ISSN 1982-5994
UFPa • aNo XXX • N. 132 • aGoSTo e SeTeMBro, 2016
Ambiente prisional não impede amamentação e vínculo mãe-filho.
Páginas 6 e 7.
Nesta edição • Tembé-Tenetehara • A rota do peixe • Hanseníase no Pará
UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Daniel Sasaki, Hojo Rodrigues e Maria Luisa Moraes (Bolsistas), Walter Pinto (561-DRT/PA) Fotografia: Adolfo Lemos e Alexandre Moraes Fotografia da capa: Alexandre Moraes Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: Danilo Santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Secretaria: Silvana Vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares
Vice-Reitor: Horácio Schneider Pró-Reitor de Administração: Francisco Jorge Rodrigues Nogueira Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Edilziete Eduardo Pinheiro de Aragão Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Maria Iracilda da Cunha Sampaio Pró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Cláudio Fabian Szlafsztein Prefeito: Alemar Dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - ASCOM/UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa, n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br
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e acordo com a Constituição Federal Brasileira, as mulheres presidiárias têm o direito de amamentar o seu bebê até os primeiros seis meses de vida. No Pará, as mães custodiadas contam com a Unidade Materno-Infantil, anexa ao Centro de Reeducação Feminino, em Ananindeua. É nesse espaço que a professora Celina Maria Colino Magalhães tem desenvolvido o projeto de extensão que incentiva o vínculo mãe-filho. Os resultados mostram que os bebês envolvidos no projeto têm desenvolvimento acima da média. A hanseníase ainda é um grave problema de saúde pública no Pará. Quem faz o alerta é o professor Josafá Gonçalves Barreto. Nos últimos 20 anos, mais de 80 mil casos foram diagnosticados no Estado. Apesar de fazer parte do programa de atenção básica, faltam profissionais para realizar o diagnóstico da doença e encaminhar os pacientes para o tratamento. Nesta edição, você lê também: As histórias em quadrinhos escritas pelos Tembé-Tenetehara; Pesquisadores registram postos de cultura encontrados no bairro Marco; Horácio Schneider faz balanço dos últimos sete anos na UFPA.
Rosyane Rodrigues Editora
Índice Histórias Tembé: Sobre narrativas e autoidentificação ..............4 Hanseníase cresce no Pará ...............................................5 Maternidade no cárcere ..................................................6 A escrita de si Tembé-Tenetehara ......................................8 Procurando arte em toda parte ........................................9 Muitos e significativos avanços ........................................ 10 Resultados da dendeicultura no Pará ................................. 12 Beleza e resistência ..................................................... 13 Tirando o pé do chão batido ........................................... 14 Da pedra para a mesa .................................................. 16 Qualidade, Gestão e Processos de Software ........................ 18
Acredito que a iluminação certa é capaz de mudar tudo. Um ambiente pode nos impressionar ou passar despercebido, dependendo do horário ou da estação do ano em que foi contemplado. Vistas sob a luz certa, até as coisas mais simples tornam-se belas. Adolfo Lemos fotógrafo
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Fotos Acervo Pessoal
Opinião Histórias Tembé: Sobre narrativas e autoidentificação
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o desenvolver minha tese de doutorado em Antropologia com os indígenas Tembé de Santa Maria do Pará, percebi que eles me ensinaram, com suas narrativas, que se faz imprescindível percebê-las como ferramenta, política e identitária, de educação, de troca de conhecimentos e de perpetuação da cultura e das tradições indígenas. Uma de suas mais importantes reivindicações atuais diz respeito à demarcação de terras e esta luta aparece narrada também em suas histórias. Dentro das narrativas, é possível perceber delimitações de terras, rios, igarapés que fazem o ouvinte perceber a área geográfica correspondente às suas terras tradicionais, deixando explícito que as narrativas possuem poder político e fazem parte de sua história, suas crenças e sua cultura, não são meros contos literários para entreter os ouvintes. É preciso uma escuta atenta e receptiva ao conhecimento oral, conhecimento este distinto daquele conhecimento acadêmico de nossas escolas e universidades. É preciso estar aberto para o novo e para o diferente, disposto a compreender dois mundos que tanto ensinam e aprendem dentro de suas diversidades. Ana Pizarro, em Amazônia – As vozes do rio (2012: 194), fala a respeito de narrativas que abordam o cotidiano dos povos tradicionais da Amazônia, dizendo que esta é uma região conhecida, quase exclusivamente, por seu componente indígena. Nela existe
uma construção diária de imaginários de povos que são de cultura essencialmente oral e tem a ver com a forma como suas vidas se desenvolveram e se desenvolvem ainda hoje. A história, os temores e as expectativas da comunidade em questão se juntam num imaginário que incorpora as vidas individuais e o destino do povo. Cada comunidade compartilha um imaginário, que é responsável pela coesão do grupo e também pelo seu passado e presente. Esta literatura indígena, fundamentalmente oral, tem um perfil diversificado, pois fala de cosmogonias e de formas de estar no mundo. Faz parte do acervo de cada grupo e, nos processos interculturais, vai adquirindo uma construção híbrida. É uma literatura conhecida por “oraliteraturas” (Pizarro 2012: 223), a qual se preocupa em enfrentar o problema da disseminação do material, da pluralidade das línguas, assim como se preocupa, também, com a ruptura de preconceitos a respeito do literário sendo comumente regido pela noção das “belas letras”. De acordo com a autora, as “oraliteraturas” são relatos de uma oralidade que persiste na memória dos povos tradicionais e reúnem numerosas histórias com diferenças e similaridades, presentes em histórias de outros povos no País e no mundo. Fato importante que cabe ressaltar é que uma mudança fundamental vem ocorrendo a partir do momento em que os indígenas
começaram a escrever e publicar seus próprios textos para conhecimento do grande público, ou seja, eles não precisam de intermediários, não precisam do escritor que interpreta e traduz suas palavras, não há necessidade de o antropólogo ou intelectual “autorizar” a palavra indígena. Esses povos se autorizam por si próprios a produzir, literariamente, seu conhecimento, o que representa uma mudança de grande importância para sua visibilidade e conhecimento por outros povos e pela sociedade não indígena. Concluo a tese de doutorado com o desejo de que não só eu, ao seguir meus estudos, mas também os que ainda vão se debruçar sobre as histórias indígenas não nos esqueçamos de que a beleza de estudar os discursos desta região reside em conhecer as tensões originárias da cultura de um povo e de um continente, em reconhecer a diversidade que a Amazônia abriga (bem como sua multiplicidade cultural, o espaço do inacabado e do deslocamento), reside em enxergar um cenário de construções repleto de negociações e deslizamentos no campo do imaginário e, fundamentalmente, reside em ter certeza, para além de qualquer interpretação, de que o dossiê nunca está completo. Mônica Vieira doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, no qual defendeu a Tese Histórias Tembé: sobre narrativas e autoidentificação. monicavieira17@gmail.com
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Saúde
Hanseníase cresce no Pará 80 mil pessoas foram diagnosticadas nos últimos 20 anos Acervo do Projeto
Daniel Sasaki
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hanseníase é uma doença infectocontagiosa causada por uma bactéria, o Mycobacterium leprae. Acredita-se que seja transmitida de pessoa para pessoa, por via aérea superior (boca e nariz). A doença está associada às desigualdades sociais, pois afeta, principalmente, as populações mais pobres das regiões mais carentes de infraestrutura e saneamento básico. As pessoas que convivem com um indivíduo que está com hanseníase e sem tratamento apresentam maior risco de adoecimento quando comparadas à população em geral.
