rosyane Rodrigues editora
ÍNDICE Uma bela obra em matemática e engenharia ........................4 Casamento na infância tem alto índice no Pará ....................5 superando velhos preconceitos ........................................6 Corpos, gêneros e identidades .........................................8 Violência de gênero ainda persiste ....................................9 Violeta loureiro, Professora emérita ................................ 10 muitas maneiras de falar a mesma língua ......................... 12 As mulheres que colhem o fruto ..................................... 14 Um passeio pelos azulejos de Belém ................................ 16 múltiplas dimensões de Belém ao longo dos séculos .............. 18
sobre o muro da escola de Aplicação da UfPA surge um novo olhar ou seria outra perspectiva para a mesma cidade? Alexandre moraes fotógrafo
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oPiniÃo
AlexANdRe moRAes
Uma bela obra em Matemática e Engenharia
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design é esplêndido. ele poderia ser confeccionado em cerâmica, plástico, vidro, porcelana e similares. Por outro lado, confeccioná-lo em fibra natural exige habilidade apurada e técnica de alto nível. estamos falando do Pairé-Cametaense, artefato raro de encontrar por não satisfazer aos critérios utilitaristas daqueles que só veem o viés econômico e desprezam a beleza estética e a identidade cultural. foi em Cametá, no início dos anos de 1990, que cheguei de barco e, de relance, tive a atenção voltada para um ribeirinho que retirava, da canoa, cestas de fibras naturais no formato toroidal, cheias de camarão, e assentava-as no degrau do trapiche. A estabilidade de sustentação das cestas, primor em termos básicos de engenharia, acrescido do design refinado foram marcantes. A cidade de Cametá (PA) tem uma particularidade, de acordo com a Wikipedia (2014): ¨situa-se à margem esquerda do Rio Tocantins, num território habitado antigamente pelos índios caamutás e outras tribos tupinambás. A denominação “Cametá”, de origem tupi, relaciona-se ao fato de os índios camutás construírem, nos troncos das árvores, casas para esperar caças conhecidas como ka’amytá, que, em língua tupi, significa “armação elevada em copa de árvore” (através da junção de ka’a, mata e mytá, plataforma)¨. Com ancestrais exímios na arte de armações em fibras naturais, é possível dizer que o Pairé compõe uma herança cultural. o indígena, ao se deslocar, por questão de sobrevivência, precisa andar com mãos ocupadas apenas por instrumentos de defesa e ataque. dessa maneira, os seus utensílios em cestaria privilegiam alças, que podem ser usadas no ombro ou presas na testa. Como o peso é apoiado nas costas, é necessário que haja simetria na distribuição de conteúdo. do ponto de vista puramente matemático, o cilindro male-
ável, com alça ligando suas bocas, com aparência topologicamente toroidal, ou de ¨rosquinha¨, satisfaz a tais requisitos. e as notícias que disponho do Pairé-Cametaense como utensílio é que ele pode ser encontrado, raramente, em comunidades mais isoladas, portanto, trata-se de herança cultural já esquecida na parte urbana. Algumas versões são encontradas para venda na internet, mas sem alça e com bico no fundo, logo, não servem como utensílios domésticos, servem de adorno que se prega em parede para colocar flores e outros objetos. Podemos apontar como fatores desse processo de extinção do Pairé-Cametaense: as facilidades dos meios de transportes; sua menor capacidade de conteúdo ante outros artefatos das mesmas dimensões e de formatos diferentes; as necessidades técnicas para a sua confecção, tanto em matéria-prima como em habilidades manuais. o Pairé-Cametaense impõe pesquisas na recuperação de princípios e técnicas da sua estrutura original, em relação à engenharia e à arquitetura. os fatores enumerados no parágrafo anterior justificam ações em torno do Pairé-Cametaense, num viés que promova a educação de qualidade como vetor de inserção social e (re)construção de bens culturais. também chamo atenção para uma visão cosmológica desse pairé: correlações de saberes com elementos cósmicos são interessantes por abrirem possibilidade de harmonização entre ação humana e parte do Cosmo. A terra girando em torno do sol, projetada num plano, forma um toro elíptico, no qual fica contido esse Pairé. em termos da teoria de Conjunto e topologia, o Pairé serve para que a escola discuta Cosmologia e realize pesquisas sobre os povos indígenas. Concluindo, não somente para Cametá (PA), esse Pairé-Cametaense potencializa uma inserção valiosa da cultura indígena amazônida, em relação à tecnológia e a outras concepções. falta apenas buscarmos métodos e parâmetros para trazê-lo para salas de aulas. João Batista do Nascimento – Professor de matemática no Instituto de Ciência exatas e Naturais da UfPA. jbn@ufpa.br
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Pesquisa
Casamento na infância tem alto índice no Pará Meninas fogem da escola e do controle dos pais
Adolfo Lemos
Alice Martins Morais
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Brasil é o país que ocupa o 4º lugar no número absoluto de mulheres casadas até 15 anos de idade, totalizando 877 mil nessa condição. Foi por causa desse destaque mundial que o Instituto Promundo juntou forças com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Plan Internacional (Maranhão) para verificar a situação dessas adolescentes. Assim nasceu a pesquisa Ela vai no meu barco: casamento na infância e adolescência no Brasil. O estudo sobre gênero e sexualidade foi lançado em
setembro passado. Os dados referentes ao Estado foram coletados em Belém e indicam que, mesmo na capital, metrópole urbana, ainda há muitos casos do tipo. O estudo trabalha não apenas com casamento formal mas também com o casamento informal, ou seja, pessoas que moram juntas, com um estilo de vida de casamento. O Promundo é uma Organização Não Governamental que atua em diversos países, buscando promover a igualdade de gênero e a prevenção da violência. Para realizar a pesquisa, buscou colaboradores
nos dois Estados com maiores índices de casamento na infância, de acordo com o Censo de 2010: o Maranhão (1º lugar) e o Pará (2º lugar). Para levantar os dados no Pará, a UFPA foi escolhida não somente por seu destaque na inserção da discussão de gênero e sexualidade mas também por já ter trabalhado com outros institutos que atuam na causa, como o Instituto Papai. A pesquisa teve financiamento da Fundação Ford, que é destinada a colaborar com programas de promoção da democracia e redução da pobreza.
O grupo de pesquisadores da UFPA entrevistou meninas de até 18 anos que se declaram casadas, homens maiores de 24 anos que são casados com meninas menores de 18 anos e, ainda, os familiares das meninas, para saber como foi o casamento. Foram três meses de pesquisa durante o primeiro semestre de 2014, na região metropolitana de Belém. A coordenadora da equipe local, Maria Lúcia Chaves Lima, é professora do Instituto de Ciências da Educação. O grupo contou com mais cinco mestres e mestrandos em Psicologia Social, da Universidade.
Maridos são, em média, nove anos mais velhos Um dos dados que mais chamaram atenção foi que a idade média dos casamentos das meninas desses Estados é de 15 anos, e os homens são, em média, nove anos mais velhos que elas. Outro dado importante é que as meninas são casadas com homens igualmente pobres, o que exclui a ideia de que se casam por dinheiro. O que as levam a se casarem é, muitas vezes, a gravidez. Mas também há um anseio da família de controlar a sexualidade da menina. Em diversos casos, os pais consideram preferível que a filha se case e tenha um parceiro sexual único a ter vários. Além desses fatores, constatou-se que as próprias adolescentes têm um desejo forte de se casar.
