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ISSN 1982-5994

UFPA • Ano XXXIII • n. 148 Abril e Maio de 2019

Pesquisa reproduz guarás em cativeiro e garante preservação da espécie Páginas 6 e 7

Nesta edição • Aedes aegypti “prefere” clima quente e úmido • Estudo revela a difícil rotina das operadoras de caixa • Professor Leandro Juen é novo membro da ABC


Universidade Federal do Pará

JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Aila Beatriz Inete, Flávia Rocha e Nicole França (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Ilustração: Walter Pinto Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares © UFPA, Abril e Maio, 2019

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Secretário-Geral do Gabinete: Marcelo Galvão Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Maria Iracilda da Cunha Sampaio Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitora de Relações Internacionais: Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Raimundo da Costa Almeida Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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s guarás são aves pernaltas, de pescoço longo, que se destacam em qualquer ambiente, em razão da sua plumagem vermelho-vivo”, descreve Flávia Rocha, na reportagem de capa desta edição. Quem vê as aves cortando o céu das praias da Ilha do Marajó (PA) nem imagina que a conservação dos guarás está sob ameaça. Em tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal (PPGCAN/IMV/ UFPA), a veterinária Stefânia Araújo Miranda elaborou protocolos de manejo, alimentação, incubação e análise de crescimento para filhotes, com o objetivo de garantir a reprodução desses animais em cativeiro. Com vistas às comemorações do Dia do Trabalho, esta edição traz duas reportagens e um artigo sobre o tema. Os pesquisadores Jean René Patrice, Nádia Fialho e Marcel Hazeu discutem a presença dos haitianos na cidade de São Paulo e as diversas formas de exploração às quais eles são submetidos. As reportagens assinadas por Nicole França e Aila Beatriz Inete falam, respectivamente, sobre a desgastante rotina das operadoras de caixa de supermercado e sobre o perfil dos operários da construção civil da Região Metropolitana de Belém. Leia também: Pesquisa relaciona variação climática com casos de dengue em Belém; Aplicativo exercita memória e raciocínio lógico de pacientes com Alzheimer; Dissertação chama atenção para a saúde de pais de crianças com TDAH.

Rosyane Rodrigues Editora

Nesta Edição Haitianos em São Paulo: mobilidade em tempos de crise . .........4 Clima quente e úmido é o “ideal” .....................................5 Mangal reproduz guarás em cativeiro ......................................... 6 Rir para não chorar ........................................................8 “Já é possível produzir sem desmatar” ................................10 Quem são os trabalhadores que constroem a cidade? ............. 12 Tecnologia contra o Alzheimer ........................................ 13 É preciso cuidar de quem cuida! ...................................... 14 Animais sobrevivem às pressões . ..................................... 16 Diálogos com José Saramago .......................................... 18

Foto Alexandre de Moraes


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Opinião Haitianos em São Paulo: mobilidade do capital e política social em tempos de crise

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partir da última década do século XX, o Brasil vivenciou um fluxo migratório expressivo de haitianos em busca de trabalho, a exemplo do que vem acontecendo, na presente década, com a migração de venezuelanos para o País. No caso dos migrantes haitianos, estudos de Patrice (2017) demonstraram que eles foram submetidos a diversas formas de exploração e discriminação desde o momento em que, pressionados por condicionantes políticos e socioeconômicos no Haiti, escolheram o Brasil como lugar de destino, em busca de melhores condições de vida. O estudo partiu do pressuposto de que a inserção dependente do Haiti no sistema econômico capitalista mundial transformou o país em reserva de mão de obra disponível para o recrutamento de migrantes para alimentar o processo de produção capitalista. Esse processo, anteriormente apontado por Galeano (1985), reafirma a lógica, segundo a qual a acumulação produtiva capitalista é baseada na dependência e na incessante exploração da América Latina pelos centros europeus e norte-americanos.

CÍNTIA MARTINS / FREE IMAGES

No caso dos haitianos, os primeiros chegaram ao Brasil ainda na década de 1940, embora o interesse expressivo pelo País coincida com a presença da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), explodindo após o terremoto de janeiro de 2010. A presença das tropas brasileiras no Haiti, a partir da MINUSTAH, teve implicação direta no direcionamento dos fluxos migratórios dos haitianos para o território brasileiro. Dados colhidos por Patrice (2017) confirmaram que a migração rumo ao Brasil representou, no caso dos trabalhadores haitianos em São Paulo, uma forma de recrutamento de força de trabalho destinada à exploração. Os migrantes haitianos entrevistados encontravam-se empregados, em geral como pedreiros e ajudantes de obra na construção civil, além de ajudantes de cozinha e de limpeza em restaurantes e carregadores em supermercados. Segundo Connel (1993), estas são áreas e funções de trabalho consideradas “dirty, dangerous and degrading”, isto é, perigosas e degradantes, geralmente reservadas aos mi-

grantes. Os salários oferecidos não garantem aos trabalhadores responder às necessidades básicas de alimentação, moradia e, ainda, à remessa de dinheiro para suas famílias no Haiti. O rebaixamento salarial impôs aos entrevistados, como única alternativa, tanto a realização de hora extra no trabalho como a convivência em quartos coletivos, nas quais sobrevivem em precárias condições. Os dados da pesquisa de campo revelaram que, em relação aos haitianos entrevistados em São Paulo no ano de 2016, se observou uma tendência à superexploração da força de trabalho desses sujeitos no Brasil. Diferentemente daquela primeira década do século XXI, quando a economia brasileira se encontrava em expansão, na presente década, o Brasil, como economia capitalista subordinada ao sistema mundial, vivencia uma situação de crise econômica e, particularmente, política. Em meio a esse contexto, o País passou a ser alvo de novo fluxo de migrantes, dessa vez, de venezuelanos, em busca de trabalho. A complexidade do tema dos fluxos migratórios na con-

temporaneidade extrapola os limites de uma tragédia humanitária que ela, na sua forma fenomênica, o é, configurando-se numa verdadeira tragédia societária. A precarização da força de trabalho, seja ela migrante ou não, não encontra retaguarda nas políticas sociais e é agravada diante do recrudescimento dos processos migratórios em todo o planeta, particularmente, nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI. Jean René Patrice - professor no Departamento do Serviço Social do Campus Henry Christophe de Limonade de l’Université d’Etat d’Haiti (CHCL/UEH). Mestre em Serviço Social pelo PPGSS/ICSA/UFPA. Nádia Fialho - professora da Faculdade de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (ICSA/UFPA). Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Marcel Hazeu - professor da Faculdade de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (ICSA/UFPA). Doutor em Desenvolvimento Socioambiental pelo NAEA/UFPA.


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Meio ambiente

Clima quente e úmido é o “ideal” Pesquisa relaciona variação climática com casos de dengue em Belém ALEXANDRE DE MORAES

Nicole França

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ransmitida pelo mosquito Aedes aegypti, a dengue possui altos índices na cidade de Belém. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, até 29 de dezembro de 2018, haviam sido confirmados 95 casos de dengue, 3.019 de chikungunya e cinco de zika vírus na capital paraense. Pensando nesse contexto, Marcela Gonçalves Pereira desenvolveu a dissertação O clima tropical e a dengue: Uma análise como subsídio para gestão ambiental municipal. A pesquisa foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM/NUMA) e orientada pelo professor Sérgio Cardoso Moraes. Marcela Gonçalves observou as mudanças meteorológicas que vêm ocorrendo na cidade de Belém e como elas podem influenciar as ocorrências de dengue. Para isso, foi analisado o período de 2007 a 2015. Com os dados, a pesquisadora mapeou a correlação de distribuição temporal de dengue com os parâmetros meteorológicos de bairros que pertencem à bacia hidrográfica do Una. No total, foram estudados sete bairros, sendo eles: Mangueirão, Marambaia, Pedreira, Sacramenta, Souza e parte dos bairros Bengui e Marco. “O objetivo da pesquisa foi conseguir identificar qual a influência climática nas taxas de dengue em uma bacia já saneada, no caso a bacia hidrográfica do Una. Tendo em vista que os bairros da bacia do Una já sofreram

interferências da macrodrenagem, busquei entender qual é o reflexo dessas ações na saúde da população. Procurei compreender de que forma isso pode orientar o Estado na criação de políticas públicas mais econômicas e pontuais para a erradicação da doença”, explicou Marcela Gonçalves. A pesquisadora obteve os dados meteorológicos de pluviômetros convencionais do Instituto de Meteorologia (INMET). Além disso, entrevistou funcionários da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) e da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma).