Para compreender melhor o quadro da doença no Pará e buscar uma estratégia inovadora para detectá-la precocemente, o professor Josafá Gonçalves Barreto, do Campus de Castanhal da Universidade Federal do Pará (UFPA), elaborou o Projeto de Pesquisa “Epidemiologia espacial da hanseníase e detecção precoce de casos novos entre escolares no Pará”. O grupo é composto por pesquisadores da UFPA, da UFOPA, da USP/Ribeirão Preto, do Colorado State University (EUA), do Emory Universtity (EUA) e da Unidade de Referência Estadual Marcelo Cândia, referência em Hanseníase no Pará. O projeto tem financiamento do CNPq.
Josafá Gonçalves Barreto explica que os sinais da hanseníase estão localizados, principalmente, nas mãos, nos pés, na face, nas orelhas, nas costas, nas nádegas e nas pernas. “Os sintomas podem ser manchas esbranquiçadas, avermelhadas ou amarronzadas com alteração de sensibilidade, área de pele seca e com falta de suor, ou com queda de pelos, incluindo os das sobrancelhas, também área da pele com perda ou ausência de sensibilidade. Neste caso, pode ocorrer de uma pessoa se queimar no fogão e só perceber a lesão avermelhada da queimadura mais tarde”, explica o professor. “Os tipos, ou formas clínicas da hanseníase, depen-
dem da resposta imunológica dos indivíduos. Existem formas paucibacilares, com poucos bacilos, e formas multibacilares, com muitos bacilos. Quanto mais adequada for a resposta imunológica do indivíduo, menor será a multiplicação do M. leprae no seu organismo e, consequentemente, menos grave será a doença”, esclarece o pesquisador. O tratamento é realizado com um conjunto de antibióticos padronizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), distribuído gratuitamente nos postos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). O tratamento é realizado por seis ou doze meses, dependendo do tipo da doença.
Pesquisadores estão desenvolvendo teste específico para a doença Josafá Barreto destaca que o Brasil ainda não conseguiu alcançar a meta de controle da doença, estabelecida pela OMS, de até um caso para 10 mil habitantes. A distribuição da hanseníase no Brasil não apresenta uniformidade, existindo a formação de aglomerados de casos em algumas regiões do País. No Pará, mais de 80 mil casos de hanseníase foram diagnosticados nos últimos 20 anos e, ainda hoje, o Estado possui coeficiente de detecção anual de aproximadamente
50/100.000 habitantes (três vezes superior à média nacional). “A doença permanece como um grave problema de saúde pública no Pará. Além disso, nossos estudos indicam uma alta taxa de prevalência oculta e de infecção subclínica pelo M. Leprae entre crianças e adolescentes”, revela o pesquisador. Baseado na literatura e na sua experiência, o professor aponta algumas hipóteses que explicam o cenário atual. “A doença faz parte do programa de atenção básica à saúde no SUS, entretanto é baixa a taxa
de cobertura da Estratégia de Saúde da Família no Estado. Apenas 54% da população é atendida por esse serviço. Também há a insegurança dos profissionais da saúde na atenção básica para realizar o diagnóstico da doença, a pobreza e o baixo Índice de Desenvolvimento Humano do Estado”. Profissionais experientes estão realizando um intenso trabalho de campo e de coleta de dados. Nos municípios, foram visitadas famílias de pessoas que tiveram hanseníase
para examinar os seus contatos intradomiciliares. Também foram realizadas visitas em escolas públicas para examinar os estudantes entre 6 e 18 anos. Foram feitos exames físico, dermatológico e neurológico, além da coleta de material biológico para detecção de infecção por meio de exames laboratoriais. “Continuamos realizando a busca por novos casos e também estamos desenvolvendo um teste diagnóstico que seja sensível e específico para a doença”, conclui o pesquisador.
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Psicologia
Maternidade no cárcere Projeto estimula amamentação e vínculo mãe-filho
Fotos Alexandre Moraes
Até o fechamento desta edição, a equipe acompanhava 12 mulheres na Unidade Materno-Infantil, em Ananindeua.
Hojo Rodrigues
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e acordo com a Constituição Federal Brasileira, as mulheres presidiárias têm o direito de amamentar o seu bebê até os primeiros seis meses de vida. A Lei de Execução Penal ordena que os ambientes carcerários possuam espaços destinados à amamentação, visto que o leite materno é essencial para o desenvolvimento físico e psicológico do bebê e deve ser a única fonte de alimento durante os primeiros seis meses de vida da criança. Foi para investigar a prática dessa determinação que surgiu o Projeto de Pesquisa e Extensão “Amamentação no Cárcere: possibilidades e desafios para mães e bebês”, coordenado pela psicóloga Celina Maria Colino Magalhães. A professora do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC/UFPA) conta que teve a ideia
de criar o projeto quando participou de um evento realizado na Unidade Materno-Infantil, anexa ao Centro de Reeducação Feminino, em Ananindeua, Região Metropolitana de Belém, e ficou sensibilizada ao ver as mães custodiadas e seus bebês. “Notei que a instituição tinha um grande potencial e vi a possibilidade de investir na questão da amamentação e de criar um espaço lúdico para elas”, conta. Em 2014, a pesquisa teve início com o objetivo de conscientizar as mães custodiadas acerca dos benefícios da amamentação, investigar as práticas de interações entre mãe e filho e o investimento na relação entre as mães custodiadas e seus bebês. Para que a pesquisa pudesse ser realizada, a professora elaborou um projeto de extensão, em parceria com a Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado (Susipe). O serviço oferecido pela ex-
tensão foi a criação e a manutenção de uma brinquedoteca móvel na Unidade Materno-Infantil (UMI), que é administrada pela Susipe. A brinquedoteca móvel é um carrinho de madeira no qual são colocados brinquedos, livros, materiais de pintura, cola e papel de diversas cores e permitiu a criação do Livro da Mãe e seu Bebê, que serve como diário para as anotações das experiências dessas mulheres com seus bebês. “Como não há espaço físico suficiente para a criação de uma sala destinada à brinquedoteca, nós fizemos um carrinho que pode ser deslocado pela casa”, explica Celina Magalhães. Outras atividades fazem parte do projeto de extensão: a realização de um aniversário para comemorar cada mês de vida dos bebês, as comemorações de datas festivas, as rodas de conversa sobre relacionamentos interpessoais e o banho de piscina.
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Para muitas, essa é a primeira experiência de amamentação Atuando três vezes por semana na Unidade Materno -Infantil, residência espaçosa que foi alugada e adaptada para abrigar mulheres a partir do 6º mês de gestação ou que estão amamentando seus bebês, o projeto conta com o apoio de duas alunas de mestrado e duas alunas de graduação. “Em outros Estados, as unidades materno-infantis permitem que a criança seja amamentada até o 6º mês de vida. Em Belém,
nós avançamos um pouco e o período foi estendido até o 12º mês e isso é muito bom. Muitas relatam que não amamentaram seus primeiros filhos adequadamente nem tiveram a experiência de cuidar do neném o dia inteiro, não criando um vínculo mais forte com essas crianças”, explica a professora Celina Magalhães. Em 2014, o projeto atendeu 10 mães/bebês. No ano passado, esse número subiu para 14 mães/bebês.
Atualmente, a equipe acompanha 12 mulheres, sendo seis mães/bebês e seis grávidas. De acordo com o censo realizado pela pesquisa, a faixa etária das mulheres é de 19 a 40 anos. O projeto permitiu, também, a aplicação da Escala Bayley em sete bebês nascidos no período de carceragem. Essas escalas possuem propriedades psicométricas e são utilizadas para avaliar o desenvolvimento cognitivo, da linguagem e motor da criança.
Segundo Celina, os resultados mostraram que alguns desses bebês estão com o desenvolvimento acima do esperado, o que indica que o espaço e as atividades de interação entre mãe e filho estão possibilitando que as crianças se desenvolvam dentro do padrão considerado normal. “Nós fizemos isso com bebês de quatro e cinco meses. Agora, a ideia é aplicar a escala no nono mês e observar se o bebê continuará nesse pico de desenvolvimento”, afirma.