E que meninas são essas? Em Belém, a equipe conversou com garotas da periferia. Elas se casam com a expectativa de que serão mais independentes, mas isso, normalmente, não ocorre. São meninas pobres, adolescentes, com pouquíssima instrução - a grande maioria abandonou a escola - e, depois de casadas, continuam vivendo basicamente nas mesmas condições que tinham na casa dos pais, mas não se sentem mais fazendo as obrigações na casa dos outros, mas sim na sua própria casa. Essa é a maior diferença. Exceção – Mas existem exceções, como em um caso em que o marido faz Engenharia na UFPA e disse que o seu foco, agora, é que a esposa, de 17
anos, também faça faculdade. Ele sabe que, se os dois tiverem ensino superior, terão mais chance de melhorar a qualidade de vida da família. As meninas (e suas famílias), geralmente, têm apenas o ensino fundamental incompleto, e a educação é fator essencial para esse cenário, pois influencia muitas decisões, inclusive, as que dizem respeito aos direitos sexuais e reprodutivos – quanto mais informação, mais as meninas sabem como evitar a gravidez não planejada. Por isso a pesquisa propõe o debate de gênero e sexualidade nas escolas, pois, sem refletir sobre os papéis do homem e da mulher na sociedade, as adolescentes acabam reproduzindo o papel
estipulado patriarcalmente. O desinteresse pela escola é um agravante. Uma das entrevistadas disse que era mais interessante dedicar-se às tarefas domésticas e aos cuidados com o filho a ir à escola. “E isso nos faz perguntar: que escola é essa? Você vê que a escola não está oferecendo opções de lazer, de diversão, cultura, educação em saúde...,” avalia Maria Lúcia Lima. “As meninas não fogem apenas da família, elas acabam fugindo da própria escola”, complementa. Com base nos resultados, é necessário discutir quais caminhos podem ser tomados para mudar essa realidade. É preciso colocar o tema em voga e discutir tanto as causas quanto as consequências.
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Extensão
Superando velhos preconceitos Projeto incentiva meninas a seguirem carreira nas engenharias Maria Luisa Moraes
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Abaixo, alunas da UFPA que receberam orientação do Projeto Laboratório de Engenhocas.
s mulheres sofreram muitas privações ao longo da história. O tempo passou, o movimento feminista se fortaleceu, porém, ainda hoje, é possível notar que, em alguns setores, a presença feminina ainda é tímida. Uma dessas áreas é o campo das Ciências Exatas, no qual o número de mulheres é bastante reduzido. Pensando nisso, o professor Wellington Fonseca desenvolveu o Projeto “Laboratório de Engenhocas: estimulando a formação de futuras Engenheiras”, vinculado ao Laboratório de Engenhocas, coordenado pelo professor desde 2011, com início no Campus de Tucuruí. Hoje, o projeto funciona em Ananindeua e conta com o pro-
fessor Vicente Ferrer e a pedagoga Janise Viana. A abertura do Campus de Ananindeua, em 2014, coincidiu com a chamada pública da Petrobras “Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação”, cujo objetivo era atrair o público feminino para os cursos na área de Exatas e Tecnologia. “Queríamos dar início a este projeto em Ananindeua, junto com a abertura do campus. Então fizemos algumas adaptações e iniciamos o projeto, agora, voltado para atender ao público feminino”, explica Wellington Fonseca. A maioria das pessoas costuma enfrentar certa dificuldade com as matérias de Exatas e isso acaba afugentando o interesse pelos cursos de Engenharia e Tecnologia. Por isso as atividades desenvolvidas pelo
projeto têm a intenção de mostrar um outro lado. Esse trabalho é feito por meio de palestras, treinamentos e atividades, como explica a bolsista Rebeca Lima. “Nós fazemos palestras falando sobre os cursos, realizamos treinamentos, experimentos de Física, Química e Matemática. São experimentos lúdicos e interativos, nos quais buscamos aliar teoria e prática”. Há, também, feiras de ciências, que estimulam a participação das próprias alunas no desenvolvimento de projetos científicos. “É dessa forma que elas descobrem e melhoram as habilidades que a Engenharia pede”, avalia Rebeca Lima. Com esses eventos, as meninas vão começando a conhecer a realidade dos cursos e a considerar a ideia de seguir uma carreira nessa área. Fotos Adolfo Lemos
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Ciências Exatas oferecem os melhores salários Um dos pontos destacados pelo professor Wellington Fonseca é o crescimento da Engenharia de uma maneira geral. “Hoje, a área de Ciências Exatas é a que tem os melhores salários”, afirma. O professor acredita que essa informação é importante para incentivar as meninas a seguirem profissões nesse campo. O projeto tem como públicoalvo as estudantes do ensino médio, momento mais próximo do vestibular e quando as disciplinas Física e Química são vistas de maneira mais aprofundadas. No entanto, alerta o professor, é preciso ter em mente que o que se aprende na escola é apenas uma parte do que é necessário na faculdade. As bolsistas do projeto, que chegaram à UFPA em 2014, concordam. “O maior obstáculo para o ingresso tanto de mulheres quanto de homens é a dificuldade nas matérias de Exatas no ensino médio”, relata Rebeca Lima. A bolsista lembra, ainda, que essa dificuldade é maior entre os alunos de escolas públicas. “Há uma dificuldade de adaptação no início do curso. No ensino médio, somos menos cobrados e,
Público-alvo são alunas do ensino médio, quando os conteúdos de Matemática, Física e Química são aprofundados.
quando chegamos ao ensino superior, sentimos muito a diferença”, explica Ana Reis, também bolsista do projeto. Os resultados do “Laboratório de Engenhocas: estimulando a formação de futuras Engenheiras” já são perceptíveis. As bolsistas afirmam que houve melhora no desempenho das meninas atendidas pelo projeto nas disciplinas Matemática, Física e Química. Para receber esse atendimento, são selecionadas aquelas que já têm facilidade com a área de Exatas, pois são as que têm melhores
chances de ingressar na área de Engenharia. Na área de Exatas, dependendo do curso, o percentual de mulheres pode ser ainda menor. Cursos mais clássicos, como Engenharia Civil e Engenharia Mecânica, costumam ter mais mulheres, porém graduações como Física e Engenharia Elétrica chegam a ter turmas sem nenhuma mulher, o que desestimula as meninas mais ainda. “Às vezes, quem está no ensino médio pode olhar e pensar ‘não vou fazer, não tem nenhuma mulher’”, diz Rebeca Lima.
Disciplinas não são tão difíceis quanto parecem O machismo, dentro e fora da Universidade, é um fator-chave para a resistência de meninas em escolherem uma carreira nessa área. Ana Reis conta que as piadas são comuns. “Os homens acham que a área de Exatas é formação somente para o homem, como se a mulher tivesse mais dificuldade em aprender Matemática, Física e Química”, afirma. No princípio, Ana Reis e Rebeca Lima pensavam em seguir carreira na área da Saúde, que é frequentemente mais associada às mulheres. No entanto ambas mudaram de ideia com a participação no projeto. “Esse é o a diferencial do trabalho. Elas participam do projeto, veem como esse campo é importante, conhecem a vida desse tipo de profissional e começam a vivenciar e a estudar sobre isso”, explica o professor Wellington Fonseca.
