ISSN 1982-5994
UFPA • Ano XXXIII • n. 149 Junho e Julho de 2019
Em 14 anos, Pará registra 17 mil mortes no trânsito Páginas 6 e 7
Nesta edição • MicroRNA facilita diagnóstico de câncer gástrico • Ilha do Combu: os conflitos que o turista não vê • Projeto faz alerta sobre violência obstétrica
Universidade Federal do Pará
JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Aila Beatriz Inete, Flávia Rocha e Nicole França (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares © UFPA, Junho e Julho, 2019
Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Secretário-Geral do Gabinete: Marcelo Galvão Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Maria Iracilda da Cunha Sampaio Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitora de Relações Internacionais: Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Raimundo da Costa Almeida Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br
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om base no alto número de mortes por acidente de trânsito registrado em 2009 (1,3 milhão em 178 países), a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a Década de Ação pela Segurança no Trânsito, com o intuito de reduzir pela metade o número de acidentes fatais no período de 2011-2020. Para verificar se o Pará alcançaria a meta estabelecida pela ONU, Adriano Roberto de Souza Ferreira desenvolveu a pesquisa Ninguém nasce para morrer no trânsito: modelo de séries temporais para previsão da mortalidade por acidente de trânsito no Estado do Pará. A dissertação, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública (PPGSP/IFCH), traz uma estimativa alarmante: se nada for feito, o número de mortes no trânsito continuará crescendo. Cada vez mais procurada por locais e turistas, a ilha do Combu é destino certo durante o verão amazônico. A oferta de bares e restaurantes, as delícias gastronômicas e o banho de rio são apelos irresistíveis. A dissertação da turismóloga Ágila Flaviana Alves Chaves Rodrigues analisa as tensões e os conflitos que envolvem a exploração turística da ilha. Leia mais: Projeto de Extensão promove roteiros geoturísticos em Cametá; Tese confirma microRNA como biomarcador para o câncer gástrico; Planejamento Familiar e violência obstétrica também estão em pauta nesta edição. Rosyane Rodrigues Editora
Nesta Edição Educação e Sustentabilidade: um relato sobre a UFPA ..............4 Conhecendo a cidade ....................................................5 Em 14 anos, 17 mil mortes no trânsito ........................................... 6 A vida na outra margem do Guamá .....................................8 Do Palacete Augusto Montenegro às margens do Guamá . ........ 10 Memes: o que dizem sobre nós? ....................................... 12 Vencendo o tabu ......................................................... 13 Informação gera empoderamento . .................................. 14 Diagnóstico precoce e eficaz .......................................... 16 A história da Amazônia vista de dentro e de baixo ................. 18
Um dia no combu Foto Amanda Pinho
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FOTOS ALEXANDRE DE MORAES
Opinião Educação e Sustentabilidade: um relato sobre a UFPA
A
tomada de consciência da crise ecológica da modernidade ensejou uma mudança de percepção da relação do homem com a natureza, inicialmente, na comunidade acadêmica, mas, posteriormente, na sociedade civil. Para Cavalcanti (2001), o desenvolvimento econômico não representa mais uma opção aberta, com possibilidades amplas para o mundo. A aceitação geral da ideia de desenvolvimento sustentável indica que se fixou, voluntariamente, um limite (superior) para o progresso material. Adotar a noção de desenvolvimento sustentável, por sua vez, corresponde a seguir uma prescrição política. O dever da ciência é explicar como ela pode ser alcançada e quais são os caminhos para a sustentabilidade. Situações ambientais vividas atualmente, de acontecimentos inusitados relacionados ao meio ambiente, permitem-nos refletir sobre o papel das Universidades Públicas Federais, como gestoras do conhecimento, produzindo pesquisas ambientais e dando exemplos de ações sustentáveis. Diante do olhar futurista e responsável, a Universidade Federal do Pará (UFPA) vem adotando medidas sustentáveis, fortalecidas nas ações implementadas no seu Plano de Logística Sustentável (PLS). O Plano de Logística Sustentável surge do Decreto nº 7.746/2012, art. 16, com ações voltadas para a gestão ambiental na Administração Pública. A partir de novembro de 2012, publicada no Diário Oficial da União, a Instrução Normativa Nº 10 estabelece regras para a elaboração dos Planos de Gestão de Logística Sustentável, de todos os órgãos e das entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica, fundacional e das empresas estatais dependentes. O Plano de Logística Sustentável da UFPA tem como norte de suas ações a Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), desenvolvida pelo Minis-
tério do Meio Ambiente, a qual utiliza como critério os 5 Rs: Repensar, Reduzir, Reaproveitar, Reciclar e Recusar o consumo de produtos que gerem impactos socioambientais significativos. Para a UFPA, “O PLS será utilizado como uma ferramenta de planejamento e gestão de práticas sustentáveis, racionalização de gastos e de processos na Administração, além de implementar critérios para as ações sustentáveis de impacto socioambiental. O PLS reafirma o compromisso da UFPA não somente em discutir a temática sustentável, mas também em fomentar práticas que atendam aos critérios ambientais e modifiquem o cotidiano da comunidade acadêmica”. Com a Missão Institucional de “Produzir, socializar e transformar o conhecimento na Amazônia para a formação de cidadãos capazes de promover a construção de uma sociedade sustentável”, a UFPA tem a clareza de que ações sustentáveis, sejam elas curtas, médias ou a longo prazo, tornarão o planeta mais saudável e seguro para as gerações atuais e futuras. Diante disto, a UFPA se compromete, institucionalmente, a adotar práticas “de racionalização dos gastos públicos que promovam maior transparência e efetividade no uso dos recursos disponíveis ao tempo em que desenvolve ações de promoção da consciência ambiental da comunidade acadêmica”. Entre as práticas e ações já desenvolvidas pelo PLS/UFPA, temos a Coleta Seletiva Solidária; o Racionamento de Energia Elétrica; as Compras e Contratações Sustentáveis; a Logística Reversa; a Redução do consumo de papel e descartáveis e a Qualidade de Vida no Trabalho. Recentemente, o PLS implementou a Campanha dos 5Rs, que visa à educação e à reeducação de medidas sustentáveis. Serão propostas diversas ações, entre elas: adoção de copos e xícaras de uso permanente; impressão de documento na função frente e verso, e modo rascunho. O PLS não poderá ser somente uma ferramenta de planejamento e gestão, mas também se tornará uma ferramenta de monitoramento e acompanhamento das ações implementadas e executadas, de forma a desenvolver um olhar crítico acerca do que podemos melhorar como universidade gestora de conhecimento, buscando ser exemplo de uma Universidade Pública Sustentável. Roberta Tillmann – mestranda em Ciência e Meio Ambiente ICEN/UFPA; diretora da Gerência de Atas PROAD/ UFPA; membro da Comissão Gestora do Plano de Logística Sustentável - PLS/ UFPA e membro da Comissão Própria de Avaliação - CPA/UFPA. E-mail:robertahmt@gmail.com
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Extensão
Conhecendo a cidade Projeto promove roteiros geoturísticos em Cametá
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om o intuito de valorizar o potencial histórico, cultural e patrimonial da cidade de Cametá, foi desenvolvido o Projeto de Extensão Roteiros Geo-Turísticos na cidade de Cametá (PA). Coordenado pelo professor José Carlos da Silva Cordovil, o projeto busca a valorização da cidade com base no debate sobre a importância da preservação do patrimônio em uma cidade ribeirinha da Amazônia. “Para impulsionar esses debates, busca-se caracterizar o processo de formação de Cametá, delimitando aspectos sociais, políticos e econômicos que marcaram os períodos, bem como as transformações mais recentes. Além disso,
Valorização do patrimônio local De acordo com José Carlos Cordovil, a ideia de trazer o Roteiro Geo-Turístico para Cametá surgiu diante da inexistência de ações turísticas que valorizem o potencial histórico, cultural, patrimonial, assim como a memória socioespacial das cidades paraenses. “Com a expansão do projeto, foram incluídas outras cidades, como Marabá, Bragança e Santarém. No Campus de Cametá, ele foi cadastrado como projeto de extensão a ser realizado na Faculdade de Geografia, tendo como parceiro o Grupo de Estudos em Geografia do Turismo (GGEOTUR)”, declara o coordenador. O Projeto de Extensão Roteiros Geo-Turísticos na cidade de Cametá (PA) iniciou suas atividades em 2014 e é destinado a todos os interessados em conhecer a importância histórica da cidade. José Carlos Cordovil ressalta que o principal público dos roteiros passou a ser universitários do Campus de Cametá, assim como alunos do curso de Geografia de outras instituições.