Mães maduras são mais confiantes ao cuidar dos bebês Os resultados da pesquisa sobre a experiência do cuidado de mães com seus bebês no contexto de cárcere, realizada pela psicóloga e pedagoga Mayana Saraiva Bezerra Okada, estão na Dissertação Maternidade no cárcere: cuidados básicos, defendida no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC/UFPA), sob orientação da professora Celina Magalhães. “Nós analisamos as características das mães e de seus bebês, verificamos a visão delas sobre a amamentação no contexto de cárcere, examinamos as suas expectativas em relação ao futuro dos bebês e investigamos a confiança da mãe na prestação de cuidados com o bebê”, explica Mayana. Mayana Okada, que iniciou sua pesquisa em 2014, conta que os primeiros meses serviram para ela se familiarizar com o ambiente e para as mães se familiarizarem com ela. “Foi muito desafiador. Eu deixei de ver essas mulheres como detentas e passei a vê-las como mães”, revela. A sua pesquisa foi dividida em três instrumentos: a observação, o roteiro semiestruturado e a aplicação da Escala Mãe-Bebê, instrumento utilizado para avaliar a confiança da mãe nos cuidados com o bebê. Nesse instrumento, foi verificado que a maioria das mães com mais de 30 anos de idade e com número maior de filhos são mais confiantes nos cuidados com o bebê.
Com a aplicação do roteiro semiestruturado, verificou-se que todas as entrevistadas eram multíparas, ou seja, tinham mais de um filho. Além disso, 40% delas são do interior do Estado, enquanto 60% são da Região Metropolitana de Belém (RMB). A visita de familiares daquelas que são do interior do Pará não são frequentes, o que dificulta o momento da separação entre mãe e bebê. “Elas ficam imaginando com quem a criança ficará, já que não há um vínculo forte entre essas mães e as famílias”, diz a pesquisadora. Futuro – De acordo com Mayana Okada, as mães custodiadas criam expectativas para o futuro dos filhos. “Elas desejam que os filhos tenham algum vínculo religioso, constituam família, sejam trabalhadores, respeitem as regras e não repitam as atitudes que elas tomaram”, conta. A pedagoga ressalta que, independentemente do que tenham feito para estarem cumprindo pena em cárcere, essas mulheres necessitam de amparo. “Precisamos acabar com o preconceito contra quem está no ambiente de cárcere. Essa pessoa deve ser olhada e o psicólogo é fundamental para a mudança desse olhar, pois se coloca no lugar do outro para entender as suas necessidades e observar o que precisa ser revisto”, afirma. A pesquisa de Mayana Okada mostra que a equipe multiprofissio-
nal da Instituição leva às mães um bom atendimento, principalmente, nos momentos do parto e do pósparto, quando elas estão sensíveis e o bebê precisa de mais cuidado. Previsto para encerrar em fevereiro de 2017, o projeto enfrenta algumas dificuldades. “Estamos precisando de material de escritório, material para as atividades com as mães e material de higiene e limpeza”, desabafa a professora.
Abaixo, a brinquedoteca móvel, que circula pela unidade, e o
Livro da Mãe e seu Bebê, no qual as mães fazem suas anotações.
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Cultura
A escrita de si Tembé-Tenetehara Em campo, índios contaram suas histórias em quadrinhos Maria Luisa Moraes
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Fotos Acervo do Pesquisador
Abaixo, resultado das oficinas de quadrinhos realizadas pelo pesquisador na aldeia.
ara os de fora, a Amazônia parece um lugar distante, associado à floresta. Os indígenas são tidos como pessoas que não falam nossa língua e são muito diferentes de nós. A mídia é uma das responsáveis por cristalizar essa ideia. Há clichês por toda parte nos produtos da indústria cultural que consumimos. O quadrinhista Otoniel Oliveira escreveu a sua Dissertação Etnografia em Quadrinhos: Subjetividades e escrita de si Tembé-Tenetehara, defendida no PPGCOM-UFPA, inspirado também por essa problemática. Otoniel conta que, desde criança, gosta de quadrinhos. “Eu sempre desenhei. Nos quadrinhos, você encadeia os desenhos dentro de uma sequência lógica, que conte alguma história. Então, inicialmente, comecei fazendo quadrinhos sobre
o que eu gostava: filmes, super-heróis e coisas fantásticas. Depois, fiz quadrinhos sobre situações e observações da vida”, conta ele. O pesquisador decidiu abordar a temática indígena usando os quadrinhos para desconstruir os estereótipos sobre essa população. Participante do Grupo de Estudo Mediações, Discursos e Sociedades Amazônicas (GEDAI), vinculado ao IFCH/UFPA, Otoniel já havia realizado estudos sobre a sociedade Tembé-Tenetehara e outras sociedades indígenas. Sob orientação da professora Ivânia Neves, ele foi a campo pela primeira vez. A professora também sugeriu que o pesquisador levasse a linguagem dos quadrinhos para ser trabalhada em campo. Na dissertação, Otoniel estudou quadrinhos que retratavam indígenas, a maioria, publicações nacionais, mas também um
quadrinho de outro país da América do Sul e um europeu. “A representação tende a uniformizar a imagem do indígena partindo da espetacularização e mais superficial do que eles são. Esquecem as particularidades, as idiossincrasias e os detalhes que fazem com que cada etnia seja rica em si mesma”, lamenta o pesquisador. Um exemplo citado é o da pintura corporal indígena. Em todos os quadrinhos analisados, ela não existe, ou, quando existe, não há um cuidado com seu significado, estando ali apenas por uma questão estética. “Olha só que curioso o Papa Capim, exemplo de imagem de indígena estudado. Ele é um indígena, mas não tem grafismos. Ele nunca apareceu com pinturas em nenhuma história que eu vi, apesar de a pintura ser muito importante para esses povos”, informa Otoniel.
Pesquisador repensou a sua própria produção Durante o trabalho de campo, o pesquisador percebeu que costumava cair nesses clichês quando representava indígenas em seus quadrinhos. “A maneira como analisei outros quadrinhos, eu utilizei para analisar os meus próprios trabalhos. A partir de agora, eu faço quadrinhos com uma responsabilidade muito maior, com a visão da pesquisa acadêmica”, avalia. Otoniel Oliveira ministrou oficinas de quadrinhos na aldeia e fala sobre a experiência: “eles têm a mesma curiosidade, têm muita habilidade e muitas referências, mas o que eles falam é muito diferente do que nós falamos. Nós somos muito contaminados pela indústria cultural”, observa. Essa forma de falar de si está presente nos resultados das oficinas. Os Tembé-Tenetehara têm uma grande consciência de quem são, se autorretratam com propriedade e orgulho. “Eles têm TV aberta, al-
guns têm TV por assinatura, ou seja, também são ‘bombardeados’ pela indústria cultural, mas eles utilizam essa influência de um jeito diferente, eles falam de si com respeito e responsabilidade”, afirma. Ao comentar os resultados da oficina, o cacique Naldo Tembé questionou se os elogios de Otoniel eram sinceros. “Eles estão acostumados com pesquisador indo até a aldeia achando tudo que eles fazem maravilhoso e, depois, não voltam com os resultados da pesquisa. Eles não gostam disso, querem ser questionados, testados, e provar que têm como contribuir com esse mundo”, reflete. “Os indígenas são muito talentosos, mas precisam de incentivos. Além disso, essa produção cultural precisa circular para que essa sub-representação de minorias não aconteça mais. Os indígenas não são só o que se vê sobre eles na mídia”, conclui.