Chuva, problemas com o saneamento e com a coleta de lixo criam cenário propício para a proliferação do

Aedes aegypti.

Problemas urbanos criam ambiente para o mosquito Com a chegada do verão, as chuvas se tornam mais frequentes e ocorre o aumento do calor. Tal cenário é propício para a proliferação do mosquito Aedes aegypti. Tendo em vista a influência das variações climáticas nas incidências da dengue, a dissertação levantou dados meteorológicos, como a umidade relativa do ar, a temperatura compensada do ar e a precipitação acumulada. A pesquisa aponta que a precipitação pluviométrica intensa (fenômeno relacionado à queda de água do céu), com os problemas no ambiente urbano, como um sistema de escoamento hídrico inadequado (que acarreta alagamentos e inundações), aumenta a possibilidade

da existência de doenças que têm a sua transmissão relacionada à água. “A dengue já é classificada mundialmente como uma doença tropical, de países com clima mais quente e úmido. Em países da Europa, por exemplo, ela já foi erradicada. Isso ocorre também por conta da estrutura sanitária que aqueles países possuem, o que não se observa no Pará e no Brasil. Nós ainda pecamos pela falta de esgoto e de acondicionamento adequado para o lixo”, afirmou a pesquisadora. Foram feitas duas análises: uma focada na temporalidade anual e outra na temporalidade sazonal (média mensal). “Na temporalidade anual, percebeu-

-se que, em Belém, a umidade do ar não teve tanta relação com os índices de dengue, pois ela pouco varia, permanecendo na faixa de 80% a 90%. No entanto, quando se analisa a questão sazonal, que apresenta uma média por mês, identificou-se que ela tem influência direta”, declarou Marcela Gonçalves. A pesquisa também verificou que a temperatura em Belém varia pouco. De acordo com a pesquisadora, a variação chega a meio grau, de forma que pouco influencia as taxas da doença estudada, diferentemente da precipitação, que possui uma ligação forte e direta. A pesquisadora ressalta, ainda, que, apesar de as variações climáticas influenciarem

as ocorrências de dengue, as ações humanas também possuem uma influência na proliferação do mosquito. Para ela, fatores relacionados ao planejamento das ações municipais contribuem para a reincidência da dengue nas áreas analisadas. “Observou-se, com base no arcabouço teórico, que os surtos não deveriam acontecer nessas proporções nas regiões pertencentes à bacia já saneada, o que torna muito mais necessárias ações qualitativas e sustentáveis para Belém”, informou Marcela Gonçalves. Para a pesquisadora, uma gestão integrada entre órgãos do município seria uma ação que contribuiria para a redução de ocorrências de dengue em Belém.


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Veterinária

Mangal reproduz guarás em cativeiro Estudo propõe protocolo que garante a conservação da espécie Flávia Rocha

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s guarás são aves pernaltas, de pescoço longo, que se destacam em qualquer ambiente em razão da plumagem vermelho-vivo. Essa ave é comumente encontrada em áreas costeiras de diversos países, como Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Brasil, Argentina e Trinidad e Tobago, onde é considerada a ave nacional. Por sua condição de animal silvestre, o guará é protegido por

lei, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e o estado de conservação dessa espécie é preocupante. A ave é considerada extinta em lugares onde, antes, era avistada, como Piauí e Rio de Janeiro. A população de guarás também está em perigo no Estado de São Paulo e criticamente ameaçada no Paraná e em Santa Catarina. Na Ilha do Marajó, no Pará, também se nota uma redução populacional da ave. Entre as principais causas do declínio da população de guarás no

Brasil, estão a perda do habitat, a destruição das áreas de nidificação e de alimentação, a caça excessiva, o comércio ilegal, a colheita dos ovos e a venda das penas para adorno. Pensando nisso, a veterinária Stefânia Araújo Miranda escreveu a tese Incubação de filhotes de guará (Eudocimus ruber) no Parque Mangal das Garças: uma ferramenta para a conservação da espécie, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal (PPGCAN/IMV), com orientação da professora Sheyla Farhayldes S. Domingues.

Objetivo é reintroduzir animais na natureza Para o desenvolvimento da pesquisa, Stefânia Miranda elaborou protocolos de manejo e alimentação, incubação dos ovos e análise

de crescimento para filhotes de guará. “O foco é a preservação. Reproduzir esses animais em cativeiro para, futuramente, desenvolver

a reintrodução deles à natureza, além de servir para a reprodução de espécies semelhantes”, afirma a pesquisadora. FOTOS ALEXANDRE DE MORAES


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O estudo foi feito no Parque Mangal das Garças, em Belém, o qual conta com uma comunidade de 97 guarás atualmente. “Nós somos um zoológico com animais em exposição. Como não retiramos os animais da natureza, trabalhamos com a pesquisa voltada à reprodução e ao manejo das espécies que nós temos aqui, no parque, para a manutenção e a diversificação dos indivíduos, por meio de permutas, do nosso plantel”, conta Stefânia. “Nós fizemos a criação artificial de filhotes. Após a coleta dos

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ovos, todos os processos foram feitos artificialmente. Fizemos a incubação durante 23 dias, usando uma chocadeira elétrica, com rotação automática dos ovos a cada duas horas, controle da temperatura e da umidade. Tentamos reproduzir o trabalho dos pais na natureza. Após o nascimento, criamos os filhotes artificialmente, alimentando-os a cada uma hora”, explica a veterinária. Foram selecionados 25 filhotes, os quais foram mantidos no berçário, com aquecimento constante e dentro de ninhos feitos de palha e feno.

Primeiros dias: dieta rica em proteína Depois de saírem do berçário, os filhotes foram divididos em três grupos, que receberam dietas diferentes. A Dieta C consistia numa mistura de ração - que já era utilizada para alimentar guarás adultos - e 150 ml de água; a Dieta S continha a mistura de ração e 100 ml de caldo de camarão; e a Dieta F era feita de ração e 100 ml de caldo de peixe. “Nós testamos três dietas e verificamos que a Dieta F proporcionou a melhor curva de crescimento, por ter uma quantidade de proteína maior. Dessa forma, os filhotes cresceram e ganharam peso mais rápido. Além disso, o peixe se mostra como uma solução, economicamente, mais viável. A dieta com o camarão também foi muito boa e pode ser utilizada. A Dieta C causou o óbito do grupo que se alimentava dela,

então foi parada imediatamente. Chegamos à conclusão de que, no primeiro momento de desenvolvimento do filhote, é necessário que a alimentação tenha um teor proteico maior”, avalia Stefânia Miranda. Na natureza, a principal fonte alimentar dos guarás é o caranguejo, responsável pela coloração vermelha da ave. “O vermelho das penas se deve a um pigmento chamado cantaxantina, que é um derivado do caroteno. O caroteno é o responsável pela cor da cenoura e da casca dos caranguejos e dos camarões, evidenciada quando são cozidos”, explica Stefânia em sua tese. “E por que não usar o caranguejo na dieta artificial? Por vários motivos: preço, dificuldade de armazenamento e aquisição, necessidade de um controle sanitário muito maior, além

de não ser disponível durante o ano todo. Precisávamos de algo viável para os animais e para o zoológico”, afirma Stefânia Miranda. A pesquisa mostra que o uso do protocolo não afetou a coloração natural dos guarás. “Nós observamos que, como na natureza, eles nascem com as penas pretas e dentro de 60 dias começam a aparecer as penas vermelhas. Isso mostra que a dieta artificial foi semelhante à natural, quimicamente falando. O que dá a coloração deles é o caroteno e o caroteno estava presente na ração”, resume a veterinária.