Uma das principais satisfações para as participantes do projeto é a inspiração que elas podem ser para outros alunos, até mesmo os meninos. “O nosso projeto é um conjunto. Nós, alunos de graduação da UFPA, trabalhamos na escola envolvendo as duas partes, porque eu também aprendo indo às escolas, dando palestras, incentivando e vendo as meninas encararem isso como um objetivo de vida”, afirma orgulhosa Rebeca Lima. Hanna Ferreira, aluna do ensino médio, participante do projeto, também percebe isso. Ela chegou a participar da Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (FEBRACE) e, agora, é conhecida por todos no colégio. “Muitas meninas, ao verem os resultados, também se interessam por essa área ao perceberem que não é tão difícil quanto
parece. As próprias escolas acabam reforçando o preconceito dizendo que os meninos são melhores em Matemática e Cálculo em geral”, avalia. Hanna Ferreira pretende entrar na UFPA, num curso de Exatas. O projeto é recente e, por enquanto, atua apenas em uma escola pública, em Ananindeua, mas há a intenção de expandi-lo. O principal percalço encontrado é a falta de investimento. “O projeto cresceu, mas, no início, foram muitas barreiras. Na falta de equipamento, trabalhávamos com garrafa PET, papel, cola e tínhamos que fazer ciência apenas com isso, mas, hoje, já conseguimos apoio da Proex/UFPA e do CNPq e, assim, conseguimos adquirir alguns equipamentos para o projeto”, comemora o professor Wellington Fonseca.
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Sociedade Juliana Theodoro
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s mulheres transexuais são aquelas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído por nascimento, ou seja, nasceram com o aparato biológico masculino e foram, portanto, identificadas como homens, mas, no decorrer de suas vidas, transitaram para o gênero feminino, ao qual se sentem verdadeiramente pertencer. O nome transexual vem da ideia de mudar de uma condição para outra, de transitar. O ato de atribuir a uma pessoa a denominação de transexual é complexo e delicado, afirma a professora Telma Amaral, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes (Gepem) e responsável pela linha de pesquisa “Gêneros, Corpos e Sexualidades”. “As tentativas de definir são sempre muito complexas, primeiro, porque a identidade deve ser autoatribuída e não imposta, ademais quando se trabalha com o campo da sexualidade e da transexualidade, em particular, deve-se levar
Corpos, gêneros e identidades Gepem promove debate e coloca transexualidade em pauta Alexandre Moraes
em consideração que as experiências são diferenciadas e definir implica agrupar pessoas que possuem um conjunto de características em comum, o que acaba por homogeneizar um campo marcado pela heterogeneidade de vivências e percepções”, explica a professora. “Podemos dizer, de maneira geral, que a pessoa trans, que envolve tanto mulheres quanto homens, é aquela que
não se sente confortável com o lugar que lhe foi designado ao nascer. Essa identidade é atribuída em função de um marcador muito forte, que é o seu equipamento biológico, o seu corpo. Ao nascermos, somos classificados como homens ou como mulheres e treinados para ocuparmos os lugares compatíveis com essas identidades, desempenhando os papéis que essas condições
nos impõem. As pessoas transexuais, em diferentes fases da vida, sentem que seu corpo não está adequado à maneira como pensam de si mesmas e procuram adaptá-lo à imagem de gênero que têm de si, mudando sua aparência, seja pelo uso de roupas associadas ao sexo oposto ao seu, seja pelos tratamentos hormonais e/ou procedimentos cirúrgicos”, diz a docente.
Brasil lidera a lista de países que mais matam transexuais Por vivermos em um modelo de sociedade heteronormativo, as pessoas que não se adaptam a ele são excluídas. Segundo a professora Telma Amaral, o processo de exclusão abrange a família, a escola, o acesso aos serviços de saúde e a vida social como um todo. Por exemplo, se uma mulher trans chega a um consultório, o médico tem dificuldade em lidar com a situação, pois não foi preparado para esse tipo de atendimento. Muitas vezes, ele sequer conhece o que seja a transexualidade e isso se repete em outros campos. O preconceito também produz a exclusão e, nesse processo, diante da necessidade de sobreviver, a pros-
tituição acaba sendo a única alternativa possível. Por isso a travestilidade e a transexualidade ainda são muito associadas à ideia de prostituição, afirma a professora. A marginalização abre caminho para a violência. O Brasil lidera a lista de países que mais matam transexuais e travestis no mundo. Segundo a Organização Não Governamental “Transgender Europe” (TGEU), foram registradas 604 mortes de janeiro de 2008 a março de 2014. Um projeto de lei que prevê a inclusão na Lei Maria da Penha de transexuais e transgêneros que se considerem mulheres está em tramitação na Comissão dos Direitos Humanos, na Seguridade Social
e Família e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A mulher transexual reivindica o reconhecimento social e legal como mulher e, com base nele, tenta garantir seus direitos. Entre os direitos conquistados, está o nome social: o nome pelo qual a pessoa trans prefere ser chamada e traz sua verdadeira identidade de gênero. “Hoje, as meninas transexuais podem ter uma carteira de identidade chamada de Carteira de Registro Civil, elas tiram na delegacia. Essa foi uma das nossas maiores conquistas. Nós também temos a inclusão do nome social na lista de chamada das escolas da rede pública. Essas são conquistas do movimento”, destaca Bárbara
Pastana, integrante do Grupo Homossexual do Pará (GHP). Segundo Bárbara, a organização social e a militância são importantes para que esses avanços aconteçam, “acho que precisamos reconstruir esse modelo de sociedade que tem certos padrões como corretos, em considerar a diversidade”. Bárbara Pastana foi a primeira mulher trans do Estado do Pará a conseguir o direito de adotar uma criança. O Gepem tem realizado encontros, mesas-redondas e seminários com pesquisadores e integrantes de movimentos sociais, sobre a temática trans, a fim de aproximar a comunidade e a academia, além de dar a visibilidade que o assunto merece.
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Maria da Penha
Violência de gênero ainda persiste Na UFPA, Observatório repercute números de pesquisas nacionais Maria Luisa Moraes
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violência contra a mulher, à primeira vista, pode parecer um tema “batido”. De fato, nos últimos anos, muito tem-se falado no assunto, porém os debates quase nunca se aprofundam. Por esse motivo, o tema da redação do ENEM do ano de 2015 causou surpresa: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Um dos pontos que geraram polêmica foi o uso da palavra “persistência”. Afinal, estamos admitindo que a violência persiste e é um problema de toda a sociedade, ou seja, precisamos nos infor-
mar melhor sobre essa questão. Em 2006, a Lei Maria da Penha entrou em vigor. Com base na lei, cujo nome homenageia Maria da Penha Maia Fernandes, vítima que ficou paraplégica por agressões de seu ex-marido, notou-se a necessidade de um monitoramento para observar os seus efeitos. Esses observatórios estão presentes em todo o Brasil, e a filial Norte encontra-se sediada no Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes (Gepem), integrado ao IFCH/ UFPA. “O Observatório Regional de Monitoramento da Lei Maria da Penha foi uma atividade de pesquisa criada em 2007. O
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Mulher, Gênero e Feminismo (NEIM), da UFBA, propôs um consórcio de estudos sobre o monitoramento. Quer dizer, um ano depois, eles queriam ver como é que estava se estruturando a implantação da lei nas Delegacias da Mulher e na Justiça”, explica a professora Maria Luzia Miranda Álvares, atual coordenadora do Observatório. Além dos observatórios, periodicamente, são realizadas pesquisas sobre a violência de gênero. As mais recentes são a pesquisa do Instituto DataSenado, sobre a Lei Maria da Penha, e o Mapa da Violência de
2015, sobre homicídios contra mulheres. Segundo a professora Maria Luiza Álvares, os dados da pesquisa foram repercutidos no Observatório. Um dado bastante alarmante, fornecido pelo Mapa da Violência, indica que as mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio, tendo esse percentual crescido 19,5% entre 2003 e 2013. Mulheres brancas, em contrapartida, tiveram seus assassinatos reduzidos em 11,9%. “Mulheres negras sofrem dois tipos de preconceito, de gênero e de etnia/raça. Então, esse ponto é fundamental. Há racismo, discriminação e preconceito”, avalia a coordenadora.