Tavares. Dessa forma, a atividade articula ações de pesquisa, ensino e extensão. “Entre as principais ações, destacam-se: a pesquisa bibliográfica e documental, o trabalho de campo e a realização dos roteiros. Buscamos levantar a bibliografia básica sobre o turismo e a sua interface com a geografia e sobre a formação histórico-territorial da Amazônia. Durante o trabalho de campo, desenvolvemos entrevistas para complementar as informações já adquiridas. Nesta etapa, também é realizado um registro fotográfico das edificações, das praças e dos monumentos, assim como a marcação de pontos no GPS, para a elaboração de mapas para os roteiros”, explica José Carlos Cordovil.
o projeto pretende contribuir para a articulação entre teoria e prática no que se refere ao desenvolvimento das atividades curriculares do curso de Licenciatura em Geografia do Campus Universitário do Tocantins/ Cametá”, afirma o coordenador. Segundo José Carlos Cordovil, os roteiros são realizados em datas comemorativas, como carnaval, aniversário de fundação de Cametá (dezembro), festividade de São João Batista (junho), ou por demanda de eventos científicos do Campus Universitário de Cametá e de instituições parceiras. Elaborados pela Faculdade de Geografia, os roteiros seguem a mesma metodologia do projeto realizado em Belém e coordenado pela professora Maria Goretti da Costa
Além disso, também são realizados roteiros com alunos do ensino fundamental de escolas da cidade. “Os roteiros procuram enfatizar o processo de formação de Cametá e a dinâmica de relações que se dão mediadas pelo rio, além da importância histórica e patrimonial. Em cada ponto do percurso, os aspectos históricos e as transformações espaciais recentes são abordados. Como exemplo, na orla da cidade, são evidenciadas as edificações históricas, além do fenômeno da erosão, destacando-se as questões técnicas e lendárias ligadas ao fenômeno. A paisagem ribeirinha da cidade, com suas feiras e trapiches, também é debatida em sua relação com a Igreja Católica e suas edificações”, afirma o coordenador. Para José Carlos Cordovil, a realização do projeto contribui principalmente para a valorização da memória socioespacial de Cametá, além de representar uma possibilidade de fomentar o turismo histórico, o turismo cultural e o turismo educacional.
ALEXANDRE DE MORAES
Nicole França
Fique de olho: O próximo roteiro está programado para ser realizado em 22 de junho, aproveitando a festividade de São João Batista, padroeiro de Cametá! Mais informações: roteirosgeoturisticos@ gmail.com e no Facebook Roteiro Geo Turístico da UFPA.
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Segurança
Em 14 anos, 17 mil mortes no trânsito No Pará, as principais vítimas são pedestres Nicole França
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"De forma geral, as regras de trânsito não são seguidas. Não existe educação no trânsito nem o entendimento de que o trânsito é uma zona de conflito social", avalia Adriano Ferreira.
e acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), foram contabilizadas cerca de 1,3 milhão de mortes por acidente de trânsito em 178 países no ano de 2009. Com base nesse estudo, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, na qual os países membros da organização assumiram o compromisso de estabilizar e diminuir o número de acidentes de trânsito. A ação desenvolvida pela ONU tem como meta reduzir pela metade o número de mortes no trânsito previstas de ocorrerem no período. Com o intuito de verificar se o Estado do Pará conseguiria alcançar a meta estipulada pela ONU, Adriano Roberto de Souza Ferreira desenvolveu a dissertação Ninguém nasce para morrer no trânsito: modelo de séries temporais para
previsão da mortalidade por acidente de trânsito no Estado do Pará. A pesquisa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública (PPGSP/IFCH) e orientada pelo professor Edson Marcos Leal Soares Ramos, buscou propor um modelo de séries temporais para a previsão da quantidade de mortes por acidente de trânsito no Estado do Pará. “O interesse pelo tema foi impulsionado, primeiramente, pelo meu ambiente profissional. Eu sou policial rodoviário federal e vejo de perto o drama que é o trânsito e percebo que ele está sendo deixado de lado pelos governos, ao longo do tempo. A morte no trânsito já não surpreende ou espanta a sociedade. Essas mortes são vistas com um olhar banalizado. Não há uma comoção social em busca de políticas públicas que combatam essa mortalidade”, afirma Adriano Ferreira. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram levantados dados
referentes ao número de mortes por acidente de trânsito ocorridas no Pará, no período de 2001 a 2015. Com os dados obtidos no Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, Adriano Ferreira produziu um estudo quantitativo baseado na utilização de técnicas estatísticas de séries temporais, de análise descritiva e de controle estatístico da qualidade. “A partir desses dados, foi possível obter alguns gráficos que geraram análises mais consistentes sobre o quadro de mortes no Pará. Com base nesse quadro, observamos que aqui morrem muitas pessoas por acidentes de trânsito, sejam pedestres, condutores, ciclistas ou motociclistas. Com esses dados também foi possível avaliar, utilizando as séries temporais, qual a previsão de mortes no trânsito e se o Estado conseguirá ou não bater a meta da Década de ação pela segurança no trânsito”, explica o pesquisador. WAGNER MEIER
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A irresponsabilidade e a imprudência causam acidentes A pesquisa pôde identificar o sexo, a faixa etária e a modalidade de transporte utilizada pelas vítimas de acidente fatal de trânsito. Dessa forma, no Estado do Pará, no período analisado, foram registradas 17.398 mortes por acidente de trânsito, sendo a maioria do sexo masculino (83,08%). A faixa etária mais vitimada foi a de 20 a 29 anos (27,61%) e as principais vítimas foram os pedestres (49,46%). Para o pesquisador, as principais causas de acidentes no trânsito estão relacionadas à imprudência. “O condutor, o ciclista, o motociclista e o pedestre paraense ainda são muito irresponsáveis e imprudentes. De forma geral, as regras de trânsito não são seguidas. Não existe uma educação no trânsito nem o entendimento de que o trânsito é uma zona de conflito social, no qual diversos interesses
estão ali se correlacionando. O condutor não consegue criar vínculos sociais que permitam sentir, por exemplo, empatia e entender que ali estão várias pessoas querendo se deslocar”, avalia Adriano Ferreira. Com a técnica de séries temporais, método estatístico que busca normalizar dados dentro de um período de tempo, o pesquisador levantou dados da década anterior, ou seja, do ano 2001 até o ano de 2010, para, assim, apontar os dados para a década seguinte. “Por meio da análise da década anterior, encontramos qual seria a equação para a próxima década, então concluímos que, se nada for feito, em 2020 o número de mortes no trânsito continuará crescendo. Porém, se as medidas necessárias forem tomadas, a perspectiva é que esse número diminua”, informa Adriano. “O modelo de séries
temporais proposto se mostrou satisfatório e capaz de prever a quantidade de mortes por acidente de trânsito ocorridas no Pará. No entanto, o quadro de mortalidade por acidente de trânsito é muito alto, considerando a malha viária do Estado, e, apesar de os números estarem diminuindo, essa queda ainda não é suficiente para que o Estado bata a meta determinada pela ONU. Sendo assim, é necessário e urgente aumentar a mobilização dos vários setores responsáveis pela segurança viária, principalmente em ações de fiscalização e de educação para o trânsito direcionadas aos perfis mais vitimados”, declara o pesquisador. A própria ONU divulgou uma cartilha elencando cinco estratégias importantes para a diminuição do número de mortes no trânsito. A cartilha afirma que são primordiais ações
voltadas para a fiscalização de excesso de velocidade; o uso do capacete por motociclistas; o uso do cinto de segurança, de cadeirinhas ou assentos de retenção para crianças em veículos; além do uso de bebidas alcoólicas por condutores. “Em 2013, a ONU fez a primeira verificação sobre o que estava acontecendo e constatou que o Brasil é um dos poucos países do mundo que têm legislação rígida nos cinco itens. De acordo com o código de trânsito brasileiro, motociclista que é flagrado sem capacete perde a habilitação, a multa por excesso de velocidade e por embriaguez chega a R$3.000. O Brasil possui leis duras, e nem assim atingiu a meta. Isso mostra que falta o convencimento social e a mudança no comportamento e no entendimento do cidadão sobre o trânsito”, conclui Adriano Ferreira.