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Cidade
Procurando arte em toda parte Pesquisadores mapeiam pontos de cultura no Marco Acervo do Pesquisador
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Marco é um dos bairros centrais da capital paraense. Construído na administração de Antônio Lemos, durante os anos da Belle Époque, o seu nome foi criado com a intenção de demarcar os limites da cidade naquela época. Atualmente, o bairro é um dos mais apreciados, pois dispõe de diversos serviços, como supermercados, restaurantes, escolas e hospitais. Além disso, é um local rico em cultura, pois conta com diversas formas de produção cultural realizada pelos seus moradores. Foi com o intuito de contribuir para a identificação e valorização desses pontos de produção cultural que a professora Liliam Barros, do Laboratório de Etnomusicologia, ICA/UFPA, elaborou o Projeto de Pesquisa “Ouvir e Ver o Marco da Légua”, vinculado ao Projeto de Extensão “Arte em Toda Parte: temas transversais como colaboradores sociais”, sob sua coordenação, e ao Projeto de Pesquisa “Práticas Musicais do Pará”, coordenado pela professora Sonia Chada.
De acordo com Liliam Barros, a criação do projeto, em 2015, foi motivada pelas inquietações sobre o uso do espaço público pelos moradores e circulantes do Marco. O projeto possui uma equipe interdisciplinar e interinstitucional: Líliam Barros e Nathália Lobato (UFPA); Breno Barros (UFRA), Rayssa Dias (UERJ) e Marcos Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro - DF). A proposta inicial era de uma intervenção artística no espaço da
Espaços de sociabilidade, como campos de futebol, praças e clubes, também estarão no mapa.
Avenida Rômulo Maiorana (antiga 25 de Setembro), por meio de fotovaral. “Como primeira etapa do projeto, propusemos uma caminhada ao longo da Avenida Rômulo Maiorana, com o objetivo de realizar registros fotográficos e gravações dos sons do espaço, em busca da percepção das sonoridades do lugar. A mostra fotográfica foi denominada Ação 25 Viva! e constituiu a segunda etapa do projeto. O varal ficou à mostra para transeuntes costumeiros e despertou curiosidade”, conta.
Até o momento, mapa já conta com 97 pontos culturais Uma das principais ações do projeto envolve o mapeamento cultural do bairro, com ênfase nas práticas musicais. “Serão considerados os pontos de produção cultural visíveis ao caminhar pelo bairro e, baseado no mapeamento, será constituído um mapa cultural, com análise das expressões culturais. Apesar da ênfase nas práticas musicais, outras produções artísticas serão consideradas”, explica a professora Liliam Barros. Com o projeto ainda em andamento, a professora afirma que o mapa está sendo elaborado e já tem 97 pontos mapeados. As categorias analíticas que emer-
giram dos dados obtidos foram: instituições religiosas, pontos de ensino de música, fotografia artística e comercial, espaços de lazer (praças, clubes), TVs e rádios, universidades, teatro, blocos carnavalescos, pontos de ensino de dança, sala de concerto de estúdio de música, estúdio de tatuagem, casas no estilo modernista “Raio que o Parta”, casarões antigos, Grupo Parafolclórico, banda de música, clubes de futebol e casa de samba. “Os pontos culturais foram mapeados com base em letreiros, faixas, cartazes que os identificassem e, assim, permitissem sua inserção no
mapa. O caráter etnográfico do projeto dá-se no potencial interpretativo e descritivo em torno da sociabilidade e do uso do espaço urbano e sua relação com a arte e a cultura local”, destaca Liliam Barros. Nathalia Lobato é aluna da Faculdade de Música da UFPA e bolsista do projeto. A estudante afirma que entrou no projeto em virtude do seu interesse por música e fotografia. A estudante de graduação participa do processo de mapeamento dos locais de produção cultural. “Caminhando, registramos pontos que tenham alguma identificação: placas, letreiros ou faixas. Como
estudante de Música, me sinto privilegiada por participar de um projeto desse porte, que pode intervir na valorização artística do bairro”, afirma Nathalia. Uma das metas do projeto é a produção de fotovídeo a partir da etnografia realizada. Para a professora Liliam Barros, é essencial que os resultados sejam divulgados. “Como moradora do bairro, artista e pesquisadora, produzir conhecimento sobre essa produção artística e atuar de forma interventiva no espaço público por meio da arte tem sido gratificante”, conclui a professora.
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Entrevista
Horácio Schneider
Muitos e significativos avanços Horácio Schneider faz um balanço dos últimos sete anos na UFPA Walter Pinto
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leito duas vezes para o cargo de vice-reitor da UFPA, o professor Horácio Schneider substituiu o reitor Carlos Edilson Maneschy, permanecendo no cargo até a nomeação da nova gestão. Como vice-reitor, ele contribuiu ativamente para a consolidação da UFPA como a maior instituição de ensino, pesquisa e extensão do Norte do País. Schneider é um dos mais importantes pesquisadores brasileiros da área das Ciências Biológicas, tendo acumulado bastante experiência administrativa nos diversos cargos que assumiu, entre os quais, chefe do Departamento
de Genética, coordenador do curso de Pós-Graduação em Ciências Biológicas, pró-reitor de Planejamento da UFPA, presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia e da Sociedade Brasileira de Genética. Atualmente, é professor Titular do Instituto de Estudos Costeiros, do Campus de Bragança da UFPA. Na entrevista abaixo, ele aponta os avanços da Instituição e os desafios dos novos gestores.
Desafios dos novos gestores A UFPA é a maior instituição de ensino, pesquisa e extensão do Norte do País.
Administrar essa instituição gigante não é uma tarefa trivial. São muitos os desafios a serem enfrentados, mas não muito diferentes dos que tivemos que encarar. Esses desafios podem ser resumidos nos seguintes pontos: inclusão, capilaridade (mobilidade), infraestrutura, evasão e inovação. O Brasil é um país multirracial. Um cientista brasileiro já se manifestou em relação à nossa população como sendo o resultado de um “liquidificador racial”. É com essa “mistura” de culturas que temos que lidar. Portanto os mecanismos de inclusão devem ser aperfeiçoados e as oportunidades ampliadas; a mobilidade da universidade,
tanto regional quanto internacional, deve ser expandida significativamente. Para isso, os projetos pedagógicos devem ser flexibilizados e o ensino do inglês, como segunda língua, estimulado; o desenvolvimento e a melhoria da infraestrutura de laboratórios de ensino e pesquisa, assim como a ampliação das bibliotecas para atender à graduação e a enorme expansão da pós-graduação devem ser prioridades da nova gestão. A evasão deve ser estudada com muito cuidado para que seus efeitos sejam minimizados. Para isso, deve ser preocupação da nova gestão a conclusão e ampliação da moradia para discentes, a ampliação Alexandre Moraes
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dos programas de bolsas de manutenção e a ampliação e melhoria do conforto do RU. Por fim, temos a questão da inovação, não no sentido da “bricolagem”, mas no sentido pedagógico. Precisamos introduzir práticas pedagógicas que flexibilizem os currículos, que possibilitem aos alunos incluir atividades relacionadas com a mobilidade como parte do projeto pedagógico do curso; que sejam estimuladas atividades proativas de ensino fora da sala de aula.
Avanços no interior Foram muitos e significativos. Tivemos a criação de novos campi, em Ananindeua e Salinópolis; a transformação do Campus de Marabá em uma nova universidade – a UNIFESSPA; a consolidação do Campus de Tucuruí; a criação do Curso de Medicina em Altamira. Mas, certamente, a ação de maior destaque foi a melhoria da infraestrutura. Quando assumimos, a maioria dos campi ainda apresentava o aspecto de “escolas do interior” e foi nítida a transformação. Outra mudança importante foi a fixação de docentes em todos os campi do interior. Na nossa gestão, cerca de 400 docentes foram e ainda estão sendo contratados para os campi. Portanto essa melhoria da infraestrutura, associada à fixação de docentes, possibilitou não só o aumento da oferta de cursos como também uma significante melhoria da qualidade do ensino de graduação. Outro efeito direto disso foi a ampliação da pós-graduação em alguns dos nossos campi. Neste período, foram criados novos mestrados em Bragança, Cametá, Altamira e Tucuruí, e doutorado em Castanhal.