Mulheres estão mais atentas para convívio violento Alexandre Moraes
Para a professora Maria Luzia Miranda Álvares, o dados do DataSenado indicam que “a violência permanece a mesma. O nível de denúncia é que aumentou. Hoje, a mulher tem mais informação sobre seus direitos. Desde 2009, inclusive a cultura da violência e a impunidade começaram a chamar atenção”. Nilson Almeida, bolsista do Gepem, alerta: “a agressão era algo que fazia parte da relação, mas hoje é considerada violência e as mulheres estão mais atentas”. Segundo a pesquisa do DataSenado, 73% das vítimas sofrem as agressões de companheiros, ex ou atuais, e essas agressões são causadas, na maioria das vezes, por ciúmes. No geral, as pessoas tendem a ter um sentimento de posse em relação ao outro. Porém, em relação ao dano que isso pode causar, não há comparação, as mulheres são mais prejudicadas. O ciúme pode ser de qualquer coisa ou pessoa. “A desnaturalização desse processo de propriedade é importante para que todos percebam que não são nem têm propriedade
sobre o outro”, explica Maria Luzia Álvares. A violência psicológica também se coloca como raiz do silêncio de tantas mulheres. “Há o medo de perder os filhos, de perder a estabilidade financeira”, esclarece a professora. De acordo com Nilson Almeida, a denúncia é uma ruptura no cotidiano dessas mulheres. As ligações para o 180 (Disque Denúncia) podem ser anônimas. Assim, se a mulher, por algum motivo, não denuncia a agressão, outras pessoas podem fazer. Com o crescimento do número de denúncias, observa-se que a maioria delas é feita em delegacias comuns, pois as mulheres tendem a procurar a delegacia do próprio bairro. O número reduzido de unidades e de profissionais nas Delegacias da Mulher gera algumas críticas, mas, segundo Nilson Almeida, as DEAMs cumprem um papel que as delegacias não conseguem cumprir, pois oferecem um atendimento multidisciplinar, com psicólogas, assistentes sociais, entre outros recursos.
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Entrevista
Violeta Loureiro
Violeta Loureiro, Professora Emérita Uma história de desafios, pioneirismos e amor à Amazônia Adolfo Lemos
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ilha de imigrantes – pai romeno e mãe de origem nordestina – a socióloga Violeta Loureiro aprendeu a amar e a admirar a Amazônia ainda menina, nas asas dos Douglas e dos Catalinas da FAB, em viagens entre Rondônia, sua terra natal, e o Rio de Janeiro, cidade para onde se transferiu, aos dez anos, para dar continuidade aos estudos, pois Rondônia só oferecia o antigo curso primário. Seus pais faziam qualquer sacrifício para que os filhos estudassem, mas não tinham recursos para passagens aéreas. Então, solicitavam vaga nos aviões da FAB e aguardavam o chamado. Entre Rondônia e Rio, o avião fazia escala em Manaus, mas também em qualquer aldeia necessitada, o que podia alongar a viagem de três para oito dias. O que hoje parece aventuresco, foi decisivo para sua formação. Aquelas viagens alargaram seus horizontes, mas também abriram lacunas na compreensão da Amazônia e instigaram-na a tentar compreendê-las, o que fez nos cinquenta anos seguintes, em todas as experiências pelas quais passou, dentro e fora da Universidade. Seu trabalho científico e sua dedicação ao magistério valeram-lhe o reconhecimento da Universidade Federal do Pará, que lhe concedeu o título de Professora Emérita. Nesta entrevista, Violeta Loureiro fala um pouco da sua formação, das suas realizações e do trabalho que continua realizando na Universidade, agora como voluntária.
Vocação: Magistério Cursei o ginasial no Rio de Janeiro, paralelamente ao
curso Normal Rural, hoje extinto, que formava alfabetizadores para atuar, principalmente, no interior. Aos 18 anos, vim morar em Belém. Terminei o curso Clássico, no Paes de Carvalho, e fui aprovada em concurso para professora da rede pública. Trabalhei como alfabetizadora por três anos. Foi a
minha primeira experiência no magistério. Na época, o método Paulo Freire fazia enorme sucesso. Utilizei o método em minhas aulas, com material que pegava na Ação Católica. Embora o método se voltasse à alfabetização de adultos, eu tentava adaptá-lo à das crianças. A escola era pequena,
não tinha merenda, material didático e biblioteca. Aos sábados, ia à Livraria Jinkings e recebia livros infantis doados pelo proprietário, o saudoso Raimundo Jinkings. Eram livros amassados, que não podiam ser vendidos. Com eles, formei uma pequena biblioteca na turma. Apesar da precariedade
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da escola, ali nasceu minha vocação para o magistério.
Pós-Graduação Durante a minha Graduação em Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia, estagiei na Sudam e trabalhei como auxiliar de pesquisa na Cohab. Ao terminar a faculdade, passei num concurso para o Departamento de Estudos Econômicos e Sociais do Basa, responsável por estudos e análises de projetos, então chefiado pelo economista José Marcelino Monteiro, grande estudioso da Amazônia, primeiro coordenador do Naea. Na mesma época, a Comissão Econômica para a América Latina ofereceu um curso de Especialização em Planejamento. Decidi fazê-lo. No começo dos anos 1970, qualquer curso de pós-graduação era raro em Belém. Não havia nenhum mestrado. Ao final do curso, o professor Benedito Nunes abriu inscrições para uma Especialização em Filosofia, que resolvi cursar. Concluída a segunda especialização, fui aprovada em dois concursos: na UFPA, para professor de Economia (atuando sob a competente orientação de Roberto Araújo de Oliveira Santos, professor e juiz do Trabalho); no Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp), para pesquisadora.
Novos concursos Atuei por cinco anos como professora de Economia e, embora eu goste e leia bastante sobre a área, me sentia um peixe fora d’água. Os livros de Economia tratavam de fórmulas e modelos econômicos de modo muito abstrato e eu queria ver pessoas atrás daqueles números e modelos. Foi quando a UFPA abriu concurso para professor de Ciências Sociais. Na época, não se transferia um professor de uma área para outra. Então, fiz
novo concurso e ingressei como auxiliar de ensino. Cinco anos depois, o MEC estabeleceu que a carreira no magistério superior não começava como auxiliar, e sim como assistente, o que me obrigou a fazer novo concurso. Assim, ingressei três vezes na UFPA, todas por concurso. Hoje, até parece engraçado, mas cada e x p e r i ê n ci a dessa foi desgastante e tensa. Quando me aposentei do governo do Estado, em 1997, assumi o regime de dedicação exclusiva na UFPA, até 2013, quando me aposentei. Continuei na Universidade, agora como professora voluntária, atuando em dois programas de pósgraduação – o de Sociologia e Antropologia e o de Direito.
fui diretora geral daquele órgão, conseguimos produzir o primeiro Atlas dos Municípios do Pará, baseado em imagens do Projeto Radam; montamos equipes para cálculos mensais da inflação, de emprego e de desemprego, de custo de vida e até do cálculo anual do PIB do Pará, com a ajuda da Fundação Getúlio Vargas; publicávamos indicadores de saúde, educação e fazíamos inúmeras pesquisas na área social e de recursos naturais. Era um dos órgãos mais produtivos do Estado, foi extinto na gestão do governador Almir Gabriel, quando o Idesp se encontrava em plena atuação. Felizmente, na época da extinção, eu já estava aposentada do Estado; senão, minha desolação e meu sofrimento pela extinção teriam sido ainda maiores.