Mortes por acidente de trânsito no Estado do Pará (2001 a 2015) Variável Faixa etária (anos) 00 – 09 10 – 19 20 – 29 30 – 39 40 – 49 50 – 59 60 – 69 70 – 79 Maior que 80 Não identificada
Masculino
Feminino
Total
438 (2,52%) 1.533 (8,81%) 4.084 (23,47%) 3.191 (18,34%) 2.247 (12,92%) 1.436 (8,25%) 763 (4,39%) 446 (2,56%) 170 (0,98%) 146 (0,84%)
289 (1,66%) 541 (3,11%) 672 (3,85%) 478 (2,75%) 321 (1,85%) 242 (1,39%) 188 (1,08%) 134 (0,77%) 55 (0,32%) 24 (0,14%)
727 (4,18%) 2.074 (11,92%) 4.756 (27,34%) 3.669 (21,09%) 2.568 (14,76%) 1.678 (9,64%) 951 (5,47%) 580 (3,33%) 225 (1,29%) 170 (0,98%)
5.469 (39,65%) 3.926 (28,47%) 1.355 (9,82%) 387 (2,81%) 262 (1,90%) 42 (0,30%)
1.353 (9,81%) 521 (3,78%) 331 (2,40%) 88 (0,64%) 39 (0,28%) 19 (0,14%)
6.822 (49,46%) 4.447 (32,25%) 1.686 (12,22%) 475 (3,45%) 301 (2,18%) 61 (0,44%)
Modalidade de Transporte Pedestre Motocicleta Automóvel Bicicleta Caminhão Ônibus
Fonte: Adriano Roberto de Souza Ferreira, 2017
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FOTOS ACERVO DA PESQUISA
A vida na outra margem do Guamá Como o turismo está afetando a ilha do Combu e seus moradores Flávia Rocha
“O
objetivo era analisar as percepções, as tensões e os conflitos relacionados à prática do turismo por parte dos distintos atores sociais (órgão gestor, empresários, sociedade civil organizada, visitantes locais e externos, antigos e novos moradores) que utilizam a ilha do Combu, considerando a diversidade urbana e regional em que está inserida”, afirma a turismóloga Ágila Flaviana Alves Chaves Rodrigues, autora da dissertação A produção do espaço pelo e para o turismo na área de proteção ambiental da ilha do Combu (Belém-Pará). A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável e Trópico Úmido (PPGDSTU/NAEA), sob orientação do professor Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior. A ilha do Combu é formada por quatro comunidades: Igarapé Combu e Beira Rio, localizadas de frente para a parte continental
da cidade; Igarapé Piriquitaquara, localizada de frente para a Ilha do Murutucu; e Furo de São Benedito, localizada de frente para o município de Acará. “O Combu surge como objeto de estudo por sua importância nas discussões atuais sobre o turismo na cidade. Desde o início dos anos 2000, o mercado e o Estado fazem desse local um ambiente propício para a busca por novas aspirações econômicas”, explica a pesquisadora. Durante a pesquisa, Ágila Rodrigues percebeu que seria necessário analisar os projetos de turismo “voltados para o rio” realizados em Belém. “Durante a gestão de Edmilson Rodrigues, ocorreu o processo de revitalização do complexo Ver-o-Rio e a reforma da praça Princesa Isabel. Posteriormente, na gestão de Duciomar Costa, implementou-se o Portal da Amazônia, um projeto que sofreu uma série de mudanças e interferências além de demorar para ser concluído”, relata Ágila. “Mas, quando se faz essa ‘abertura para
o rio’, surgem variados conflitos, porque esses locais são habitados, os moradores da área são remanejados e toda a vida que produziram ali é tirada deles”, revela a pesquisadora. A dissertação mostra que a ilha do Combu é um ambiente fruto de disputas pelo uso e pela posse da terra, em razão do seu enquadramento como Área de Proteção Ambiental (APA), terreno de marinha e Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE). “Os moradores vivem sob três tipos de gestão, que, muitas vezes, não conversam umas com a outras. A ilha abriga cerca de 1.300 moradores, os quais têm a necessidade de serem ouvidos e vistos. Então, fiz entrevistas com presidentes de associação de moradores, donos de bares e restaurantes, condutores de embarcação, além de representantes da Prefeitura de Belém, do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) e da Secretaria de Estado de Turismo (SETUR)”, conta Ágila Rodrigues.
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Pesquisa Mais de 20 restaurantes foram mapeados na ilha Ao explicar a sua metodologia de trabalho e as técnicas de investigação, Ágila Rodrigues afirma que esteve na ilha praticamente todos os dias do mês de julho, quando se intensificam a ida e a vinda de visitantes. “Também disponibilizei formulários no Facebook, no Instagram e em alguns sites e blogs voltados para o tema ‘viagem’. Fiz um mapeamento do que chamamos de ‘equipamentos turísticos’ da ilha, isto é, os restaurantes, as trilhas ecológicas e a fábrica de chocolate. Foram mapeados cerca de 20 restaurantes, 11 localizados dentro do furo Igarapé Combu. É uma proporção imensa para um local relativamente pequeno. A ilha tem apenas 15 km de extensão”, avalia Ágila. A pesquisa documental foi importante para entender a história do local. “Inicialmente, a ilha pertencia ao município do Acará, depois passou a fazer parte de Belém. Há registros de que a ilha
do Combu pertencia aos antigos donos das terras, os sesmeiros, no período colonial. Esses donos pouco visitavam o local, então mandavam trabalhadores de outras regiões em seu lugar. Os trabalhadores, por sua vez, foram se instalando por lá. No período da Cabanagem, assim como em várias outras ilhas ao redor da cidade, o Combu foi rota de fuga para os cabanos”, narra a turismóloga. De acordo com Ágila Rodrigues, atualmente, os espaços turísticos criados na região pelo Estado estão a favor de um agente principal: o mercado. “A pesquisa mostrou que a Coordenadoria Municipal de Turismo tem tido uma atuação mínima no local e que vários novos projetos estão sendo desenvolvidos para a orla sul”, alerta. “A forma como o turismo ocorre na ilha não é a mais adequada. Por exemplo, andar de lancha e de jet ski dentro dos furos causa uma grave erosão, deixando o igarapé mais raso. Lá não
existem ruas ou avenidas, apenas algumas trilhas. O rio é a principal via de locomoção”, afirma a autora da dissertação. O ritmo de trabalho também mudou na ilha: “antes, o trabalhador tinha folga sábado e domingo. Hoje, a folga é na segunda-feira. Durante a semana, eles trabalham na extração do açaí e, aos finais de semana, com as visitações”, diz a pesquisadora. Entre os novos projetos que atingirão a Ilha do Combu está o Programa Desenvolve Belém. “A maioria das propostas sugere a mudança e a transformação de vários locais em ambientes de consumo e de entretenimento. Entre elas, encontra-se a ‘Marina Belém’, com extensão do Iate Clube até a Praça Princesa Isabel. Essa praça é o principal elo entre os moradores da ilha e os da parte continental. Será que esses agentes estão sendo contemplados por essa proposta?”, questiona Ágila Rodrigues.