Inclusão Foi praticamente na nossa gestão que o processo de inclusão das populações
tradicionais tomou corpo. Em 2015, tivemos a primeira indígena a obter o título de doutor no IFCH, no Programa de Antropologia. Em 2016, tivemos a primeira indígena a concluir o curso de Biomedicina no ICB. É difícil avaliar, neste momento, o impacto transformador deste processo quanto ao futuro das populações tradicionais da Amazônia, mas, sem dúvida, será significativo.
Ao final da década de 1990, a UFPA tinha pelo menos um curso de pós-graduação em cada grande área do conhecimento e a cultura da pesquisa já havia se enraizado no cotidiano acadêmico de todas as unidades, com forte integração da Iniciação Científica aos programas de pesquisa que se desenvolveram na pós-graduação stricto sensu. No período de 2001 a 2005, houve um notável crescimento dos programas de mestrado e doutorado, em número equivalente ao alcançado ao longo das três décadas anteriores. Com isso, os cursos de mestrado se expandiram de maneira marcante em praticamente todas as grandes áreas do conhecimento. Entretanto, já na nossa gestão, a partir de 2010, novas ações institucionais foram concebidas visando à consolidação da pós-graduação, por meio da qualificação e internacionalização das atividades de seus grupos de pesquisa. O foco principal passou a ser a qualidade do sistema e a busca da excelência de cada programa. Ao lado
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disso, continuam os esforços para estender o sistema de pós-graduação da UFPA em áreas ainda não cobertas e para interiorizar a pósgraduação, respondendo aos enormes desafios ao desenvolvimento econômico e social das diversas mesorregiões em que a UFPA está presente. No período de 2010 a 2016, foram criados 19 novos doutorados, 17 mestrados acadêmicos e 17 mestrados profissionais, o que representa cerca de 50% de todos os cursos de mestrado e doutorado da Instituição.
rubrica Capital, provocaram a paralisação de algumas obras importantes. Por outro lado, o corte no Custeio, apesar de menor, obrigou a gestão a tomar medidas preventivas no sentido de reduzir custos com os grandes contratos (limpeza, segurança e energia elétrica). Essas medidas de contenção foram tomadas após estudos feitos por uma comissão especificamente criada para essa finalidade. O desafio da comissão estava em apresentar uma proposta de cortes, sem perda significativa da qualidade do serviço prestado, principalmente limpeza e segurança, dois itens que afetam bastante a comunidade. Desta forma, estamos sobrevivendo a este momento transiente de crise, na expectativa de que ele seja, de fato, transiente.
Instabilidade econômica
Foram construídas 135 obras, sendo 68 no Campus de Belém e 67 nos campi do interior. Dezoito dessas obras estão em andamento e sete estão sendo licitadas. Todas as demais estão concluídas e ocupadas. É difícil especificar quais são as principais. Talvez pelo tamanho, sejam o bloco de 64 salas de aula do básico (R$ 24,847,245.95), a casa do estudante universitário (em construção, R$ 4,097,743.53) e a recuperação da orla (em andamento). Em relação aos campi do interior, somente para dar uma ideia do nível de investimento, relaciono aqui os mais antigos: Castanhal (14 milhões), Bragança (9 milhões), Marabá (10 milhões) Soure (2 milhões), Capanema (1 milhão), Cametá (5.5 milhões), Breves (5 milhões) Abaetetuba (5.5 milhões). Os Campi de Ananindeua, Tucuruí, Salinópolis e a Faculdade de Medicina de Altamira foram contemplados, posteriormente, com recursos de Capital, Custeio e de Pessoal.
Foram criados 19 doutorados, 17 mestrados acadêmicos e 17 mestrados profissoonais
Pesquisa e pós-graduação
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De 2009 a 2012, período de vigência do Programa de Reestruturação das Universidades (REUNI), a UFPA experimentou um crescimento significativo. Isso foi possível em razão de uma politica governamental de recuperação da estrutura das universidades brasileiras, que vinham sofrendo um certo “sucateamento”. Portanto foram os investimentos na infraestrutura e na contratação de pessoal, tanto docente como técnico-administrativo, que possibilitaram o salto de qualidade que as universidades, em especial a nossa, tiveram. Contudo, após a reeleição da presidente Dilma, o País entrou em uma crise politica que, somada à situação econômica mundial, afetou negativamente o processo de desenvolvimento do País. É óbvio que esse processo afetou significativamente as universidades brasileiras. Para contornar a crise, cortes orçamentários, principalmente na
Infraestrutura
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Desenvolvimento
Resultados da dendeicultura no Pará Agricultores e pesquisadores criam indicadores de inclusão social Hojo Rodrigues
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uitas vezes, as pesquisas voltadas à inclusão social são direcionadas ao cenário urbano e, mesmo que trabalhem as características da qualidade de vida, acabam dando ênfase às questões econômicas, de acesso a bens. Para os agricultores, a aquisição de bens é apenas um dos critérios para que haja inclusão social. Eles levam em consideração outros aspectos, como o acesso a serviços e a novos conhecimentos, o equilíbrio entre solo, plantas e animais, e o bem-estar, a satisfação com as atividades. Nessa perspectiva, foi elaborado o Projeto de Pesqui-
sa “Integração da Agricultura Familiar na Produção do Dendê no Pará: Possibilidade de Inclusão Social?”, coordenado pela socióloga Dalva Maria da Mota, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e também professora do Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas do NCADR/UFPA. O projeto, que iniciou em 2014, tem como objetivo analisar a inclusão social dos agricultores familiares na dendeicultura, com base no estudo de indicadores construídos pelos próprios agricultores. A pesquisa é financiada pela Embrapa Amazônia Oriental, mas conta com a parceria da UFPA e de Sindicatos Rurais. A área de atuação abrange 21
municípios do nordeste paraense envolvidos com o cultivo do dendê, produto com grande demanda no Brasil e no Estado, cuja produção é voltada para a agroindústria de alimentos. Também chamado de Agricultura Familiar e Integração Social (AFInS), o projeto é pioneiro no levantamento de dados, realizado em diferentes escalas (região, vilas e estabelecimentos). A primeira escala deuse por meio de visitas a atores chave para compreender as suas percepções sobre a expansão da dendeicultura na região. Na segunda, foram identificadas e caracterizadas as vilas dos municípios onde há produção de dendê para constatar se elas têm infraestruturas diferen-
ciadas. Até o momento, foram levantados dados referentes a 10% do total das vilas. A pesquisa também envolve estabelecimentos cujos proprietários produzem dendê por meio de contrato de integração com as agroindústrias, consistindo na identificação e caracterização dos sistemas de produção. Foram visitados 162 estabelecimentos em oito municípios que mais praticam a dendeicultura, entre os quais, estão Tomé-Açu, Moju e Concórdia do Pará. “A partir do intercruzamento desses e de outros procedimentos, será feita a análise sobre as questões referentes à inclusão social”, explica Dalva Maria da Mota.