“O trabalho não terminou. Quero continuar como voluntária”
Pesquisas no Idesp Até meados de 1980, as pesquisas na UFPA eram muito raras. As turmas tinham muitos alunos, principalmente no ciclo básico, de forma que a pesquisa era considerada uma atividade que concorria com a docência e, portanto, era indesejada pelos chefes de departamento e até mesmo pelas instâncias superiores. No Idesp, eu era pesquisadora. As pesquisas tinham cunho muito utilitário: buscavam esclarecer problemas para viabilizar o planejamento do Estado. Mesmo assim, o Idesp foi uma escola de conhecimento da realidade. Aprendi a trabalhar e a produzir indicadores sociais, a conhecer o Aparelho de Estado, seus mecanismos de ação e pressão, a interferência do Legislativo sobre o Executivo e, sobretudo, viajei muito pelo interior da Amazônia. Quando
Pioneirismo na Seduc Durante cinco anos, atuei como diretora geral de Ensino da Seduc e, simultaneamente, fui membro do Conselho Estadual de Educação. Foi uma experiência preciosa: como conselheira, consegui que o Conselho aprovasse a criação da disciplina Estudos Amazônicos, tornada obrigatória nas escolas da rede pública. A disciplina permanece até hoje. Em 1996, após o veto do presidente Fernando Henrique à obrigatoriedade das disciplinas Sociologia e Filosofia no ensino médio, apresentei no Conselho um projeto que as tornou obrigatórias na rede de ensino do Pará, antecipando em 12 anos a lei federal em relação aos outros Estados. A criação do Fundef foi ou-
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tra experiência fantástica! A Constituição de 1988 previa a criação de um fundo, mas cabia aos Estados a iniciativa de criá-lo. Se não o fizesse em 10 anos, a possibilidade deixaria de existir. Na Seduc, criamos uma equipe, fomos ao MEC, ao FNDE, ao Congresso Nacional, pedimos informações aos Tribunais de Contas da União, do Estado, dos Municípios, consultamos a OAB, as associações de municípios, as prefeituras, os diretores de escolas etc. Por fim, montamos um sistema, abrimos contas para todos os municípios do Pará, orientamos prefeitos, secretários municipais de Educação etc. Em 1997, o sistema estava montado e o Fundef criado. Os outros Estados podiam começar a criar os seus fundos de educação, com base na nossa experiência pioneira.
Professora emérita Quando soube que o processo para me conceder o título estava tramitando, fiquei surpresa, mas feliz. Ao longo da vida, a gente trabalha, se dedica, até mesmo se sacrifica, pensando que ninguém observa o trabalho da gente; daí a surpresa quando constatei que não é bem assim. Sei que, dentro da UFPA, há inúmeros professores dedicados, profissionais brilhantes e, portanto, muitos são os que têm méritos para receber a mesma distinção. Alguém me disse, no dia da cerimônia, que o título era o coroamento da carreira. Pode ser, se considerarmos que a carreira, oficialmente, terminou, uma vez que eu estou aposentada, mas o trabalho acadêmico não terminou. Eu continuo na UFPA, na condição de professor voluntário, depois de 50 anos de magistério, já que comecei aos 18, como professora primária. E gostaria de continuar até que a saúde e a razão me permitam e até que meus colegas digam que eu posso ser útil.
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Educação
Muitas maneiras de falar a mesma língua Professora analisa a variação linguística no ensino de Libras Fotos Adolfo Lemos
A autora da pesquisa, Ellen Formigosa, é a primeira docente surda concursada pela UFPA.
Jéssica Souza
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á algum tempo, estudiosos da Língua Portuguesa vêm discutindo e chamando atenção para a importância de levar em consideração as diferenças regionais e também as diferenças entre a norma coloquial e a norma culta do português falado e escrito. Até que ponto existem o certo e o errado na hora de se comunicar ou de se expressar na língua? E na sala de aula, como ensinar a diferença entre língua culta e coloquial, sem que ocorra a negação das raízes culturais ou regionais de quem aprende a articular ideias por meio da fala ou da escrita? Esse quadro pode tornar-se ainda mais complexo quando a língua em questão não é o Português e, mais ainda, quando a forma de comunicação não é a falada nem a escrita. A variação linguística também está presente e ocorre entre usuários da Língua Brasileira de
Sinais, a Libras, empregada pela maioria dos surdos dos centros urbanos brasileiros e reconhecida por lei. A diferença é sua modalidade de articulação, a saber: gesto-visual. No que concerne à Língua de Sinais (LS), o Brasil também tem uma norma culta, ensinada e aprendida como língua padrão nas instituições voltadas à educação em Libras, a qual nem sempre condiz com a forma real de comunicação dos que, de fato, necessitam dela para interagir socialmente. A pesquisa intitulada Estudo de variação linguística de LS no Brasil e o ensino de LIBRAS tem como objetivo, justamente, valorizar a variação, ou seja, as características específicas da LS, de acordo com a realidade sociocultural de cada grupo de surdos que a utiliza. É o que busca mostrar a pesquisadora Ellen Formigosa, a primeira docente surda concursada pela Universidade Federal do Pará (UFPA),
no curso de Letras-LIBRAS, a qual, recentemente, concluiu o mestrado na Universidade Paris 8, na França. Tendo em mente que a Libras é derivada tanto de uma língua de sinais autóctone, natural da região ou do território em que o usuário habita, quanto da língua de sinais francesa – não sendo, portanto, uma simples gestualização da língua portuguesa, e sim uma língua plena – de acordo com a professora, o ensino de LS ainda é muito limitado no Brasil. “Geralmente, o ensino de Libras nas escolas e universidades está associado à língua institucional e à cultura de grandes cidades. Poucos professores utilizam os recursos visuais (gestos, mímica, dramatização) de forma adaptada à realidade e à cultura locais. É imprescindível valorizar a língua local ou as LS das microcomunidades e as LS emergentes, cuja iconicidade revela sua força cultural e identidade”, avalia Ellen.
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Teoria da iconicidade foi a base da pesquisa A Teoria da Iconicidade é a base da pesquisa da docente, por meio da qual, segundo ela, todas as línguas têm a mesma origem. “É esta a base que organiza a estrutura das LS. Há casos em que, do encontro e da interação entre surdos, uma LS local evolui dentro de microcomunidades e essa evolução é dada em função da iconicidade, que vai estruturando ainda mais essa língua emergente”, explica. Assim, consideram-se três tipos de LS no contexto da Libras: a LS regional, a LS emergente e a LS local ou de microcomunidade. A LS regional é a Libras segundo as características específicas que a língua assume em cada região brasileira. A LS emergente é desenvolvida, por exemplo, por uma criança com surdez de nascença, profunda ou severa, de família ouvinte, que não consegue adquirir a língua dos pais e cria seu próprio código gestual, aceito e compartilhado pela família. Já a LS de microcomunidade é quan-
Em sala de aula, professores devem valorizar outras formas de comunicação viso-gestual.
do um pequeno grupo de indivíduos surdos profundos, que vive no interior ou nos vilarejos, no ambiente social, cria sua comunicação gestual e também respeita a base icônica da LS, utilizando o canal viso-gestual. “A maioria dos professores toma a Libras como única forma legítima de comunicação no contexto da surdez e atribui a qualquer outra variante de comunicação visogestual o estigma de inferioridade, fenômeno que temos observado com
as Línguas de Sinais emergentes e das microcomunidades de surdos”, alerta a pesquisadora. “Os surdos dessas microcomunidades não esperam pela educação formal para que possam se comunicar com base na variante mais prestigiada, a língua nacional como língua artificial. Eles criam a sua comunicação natural, viso-gestual, autêntica e original, bem como constroem uma metalinguagem”, complementa.