Atividade gera renda e também traz problemas Questões fundiárias, saneamento básico e assistência médica estão entre os graves problemas enfrentados pelos moradores da ilha do Combu. “Por ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), a venda de terrenos é proibida, mas anúncios de aluguel e venda são comuns. Não há abastecimento de água nem coleta de lixo. O morador deve enterrar, queimar ou trazer o lixo para a parte continental da cidade. Para ser sustentável, o turismo precisa ser bom para quem vive no lugar. O morador é o principal indicador das consequências positivas ou negativas”, conta Ágila Rodrigues. Quando os moradores levam esses problemas para o Conselho Gestor, eles são direcionados para a Superintendência de Patrimônio da União. De lá, eles são redirecionados para o INCRA, por estarem em área de assentamento agroextrativista. As instituições têm dificuldade na comunicação interna, apesar de fazerem parte do conselho de gestão da APA. “Depois de anos nessa situação, os moradores estão desencorajados e não participam de reuniões nem das decisões sobre o local”, afirma a turismóloga. É incontestável que o turismo complementa a renda dos moradores. Segundo a pesquisa, antes eles tinham só o açaí e agora, na entressafra, eles veem o turismo como uma forma de renda extra. “Mas essas famílias estão assumindo funções secundárias. A maioria atua como cozinheiro, garçom e serviços gerais. Eles não estão assumindo o protagonismo”, afirma Ágila Rodrigues.
A pesquisadora também critica o marketing que é feito para esses locais. “Recentemente, Belém ganhou o título de Cidade Criativa da Gastronomia e discute-se a criação de um Centro Global de Gastronomia. Em vez de criar um único Centro estruturado, que vai receber grupos selecionados de pessoas, por que não fazemos pequenos centros gastronômicos nas feiras e nos portos espalhados pela cidade? Assim, vamos atingir um número maior de pessoas interessadas em conhecer e desenvolver a culinária paraense. É preciso pensar em políticas públicas onde a vida realmente acontece”, conclui.
Placas de venda e aluguel são comuns, apesar de a ilha ser uma área de Proteção Ambiental e essa prática ser proibida.
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Entrevista
Do Palacete Augusto Montenegro às marge
“Só agora penso em aposentadoria”, afirma Nazaré Cardoso ao celebrar 53 anos Walter Pinto
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uando Maria de Nazaré da Costa Cardoso começou a trabalhar na UFPA, era então uma jovem de 19 anos, recém-saída do Colégio Santo Antônio. A Universidade, por seu turno, não passava de uma reunião de algumas poucas faculdades espalhadas pelo centro de Belém, administrada por uma Reitoria que cabia praticamente toda dentro do imponente palacete Augusto Montenegro, na Avenida José Malcher. Admitida em 14 de março de 1966, ela trabalhou com todos os reitores da Instituição, exceto com o primeiro deles, o professor Mário Braga Henriques. Cinquenta e três anos depois, ela permanece na ativa, lotada na Secretaria do Gabinete da Reitoria. Esta entrevista sintetiza meio século de dedicação à Universidade. É também uma homenagem a todos os servidores que, com trabalho e ética, ajudam a construir a história da UFPA.
O começo Comecei a trabalhar na UFPA para ajudar no sustento da família, durante o último ano do segundo mandato do reitor José da Silveira Netto. Minha primeira lotação foi no Setor de Comunicação, atual Protocolo, no subsolo da Reitoria, instalada no Palacete da esquina da José Malcher com a Generalíssimo Deodoro, atual Museu da UFPA. Tinha habilidade com aquelas máquinas datilográficas antigas e pesadas. Quando uma colega da secretaria da Reitoria saiu de licença maternidade, deixei o subsolo e fui para o primeiro andar, passando, então, a trabalhar no gabinete do
reitor. Não conhecia a rotina do trabalho, mas, aos poucos, fui aprendendo. Continuo nele, há 53 anos.
Dedicação ao trabalho Nunca passou pela minha cabeça deixar o trabalho para me dedicar exclusivamente a casa e para cuidar dos filhos, como era muito comum naquela época. Quando me casei, já trabalhava na Universidade. Meu marido até propôs que eu parasse de trabalhar, mas nunca admiti essa possibilidade. Era mais fácil eu deixá-lo do que largar o trabalho (risos). Quando cheguei aos 30 anos de serviço, considerei a possibilidade de me aposentar. Achava que já havia dado a minha cota de contribuição à Instituição. Havia sacrificado muito a minha família e meus filhos pelo trabalho. Casei durante a gestão do dr. Aloysio Chaves, um reitor muito rigoroso quanto ao cumprimento de horário. Então, nesta fase, eu fiquei restrita ao cumprimento das minhas funções. Meus dois filhos só nasceram após o encerramento da sua gestão.
Na década de 1960 Quando comecei a trabalhar, a UFPA não contava com as Pró-Reitorias que passaram a existir com a Reforma Universitária de 1968. A equipe pioneira foi formada pelos professores Armando Mendes, pró-reitor de Planejamento; Nelson Ribeiro, pró-reitor de Ensino; Diniz, pró-reitor de Extensão; Dra. Rosa Freitas, pró-reitora de Recursos Humanos. Nesta fase inicial, não havia a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, áreas que estavam apenas iniciando. O campus universi-
tário era apenas um projeto. As faculdades funcionavam em prédios isolados pela cidade: Química, na Praça da República; Engenharia, na Campos Sales; Letras, na Generalíssimo; Odontologia, na Batista Campos, enfim, havia outras, mas eram poucas e espalhadas pela cidade.
A primeira sucessão Trabalhei por pouco tempo com o dr. Silveira Netto. Era um homem ágil, muito inteligente, que, à sua maneira, resolvia mesmo os problemas. Ele queria tudo funcionando direito e, muitas vezes, se irritava quando não via isso acontecendo. Para mim, foi uma grande aprendizagem, principalmente por trabalhar com a Beth Ribeiro, uma mulher muito inteligente e dotada de uma memória fantástica. Quando o mandato do professor Silveira Netto chegou ao fim, teve início a gestão do Dr. Aloysio Chaves. Eu não o conhecia pessoalmente. Mas já conhecia a sua fama de homem austero, rigoroso, desde o tempo em que era diretor da Faculdade de Direito. É claro que qualquer mudança de reitor causa uma apreensão muito grande para quem atua no gabinete. Eu estava preocupada, principalmente porque a Betinha [Beth Ribeiro] se transferiu para o Departamento de Pessoal e a outra colega, Marta Barra, também havia saído. Então, eu estava sozinha para enfrentar a “fera” (risos).