Pesquisadora realiza estudo de caso na Vila Água Azul O projeto prevê a realização de nove oficinas para incentivar o diálogo entre os agricultores, as lideranças sindicais e os pesquisadores. Nas ofi cinas, são realizadas dinâmicas em que os participantes falam sobre quais indicadores devem ser considerados importantes para um
estudo sobre a inclusão social relacionada à dendeicultura. Uma vez consolidados, esses indicadores irão nortear a pesquisa. Com o objetivo de analisar a organização de trabalho em vilas rurais do nordeste paraense, onde há grande produção de dendê, a agrônoma ACERVO DO PESQUISADOR
Laiane Bezerra Ribeiro defendeu a Dissertação O trabalho sob influência da dendeicultura em vilas rurais paraenses, no Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (PPGAA/UFPA), orientada pela professora Dalva Mota. A pesquisa foi desenvolvida em duas escalas. Na escala regional, foram visitadas 347 vilas rurais de 21 municípios. Na escala local, foi escolhida uma dessas vilas para ser feito um estudo de caso. Laiane Ribeiro entrevistou 35 moradores e estudou a organização do trabalho familiar na Vila Água Azul, em Tomé-Açu (PA). Ela pesquisou famílias que tinham assalariados na dendeicultura, famílias que tinham membros com contrato de integração (compra e venda) com as empresas de dendê e famílias que não tinham relação direta com a dendeicultura.
Os resultados mostraram que a proximidade das vilas rurais com a dendeicultura influencia a diversidade de atividades agrícolas nesses locais. “Nas vilas em que há moradores produzindo dendê como integrados, existe menor diversificação de produtos e atividades no estabelecimento. Isso se deve ao fato de a mão de obra e o tempo para a prática de outras atividades diminuírem”, avalia a agrônoma. A área de produção também diminui nas famílias com integrantes assalariados na dendeicultura. Laiane Ribeiro observou que houve uma queda na atuação das mulheres nas atividades agrícolas. Incentivadas pela família, elas estão investindo mais nos estudos. O trabalho na agricultura depende dos homens mais velhos, enquanto os jovens buscam outras atividades e trabalham como assalariados.
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Meio ambiente
Beleza e resistência Resíduo industrial pode ser usado para fabricação de concreto e argamassas coloridas
ACERVO DO PESQUISADOR
Maria Luisa Moraes
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Amazônia é conhecida pela imensa diversidade de recursos naturais. A exploração desses recursos, geralmente, é feita por empresas e indústrias de fora da região. Minérios como ferro, bauxita, manganês, cobre, entre outros, são altamente explorados e cidades inteiras se formam com o estabelecimento dessas indústrias. Um dos principais prejuízos causados por essa exploração é o rejeito do
processo de beneficiamento dos minérios. Na maioria das vezes, esse rejeito é depositado em grandes bacias, gerando um passivo ambiental que pode ter consequências desastrosas. Pesquisadores de diversas áreas buscam soluções para atenuar o problema e, aqui, na UFPA, o professor Márcio Barata, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, elaborou o Projeto “O uso da lama vermelha e do resíduo do beneficiamento do caulim na produção de um novo material de construção:
Pigmento Pozolânico para concreto e argamassa coloridos”. O professor desenvolve suas pesquisas no Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação (Lacore). O projeto utilizará esse rejeito na produção de um pigmento para fabricação de concreto e argamassas coloridas. “O pigmento é um material de construção utilizado para produzir argamassas e concretos coloridos para fins decorativos. É muito usado em pisos, pavimentação e revestimento”, explica Mário. Uma diferença entre o pigmento produzido no projeto e o pigmento comercial é a cor. O pigmento comercial existe em diversas cores e o feito com lama vermelha e caulim
varia apenas em tonalidades de vermelho, bege e acobreado. A principal diferença, no entanto, está na qualidade do produto. “Os pigmentos vendidos em lojas de material de construção só podem ser incorporados ao cimento em até 5%. A partir daí, apresentam decréscimo de resistência mecânica no concreto. O nosso pigmento pode ser incorporado em até 20%, sem apresentar decréscimo de resistência. Pelo contrário, ele aumenta a resistência e a durabilidade”. No processo de produção, a lama vermelha é a responsável pela coloração e o caulim, quando queimado, vira um material que aumenta a resistência, chamado pozolana.
Produto passa de risco ambiental para solução rentável O principal ponto destacado pelo professor Mário Barata é a matéria-prima do pigmento. “Ele é feito de dois subprodutos industriais aqui da região de Barcarena”, afirma. O professor explica que, no distrito industrial de Barcarena, a empresa norueguesa Hydro Alunorte, que comprou da Vale os direitos de exploração da cadeia produtiva do alumínio na região, gera como resíduo a lama vermelha, que fi ca guardada em lagoas de sedimentação, semelhantes às barragens de Mariana (MG). A diferença entre as barragens da Hydro, em Barcarena, e as da Samarco, em
Mariana, é que o resíduo da primeira tem uma quantidade de água muito reduzida, que minimiza os riscos de rompimento. Mesmo assim, já ocorreram vazamentos de detrito nos rios de Barcarena. Esse detrito é misturado à caulinita fina, que vem da produção de Caulim, também localizada em Barcarena, próxima à Hydro Alunorte. O caulim é uma argila branca, usada geralmente para o recobrimento de papel, cerâmica e fabricação de tinta branca. A caulinita fina, rejeito da produção de caulim, recebe o mesmo destino da lama vermelha, sendo também de-
positada em lagos artificiais. “Essas barragens estão muito próximas uma da outra, então, do ponto de vista logístico, é extremamente atraente para qualquer investidor”, avalia. O que se busca com a pesquisa é um canal de escoamento, para que os resíduos não fiquem nos lagos, causando riscos de acidentes graves. Depois de misturadas, a lama e a caulinita são queimadas a 800ºC e moídas. “Vira um pó, que é misturado ao cimento, cimento com areia (para produção de argamassa) ou cimento com areia e pedra (para produção de concreto)”, explica Mário Barata. O pesqui-
sador diz-se satisfeito com os resultados obtidos e esperançoso de que se possa dar um destino a esses materiais. O pesquisador desenvolveu a pesquisa com recursos do CNPq, por meio de editais de pesquisa. Com os resultados em mãos, ele pretende apresentá-los à Hydro e à Imerys. E motivos não faltam para que essas indústrias decidam apoiar o projeto. Ambas têm histórico de vazamentos das barragens, ou seja, o passivo ambiental apresenta um risco real de acidentes, que, quando ocorrem, mancham a imagem da empresa.
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Sustentabilidade
Tirando o pé do chão batido Laboratório transforma copinhos em pisos para residências Walter Pinto
O
Desenvolvido no Laboratório de Ecocompósitos, o ecopiso foi patenteado pela UFPA.
Laboratório de Ecocompósitos da Faculdade de Engenharia Mecânica, ITEC/UFPA, é exemplo de laboratório que cumpre, com êxito, a articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Seus projetos são desenvolvidos dentro de uma perspectiva da inovação, amplitude social e preocupação ecológica. Desde 2001, o laboratório atua na área de materiais e processos de fabricação. Faz parte da sua natureza investigar novos materiais e estabelecer processos de fusão, com vista a transformar plásticos, vidros e latas descartáveis em novos objetos. No laboratório, o conhecimento científico transforma esses rejeitos em objetos úteis, como lajotas, cadeiras e barcos.
A matéria-prima do laboratório é, por excelência, o resíduo sólido descartado pelos catadores. Copos plásticos usados no cafezinho, serragem produzida pelas serrarias, casca do coco de babaçu, tampinhas de garrafa PET, enfim, aquilo que os catadores desprezam pela rentabilidade extremamente baixa interessa à equipe da professora Carmen Gilda Barroso Tavares Dias, coordenadora do Laboratório. Recentemente, a UFPA passou a deter a patente de um tipo alternativo de piso, produzido com casca de babaçu e copo descartável de café. O ecopiso foi produzido no laboratório de Ecocompósitos e está em vias de ser produzido para uso de moradores de uma pequena vila de pescadores de Colares, município da região nordeste do Pará.