Dieta artificial não alterou a coloração dos guarás. As aves do experimento nasceram com as penas pretas e, depois de 60 dias, as penas vermelhas apareceram.

Maior controle das variáveis e informações mais precisas A tese também elucida certas contradições presentes na literatura sobre as características da ave antes da fase adulta. “Isso acontece porque os estudos são feitos, em sua maioria, na natureza. É mais difícil controlar as variáveis e ter resultados precisos quando o indivíduo se encontra em seu habitat. Aqui, no Mangal, como os animais estão em cativeiro (ou ex situ), conseguimos ter um controle maior das variáveis. Podemos

fazer biometrias corporais, verificar o ganho de peso, acompanhar as mudanças fenotípicas que ocorrem nos filhotes, controlar temperatura, umidade etc. Então, dessa forma, nós podemos coletar mais informações precisas”, explica a autora da pesquisa. Em razão dos bons resultados do estudo, os protocolos criados pela pesquisadora foram adotados como rotina no Parque Mangal das Garças. Os 97 guarás que residem no

parque, atualmente, foram criados com base no procedimento exposto na tese. “O nosso trabalho foi pioneiro na criação artificial ex situ”, revela Stefânia Miranda. “Nós usamos o protocolo para a reprodução e manutenção do plantel, mas também para a permuta, que é a troca de animais entre zoológicos. Recentemente, um zoológico de Poços de Caldas, em Minas Gerais, mandou flamingos para o Pará e nós

enviamos guarás para Minas Gerais”, informa. “O Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Rio de Janeiro, região em que os guarás desapareceram, entrou em contato conosco, pois está interessado em fazer uma reintrodução de guarás no Estado. Estamos trabalhando nesse projeto e, futuramente, gostaríamos de reintroduzi-lo em outros lugares onde a espécie também desapareceu”, planeja Stefânia Miranda.


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Trabalho

Rir para não chorar Operadoras de caixa falam da desgastante rotina de trabalho Nicole França

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trabalho possui uma grande centralidade em nossas vidas. Ele é responsável por agregar conhecimento, gerar nossos bens materiais, nossa subsistência e nossas relações sociais e identitárias. Dessa forma, o trabalho é fundamental para a manutenção da vida humana em sociedade. Mas, mesmo com a sua importância, uma ocupação profissional pode trazer tanto vivências felizes quanto vivências de sofrimento. Estas últimas vivências podem acarretar sérios problemas (físicos e/ou psicológicos) para os trabalhadores. De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Previdência

do Ministério da Economia, em 2017, a dorsalgia (nome técnico para a dor nas costas) foi a maior responsável por afastamentos dos postos de trabalho. Os transtornos mentais e comportamentais também foram responsáveis por afastamentos, de forma que episódios depressivos geraram 43,3 mil auxílios-doença e enfermidades classificadas como transtornos ansiosos corresponderam a 28,9 mil casos. Com o foco em operadoras de caixa de supermercado e baseada na Teoria da Psicodinâmica do Trabalho, a psicóloga Ana Carolina Secco de Andrade Mélou desenvolveu a dissertação “Eu acho graça pra não chorar”: Uma análise da Psicodinâmica do Trabalho de operadoras de

caixa de supermercado. A pesquisa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP/ IFCH) e orientada pelo professor Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira, buscou analisar a organização do trabalho e investigar a dinâmica prazer-sofrimento psíquico dessas trabalhadoras. “De forma geral, a temática da pesquisa é a saúde mental no trabalho, então busquei compreender como funciona o trabalho de operadora de caixa de supermercado e quais as dificuldades contidas nesse cotidiano e, a partir daí, entender suas vivências de prazer e de sofrimento e como elas enfrentam as dificuldades”, explicou Ana Carolina Secco.

Conversa com trabalhadoras de diferentes empresas Para a pesquisa, foram entrevistadas 15 operadoras de caixa, que pertenciam a quatro diferentes empresas de supermercado. “Eu pude ter acesso às entrevistadas por meio do Sindicato dos

Trabalhadores em Supermercados do Estado do Pará (SINTCVAPA), que permitiu que eu ficasse em sua recepção. À medida que as trabalhadoras compareciam ao local, eu fazia o convite para elas

participarem da pesquisa”, explica Ana Carolina Secco. A pesquisadora adotou, como critério para a seleção das entrevistadas, ter exercido ou estar exercendo as atividades de operadora de caixa


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há, no mínimo, um ano ou mais, de forma que a pesquisa contou com participantes que estavam exercendo o cargo e trabalhadoras que compareceram ao sindicato para realizar a homologação da rescisão do seu contrato de trabalho, ou seja, ex-ocupantes

do cargo de operadora de caixa. Ana Carolina Secco ressalta que a escolha por entrevistadas somente do sexo feminino não foi intencional. “Eu busquei o cargo mais emblemático do supermercado por ser, justamente, o que tem mais contato com os

clientes, e todas as operadoras eram mulheres. Esse é um cargo que, via de regra, se atribui ao sexo feminino em razão da construção social sobre o que é ser mulher, de forma que todas as características sociais atribuídas à mulher são transferidas para

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as relações de trabalho. Esta discussão está na dissertação, na ideia das profissões de ‘colarinho rosa’, ou seja, nas ocupações profissionais atribuídas ao sexo feminino, configurando o que se conhece como divisão sexual do trabalho”, afirma.

Unanimidade: expediente prolongado e dores na coluna As entrevistas possibilitaram que Ana Carolina Secco compreendesse questões relacionadas às condições de trabalho e às vivências das operadoras de caixa, o que permitiu à pesquisadora analisar a repercussão dessas questões sobre a saúde das trabalhadoras. Um problema apontado pela pesquisa, com relação às condições de trabalho, foi o mau funcionamento das esteiras do caixa. “Quanto à questão física, a operadora se vê obrigada a esticar os braços,

puxar ou levantar produtos pesados, ocasionando mais desgaste físico. Às vezes, o cliente ajuda colocando os produtos mais próximos da operadora, mas, na maioria das vezes, o mau funcionamento das esteiras torna o atendimento mais difícil, gerando reclamações e hostilidade por parte dos clientes. Durante as entrevistas, foi visível o incômodo das operadoras ao relatar esta situação. A cadeira inadequada foi outro ponto de reclamação quanto à estrutura física de trabalho.