Ensino formal de Libras exclui formas variantes Como exemplo da variação linguística em LS, a pesquisadora cita a variante do sinal referente a “tomar-banho” em Libras e nas duas Línguas de Sinais: a emergente, utilizada pelos surdos de Soure, na Ilha do Marajó; e a da microcomunidade de Fortalezinha, localizada na região da Ilha de Algodoal: •Na LS nacional, o sinal padrão é o de [chuveiro]. •Na LS emergente, observada no Marajó, onde geralmente se usa a água do poço para tomar banho, os surdos mostram a ilustração [carregar o balde de água do poço e jogá-la sobre o corpo]. •Na LS microcomunitária do vilarejo de Fortalezinha, o locutor surdo incorpora [segurar o nariz, mergulhar e depois jogar água sobre o corpo no igarapé], porque eles não têm banheiro e não usam chuveiro. Tais variantes, muitas vezes, não são consideradas em sala de aula quando se trata do ensino
formal de Libras. Os professores acabam por ensinar a gramática tradicional com base na estrutura do Português, não levando em conta a reflexão didática sobre um ensino de língua natural e viso-gestual. “É dessa forma que a LS nacional acaba sendo difundida de uma maneira que exclui as LS minoritárias do sistema educativo, e o surdo usuário de variações diferentes da considerada padrão, ao ingressar no sistema educativo nacional, termina por adotar a variante padrão, deixando sua LS emergente ou local de lado”, sintetiza Ellen Formigosa. Entrevistados – Para chegar a essa conclusão, a pesquisadora realizou entrevistas com 14 professores surdos oriundos de quase todas as regiões do Brasil. O contato com os entrevistados foi feito por meio de redes sociais (Facebook e WhatsApp) e de correio eletrônico. Além da apresentação pessoal, eles
responderam às questões sobre o ensino de Libras e a Didática, sobre a língua utilizada na classe entre o professor e os alunos surdos, sobre a utilização de Libras e a variação de LS no Brasil. A conclusão da pesquisadora é que os professores se centram apenas na Libras, em detrimento das outras formas de comunicação viso-gestual que o aluno surdo pode trazer para a sala de aula. “É necessário que os professores comecem a tomar consciência da variação das línguas de sinais minoritárias e ter a convicção de que elas não são um entrave para a aprendizagem da LS nacional, ao contrário, elas podem ser o ponto de partida para essa aprendizagem”, diz Ellen. O desafio da docente, daqui para frente, é melhorar a contribuição para a reflexão didática do ensino de Libras com novas abordagens, fortalecendo a identidade e a cultura da LS das microcomunidades e das LS emergentes.
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Agricultura
As mulheres que colhem o fruto Pesquisa revela o cotidiano das catadoras de mangaba Acervo do Pesquisador
A coleta da mangaba é considerada uma atividade feminina. Os homens trabalham com as mães até certa idade.
Daniel Sasaki
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os últimos anos, pesquisas têm indicado que a mulher está cada vez mais ocupando importantes cargos em grandes cidades. Porém, muitas vezes, os estudos sobre o papel da mulher na economia não consideram a mulher camponesa e o que seu trabalho representa para sua região. Em muitos casos, essas mulheres desempenham papéis importantes na economia local, papéis que se refletem no seu núcleo familiar. O projeto de pesquisa coordenado pela professora Dalva Mota, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e docente do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento
Rural (NCADR) da Universidade Federal do Pará, intitulado Influência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para a Persistência das Mulheres Extrativistas e do Extrativismo no Norte e Nordeste do Brasil, objetiva mostrar como a economia local e, principalmente, a vida das mulheres extrativistas e agricultoras do Norte e do Nordeste do Brasil foram influenciadas por políticas públicas no espaço rural. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é considerado uma iniciativa pioneira da ação do Estado para grupos de base familiar que vivem no espaço rural. Instituído pelo Artigo 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003, e regulamentado pelo Decreto nº 4.772, de 2 de julho
de 2003, como uma das ações estruturantes do Programa Fome Zero, do governo federal, o PAA visa garantir o acesso aos alimentos às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e fortalecer a agricultura familiar. De acordo com Dalva Mota, havia a necessidade de se estudar como o PAA é apropriado por mulheres agroextrativistas de mangaba, fruto típico de regiões costeiras. “A ideia desse projeto foi trabalhar com mulheres agroextrativistas do Norte e do Nordeste do Brasil. O objetivo era observar se essa política cumpre o papel dela para incentivar a autonomia e a inserção no mercado, com base nas suas práticas tradicionais”, explica.
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De Indiaroba, em Sergipe, ao Trevo de Belterra O projeto foi iniciado em 2012 e finalizado em 2015. Os locais das pesquisas foram o povoado Pontal, situado no município de Indiaroba, em Sergipe, e o Trevo de Belterra, localizado na Grande Santarém, no Pará. Antes mesmo de iniciar a pesquisa, o grupo responsável pelo projeto já trabalhava com as mulheres catadoras de mangaba em Pontal, há 13 anos. No caso do Trevo Belterra, não havia um conhecimento prévio sobre a comunidade, o que demandou um estudo mais profundo sobre o local, antes de focar a influência do PAA no cotidiano dessas mulheres. As extrativistas de mangaba de Sergipe são mulheres pobres, predominantemente negras, com baixa escolaridade, chefes de família e não possuem a propriedade da terra. Elas se autodesignam e são reconhecidas como catadoras de mangaba. Porém, como a mangaba é um fruto sazonal, elas também praticam outras atividades, como a
coleta de produtos no mangue. “As catadoras sempre dizem que é uma hora na terra; e outra, no mar”, conta a pesquisadora. Em Pontal, são as mulheres que predominam na coleta da mangaba, havendo até discriminação dos homens que também realizam a atividade. Elas aprendem a coletar dentro dos núcleos familiares e, na maioria dos casos, a coleta é realizada entre vizinhas, pois os campos de coleta estão próximos das casas. Os seus filhos homens, até uma certa idade, também trabalham com as mães nos campos de coleta, fazendo com que a atividade seja um processo de socialização. Já as meninas trabalham com as mães até dominarem os saberes tradicionais, tornando a coleta da mangada uma prática passada entre gerações. No Trevo Belterra, em Santarém, mais da metade das mulheres tem idade acima de 42 anos, e cerca de 40% delas têm o ensino funda-
mental incompleto. São produtoras de hortaliças e autodesignam-se agricultoras. Como não havia um conhecimento prévio sobre a comunidade, foi necessário pesquisar e, posteriormente, entender a dinâmica local em relação ao PAA. “Em Santarém, nós entramos em contato com instituições, mas também com as pessoas, para observar o cotidiano do PAA”, explica Dalva Mota. Para a professora, chamou atenção o cuidado que as agroextrativistas têm com as plantas e o conhecimento delas sobre a natureza. Isso ocorreu tanto em Pontal quanto no Trevo Belterra. “Quando falamos de catadores de mangaba, estamos falando de mulheres que não apenas coletam frutos, mas também, tradicionalmente, cuidam das plantas. Alguém que conhece profundamente as plantas e sabe que, na safra seguinte, necessitará de que essa planta esteja produzindo bem”, observa.