Uma breve passagem fora da UFPA Quando o Dr. Aloysio assumiu, abriu a porta da secretaria e perguntou-me: a senhora
é funcionária? Respondi que sim. Eu era novinha e ele quis saber quando tempo tinha de trabalho. Ainda não havia completado um ano. Ele disse: está bem, por enquanto a senhora vai ficar aqui. Um ano depois, o juiz federal Anselmo Santiago convidou-me para trabalhar com ele na Justiça Federal. O reitor Aloysio Chaves não colocou nenhum obstáculo à minha cessão. Então fui cedida temporariamente para aquele trabalho, o único que realizei fora da Universidade. Um ano depois, quando o trabalho chegou ao fim, o Dr. Anselmo propôs que eu continuasse na Justiça. Disse-lhe que estava à disposição do serviço público, aonde fosse. Então, ele fez um ofício para o reitor solicitando minha redistribuição para a Justiça Federal, mas, desta vez, o dr. Aloysio não aceitou. O gabinete estava precisando de pessoal. Dessa forma, retornei à Universidade.
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Maria de Nazaré da Costa Cardoso
ens do Guamá
s de dedicação à UFPA
ALEXANDRE DE MORAES
O rigor de Aloysio Chaves O dr. Aloysio Chaves era um homem muito formal. Lembro que, meses depois de assumir, o prédio da antiga Reitoria passou por reforma, então, todo o gabinete foi transferido para onde, hoje, funciona o Ciac, já no Núcleo Pioneiro em fase de construção. Um dia, o dr. Aloysio tinha saído para almoçar e chegou um estudante que lhe desejava falar. Trajava camiseta, bermuda e chinela de borracha, como era comum naquele tempo. Sentou-se numa cadeira na secretaria e ficou aguardando o retorno do reitor. Quando este chegou, o rapaz o cumprimentou e disse que lhe desejava falar. Olhando-o de baixo para cima, o dr. Aloysio foi categórico: “Primeiro de tudo, levante-se. Segundo, vá vestir uma camisa e se recompor para poder
falar comigo”. Eu e a secretária do reitor nos olhamos, envergonhadas. O rapaz ficou desconcertado. Assim era o dr. Aloysio.
Protestos estudantis Na época da Ditadura Militar, eu era muito jovem. Não ligava para essas questões políticas, então não percebi nenhum envolvimento dos governos militares que abalasse a Universidade. Mas, como disse, era muito jovem, centrada no trabalho. O que via, porque pareciam mais aos nossos olhos, eram as manifestações estudantis, os protestos contra o governo, direcionados à Reitoria. Um dos primeiros protestos aconteceu ainda na fase da Reitoria antiga. Estudantes de Química apedrejaram o prédio. Uma pedra, de tamanho considerável, quebrou a vidra-
ça do gabinete do Dr. Silveira. Acho que os protestos daquela época eram mais violentos.
Os primeiros tempos do Campus Em 1968, assisti à inauguração do Campus do Guamá. Para nós, a transferência da UFPA para uma área mais isolada da cidade tornou-se algo problemático, porque tudo estava concentrado no centro, o que facilitava a comunicação. Quando chegou o momento, houve um temor. O Guamá era um bairro com fama de violento. A Bernardo Sayão era uma rua de acesso difícil, cheia de mato e lama, barracões de empresas e muitos casebres. Para facilitar a vida dos funcionários, uma kombi da UFPA fazia o nosso transporte. Vi muitas cobras pelo campus nesta fase inicial. Ainda hoje existem.
Relação com chefes e colegas Quando o prédio da atual Reitoria foi inaugurado, o reitor era o Dr. Daniel Coelho de Souza, de quem tive a honra de ser secretária. Era um homem de jeito austero, mas extremamente compreensivo. Não se negava a atender mesmo quem estivesse fora da agenda. Depois vieram os reitores eleitos pela comunidade. Com todos, dei-me muito bem. Creio que o importante para o funcionário é ter habilidade em lidar com os chefes e com os colegas, ser disciplinado, saber comunicar-se e tratar bem as pessoas. No meu caso, sou grata à educação que recebi em casa e no colégio em que estudei. A Universidade foi o meu primeiro e único emprego. Passados 53 anos, só agora penso na aposentadoria, mas isso ainda depende dos rumos que a política atual tomará. Estou atenta.
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Identidade Engenharia
Memes: o que dizem sobre nós? A subjetividade paraense construída em publicações no Facebook Nicole França
O
s memes são, com certeza, um dos conteúdos mais compartilhados nas redes sociais. Eles possuem como principal característica o humor, mas alguns também podem dizer muito sobre a identidade de quem os produziu ou compartilhou. Daniel Loureiro Gomes buscou compreender, na dissertação intitulada Quem somos nós hoje? Memes, Subjetividades e Malacos no Facebook, de que forma os memes representam a identidade paraense. A pesquisa
foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e contou com a orientação da professora Ivânia dos Santos Neves. “Me causou um certo estranhamento o fato de que, embora sejam textos que a gente conheça muito mais pelo viés humorístico, os memes guardassem alguma relação política, como a prática histórica de representar quem é o paraense, quem é o cidadão de Belém. Então, o meu primeiro objetivo estava relacionado a isso, ou seja, busquei desvendar que tipo de representação
tinha o paraense a partir dos memes analisados”, afirma Daniel Loureiro. Com base na Teoria da Análise do Discurso e de postulados filosóficos de Michel Foucault, o pesquisador analisou discursivamente a construção de subjetividades sobre Belém do Pará a partir de memes publicados no Facebook, no período de 2016 a 2018. Para isso, foram selecionados memes postados em cinco páginas da rede social, sendo elas: Malaco Intelectual, Malaco do Bem, Paraense na Depressão,
Paraenses do Desespero e Montagens de Belém. Com base na análise das regularidades discursivas presentes nos memes das páginas analisadas, ou seja, os assuntos que eram mais abordados nas postagens, Daniel Loureiro pôde elaborar um conjunto teórico, partindo da Análise do Discurso. “Eu identifiquei traços muito marcantes sobre a identidade paraense, como a culinária, o futebol, o local onde a pessoa mora, além de várias práticas culturais, como a música e a dança”, afirma.
Papão ou Leão. Brega ou Carimbó. Centro ou Periferia
FOTOS ACERVO DA PESQUISA
Em sua pesquisa, Daniel Loureiro trabalha o conceito de subjetividade considerando que esse conceito não é estático, uma vez que a sociedade vive em frequente mudança e nós somos constantemente atingidos por variados discursos que nos formam como sujeitos. “Nós somos moldados em diferentes momentos da história, dependendo de onde nós viemos, para qual time eu torço, qual é a minha vertente religiosa, se eu gosto mais de brega ou de
carimbó, se sou da periferia ou não. Então é um conceito que está em constante mudança”, explica. A pesquisa identificou, ainda, a existência de um discurso colonizador que está presente nas vivências paraenses e busca se legitimar. Apesar disso, nos memes analisados, Daniel Loureiro observou que o paraense procura manter sua raiz. Embora negue, muitas vezes, a identidade indígena ou ribeirinha, o paraense busca
demarcar o seu lugar, a sua cultura e os seus costumes. Os memes também revelaram que o açaí é um dos pontos centrais da cultura paraense. Para o pesquisador, mesmo as páginas possuindo diferentes dinâmicas, o açaí é um símbolo repetido em todas elas, seja para falar sobre as formas de consumo, seja para criticar o preço, seja até para trabalhá-lo como uma espécie de tesouro cultural. Além disso, foi percebido um conflito cultural entre a
periferia e o centro. “A periferia é um espaço de cultura que muitos desconhecem. Dependendo da sua localização em Belém, aquela figura simbólica do ‘malaco’ pode ser interpretada de diferentes formas: ele pode ser um marginal ou um ladrão, ou apenas um garoto da periferia, com uma prática cultural diferente. Baseado nisso, constatei que as páginas analisadas continuam legitimando, querendo ou não, esse discurso elitista”, observou.