O produto é resultado da pesquisa de mestrado de Poliana Borges Bringel, no Programa de PósGraduação em Engenharia Química, interessada em produzir algo que pudesse beneficiar uma comunidade de abridoras de coco de babaçu, no Maranhão, sua terra natal. Seguindo orientação de Carmen Gilda, Poliana examinou o lixo da comunidade para ver o que poderia ser utilizado. Constatou que, além de casca de coco de babaçu, havia, também, uma expressiva quantidade de copinhos plásticos de café. Copinhos e cascas foram levados ao laboratório. A análise revelou que a casca do coco de babaçu é um resíduo lignino-celulósico extremamente duro e o copinho plástico um polímero (PS), que, associado à casca, em condições específicas, pode resultar numa mistura muito consistente. Fotos Alexandre Moraes
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Nas comunidades, os dias de chão batido estão contatos Na comunidade, muitas casas eram de chão batido, sujeitando seus moradores a diversas doenças. Pensando em melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, os pesquisadores decidiram produzir, com base na fusão copinhos/casca, um piso para as casas. “A regra para que possamos fazer o piso é que ele resista à abrasão, além de possibilitar a higienização eficiente do espaço”, explica a pesquisadora Carmen Gilda. No laboratório, foram determinadas as condições para se preparar as placas para o piso: percentagem de materiais, temperatura ideal de processamento e nível de dureza. Assim surgiu o ecopiso, marca registrada no Instituto Nacional
de Propriedade Industrial. Pesquisas posteriores apontaram para uma alternativa à casca de babaçu. A mesma solidez foi possível alcançar com a substituição por serragem de madeira de lei, tipo sucupira e jatobá, por exemplo. A serragem é uma matéria facilmente encontrada em madeireiras e serrarias. Aparentemente, não há diferença entre o ecopiso e uma placa de cerâmica comercial: dimensões, cor e acabamento tornam difícil diferenciá-los a olho nu. Tal qual a lajota convencional, o ecopiso possui uma face enrugada para facilitar o assentamento à superfície e uma face lisa, que recebe cor e efeitos estéticos. Sua composição química, no entanto, faz a
diferença, com incidência direta no barateamento das placas. Em Colares, município da região nordeste do Pará, os pesquisadores da UFPA resolveram desenvolver o Projeto de Ecopiso numa pequena comunidade de pescadores, de condições habitacionais e de saneamento muito semelhantes às da comunidade piloto, no Maranhão. A ideia é envolver os comunitários em todas as etapas do processo, orientando-os nos procedimentos de fabricação dos pisos e, desta forma, colaborar com a melhoria efetiva da qualidade de vida deles. Os dias de chão batido estão contados na comunidade. Em contato com a Associação dos Pescadores, a
equipe do Projeto Ecopiso ouviu famílias locais expressando a vontade de contar com uma atividade que pudesse gerar algum tipo de renda na comunidade, haja vista a falta de ocupação, agravada pela baixa escolaridade de muitos moradores. No mesmo período, o Banco da Amazônia lançou um edital de incentivo a projetos de sustentabilidade. “Pensamos, então, em levar alguns dos projetos realizados no nosso laboratório para execução na comunidade, com apoio do Basa”, conta Maria da Glória Cristino, professora aposentada de Química, da Escola de Aplicação da UFPA, voluntária do projeto.
O trabalho continua com ou sem financiamento A equipe elaborou um projeto para a Associação de Pescadores, com o objetivo de revestir o chão das casas com ecopiso. O Basa garantiu a liberação de parte do valor orçado, mas um problema burocrático com a documentação da Associação impediu que o financiamento fosse efetivado. O trabalho com a comunidade, no entanto, já se havia iniciado e, conforme garante Carmen Gilda, vai continuar, com ou sem financiamento. “Decidimos tocar o projeto considerando a necessidade da comunidade, o alcance social e sanitário e a simplicidade do processo que criamos”. A primeira etapa do projeto envolveu a comunidade na coleta de matéria-prima. Os moradores conseguiram coletar muitos copinhos plásticos de café e realizaram a lavagem com água sanitária. Em seguida, ocorreu a cominuição dos copinhos (trituração). O projeto enviado ao Basa previa a aquisição de um triturador. Na ausência dele, a tarefa foi feita manualmente, sem nenhuma dificuldade. Em seguida, o material foi acondicionado em sacas.
Os moradores também coletaram serragem de uma serraria próxima à comunidade, mas ela procedia de diferentes tipos de madeira e nem todas com a resistência exigida para o processo de produção do ecopiso. Os moradores foram orientados a coletar serragens apenas de madeiras de lei. “A nossa proposta é envolver a comunidade no beneficiamento das matérias utilizadas no processo. Nossa participação é transformar aquilo que está agredindo o meio ambiente em um objeto de utilidade e de alcance social”, diz a coordenadora do laboratório, Carmen Gilda. Na próxima visita, os pesquisadores irão repassar informações sobre a pressão e a temperatura necessárias para a produção dos pisos. “Para dar acabamento às placas, precisamos de uma prensa hidráulica e uma fonte de calor. Sem o financiamento, usaremos a prensa do nosso laboratório”, informa a coordenadora. “Quando a gente desenvolve um processo e detém uma patente, podemos levar os resultados das pesquisas para comunidades carentes por meio de projetos de extensão.
A Universidade está, assim, contribuindo para melhorar a qualidade de vida daquelas pessoas”, avalia Carmen Gilda. Nessa linha, o laboratório estuda a possibilidade de fabricar barcos com materiais descartados. Caberá às comunidades coletar os rejeitos para a transformação em matéria-prima. Outro projeto está voltado para a produção de cadeiras infantis processadas com tampas de garrafas PET. Além da coordenadora, compõem a equipe do projeto: Maria da Glória Cristino, Maria Lúcia Ohana, Haroldo dos Santos Mota e alunos de pós-graduação do Laboratório de Ecocompósitos.
Depois de coletados, os copinhos de café são lavados com água sanitária e triturados manualmente.
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Fotos Alexandre Moraes
Da pedra para a mesa
Na Pedra do Peixe, a calçada lateral da doca das embarcações, o trabalho começa à meia-noite e segue até às 6h.
A circulação do pescado em Belém do Pará Daniel Sasaki
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culinária paraense é uma das mais singulares de todo o Brasil. O pescado tornou-se um símbolo da gastronomia local e também um dos mais importantes alimentos que movimentam a economia do Estado. Apesar de ser um alimento apreciado por grande parte da população, muitos desconhecem o caminho percorrido pelo pescado até chegar à sua mesa, ou seja, como se dá a circulação do pescado em Belém. Foi com esse objetivo que o professor Luiz de Jesus Dias da Silva, professor adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), ITEC/UFPA, elaborou a Tese intitulada Pedras, Redes e Malha na circulação do pescado do Ver -o-Peso ao meio urbano de Belém
do Pará. A pesquisa foi realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA e orientada pela professora Carmem Isabel Rodrigues De acordo com o professor, o seu interesse pelo assunto surgiu graças a uma disciplina que leciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. “Ministro uma disciplina chamada Ecologia Urbana. Nela, há um exercício de observação de segmentos da cidade. Desde a década de 1990, faço esse exercício com os meus alunos, quando é feita a observação de vários locais sugeridos por eles”, conta. Um dos locais mais sugeridos pelos alunos da disciplina era o Ver-o-Peso. Dentro da maior feira a céu aberto da América Latina, o local mais sugerido era a Pedra do Peixe, localizada na calçada late-
ral da doca das embarcações, no fim da Avenida Portugal e em frente ao Mercado de Peixe. O local é bastante movimentado durante a madrugada, horário em que ocorre a comercialização do pescado. Para Jesus Dias, entender a dinâmica do local e o impacto da circulação do pescado na cidade de Belém era o principal objetivo da pesquisa. “O peixe lá é comprado pelo peixeiro do Mercado de Ferro do Ver-o-Peso, pelos mercados da cidade, pelos supermercados, pelos feirantes e também pelos diversos restaurantes da capital. Todos os que compram em quantidade compram lá e fazem isso formando uma rede social, que mexe com a cidade inteira. É uma microeconomia que se reflete em Belém”, explica o professor.