Todas mencionaram esse fato. Em função disso, as queixas de dores e desconforto na coluna foram unânimes entre as entrevistadas”, explicou a pesquisadora. No que diz respeito às dificuldades vivenciadas no desempenho do cargo, a pesquisadora identificou um ponto comum mencionado pelas trabalhadoras: a jornada de trabalho e o desempenho de horas extras. Segundo Ana Carolina Secco, as operadoras têm consciência da necessidade do cumprimento de

horas extras em dias de maior movimento, no entanto a insatisfação das trabalhadoras está relacionada ao fato de o prolongamento da jornada de trabalho ter se tornado rotineiro. A insatisfação das trabalhadoras não se concentra somente no constante atraso do horário de saída, mas também no desrespeito aos intervalos durante a jornada de trabalho, o que representa prejuízo para a alimentação e pode acarretar, por exemplo, problemas gástricos.

Autocontrole diante de ofensas gera desgaste emocional Por estarem no atendimento, as operadoras de caixa são o ponto de ligação entre o cliente e a empresa. Elas

são as primeiras a receberem as queixas dos clientes, muitas vezes expressas de maneira ríspida e desrespeitosa. “Durante as entrevistas, elas disseram que são frequentemente atacadas pelos clientes com termos ofensivos, e isso gera uma grande demanda emocional. Todas apontaram esse problema como uma fonte de sofrimento no trabalho. Sobre a relação com as chefias, várias operadoras afirmaram que há pouco espaço para diálogo. As operadoras afirmam que não se sentem compreendidas em suas necessidades e, muitas vezes, se percebem sem apoio”, declarou Ana Carolina Secco. A pesquisa também identificou quais são as atitudes adotadas para suportar a rotina de trabalho, e entre elas está a crença religiosa. Segundo Ana Carolina Secco, tal atitude é tomada com o intuito de se manter tolerante mediante o cliente e a empresa, para que elas possam continuar trabalhando. Outra atitude tomada pelas trabalhadoras era a de refletir sobre a necessidade do

emprego, pois tal emprego representa grande parte da renda das famílias das entrevistadas. O riso também foi tido como uma forma de enfrentamento. “Durante as entrevistas, no momento em que elas falavam sobre as dificuldades, elas riam. O título da dissertação foi retirado de uma entrevista: ‘eu acho graça para não chorar’. Tal frase foi muito simbólica, porque o riso foi uma forma que essa pessoa encontrou para enfrentar os problemas vivenciados”, avalia a psicóloga. De acordo com Ana Carolina Secco, para garantir qualidade na rotina de trabalho, tanto para as operadoras de caixa quanto para os trabalhadores em geral, “é necessário que a empresa entenda que a escuta dos trabalhadores no ambiente de trabalho é importante. Isso é fundamental para que a pessoa possa manter uma relação saudável com o seu trabalho. Sendo assim, é necessário incorporar essa compreensão na cultura organizacional da empresa por meio de ações estudadas e desenvolvidas pela empresa”, concluiu.


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Entrevista

Leandro Juen

“Já é possível produzir sem desmatar” Afirma Leandro Juen, novo membro da Academia Brasileira de Ciências Walter Pinto

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m momento especialmente delicado em que a pesquisa e o ensino no Brasil vêm sendo tão contestados, a indicação para membro filiado da Academia Brasileira de Ciências foi recebida pelo biólogo Leandro Juen de forma prazerosa e gratificante. No período 2019 – 2023, ele representará a Região Norte na entidade, que tem como objetivo promover a ciência de qualidade, visando dar subsídios científicos à formulação de políticas públicas no País. Professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA e dos Programas de Pós-Graduação em Ecologia (PPGEco), Zoologia (PPGZool) e Ecologia e Pesca (PPGEAP), Juen acredita que a indicação é um reconhecimento por todo o trabalho de pesquisa e ensino que o grupo de biodiversidade da UFPA vem realizando ao longo de anos. Entende que se trata de uma oportunidade adicional para pautas importantes da Região Norte serem discutidas dentro da sociedade. Leandro Juen nasceu no Paraná, fez graduação em Mato Grosso, mestrado em Minas Gerais e doutorado em Goiás, nas áreas de Entomologia, Ecologia e Evolução. Nesta entrevista, ele destaca a grande contribuição que os programas de pós-graduação da Região Norte têm dado na formação de pesquisadores qualificados à condução de estudos sobre a biodiversidade.

Amazônia e riscos ambientais Um dos grandes problemas da Amazônia, localmente, é a baixa resiliência dos seus ecossistemas. Além disso, a fertilidade do solo da Amazônia

é sustentada pela ciclagem da matéria orgânica que cai, constantemente, no solo, proveniente de folhas e troncos das próprias árvores. Quando retiramos a floresta para atividades antrópicas, como pecuária e agricultura, esse ciclo é interrompido, e a pequena parte fértil é rapidamente consumida, tornando o solo pobre em nutrientes, em pouquíssimo tempo. Nesses locais desmatados, observamos que, quando a fertilidade do solo diminui e a produção/eficiência também decresce, a área é abandonada e outra área é desmatada para a nova atividade. Não há interesse em melhorar o solo e continuar naquele local, o desmatamento continua acontecendo mesmo sabendo que o tempo de uso dessa nova área será bastante efêmero. Em virtude dessas características, a Amazônia, apesar de suas dimensões, corre mais riscos quando comparada a outros biomas, uma vez que ela é totalmente dependente de sua biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos que asseguram o funcionamento do bioma. A conservação desse bioma não deve ser uma prioridade regional, pois os impactos sobre a Amazônia não têm uma escala somente local, mas continental. Isso porque, além do que reportamos acima, com o desmatamento da Amazônia, também teremos alterações nos regimes de chuvas, e isso influenciará os rios voadores, que são responsáveis por parte das chuvas que caem no Sudeste e Sul do Brasil e da América Latina.

Produção de alimentos e biodiversidade A população mundial continua aumentando e, com

ela, a demanda por alimentos. Porém essa produção precisa ser realizada de modo sustentável, para não colocar em risco a sobrevivência humana, logo a produção precisa ocorrer com inovações tecnológicas, respeitando a legislação ambiental. O Brasil já detém tecnologias eficientes para continuarmos produzindo, ou aumentarmos a produção, sem precisar intensificar o desmatamento ou destruir ambientes naturais. Adicionado a isso, já temos trabalhos científicos mostrando que a produção agrícola é maior em áreas em que se conserva a biodiversidade, uma vez que, nas áreas de remanescentes florestais, é possível a conservação dos polinizadores e de inimigos naturais de pragas das lavouras. Isso levaria a uma menor necessidade de agrotóxicos para a eliminação das pragas, em virtude da conservação dos serviços ecossistêmicos. Para compatibilizar essas duas práticas, são necessárias as políticas públicas que visem implementar medidas que favoreçam práticas amigáveis à biodiversidade e à produção. Junto a isso, é importante investir em educação e tecnologia para que trabalhem juntas, pensando no bem social. Já individualmente, podemos exercer nosso poder de pressão, consumindo, preferencialmente, produtos de empresas que respeitam a legislação ambiental e adotam boas práticas ambientais. Por último, vale ressaltar que manter a floresta amazônica conservada, muitas vezes, é mais lucrativo do que aumentar as áreas de pecuária e agricultura. Isso ocorre em virtude do potencial econômico que tem a sua biodiversidade, possibilitando o desenvolvi-

mento de novos medicamentos, alimentos, cosméticos e patentes para o País e, com isso, aquecendo a economia brasileira e melhorando a qualidade de vida da população que vive nesse local.