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Saúde
Vencendo o tabu Participantes avaliam o Programa de Planejamento Familiar da Santa Casa ALEXANDRE DE MORAES
Aila Beatriz Inete
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número de mulheres que não querem ter filhos vem crescendo ao longo do tempo, e os casais têm o direito de decidir sobre esse assunto. Em 1996, o governo federal aprovou a Lei do Planejamento Familiar. “Com a lei de 1996, é a primeira vez que o Estado Brasileiro assume para si a tarefa do planejamento familiar”, afirma a assistente social Ana Marcia Farias Serrão, que defendeu a dissertação Planejamento Familiar: um estudo sobre a experiência da
Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, sob a orientação da professora Maria Antônia Cardoso Nascimento. Ana Marcia Serrão trabalha há treze anos na Santa Casa de Misericórdia e atua no Programa de Planejamento Familiar do hospital. Dessa forma, ela decidiu traçar o perfil das mulheres participantes e fazer a sua avaliação sobre o programa. “A pesquisa de campo envolveu 24 mulheres. Elas tiveram a oportunidade de dizer, entre outras coisas, o que elas
achavam do programa e como ele poderia melhorar”, conta a pesquisadora. Até 1996, não existia nenhuma lei com cunho de regulamentação da fecundidade no Brasil. A lei diz que pessoas acima de 25 anos ou com dois filhos vivos podem se submeter à cirurgia de laqueadura, procedimento médico de esterilização para mulheres, ou à vasectomia, procedimento de esterilização para homens. “A lei é importante por ser um marco na história da saúde feminina. Ela regulamenta a cirurgia de laqueadura, procedimento para o qual o Estado
sempre fez ‘vista grossa’”, avalia Ana Marcia Serrão. “O médico indicava a cesariana já pensando em realizar a laqueadura, e isso não pode mais ser feito”, afirma a assistente social. Segundo ela, a laqueadura, no momento do parto, só é permitida quando há risco de morte para a mãe em uma futura gestação e se houver sucessivas cesárias. A lei do Planejamento Familiar prima pelo acesso à informação, à prevenção e aos serviços de saúde referentes ao acompanhamento familiar para homens e mulheres.
Elas são jovens, têm mais de um filho e residem na periferia Os postos de saúde devem oferecer acesso à camisinha, ao anticoncepcional oral e injetável e orientação às pessoas que querem usar os métodos naturais com observação do ciclo menstrual, da temperatura corporal, da identificação do período fértil etc. Já na Santa Casa, o serviço é diferenciado. “Por ser um hospital de referência de média e alta complexidade, a Santa Casa oferece colocação do dispositivo intrauterino (DIU), implanon (bastonete pequeno inserido sob a pele do braço da mulher para atuar como
contraceptivo), laqueadura e vasectomia”, conta Ana Marcia Serrão. Segundo Ana Marcia, é difícil falar de fertilidade. “Existem mulheres que não conhecem o seu próprio corpo, isso pelo fato de o sexo ainda ser tabu, por não haver educação sexual nas escolas. Esse contexto dificulta a ida das mulheres ao ginecologista”, afirma a pesquisadora. Nesse sentido, o programa trabalha de forma educativa, realizando palestras para homens e mulheres que buscam saber como evitar uma gravidez indesejada.
Perfil – Segundo uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de fecundidade no Brasil é de 1, 77 filho por mulher. Desde a década de 1960, essa taxa vem caindo. “Com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho e o acesso à educação, mais mulheres buscam métodos contraceptivos. Além disso, há a realidade social delas, pois vieram de uma família com muitos irmãos e hoje não é mais assim. A gente pergunta para os casais e eles querem ter, no máximo, dois
filhos. Essa é uma realidade mundial”, conta a assistente social. De acordo com os resultados da pesquisa, a maioria das mulheres que participa do programa tem entre 19 e 28 anos, é da periferia e possui mais de um filho. A maioria trabalha, cerca de 60% têm união estável e 30% são casadas. “As mulheres avaliam muito bem o programa, elas se sentem seguras e têm uma boa referência, desmistificando a ideia de que todo serviço público é ruim”, relata Ana Marcia Serrão.
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Educação
Informação gera empoderamento Projeto de extensão alerta grávidas contra a violência obstétrica FOTOS ACERVO DO PROJETO
Equipe do Projeto TransformaDOR atuou durante três anos, levando apoio e informação para mulheres grávidas da periferia de Belém.
Aila Beatriz Inete
E
m 2017, foram registrados 2,7 milhões de partos no País, considerando apenas aqueles realizados nos serviços públicos de saúde. De acordo com a pesquisa feita por Kelly Gonçalves Meira Arruda, em seu artigo A Violência Obstétrica: o que nos contam alguns números da pesquisa da Rede Cegonha no Sistema Único de saúde, 12,6% das mulheres em trabalho de parto sofreram algum tipo de violência obstétrica. No Brasil, quase 60% das grávidas têm filhos por meio de cesarianas.
Enquanto a Organização Mundial da Saúde considera saudável até 15% desses procedimentos por ano, no Brasil, só na rede privada de saúde, essa taxa chega a 88%. Segundo especialistas, as cesáreas feitas sem necessidade são um dos casos típicos de violência obstétrica. Nesse sentido, a professora Edna Abreu Barreto criou o Projeto TransformaDOR, com o objetivo de fazer o enfrentamento a esse tipo específico de violência contra a mulher pouco conhecido. “A ideia do projeto nasce com a minha própria gravidez. Há treze anos, eu me vi diante desse tema e
nunca tinha ouvido falar de violência obstétrica, até então”, conta Edna Abreu. Segundo a professora, depois de participar de grupos de grávidas quando morava no Rio de Janeiro e fazia doutorado em Educação, ela percebeu que Belém era carente dessa rede de apoio, especialmente dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). “Comecei a atuar ainda fora da UFPA, como militante de movimentos sociais, pois integro a Rede de mulheres ‘Parto do Princípio’. Essa experiência pessoal me fez observar que justamente as mulheres em condições de vulnerabilidade social não tinham acesso à informação”, explica Edna Abreu. A violência obstétrica são abusos, maus-tratos, desrespeitos que equivalem a uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres, segundo a própria Organização Mundial de Saúde. “No Estado de Santa Catarina, a lei descreve a violência obstétrica como todo ato praticado pelo médico, pela equipe hospitalar, por qualquer familiar ou pelo acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres em trabalho de parto ou no pós-parto”, explica.
Ações iniciaram na Unidade de Saúde da Pratinha O Projeto TransformaDOR tem o objetivo de empoderar mulheres grávidas para que elas não sofram a violência obstétrica. O grupo esteve vinculado à Faculdade de Educação, pois, de acordo com Edna Abreu, trata-se de uma ação de educação em saúde. “Em 2016, o projeto ficou alojado na Unidade Municipal de Saúde da Pratinha. Iniciamos com uma reunião técnica com a equipe da unidade, incluindo enfermeiros, obstetras, assistente social, psicólogo, técnico de enfermagem e nutricionista e então fizemos a formação interna sobre o tema”, lembra a professora.