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Trabalhadores dos barcos e da terra firme Por se tratar de uma pesquisa etnográfica, o professor Jesus Dias esteve, muitas vezes, no local para observar e participar das atividades que são realizadas na Pedra. A rotina de trabalho é intensa e começa antes mesmo de o peixe chegar à Pedra para a comercialização. “Começa com a organização para a pescaria, pois a tripulação se organiza comprando os mantimentos que vão ser utilizados na sua atividade de pesca. Tudo isso já faz parte do processo que vai culminar com a comercialização desse pescado”, relata. Em relação às categorias de profissionais que atuam na cadeia do pescado, Jesus Dias distinguiu-os em duas categorias: os que trabalham nos barcos e os que trabalham em terra firme. Dentro das embarcações, os principais profissionais são: os pescadores, o geleiro ou
barqueiro, que também é dono do barco, o gelador, o cozinheiro e o maquinista. O gelador é um ator social que trabalha no porão do barco recebendo o peixe que é capturado e acondicionado nas urnas com gelo, de acordo com o tamanho e a espécie. Ao chegar à Pedra, estão os trabalhadores de terra. Os peixes são retirados de acordo com as solicitações do balanceiro, que é o encarregado das vendas em terra firme. Ele, por sua vez, tem a ajuda de mais um profissional, o virador, que tem a função de pegar os peixes, que estão retidos em basquetas, da ponta da prancha da embarcação e colocar na caixa do carregador, que já está em cima da balança. “Aí, ocorre uma ajuda de várias pessoas para auxiliar o carregador a carregar essa caixa com pescado, que pesa em torno
de 100 kg. Ele carrega cerca de 100 kg na cabeça e anda em torno de 100 metros até a Praça do Relógio, onde está o veículo que transporta a mercadoria até o destino, isso acompanhado do seu comprador, que é um peixeiro da cidade ou outro comprador que contratou esse profissional”, explica Jesus Dias. As atividades, normalmente, iniciam-se à meia-noite e terminam somente às 6h da manhã, porém nunca chegam a cessar totalmente. “Quando acaba o estoque de peixe no porão, imediatamente, o barco sai para o preparo da pesca. É um ciclo. Mas, quando se comercializou aqui na pedra e passou para a cidade, continua outro fluxo. O pescado vai para a feira e para o mercado. O fluxo só termina na mesa do consumidor final, quando ele está degustando o pescado”, esclarece o pesquisador.
Na Pedra, as relações vão além da compra e venda Para o professor Jesus Dias, o principal diferencial da Pedra são as questões de sociabilidade existentes no local e as redes sociais que se formam para fazer circular o pescado. “Ali, há questões que vão além da simples compra e venda. Além da comercialização, existe a amizade, a confiança, a aliança. O que a minha tese vem trazer é, justamente, a hipótese de que tudo isso é feito por meio de redes sociais. Isso é o diferencial do estudo. As redes sociais são as interconexões entre pessoas para realizar algo. Esse algo pode ser comércio, pode ser transporte, pode ser a comunicação”, afirma. O pesquisador complementa: “essa grande rede social sai da abstração para se materializar na circulação do pescado em Belém, em pleno século xxI, marcando e reproduzindo história, cultura e sociabilidade em rede, envolvendo toda a cidade. Ao longo do tempo, isso cresce proporcionalmente e a gente observa que se mantém com vivacidade desde o Período Colonial, ainda no século xVII, e terá longevi-
dade, até que a sociedade belenense o garanta vivaz no seu meio urbano”. A valorização do pescado como forma de alimento também foi um dos pontos que mais marcaram o pesquisador. “Algo que marcou em mim foi valorizar, culturalmente, essa questão do prato de peixe e observar que o peixe é mais que um alimento, é algo que vem desde a fundação de Belém. Também pude observar o valor cultural daquele local. Ali, a atividade é passada de geração a geração. Todo mundo é família. Quando não é parente, é amizade”, conta o professor. O pesquisador acredita que a Pedra do Peixe também representa uma resistência dos pescadores em relação à sociedade e ao Poder Público. “Essa tese pode servir de embasamento para o Poder Público em uma possível tomada de decisão. Para observar que ali existe cultura, existe um fator histórico-cultural que vem desde a fundação de Belém. A Pedra pode ser vista como uma amostra de resistência diária”, conclui Jesus Dias.
Depois de desembarcar na Pedra, o pescado segue seu fluxo nos mercados, nas feiras e nos supermercados da cidade.
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Resenha Qualidade, Gestão e Processos de Software Sandro R. Bezerra Oliveira
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Serviço O livro pode ser acessado pela URL: http://www. loja.edufpe. com.br/portal/ spring/livro/ detalhe/434.
rganizado por mim e pelo professor Alexandre Vasconcelos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o livro Qualidade, Gestão e Processos de Software, em formato digital (e-book), surgiu de artigos escritos em parceria com alunos, na disciplina de mesmo nome, ministrada no último semestre na Pós-Graduação do Centro de Informática da UFPE, durante a realização do meu estágio pós-doutoral naquela universidade. Publicado pela Editora Universitária da UFPE, o livro trata de conceitos, teorias e principais abordagens sobre gestão, qualidade e processos de software discutidas, em âmbito nacional, pela indústria de software. O objetivo do livro é apresentar e ilustrar como essas abordagens devem ser tratadas e usadas no cenário de desenvolvimento de software para resolver problemas de gestão, qualidade e processos de software. O livro pode atuar como um complemento ao ensino-aprendizagem acerca das melhores práticas usadas para atingir um programa de melhoria organizacional. O título combina três ideias poderosas. Fala de gestão em desenvolvimento de software, de qualidade no processo e produto de software e de assuntos que se referem às abordagens para a melhoria dos processos de software. Qualquer uma das três ideias merece um livro independente, de maneira que escrever só um, e no curto prazo com que contaram os autores, implica uma escolha de conteúdos. Este é um livro sobre as abordagens que são utilizadas em consultorias de melhoria de processos. Não é um livro de consultoria, estes existem e são muito bons, escritos por excelentes consultores. No entanto há muitos conselhos a respeito de como realizar as coisas importantes, as que levam às mudanças sérias, que estão contidas nos temas analisados. A escolha desses temas deu-se por se tratar
de abordagens técnicas que costumamos introduzir, de um modo ou de outro, em nossas consultorias na indústria de software e em ensino nas universidades. Embora favoreça a melhoria do processo organizacional, não é um livro acerca de modelos de melhoria do processo, preferimos que o leitor aprenda essa robusta área nos próprios guias e nos cursos autorizados que são oferecidos. No entanto não há nada no livro que não tenha sido escrito com os conceitos de melhoria do processo em mente. Apesar da extrema relevância a respeito do assunto de gestão, qualidade e processos de software,
percebe-se, na literatura especializada, pouco material bibliográfico em relação a esse tema, escrito em português. Fazendo-se uma busca, pode-se notar um total de cinco livros tratando, de maneira sucinta, de todas as abordagens apresentadas, neste livro, de maneira detalhada, com exemplos de utilização. Além disso, convem mencionar que o trabalho apresentado neste livro foi realizado numa fase de reestruturação do cenário nacional da indústria de software, em que organizações buscam constantemente a implementação de programas de melhoria a fim de favorecer a qualidade dos seus processos de desenvolvimento e dos seus produtos de software. Reprodução
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A História na Charge
#VerãoAmazônia