Renda e reposicionamento dentro da família A professora Dalva Mota explica que os estudos em relação ao PAA, nessas duas localidades, foram estruturados em diferentes frentes. A pesquisa buscou entender como o programa funciona nas localidades; as consequências do programa nos núcleos familiares dessas mulheres e na sua própria autonomia e como o PAA afetou as dinâmicas da economia local. Em relação às mudanças dentro da família, a pesquisadora afirma que houve um reposiciona-
mento das mulheres nos seus grupos familiares. Ao organizar o trabalho e a negociação com o PAA e trazer mais recursos para dentro de suas casas, elas ganharam maior autonomia, que não se restringiu apenas ao âmbito econômico. “Houve uma mudança na autonomia da mulher dentro da casa, onde elas ganharam mais poder para lidar com as decisões tomadas dentro da família”, avalia. Também houve uma melhora na qualidade de vida dessas famílias,
pois, com a renda e/ou cultivo obtidos graças ao programa, as catadoras puderam dispor dos mais diversos produtos. “É muito comum ouvi-las dizer que, finalmente, os seus filhos podem dormir em um colchão, ou que, finalmente, podem adquirir uma diversidade de alimentos, como frango, frutas e verduras. Houve uma mudança na qualidade de vida da família, em relação ao cotidiano da casa. As condições da residência, como a infraestrutura, também mudaram”, revela a professora.
“Só é catadora quem sabe cuidar das plantas” Em Pontal, o PAA funcionou de 2007 a 2011 e foi encerrado em decorrência de problemas burocráticos. O PAA beneficiava cerca de 50 extrativistas. Atualmente, a prática da extração de mangaba está sob ameaça na localidade, principalmente, em razão da expansão do turismo, do cultivo de camarão e dos monocultivos na área. Para manter a
atividade, as catadoras estão na luta pela implantação de uma Reserva Extrativista (RESEX) para garantir os campos de coleta. O PAA em Belterra teve o seu início em 2009 e continua, até hoje, beneficiando 22 mulheres. Porém, apesar da manutenção do programa, o grupo de mulheres sofre com atrasos nos pagamentos, dificuldade
de transporte dos produtos e falta de informações em relação ao PAA. “Nosso compromisso é trabalhar e contribuir com a melhoria da qualidade de vida desse grupo. A identidade de catadora está conformada pela capacidade de ela se relacionar com os recursos. Por isso elas dizem que só é catadora quem sabe cuidar das plantas”, conclui.
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Um passeio pelos azulejos de Belém Projeto cria aplicativo com narrativa multimídia de prédios históricos fotos ACeRVo do PRoJeto
O prédio que hoje abriga o Instituto Histórico e Geográfico do Pará está entre as obras mapeadas pelo aplicativo.
Maria Luisa Moraes
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elém é uma das capitais mais antigas do Brasil e está comemorando 400 anos. Nesse clima de comemorações, o projeto intitulado “Patrimônio Azulejar em Belém/PA: Narrativa multimídia em realidade aumentada por dispositivos móveis”, do laboratório de Visualização de Informação (labVis), da Pós-Graduação em Ciência da Computação/ICeN da UfPA, busca ajudar a população a conhecer melhor o patrimônio de azulejos da cidade. o projeto, criado e coordenado pelo professor Bianchi serique meiguins, com financiamento do Programa “Rumos”, do Itaú Cultural, consiste num aplicativo chamado “Azulejar”, que mostra locais onde os azulejos podem ser encontrados
totalmente ou parcialmente conservados, como casas antigas e prédios históricos. em 2012, foram roubados e depredados azulejos do Casarão Vitor maria e silva, localizado na Praça Coaracy Nunes, ou como é mais conhecida, ferro de engomar. o fato, amplamente divulgado, inclusive nacionalmente, comoveu o professor. No mesmo período, havia, na Universidade, um projeto que disponibilizaria conteúdos sobre a arquitetura de Antônio landi em Belém. o projeto foi descontinuado, mas Bianchi meiguins entusiasmouse com a ideia, contudo, buscou uma abordagem diferente. descendente de portugueses e bastante interessado em casarões e monumentos antigos, o professor resolveu focar nos azulejos. “eu pensei: o que podemos deixar de
presente para Belém nos 400 anos? Vamos contar um pouco da história portuguesa utilizando os azulejos”, explica. dessa forma, junto com a professora mariana Batista sampaio, arquiteta do fórum landi, o projeto começou a ser desenvolvido. Apesar de já existirem projetos relacionados à preservação da arquitetura de Belém, o professor Bianchi meiguins resolveu apostar nos azulejos, um tema menos comum. “lugares como prédios e igrejas são difundidos tanto entre os moradores quanto entre os turistas. A difusão da história por meio dos azulejos pode dar uma nova perspectiva sobre lugares já conhecidos, levando em consideração a origem, o estilo e a própria história desses objetos”, argumenta Nikolas santiago Carneiro, bolsista e participante do projeto.
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Fotos e informações sobre os locais A ideia de elaborar um aplicativo veio da própria área na qual Bianchi Serique Meiguins atua. “Sou pesquisador da área de realidade virtual e aumentada já há alguns anos, e percebo que muita gente usa os aplicativos, mas de forma limitada. Precisava reunir algumas funcionalidades que, juntas, podem ser aplicadas a vários contextos”, explica. O aplicativo reúne, além de fotos dos locais, informações na forma de textos. Contudo outros tipos de mídias são possíveis, tais como vídeos, áudios e objetos virtuais 2D e 3D. Esses textos foram pesquisados e elaborados pela professora Mariana Batista Sampaio. As fotos foram feitas pela própria equipe do projeto, buscando mostrar os azulejos em detalhes,
tanto nas fachadas como nos interiores. O Projeto Azulejar já está disponível na versão Beta, apenas para smartfones com o sistema Android e pode ser encontrado no Google Play. No entanto o professor informa que o Laboratório de Visualização de Informação já está trabalhando na versão para o sistema operacional iOS. A prioridade, no momento, é melhorar a versão que já está no ar. “Precisamos acrescentar mais conteúdo, disponibilizar mais fotos”, afirma Bianchi Meiguins. Os pesquisadores querem criar maneiras de atualizar o conteúdo de forma simplificada, dispondo do apoio de profissionais que trabalham especificamente nessa área. Para isso, o professor
tem planos de buscar o apoio de outras entidades, como o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN). “O IPHAN é um dos grandes interessados em preservar o patrimônio histórico. Seria muito bom se eles adotassem o projeto, se apropriando do software e fazendo uso do aplicativo. Eles poderiam contar conosco para fazer o treinamento”, diz o professor. Além do IPHAN, o professor Bianchi pretende fazer parcerias com outros professores de cursos voltados à preservação e à divulgação do patrimônio histórico e da cidade de Belém. Mesmo com a greve ocorrida ano passado, a equipe resolveu finalizar o aplicativo com o conteúdo disponível e procurar novos parceiros depois.