De acordo com Edna Abreu, o debate sobre esse tema não faz parte da formação de muitos profissionais que atuam com mulheres, levando estes a reproduzirem práticas antigas e já superadas na atenção obstétrica. “Tratar a mulher de forma grosseira, zombateira, brincar com a dor, impedir a mulher de caminhar no trabalho de parto ou de ter um acompanhante, obrigar a mulher a ficar deitada, apressar o parto com ocitocina sintética são procedimentos considerados violentos”, afirma a coordenadora. Além desses exemplos, também devem ser evitadas a episiotomia (o corte na vagina) e a Manobra de
Kristeller (quando o profissional sobe na barriga da grávida para empurrar o bebê). Tais práticas são contraindicadas pelo Ministério da Saúde. Para a professora, o tema precisa de maior visibilidade, pois, diante da cultura violenta de atenção ao parto, muitas mulheres acabam considerando como parte dos procedimentos essas práticas invasivas. “São procedimentos rotineiros e violentos muito difíceis de se romper, daí a importância do projeto”, avalia Edna Abreu, que considera a violência obstétrica um tipo específico de violência de gênero que merece ser debatido.
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Encontros quinzenais com o apoio de voluntários O Projeto TransformaDOR funcionou durante três anos, em Belém, e finalizou suas ações de apoio às gravidas em 2018. No primeiro ano, as ações ficaram concentradas na Unidade Básica de Saúde da Pratinha, bairro periférico de Belém. “A equipe de serviço da Unidade da Pratinha acabou deliberando que o projeto seria a estratégia de educação em saúde no pré-natal”, afirma Edna Abreu. Na Unidade da Pratinha, passaram pelo projeto cerca de 400 pessoas, entre mulheres grávidas, acompanhantes, profissionais da saúde e voluntários. “Partimos do conceito de Paulo Freire, em que a metodologia é forjada com o oprimido. Assim, a formação das mulheres se realizava, quinzenalmente, em rodas de conversas, sessões de vídeos, dança circular, despedidas de barriga, sessões de relaxamento, lanche coletivo, distribuição de brindes, entre outras atividades que visam romper a ideia de palestras proferidas”, relembra Edna. O grupo era formado somente por voluntários, incluindo
doulas (assistente de parto, sem, necessariamente, a formação médica), estudantes de Enfermagem, Pedagogia e Psicologia. O principal enfoque do grupo era o combate à violência obstétrica, com um trabalho mais educativo. “Nós fazíamos a mulher conhecer os aspectos fisiológicos da sua gravidez para que ela pudesse ser protagonista na hora do parto”, explica a professora. O grupo ainda ganhou um prêmio internacional da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), sendo uma das seis experiências exitosas selecionadas pela relevância de sua atuação na vida e na saúde das mulheres. Parceria – Em 2017, o projeto passou a atuar em conjunto com a Residência em Enfermagem Obstétrica da UFPA, e os estudantes participaram da formação das mulheres. A partir de uma articulação com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), o grupo passou a atuar na Unidade Básica de Saúde da Cremação, na qual permaneceu até encerrar as atividades em 2018. Cerca de 700
pessoas participaram das atividades nos dois anos de atuação do grupo naquele bairro. De acordo com Edna Abreu, foi muito difícil fazer o grupo funcionar por três anos, apenas com voluntários. “Não tem política pública para educação em saúde como ação permanente. No geral, são ações pontuais, como Dia de Combate ao Câncer do Colo de Útero, Dia da Amamentação, entre outros. Então, era difícil convencer as mulheres a participarem de um grupo que tinha um calendário permanente de formação”, explica a coordenadora. “Com base nos depoimentos das mulheres que voltavam aos encontros para relatar seus partos, foi possível perceber que o projeto teve um impacto significativo no enfrentamento à violência obstétrica”, afirma Edna Abreu. De acordo com a professora, o projeto também produziu o empoderamento dessas mulheres acerca dos seus direitos sexuais e reprodutivos e contribuiu para a formação humanizada de futuros profissionais de saúde.
Para fugir do formato tradicional das palestras proferidas, equipe propunha rodas de conversa, sessões de relaxamento, despedida da barriga, entre outras ações.
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Genética
Diagnóstico precoce e eficaz Tese confirma microRNAs como biomarcadores para câncer gástrico Flávia Rocha
“O
diagnóstico precoce do câncer gástrico é extremamente difícil, pois consiste em uma doença silenciosa no início. Assim, o paciente só tem conhecimento de sua condição nos estágios mais avançados, isso dificulta o manejo da doença e diminui consideravelmente a chance de cura”, afirma o doutor em Genética e Biologia Molecular Adenilson Leão Pereira. Não há sintomas específicos para o câncer de estômago, no
entanto existem sinais detectáveis, como a perda de peso e de apetite, vômitos, náuseas e desconforto abdominal, os quais tendem a passar despercebidos. Segundo o Instituto Nacional Brasileiro de Câncer (INCA), em 2018, o câncer de estômago foi o segundo mais frequente em homens e o quarto mais frequente em mulheres, no Estado do Pará. Uma das principais causas que podem originar um tumor no tecido gástrico é a infecção pela bactéria Helicobacter pylori. A
bactéria está presente no estômago de mais de 40% da população brasileira. “A infecção por H. Pylori também é silenciosa. A bactéria precisa persistir ao longo dos anos para que o paciente desenvolva um câncer de estômago, portanto há tempo para uma intervenção se ocorrer o diagnóstico precoce”, alerta Adenilson. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, essa bactéria é um carcinógeno do tipo 1 para o câncer do estômago, da mesma forma que o tabaco o é para o câncer de pulmão.
Biomarcador indica alterações no organismo
Saiba mais: Frequência No Pará, em 2018, o câncer de estômago foi o 2º mais frequente entre os homens e o 4º mais frequente entre as mulheres. Sintomas O câncer de estômago é uma doença silenciosa. Sintomas mais comuns são: a perda de peso e de apetite, vômitos, náuseas e desconforto abdominal. Prevenção O INCA sugere que as pessoas mantenham um estilo de vida saudável, evitem o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e de sal em excesso.
Uma forma de diagnosticar e monitorar os diferentes tipos de doenças é por meio de biomarcadores. “Chamam-se ‘bio’ porque eles vêm de amostras biológicas, nesse caso, de humanos, e servem para indicar alterações no organismo que esteja em processo de adoecimento”, explica Adenilson Pereira. Porém os biomarcadores existentes atualmente para o câncer gástrico não são tão eficientes, principalmente quando se deseja diagnosticar os estágios iniciais da doença. O pesquisador destaca que a forma mais efetiva de diagnóstico é por meio da endoscopia. Todavia, esse é um procedimento invasivo e relativamente caro, dificultando o acesso de uma parcela da população.
Na tese intitulada MicroRNAs como biomarcadores do campo de cancerização gástrico, Adenilson Pereira, orientado pela professora Ândrea Ribeiro dos Santos, estudou uma alternativa que fosse eficaz para o diagnóstico da doença. A pesquisa foi desenvolvida pelo Laboratório de Genética Humana e Médica da UFPA, com apoio do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular (PPGBM/ICB/UFPA) e do Núcleo de Pesquisa em Oncologia do Hospital Universitário João de Barros Barreto (NPO/HUJBB/ UFPA). “O objetivo do estudo foi encontrar potenciais marcadores que pudessem distinguir indivíduos saudáveis de indivíduos portadores da doença, visando encontrar um
biomarcador para os estágios iniciais da doença”, explica o autor. Os microRNAs são pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas. “A principal função do microRNA é regular a expressão gênica em nível pós-transicional, isto é, eles regulam a expressão de RNAs mensageiros de genes alvos específicos”, esclarece Adenilson Pereira. Entretanto, em indivíduos com câncer, o microRNA age anormalmente e causa interferências na produção de proteínas essenciais para o bom funcionamento do organismo. “Nesse contexto, essas pequenas moléculas podem ser utilizadas como marcadores genéticos, uma vez que o paciente portador de câncer pode expressar esses marcadores de forma atípica”, acrescenta.