Espécies não conhecidas Infelizmente, nossa capacidade de gerar conhecimento da biodiversidade é bem menor do que a velocidade da alteração e da degradação ambiental e, em virtude disso, muitas espécies são extintas até mesmo antes do conhecimento de sua existência pela ciência. É muito comum encontrar trabalhos sobre descobrimento de novas espécies para qualquer grupo biológico. Por exemplo, não faz muitos anos que uma nova espécie de boto foi descoberta no Rio Araguaia. Se imaginarmos que isso ocorre em um organismo como um vertebrado, que, em geral, são os mais estudados e a probabilidade de encontro é grande, imagine para organismos pequenos ou microscópicos, como os insetos e as algas, ou seja, temos muito ainda para descobrir. Para vários grupos existentes, as estimativas do número de espécies que faltam ser descritas são muito elevadas. Como exemplo, a ordem Ephemeroptera de insetos aquáticos, de cujo real número de espécies existentes, somente conhecemos 10%. No entanto o problema não é apenas detectar a nova espécie, vai além disso. Ao perder seu registro, perdemos também a informação de sua distribuição e, consequentemente, dos fatores ambientais que afetam a presença ou a ausência da espécie em de-


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terminado local. Isso é muito preocupante. Com base nessas informações, cientistas e tomadores de decisão no nosso país criam estratégias para a preservação da biodiversidade e utilizam-nas para decidir qual é um bom local para a implementação de uma Unidade de Conservação e, assim, conseguirem conservar um maior número de espécies possível. Sem sombra de dúvida, esse cenário, apesar de desesperador, só não é pior em virtude da grande contribuição que os programas de pós-graduação da Região Norte têm dado na formação de pesquisadores qualificados para conduzir estudos nessas áreas, bem como no registro da biodiversidade.

Mudanças climáticas Entre os pesquisadores é cada vez maior o consenso de que as alterações climáticas, ao longo da história evolutiva, tiveram grande importância sobre o padrão de diversidade que temos hoje. No entanto a velocidade dessas mudanças climáticas, atualmente, é bem maior do que as que ocorreram no passado e, consequentemente, os impactos são ainda maiores. Como forma de resposta, algumas espécies podem ampliar suas áreas de distribuição, bem como deslocar-se para áreas mais favoráveis, enquanto outras podem ter uma redução de suas áreas de distribuição, aumentando, assim, o risco de extinção em

razão dos efeitos genéticos deletérios provocados pela redução e fragmentação da população. Com isso, corremos um sério risco de que as unidades de conservação existentes hoje podem não ser suficientes para a conservação da biodiversidade, em virtude de a probabilidade da distribuição das espécies mudar no futuro. Além disso, temos o efeito direto das mudanças nas espécies. Alguns estudos já mostram que o aumento de poucos graus na temperatura da água dos riachos pode levar a uma diminuição do tamanho dos peixes, ou até mesmo de seu tempo de vida. Na Amazônia, deparamo-nos com variações climáticas, como o

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El Nino (que resulta do enfraquecimento dos ventos alísios e do aumento da temperatura do pacífico), que tem levado à mortalidade de muitos grupos. A mortalidade de algumas espécies afeta a composição de espécies daquele local e o funcionamento do ecossistema como um todo. Atualmente, estamos trabalhando em um projeto para modelar a distribuição de espécies de diferentes grupos com o objetivo de analisar a vulnerabilidade destes diante das mudanças climáticas. Os resultados preliminares apontam que os impactos previstos para a biodiversidade também podem ter consequências bastante negativas até mesmo para a produção agrícola. ALEXANDRE DE MORAES


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Engenharia

Quem são os trabalhadores que constroem a cidade?

Dissertação traça perfil daqueles que fazem a construção civil na RMB

ALEXANDRE DE MORAES

Aila Beatriz Inete

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trabalho já foi tido como sinônimo de escravidão, ausência de capacidade intelectual e servidão. Mas, atualmente, possuir trabalho é ter dignidade. A professora de Sociologia Suzana Albornoz diz que o que distingue os homens dos animais é a consciência e a intencionalidade para o trabalho. Lourdes Oliveira e Souza, orientada pelo professor Dênio Ramam Carvalho, defendeu a sua dissertação Perfil do Trabalhador da Construção Civil da Região

Metropolitana de Belém – PA no Programa de Pós-Graduação de Engenharia Civil (PPGEC). Segundo Lourdes, a indústria da construção civil é de suma importância para a economia brasileira, e o tema é pouco abordado em pesquisas. A pesquisa visa desenhar o perfil do trabalhador da construção civil da Região Metropolitana de Belém, identificar o conhecimento da categoria sobre segurança e saúde do trabalhador e comparar o perfil encontrado aqui com aqueles encontrados por outros autores

em diversas cidades do Brasil, ressaltando suas convergências e divergências. Para traçar os perfis, a engenheira aplicou questionários e realizou entrevistas em vários canteiros de obra da cidade, durante o ano de 2014, alcançando 450 trabalhadores. “Após a coleta de dados, elaborei uma tabela geral, com todas as respostas. Posteriormente, organizei gráficos e novas tabelas traçando o perfil desses trabalhadores”, relembra Lourdes Souza. Segundo Lourdes, o trabalhador de Belém não é muito

diferente dos trabalhadores de outras regiões do País. Ela chama atenção para o nível de escolaridade dos empregados, o qual é superior ao de outros Estados. “Aqui, em Belém, 32% dos entrevistados possuem ensino médio completo. Há Estados em que 50% dos trabalhadores têm nível fundamental incompleto” revela a engenheira. Na RMB, os trabalhadores têm idade entre 18 e 25 anos. São jovens, quando comparamos com os resultados de outras pesquisas, que indicam idade média superior a 30 anos.

Mulheres ainda estão em menor número nos canteiros de obras Na pesquisa, é possível observar a porcentagem de trabalhadores casados e solteiros. Os casados têm uma leve predominância sobre os solteiros, 49,5% e 48,7%, respectivamente. Mais de 70% dos trabalhadores recebem até dois salários mínimos, e a maioria é servente. A maior parte dos operários utiliza o ônibus como principal meio de transporte até o local de trabalho. “Suas principais despesas são com alimentação e vestuário, porém os gastos com eletrônicos e celulares têm crescido muito”, afirmou a pesquisadora.

É possível observar também a predominância do sexo masculino nas obras: 96% são homens e apenas 4% mulheres. “A indústria da construção civil demanda bastante força e vigor físico, o que, em geral, não condiz com a condição física da mulher. Geralmente, elas trabalham em áreas mais leves sendo azulejistas, ceramistas, rejuntadoras e encanadoras”, afirmou Lourdes Souza. Aqui, em Belém, 69,1% dos funcionários possuem casa própria, 20,7% moram de aluguel e 10,2%, em casa de parentes.

Quanto à segurança e à saúde no trabalho, 29% possuem algum curso na área, e a maioria conhece os riscos aos quais está exposta. Quase todos utilizam os equipamentos de proteção individual fornecidos pelas empresas. No entanto 21% já sofreram algum tipo de acidente e 13% já foram afastados por esse motivo. A baixa escolaridade restringe o processo de qualificação e ascensão profissional. “O aprendizado do operário é feito na própria obra. Com o tempo, eles vão adquirindo conhecimento com os mais antigos e vão ascendendo. Isso acontece

demais na construção civil”, conta Lourdes Souza. Segundo a engenheira, um funcionário com mais escolaridade tem facilidade para compreender e interpretar plantas, operar máquinas, conhecer projetos hidráulicos e elétricos, criando mais chances de ascensão profissional e melhores salários. “Esperamos que a divulgação desse estudo provoque questionamentos e gere novas pesquisas sobre essa categoria”, afirma a engenheira. Ela ainda propõe que novas pesquisas sejam desenvolvidas, alcançando trabalhadores de todo o Pará.