Programa já tem 20 obras disponíveis O funcionamento do aplicativo é simples: o usuário digita o nome de um local da cidade onde esteja ou queira visitar e o aplicativo mostra as opções de azulejos presentes naquele local. A partir daí, é montado um minicircuito com o aplicativo informando exatamente onde estão as obras de interesse mais próximas. O Azulejar utiliza os mapas do Google Maps já com os locais de interesse marcados para facilitar a busca pelo usuário, além, é claro, das fotos e dos textos com informações e curiosidades sobre o azulejo. Ele conta, também, com um navegador de realidade aumentada, ou 2D, e leitor de QR Codes. Atualmente, no acervo do aplicativo, estão disponíveis 20 obras, escolhidas pela relevância histórica e cultural, as quais também se encontram
em uma lista, caso o usuário prefira navegar desse modo, em vez de usar o mapa. A elaboração do Azulejar não foi fácil como parece. Houve uma preocupação com a apresentação do conteúdo. As informações disponíveis precisavam agradar a quem quisesse apenas saber as informações básicas e também a quem quisesse de conhecer a história das obras mais profundamente. “Não bastava somente mostrar a foto de um azulejo ou um lugar. A apresentação dos textos não podia ser uma leitura monótona. Trabalhar com uma variedade de informações em uma variedade de visões disponibilizadas para o usuário foi o aspecto mais complexo da aplicação”, avalia Nikolas Carneiro. O trabalho ainda não acabou e o próximo passo é a
implantação da interação por voz, para que seja possível operar o aplicativo com mais praticidade. Nikolas Carneiro informa que esse recurso já se encontra em estágio avançado. “Recriar modelos 3D de alguns prédios que já não existem mais e permitir outras formas de interação também está nos planos para continuidade do projeto”, adianta Nikolas. Com o aplicativo no ar, a população belenense tem uma nova ferramenta para conhecer e entender a história da cidade. De acordo com Nikolas Carneiro, “os usuários do aplicativo serão convidados a olhar a cidade sob um novo ângulo, ver que um azulejo tem a história de sua cidade gravada nele e preservar a própria história através da preservação desses azulejos”.
De cima para baixo, azulejos da Casa Aché, da Fábrica Guaraná Soberano, da La Pizzeria N'Amazônia, do Casarão Tomazia Perdigão.
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Resenha Múltiplas dimensões de Belém ao longo dos séculos Walter Pinto
Reprodução
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elém do Pará: história, cultura e cidade – Para além dos 400 anos, livro publicado pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, na semana em que Belém completou 400 anos, impõe-se como importante ferramenta para uso em sala de aula. “Os onze artigos que o compõem oferecem múltiplas dimensões da cidade ao longo das décadas, trazendo à cena os seus moradores, as mazelas, os sentimentos, o olhar estrangeiro, as cores da cidade pintada pelos pincéis de grandes artistas, as sociabilidades estabelecidas e as transformações ocorridas no espaço urbano”, como observa Nelson de Souza Júnior, diretor do IFCH, na apresentação da obra. O artigo que abre o livro, assinado por Aldrin Figueiredo, analisa o diálogo entre arte e história nas diferentes percepções de pintores, brasileiros e estrangeiros, sobre o ambiente de Belém. À vontade entre telas e artistas, Aldrin conduz o leitor por uma interessante exposição temática, baseada em “A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará”, (1908), de Theodoro Braga, tela considerada o batismo visual de Belém, até “O interior da catedral de Belém” (1969), de Leônidas Monte, fazendo um percurso por onde brilham artistas como Wambach, Norfini, Gariasso, entre outros, todos revelando aspectos peculiares da cidade, em diferentes épocas. Ana Léa Matos revela ao leitor um pouco da multifacetada carreira de José Sidrim, jovem cearense de 19 anos, que aportou em Belém, em 1900. Logo contratado por Antonio Lemos como desenhista na Seção de Obras da Intendência, ele associou seu nome à modernização urbanística da capital. Desenhista, arquiteto, urbanista, engenheiro civil, construtor, agrimensor, professor, pintor e, nas raras horas vagas, flautista e bandolinista, Sidrim desenhou plantas que se tornaram famosas, como a de Belém de 1905 e a de esgotos de 1906. Foi pioneiro na utilização da tecnologia do concreto armado em Belém. “Um homem capaz de ver o que seu tempo trazia consigo”, diz a autora. Outro paraense que viveu intensamente uma época de aceleradas transfor-
mações foi José Coelho da Gama Malcher, o Barão de Marajó, presidente do Pará na Monarquia e primeiro intendente de Belém, na República. Anna Carolina Coelho analisa as impressões daquele intelectual e político sobre Belém, na segunda metade do século XIX, publicadas em obra que compara Belém a algumas cidades portuguesas, com a vantagem de possuir um enorme potencial para desenvolver no futuro, segundo o Barão. No rastro dos imigrantes portugueses, Edilza Fontes encontrou, nos códices do antigo Consulado de Portugal no Pará, uma documentação, datada de 1884 a 1914, que lhe permitiu reconstruir o modo como viviam os portugueses em Belém, principalmente quanto aos ofícios que ocupavam. Em 1900, eles representavam 90,24% da população estrangeira no Pará, concentração que contribuiu para consolidar a identidade cultural portuguesa de Belém. A crise da borracha, lamentada em diversas falas e relatórios de presidentes da Província, não causou o mesmo marasmo que Monteiro Lobato viu acontecer em várias cidades paulistas, durante a crise do café. Franciane Lacerda constatou a movimentação intensa em Belém, noticiada pelos jornais, que assomam, em
importância para uma grande parte da população, como veículos de expressão do povo, legitimadores das inquietações diante das autoridades, principalmente para muitos cearenses que migraram para a Amazônia. O artigo sobre a pandemia de gripe Espanhola de 1918 na capital paraense, de José Maria Júnior, oferece um ponto de partida seguro para outros estudos sobre o flagelo. Embora não tenha ocorrido caso de mortos insepultos, como no Rio de Janeiro, a gripe levou o desespero à população, às autoridades e aos médicos. O vírus chegou a bordo de um navio e causou a morte de 575 pessoas, entre outubro e dezembro de 1918. Magda Ricci, seguindo os passos construtivos dos colonizadores no processo de expansão da cidade, localiza os pontos em que a guerra cabana se fez acentuada e mostra que as obras de reconstrução urbana pós-Cabanagem trouxe embutida a ideia de apagamento da memória rebelde. A Belém dos romances do Ciclo Extremo Norte, do escritor Dalcídio Jurandir, cuja consciência artística estava impregnada de leitura marxista, foi alvo de estudo de Maíra Maia. Maria de Nazaré Sarges escreve sobre o frisson causado durante a chegada, em Belém, do maestro Carlos Gomes e os preparativos para a montagem da Ópera O Guarani, no Theatro da Paz. Maurila Mello e Silva apresenta-nos um estudo biográfico de Ernesto Cruz, Augusto Meira e Carlos Rocque, três intelectuais distinguidos com o cargo oficial de Historiador da Cidade. Rosa Claudia Pereira destaca a primeira impressão visual de artistas plásticos como Daniel Kidder e Von den Stewin, entre outros, sobre Belém, tomada da baía do Guajará. Mais que uma ferramenta docente, Para além dos 400 anos é também indicado para todos que gostam de boa literatura e desejam saber mais sobre a, agora, quatrocentona Belém. Serviço: “Belém do Pará: História, cultura e cidade – Para além dos 400 anos”.Organizadoras: Maria de Nazaré Sarges e Franciane Gama Lacerda. Editora Açaí, 2006.
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A História na Charge
#AmoBelém400