Foram sequenciadas 48 mostras de tecido gástrico “A primeira metodologia empregada no estudo foi o sequenciamento de nova geração ou NGS. Nós utilizamos uma plataforma de sequenciamento de nova geração chamada MiSeq. Nela, sequenciamos bibliotecas genômicas de 48 amostras de tecidos gástricos preparadas com kits específicos. Com a amostra, o sequenciador gerou alguns milhões
de reads, que são pequenas sequências de leitura que representam os fragmentos do DNA que se pretende identificar”, conta Adenilson Leão Pereira. Então, o pesquisador fez uma análise computacional dos reads e foi possível identificar quais genes de microRNAs estavam com a expressão alterada nas amostras de câncer.
“A segunda metodologia foi a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em tempo real, usada para a validação dos dados encontrados por meio do sequenciamento de nova geração (NGS). Como a metodologia de NGS é relativamente cara, precisávamos validar nossos achados por metodologias consideradas sensíveis e válidas. No resultado final, identi-
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ficamos vários microRNAs alterados no câncer gástrico que podem ser utilizados como potenciais biomarcadores, tanto para os estágios avançados como para os estágios iniciais da doença”, descreve o biólogo. Para a elaboração da tese, Adenilson Pereira também estudou
a teoria do Campo de Cancerização, que diz que a região ao redor do tumor também possui alterações que podem predispor essa região ao surgimento de novos tumores. “Durante a cirurgia, além do tumor, alguns centímetros de tecido ao redor dele também são retirados como margem de segurança. De acordo
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com a teoria, embora essa região não possua alterações observáveis a olho nu, ela pode ter alterações em nível molecular, como alteração na expressão de genes relacionados ao câncer. Foi possível confirmar que o tecido adjacente, de fato, compartilha alterações que estão presentes no tumor”, revela o pesquisador.
Maus hábitos colaboram para o adoecimento A importância da pesquisa também se dá pelo fato de o câncer gástrico ser recorrente no Pará. Isso está diretamente relacionado aos hábitos da população, como o consumo excessivo de cigarro, álcool e alimentos pré-processados. A ingestão exagerada de sal também é um fator prejudicial, pois o sódio e os nitritos agridem a mucosa gástrica saudável, podendo causar dano às células normais.
“Além disso, muitas famílias do interior do Pará possuem o hábito de salgar os alimentos perecíveis (carnes e pescados) como meio de conservá-los ao longo dos dias. Todos esses fatores podem contribuir para o desenvolvimento do câncer gástrico”, afirma Adenilson Pereira. Como prevenção, o INCA sugere que as pessoas mantenham um estilo de vida saudável, evitem o tabagismo, o consumo de bebidas
alcoólicas e de sal em excesso. Também vale ressaltar a importância de consultar-se regularmente, para que o diagnóstico e o tratamento ocorram o mais rápido possível. “Quando o paciente é diagnosticado nos estágios iniciais do câncer, isso certamente contribui para as chances de sobrevida e de cura. É exatamente isso que se tem em mente quando uma pesquisa sobre biomarcadores é realizada”, conclui. NAYANA BATISTA
O estudo foi
apresentado por Adenilson Leão Pereira, ao Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular (PPGBM/ICB/ UFPA).
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Resenha A história da Amazônia vista de dentro e de baixo Brenda Taketa* [...] Não, a verdade do passado reside antes no leque dos possíveis que ele encerra, tenham eles se realizado ou não. A tarefa da crítica materialista será justamente revelar esses possíveis esquecidos, mostrar que o passado comportava outros futuros além deste que realmente ocorreu (GAGNEBIN, 2018, p. 60) É difícil ler A brief economic history of the Amazon (1720-1970), o mais recente trabalho do professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), Francisco de Assis Costa, vinculado ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), e não pensar na filosofia benjaminiana sobre a história. Em sua Breve história econômica da Amazônia (tradução livre para o título), o autor nos remete, como bem lembrou Jeanne Marie Gagnebin ao tratar do pensamento de Walter Benjamin com seus “cacos da história” ainda no início dos anos 1980, às possibilidades de se desvelar as inúmeras camadas de ALEXANDRE DE MORAES
sentidos possíveis para os documentos históricos e de se “resgatar do esquecimento aquilo que teria podido fazer de nossa história outra história”(GAGNEBIN, 2018, p. 60). De fato, em sua totalidade, a densa produção de Costa, no decorrer dos últimos 30 anos, parece empreender, crítica e sensivelmente, com rigor e um amplo conjunto de referências em diversos campos, uma profícua tentativa de honrar parte significativa dos “sem nome” na construção histórica amazônica. Editado na Inglaterra pela Cambridge Scholars Publishing e comercializado pelo site de vendas Amazon.com, o novo livro, cujo conteúdo poderia facilmente se repetir em relação à vasta obra do autor, surpreende pela quantidade de atualizações teóricas e metodológicas, assim como por novas formas de combinar noções utilizadas em trabalhos anteriores, sempre em diálogo com autores de diversos campos e matrizes do pensamento. Entre as noções encadeadas de forma heterodoxa para uma melhor compreensão da diversidade, característica não apenas das condições geográficas e biogeoquímicas, mas também da sociedade e da economia regional em diferentes momentos históricos, estão as de trajetórias tecnológicas, de economias locais e de arranjos produtivos locais, assim como a importante compreensão da domesticidade como padrão de organização de um tipo de economia que atravessará séculos, tendo como base os usos e os atributos de uma floresta viva, dinâmica, plural. Tais ajustes permitem uma visão mais abrangente sobre processos que envolveram diversas formações socioeconômicas (camponesas agroextrativistas e agrícolas, em especial) e
padrões de organização (produtiva e de comercialização), a exemplo do aviamento, ao mesmo tempo em que desvelam diversas influências (políticas, estatatais, mercadológicas, sociais) capazes de produzir mudanças em seus cursos. De forma sintética, o livro é composto por três capítulos interdependentes e intitulados como 1) “A Amazônia colonial e sua economia (1720-1822)”; 2) “A economia da borracha (1820-1920)”; e 3) “A economia regional da Amazônia, o boom da borracha e depois (1850-1970)”. Cada capítulo, com recortes temporais de cerca de um século, desfaz equívocos, como a ideia de que a história econômica regional pode ser explicada por “ciclos”, entre os tantos casos; confirma, baseado em novas fontes de dados, o que eram apenas hipóteses, a exemplo da produção de borracha por camponeses “caboclos” desde antes (mas também durante e depois) do aumento da demanda internacional desse produto in natura no século XIX; ou desvela novos sentidos e significados para a historiografia de uma Amazônia vista a distância e, em alguns momentos, de cima e com certa miopia pelo restante do Brasil e pelas correntes de pensamento dominantes, acostumadas a analisar a região com referenciais limitadores e condicionadas a perceber a biodiversidade como um problema, não como peculiaridade ou mesmo vantagem. O livro traz, ainda, um amplo conjunto de fotos, mapas, tabelas e referências que fundamentam os primeiros insights do autor num plano mais empírico, criteriosamente transformados em argumentos em cada um dos capítulos. Serviço A Brief Economic History of the Amazon. Autor: Francisco de Assis Costa. Cambridge Scholars Publishing. Venda: Amazon.com (*) Brenda Taketa é jornalista e doutoranda em Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/UFPA.
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A Histรณria na Charge
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