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Terapia

Tecnologia contra o Alzheimer Aplicativo exercita memória e raciocínio lógico de pacientes FOTOS ACERVO DA PESQUISA

Aila Beatriz Inete

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Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, progressiva e crônica. Não tem cura, mas tem tratamento. O sintoma mais conhecido é o deficit cognitivo, que normalmente atinge os idosos. Com o intuito de criar dispositivos que ajudassem as pessoas com Alzheimer, a professora Katia Maki Omura e os alunos Alanna Ferreira e Ailson Freire criaram o MemoryiLife, aplicativo de memória para pacientes com a doença. Alanna Ferreira e Ailson Freire, à época estudantes dos cursos de Graduação em Terapia Ocupacional e em Engenharia da Computação, respectivamente, uniram o interesse em criar um produto e, com a professora, responderam ao edital Universitec/ Startup-lab, que selecionou ideias inovadoras e tecnológicas dentro da UFPA. A ideia do aplicativo acabou se tornando um projeto de pesquisa e extensão da Faculdade de Terapia Ocupacional. “Desde janeiro, nós estamos avaliando o aplicativo. Estamos trabalhando com aspectos da cognição importantes no dia a dia dos pacientes e vamos manter essa avaliação o maior tempo possível, pois sabemos que a doença evolui”, esclarece a professora. A equipe foi motivada pela carência de material para ser utilizado com pacientes com Alzheimer. “Quando eu clinicava, tinha muita difi-

culdade em encontrar recursos para os meus pacientes idosos, especialmente recursos mais interativos e relacionados ao cotidiano deles”, declarou Katia Maki Omura. O aplicativo desenvolvido é indicado para todos os estágios da doença, pois ilustram funções do dia a dia do paciente. O Alzheimer não tem cura, e os tratamentos focam os sintomas, que são: perda de memória, dificuldade em pensar e compreender, desorientação, incapacidade de fazer cálculos simples, incapacidade de reconhecer coisas comuns ou perda de memória recente. Existem várias teorias que tentam explicar o que pode levar essa morte neuronal, mas nenhuma conseguiu explicar, exatamente, o que causa isso. “Já nos estágios mais avançados, a perda de neurônios é tão acentuada que o paciente apresenta deficit motores ao ponto de não conseguir articular a fala, perder os movimentos e ficar acamado”, explica a professora Kátia Omura. Dificilmente, alguém apresenta sintomas que indiquem que desenvolverá o Alzheimer no futuro. “Às vezes, a doença aparece em pessoas de 40 anos, mas é muito raro. No geral, começa com lapsos graves de memória de fatos que uma pessoa comum não iria esquecer. Esses lapsos são diferentes dos esquecimentos por estresse ou agitação”, afirma a professora.

Exercício, inclusão digital e fortalecimento familiar O aplicativo possui duas categorias de jogos: um de memória e o outro de lógica. O de memória tem dois jogos, memória visual e memória auditiva; e o de lógica possui um jogo para organizar o dinheiro. No de memória visual, o paciente precisa verificar os objetos relacionados a escovar os dentes e, depois, identificar qual dos objetos sumiu. No de memória auditiva, é preciso

identificar os sons que ele ouve e relacioná-los com o objeto ou o animal que está na tela refletido. Por exemplo, se for um latido, o paciente precisa identificar e apertar na imagem do cachorro. No jogo de lógica, surgem várias cédulas na tela, e o paciente precisa apertar as imagens em ordem crescente de valor. Então, vão aparecer moedas de R$ 1,00, R$0,50 e R$0,25. A resposta correta é

apertar a de R$0,25. Segundo a professora Kátia Omura, o jogo de lógica é o favorito dos pacientes por estar muito próximo da rotina deles. “Nós estamos aplicando uma avaliação cognitiva antes. Vamos fazer o treino com o aplicativo e vamos aplicar novamente a avaliação para verificar se melhorou alguma pontuação dentro dessa escala”, explica a professora. Atualmente, a equipe

trabalha em uma atualização para o aplicativo, a qual acrescentará mais jogos e funcionalidades. Os laços afetivos, enfraquecidos pela doença, podem ser fortalecidos com o uso do aplicativo. “O memoryiLife inclui, digitalmente, o idoso. Alguns pacientes jogam com ajuda dos netos. É uma forma de fazer essa ligação geracional e aproximar a família”, avalia Kátia Omura.


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Psicologia

É preciso cuidar de quem cuida! Saúde de pais de crianças com TDAH merece atenção especial Flávia Rocha

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egundo a Associação Brasileira de Deficit de Atenção, o Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de base genética, que se inicia na infância e, frequentemente, acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Quando a criança apresenta os sintomas típicos do transtorno, como desatenção, impulsividade e hiperatividade, ou a combinação dos três, ela é vista como alguém que apresenta dificuldades comportamentais nos contextos sociais. Isso provoca dificuldades não só na relação entre pais e filhos, mas também na relação dos pais com o seu próprio senso de competência como responsável por aquela criança. “O paciente com TDAH tem dificuldades de controlar os seus impulsos, então ele briga um pouco mais na escola, tem uma inabilidade social mais elevada, tem dificuldade em resolver os seus problemas de maneira habilidosa”, afirma a psicóloga Carolina Moraes Dourado,

autora da dissertação Autoeficácia e percepção de mães e avós de crianças com características do TDAH, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC/ NTPC), com orientação da professora Simone Souza da Costa Silva. De acordo com a pesquisadora, autoeficácia parental é o senso de competência dos pais para desempenhar as tarefas relacionadas ao papel de cuidador. Considera-se que a maneira como estes cuidadores se percebem influencia, direta ou indiretamente, o desenvolvimento da criança. O estudo foi realizado no Centro de Atenção de Saúde da Mulher e da Criança (CASMUC), ligado à Faculdade de Medicina da UFPA. “O objetivo da primeira parte da pesquisa era, além de verificar o senso de competência parental, identificar o senso de competência geral dos cuidadores, ou seja, o quanto eles se sentem confiantes diante de eventos da vida, como fazer amizades e solucionar problemas de seu cotidiano. Outra técnica uti-

lizada foi a entrevista exploratória ou entrevista anamnésica, que fez um levantamento sociodemográfico desses cuidadores e traçou um perfil clínico das habilidades da criança a partir da percepção dos pais. Na segunda parte, fizemos entrevistas individuais e em grupo, para levantar questões pré-selecionadas durante a pesquisa”, explica Carolina Dourado. O estudo teve 24 cuidadores acima de 18 anos, pais de crianças com TDAH, de 6 a 12 anos. A dissertação aponta que a maioria dos participantes eram mães biológicas das crianças, e cerca da metade delas se dedicava exclusivamente ao papel de cuidadora. “Este dado é recorrente em outros estudos, uma vez que ainda são frequentes os episódios de mulheres que, quando confrontadas com o diagnóstico da criança, abrem mão de suas tarefas extradomiciliares e assumem as responsabilidades pelo cuidado do filho”, relata Carolina Dourado. A maioria das crianças era do sexo masculino e apresentava TDAH combinado, isto é, era desatenta e impulsiva/hiperativa.

Autoeficácia parental rebaixada pode gerar danos “Algo que já vem sendo colocado pela literatura, e nós pudemos confirmar, foi que os principais cuidadores de crianças com alguma alteração no desenvolvimento, como autismo e síndrome de down, apresentam autoeficácia parental rebaixada, e repete-se com cuidadores de crianças com TDAH. Isso pode resultar em problemas de baixa autoestima e em outros danos à saúde psicológica desses cuidadores, como ansiedade, estresse, até depressão”, revela Carolina Moraes Dourado. É possível notar também disparidades entre os índices de autoeficácia parental e geral dos cuidadores participantes. “Ter competência no meu senso de

educação parental se difere muito do quanto eu me sinto competente como pessoa e vice-versa. Em famílias com crianças com alterações no desenvolvimento, há uma certa reorganização da vida pessoal do cuidador em virtude dos cuidados de que a criança necessita, privilegiando seu papel como pai ou mãe e deixando, em segundo plano, suas necessidades pessoais”, explica Carolina. “No entanto é importante destacar que não necessariamente um pai que tem uma criança com TDAH apresenta esse senso rebaixado. O estudo é um recorte de apenas uma comunidade parental. Nós não queremos que haja uma generalização desse resultado,

porque a autoeficácia parental depende de muitas influências: do contexto social do indivíduo, de como pais e filhos estão sendo assistidos etc.”, esclarece a psicóloga. Na avaliação de Carolina Dourado, a pesquisa apresenta implicações mais amplas, pois, ao conhecer o perfil dos pais e suas habilidades diante das dificuldades de suas crianças, é possível pensar em estratégias de como ensiná-los a lidar melhor com essa realidade. Para realizar a avaliação cognitiva das crianças participantes, foi usado o Wisc IV. “É um teste muito utilizado na área da psicologia para avaliar o perfil cognitivo das crianças, incluindo aquelas


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sem o transtorno. Fizemos essa opção por ele estar relacionado à ‘inteligência cristalizada’, aquela obtida por meio da escolaridade,

do conhecimento formal. Como muitas características do TDAH estão relacionadas às dificuldades escolares, esse foi o instrumento

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mais adequado. Ele avalia atenção, percepção visual e auditiva, vocabulário, entre outras habilidades”, afirma Carolina Dourado.

Serviços de apoio existem, mas ainda demoram A pesquisa aponta que 33,3% das crianças participantes apresentavam outras dificuldades além do TDAH, como transtorno de aprendizagem e transtorno de fala, o que impacta seu desenvolvimento acadêmico e social. “No grupo de cuidadores com alta percepção de autoeficácia, a média do Quociente de Inteligência Total (QIT) das crianças foi maior (84,33%), comparada à média do QIT das crianças (66,45%) do grupo de cuidadores com baixa autoeficácia. Considerando uma descrição qualitativa, as crianças dos cuidadores com alta autoeficácia apresentaram, no momento da coleta de dados, QIT com média inferior (escore de 80 a 89). Já as crianças dos cuidadores c o m baixa autoeficácia apresentaram, no momento da coleta de dados, QIT extremamente baixo (escore igual ou menor que 69)”, descreve a psicóloga em sua dissertação. “O perfil cognitivo das crianças é influenciado por questões multifatoriais, como condição social, estimulações cognitivas, genética e os resultados do Wisc se baseiam, principalmente, nas habilidades adquiridas formalmente. Então nós não vamos chegar a uma resposta definitiva se a autoeficácia rebaixada dos pais exerce algum papel sobre o resultado do Quociente de Inteligência das crianças apenas por meio deste estudo. O que se pode dizer é que a forma como os pais lidam com o filho influencia o comportamento dele”, afirma Carolina. Durante a entrevista em grupo, os cuidadores foram questionados sobre a sua percepção a respeito do TDAH. “Observou-se que, apesar dos pais perceberem alguns comportamentos como positivos, eles também apresentam contrapontos q u a n t o a impressões negativas”, diz Carolina. Eles afirmam que ainda existem concepções erradas sobre o TDAH, que seus filhos sofrem bullying (dentro e fora do ambiente escolar) e que, apesar de os serviços de apoio existirem, o agendamento demora, atrasando o diagnóstico e as intervenções reabilitacionais. Carolina Dourado destaca que um dos motivos da baixa autoeficácia parental presente em famílias com crianças com TDAH é a falta de informação. “Descobrir-se cuidador de uma criança com necessidades especiais requer a construção ou reconstrução de papéis, na qual estão envolvidos ajustes psicológicos e a utilização de recursos pessoais de enfrenta-

mento. Uma das formas de intervenção ao TDAH se chama ‘treinamento parental’, que leva informação psicoeducativa para os pais e cuidadores”, explica a pesquisadora. De acordo com Carolina Dourado, os resultados da pesquisa devem ser usados para criação de políticas públicas que auxiliem essas famílias, incentivando práticas que promovam a saúde mental de quem cuida e de quem é cuidado.

ALEXANDRE DE MORAES


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Altamira

Animais sobrevivem às pressões Pesquisador descreve diversidade de aves e mamíferos na Terra do Meio Nicole França

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Estudo foi realizado nos anos de 2014, 2016 e 2017, identificando 47 espécies, entre elas o jacu (Penelope pileata) e o catitu (Pecari tajacu)

egundo dados levantados pelo Ministério do Meio Ambiente e pela comunidade científica, o Brasil apresenta a maior biodiversidade do planeta, com mais de 20% do número total de espécies da Terra. Tal dado leva o País ao posto de principal nação entre os países megadiversos. No entanto essa diversidade pode ser prejudicada por problemas como as mudanças climáticas, a caça e o desmatamento. Pensando nisso, Victor Saccardi desenvolveu a dissertação Diversidade de mamíferos e aves cinegéticas na Terra do Meio. A pesquisa foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação do Campus de Altamira e orientada pelo professor Emil José Hernández Ruz. “A dissertação buscou descrever a diversidade de mamíferos de médio e grande portes e de aves,

com enfoque na fauna cinegética (espécies que são caçadas para alimentação) de três unidades de conservação federais. Para isso, foram documentadas a riqueza e a estrutura dessas comunidades, gerando estimativas de densidade, abundância e tamanho das populações”, afirma Victor Saccardi. A área analisada foi a região da Terra do Meio, localizada no centro-sul do Pará. A região é composta por um conjunto de áreas protegidas que apresentam diversas pressões de degradação e são habitadas por populações tradicionais indígenas e ribeirinhas. Para a coleta de dados, foram escolhidas três unidades de conservação federais da região, geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), sendo elas a Estação Ecológica da Terra do Meio, o Parque Nacional da Serra do Pardo e a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio.

O estudo teve uma grande relevância, uma vez que a área é pouco estudada em razão das dificuldades logísticas, da distância e do tamanho das áreas. Segundo Victor Saccardi, a dissertação trouxe as primeiras informações sobre a diversidade de aves e mamíferos coletadas em campo, na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio. “A pesquisa trouxe, primeiramente, uma informação básica, que é saber quais são as espécies presentes nas áreas. O segundo passo é entender qual o atual estado de conservação dessas espécies e como estão suas populações. Em comparação com os outros estudos conduzidos na região, este trabalho foi capaz de identificar o maior número de espécies, demonstrando a importância de utilizar diferentes métodos que se complementam, buscando abranger a diversidade de hábitos dessa fauna”, destaca Victor Saccardi. FOTOS ACERVO DO PESQUISADOR


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Três anos de estudo e 835 quilômetros percorridos A pesquisa foi realizada nos anos de 2014, 2016 e 2017. Para a análise das áreas selecionadas, foram implantadas três trilhas de cinco quilômetros, demarcadas e georreferenciadas a cada 50 metros, em cada unidade de conservação. No total, considerando somente as trilhas, foram percorridos 835 quilômetros. A partir disso, o pesquisador pôde identificar 47 espécies. Algumas dessas espécies são: Catitu (Pecari tajacu), Anta (Tapirus terrestris), Macaco-Cara-Branca (Ateles marginatus), Porcão (Tayassu pecari) e Onça-Pintada (Panthera onca). O estudo coletou dados, como a espécie, o número de animais, a hora e a distância em

relação às trilhas. Tal técnica foi utilizada, posteriormente, nas estimativas populacionais das espécies. “Esta técnica é conhecida como levantamento por transecção linear, permitindo obter estimativas populacionais, mesmo sem detectar todos os indivíduos de uma população. Para as estimativas populacionais, também foi utilizado o Programa Distance 7.0”, explica Victor Saccardi. O pesquisador coletou, ainda, dados indiretos sobre as espécies, como rastros, vestígios e vocalizações. Além da observação da fauna local, o estudo também levantou informações sobre a ocorrência de caça nas áreas. Foi realizada, ainda, uma comparação entre as

estimativas de densidade, as quais não evidenciaram grandes diferenças entre as três unidades de conservação, de forma que mesmo as áreas com maior presença de caça não apresentaram diferenças significativas quando comparadas com as áreas de menor presença de caça. Sendo assim, as três unidades de conservação são bastante semelhantes na estrutura da comunidade de mamíferos e aves cinegéticas. No entanto o pesquisador ressalta que essas análises precisam ser feitas com cautela. “Apesar do grande esforço amostral e dos quilômetros percorridos ao longo dos três anos na presente pesquisa,

respostas concretas e robustas para evidenciar diferenças entre as áreas e indicar consequências sobre as populações naturais necessitam de um esforço amostral elevado, aumentando-se o número de trilhas, os quilômetros percorridos e a amostragem ao longo do tempo, durante mais anos”, avalia. Victor Saccardi afirma que, mesmo após a conclusão da dissertação, as pesquisas continuam. “Em 2018, embora não tenha sido possível realizar coletas em todas as trilhas, novas informações entraram no banco de dados e novas análises poderão ser feitas, aumentando a confiança e a robustez das análises”, informou.

Unidades de conservação garantem bem-estar de todos O pesquisador salienta que estudos sobre a biodiversidade têm grande relevância para a conservação da região. “A pesquisa envolve diversas espécies ameaçadas de extinção, as quais vêm apresentando um declínio populacional preocupante no Brasil em virtude das ameaças ambientais que se agravam no País. E essas populações silvestres são im-

portantes para a manutenção das populações tradicionais, especialmente ribeirinhas, que habitam a região”, alerta. “Os estudos sobre a abundância das espécies são fundamentais para entender os padrões de estrutura e as respostas das comunidades frente a diferentes graus de perturbações de longo prazo, como as mudanças climáticas,

ou de curto e médio prazos, como a caça e o desmatamento. Entender os efeitos das perturbações sobre a estrutura da comunidade é essencial para garantir a persistência das espécies e a conservação dos ecossistemas”, declara Victor Saccardi. Por fim, o pesquisador destaca a necessidade de áreas protegidas, como as unida-

des de conservação. “Essas áreas são fundamentais para a sobrevivência do homem, mesmo que grande parte da população viva distante das florestas. As áreas naturais protegidas têm papel fundamental na manutenção e na regulação do clima, na produção de alimentos e no bem-estar das pessoas, de maneira geral”, conclui.


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Resenha Diálogos com José Saramago Walter Pinto

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urante três dias de janeiro de 1997, o professor catedrático da Universidade de Coimbra Carlos Reis conversou longamente com o consagrado escritor José Saramago, um ano antes de este se tornar o primeiro autor da língua portuguesa a receber um Prêmio Nobel de Literatura. O resultado dessa conversa foi publicado no livro Diálogos com José Saramago, uma obra essencial para o leitor conhecer aspectos importantes do processo criativo do autor, de seu “pensamento estético e da sua forma de estar na vida como escritor, mas também como cidadão”. A primeira edição do livro é de 1998. Vintes anos depois, a Editora da Universidade Federal do Pará publicou esta terceira edição, reunindo sete

diálogos, uma conversa virtual e um posfácio sobre o livro A estátua e a pedra. O tempo apenas reafirma a atualidade do livro, dada a importância conquistada por Saramago nas letras mundiais e a consolidação de uma obra marcada pela originalidade. O que lemos é a narrativa de um escritor em construção desde o desabrochar literário em 1947, com Terra do pecado, um livro de tenra juventude, passando por um período de trinta anos ao surgimento do segundo livro, Manual de pintura e caligrafia, até a consagração do estilo inovador e de uma produção prolífica, que nos legou um livro a cada dois ou três anos. Reis destaca uma reflexão de Saramago que sintetiza o ato de escrever romances: ”dificílimo ato, responsabilidade das maiores, basta pensar no ALEXANDRE DE MORAES

extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias [...]”. Saramago defende a ideia, que considera banal, de que ninguém escreve se não leu. Diz que aprendeu a ler, ainda menino, nas páginas do jornal do qual viria a ser diretor-adjunto. Revela inspirações em Eça de Queiroz, Almada Negreiros, Camões, Montaigne, Padre Antônio Vieira, Fernando Pessoa e, sobretudo, em Raul Brandão. Demarca o surgimento de seu estilo narrativo no livro Levantado do chão, publicado em 1979. Segundo o escritor, seu modo de escrever tem raízes na passagem pelo Alentejo e relaciona-o ao “discurso oral, dessa conversa contínua, disso que não está escrito, mas é a comunicação das pessoas umas com as outras”. Explicitando, Saramago fala de um discurso que se move de forma descontraída, “a palavra que vem liga-se à palavra que está, como se eu não quisesse que houvesse nem rupturas nem cortes e que o discurso pudesse ter uma fluidez tal que ocupasse todo o espaço narrativo”. Saramago conta que passou a se considerar escritor com Memorial do Convento, cuja primeira edição é de 1982, hoje traduzido para 20 línguas e com 50 edições. Foi, então, que descobriu que ter leitores e a pressão deles o levou a continuar a escrever. Mas descarta escrever por necessidade de colocar comida na mesa e oferecer condições à família. “Se não tenho uma razão para escrever um livro, não o escrevo [...] Meus romances foram escritos porque tenho umas quantas questões a resolver que

só posso resolver escrevendo um livro”. Neles, o escritor português, como cidadão, coloca um conjunto de dúvidas, de inquietações, de interrogações, diante do tempo, diante da morte, diante do amor, diante da ideia de um Deus existente ou não, diante de coisas que são fundamentais, sejam ou não de caráter político. Diálogos com Saramago é uma longa entrevista com 178 páginas, editada por blocos temáticos, nos quais Carlos Reis emprega seu amplo conhecimento da obra do escritor português para extrair confissões, considerações, observações relacionadas a questões e temas presentes na escritura saramaguiana. Carlos Reis observa uma tendência na obra de Saramago: pensar a ficção como uma reinvenção da História ou como uma reinterpretação. Saramago concorda com seu interlocutor. Para ele, a ficção tem legitimidade porque procura dar uma nova versão dos fatos, fatos que nos chegam por meio da História como versões de acontecimentos, nunca como verdades absolutas. “Por que é que a Literatura não há de ter também a sua própria versão da História?”, indaga o escritor. Segundo Carlos Reis, Diálogos com José Saramago é mais um livro de Saramago do que propriamente seu, mas, inegavelmente, são as questões propostas que conduzem e estimulam o discurso do escritor. Um livro a quatro mãos, valorizado pelo esmero desta terceira edição que a ed.ufpa oferece aos leitores, o mesmo esmero, aliás, empregado nas atuais publicações que levam a sua chancela. Serviço Diálogos com Saramago. Autor: Carlos Reis. Editora da Universidade Federal do Pará. Venda: Livraria da UFPA.


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A Histรณria na Charge

#minhaufpa



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