ISSN 1982-5994
UFPA • Ano XXXIV • n. 151 Outubro e Novembro de 2019
Estudo cria barra de cereal de tapioca e castanha nos sabores cupuaçu e açaí. Página 5
Universidade Federal do Pará
JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Aila Beatriz Inete, Flávia Rocha e Nicole França (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes, Lucas Brito, Mayra Peniche Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Charge: Walter Pinto Ilustração: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares © UFPA, Outubro e Novembro, 2019
Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Secretário-Geral do Gabinete: Marcelo Galvão Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Maria Iracilda da Cunha Sampaio Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitora de Relações Internacionais: Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Raimundo da Costa Almeida Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br
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uem tem o hábito de sair de casa com sua marmita a postos sabe que a barra de cereal é uma opção de lanche rápido e saudável. Portável e com altos teores de proteínas e nutrientes, a barrinha conta com grande número de adeptos. Do ponto de vista nutricional, ela pode ser classificada como fibrosa, dietética, energética e proteica. Como resultado da sua dissertação, a nutricionista Isadora Cordeiro dos Prazeres desenvolveu uma barra energética utilizando ingredientes regionais: farinha de tapioca, castanha-do-brasil, açaí e cupuaçu. Entre os degustadores, o sabor açaí teve maior média. Sem glúten nem lactose, o produto também é apropriado para os alérgicos. A preocupação com a produção excessiva de material plástico passa a fazer sentido ao sabermos que os microplásticos já são encontrados no nordeste paraense. Fios de nylon, isopor e fibras de roupas foram encontrados pelo professor José Eduardo Martinelli Filho na pesquisa realizada na praia da Corvina, em Salinópolis (PA). Leia também: a seção Opinião traz uma análise antropológica sobre o Salão Arte Pará; o game Poupadin, fruto do Programa de Incubação de Empresas da UFPA, voltado para educação financeira, ganhou a sua versão como jogo de tabuleiro; com modelo adaptado, o matapi garante pesca sustentável em Abaetetuba; no site você encontra o Beirinha, nosso conteúdo especial para o público infantojuvenil. Rosyane Rodrigues Editora
Nesta Edição Arte Pará: uma interpretação antropológica e visual ................4 Pesquisa produz barra energética ......................................5 Microplásticos encontrados em Salinas ................................6 As mudanças climáticas estão na pauta? ..............................8 A hora e a vez das nanorredes ......................................... 10 Game ensina educação financeira .................................... 12 Matapi garante pesca sustentável .................................... 13 Quem são essas mulheres? ............................................ 14 Especialização é nova meta do Parfor .................................... 16 A gripe espanhola em Belém ........................................... 18
Foto Alexandre de Moraes
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Opinião ALEXANDRE DE MORAES
Arte Pará: uma interpretação antropológica e visual
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Arte Pará é o mais longevo salão privado de artes visuais no País. Sua primeira edição se deu em 1982, após uma reunião com representantes das artes visuais de então, a qual foi idealizada e capitaneada pelo jornalista e presidente do Grupo Liberal, Rômulo Maiorana. Com 38 edições ininterruptas, o outrora chamado Salão Liberal se tornou um destaque para o cenário artístico e conceitual paraense, bem como para o próprio panorama nacional das artes visuais. Organizado pela Fundação Rômulo Maiorana, sua mostra permite um número significativo de participantes (não somente locais), com uma clara atenção e debate sobre as produções visuais desenvolvidas nesses encontros. A essas considerações iniciais, posso acrescentar que a tese Arte Pará: uma interpretação antropológica e visual, de minha autoria, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/ UFPA), sob orientação do professor Ernani Chaves e coorientação do professor Agenor Sarraf, tratou de abraçar um recorte entre os anos de 1982 e 2015, de maneira a compreender a base inicial do evento, sua maturação e transformação, com destaque para as narrativas curatoriais costuradas com os projetos visuais participantes da mostra. Desse modo, o estudo envolveu uma série de estratégias para lidar com uma pesquisa tanto diacrônica quanto sincrônica: pesquisa de
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arquivo, realizada nos catálogos da Fundação e nas edições contextuais do Jornal O Liberal; entrevistas semiestruturadas e abertas com curadores, artistas e organizadores e etnografia dialógica e visual das edições de 2012 a 2015, sob os princípios da observação participante. Aliada a essas estratégias, também realizei uma leitura conceitual do evento, baseada no próprio campo teórico da Antropologia, além de trazer uma marcação crítica segundo as prerrogativas Pós-Colonial e Decolonial. Essas análises foram, não obstante, acompanhadas de leituras visuais de obras participantes do salão, segundo debates encontrados nos próprios estudos da Imagem e da Filosofia da Arte. Um dos elementos de destaque da pesquisa se deu na reflexão sobre o termo Visualidade Amazônica, debate encontrado no próprio organismo do Arte Pará. Presente como conceito e prática artística desde os primeiros anos do salão, sob um princípio plural e dinâmico, este termo tem, no pensador João de Jesus Paes Loureiro e nos artistas Osmar Pinheiro Jr. e Luiz Braga, alguns dos nomes emblemáticos para compreendê-lo. Os ideais da Visualidade Amazônica foram amplamente debatidos no 1º Seminário sobre as Artes Visuais na Amazônia, ocorrido em 1984, em Manaus, organizado pelo Instituto Nacional de Artes Plásticas (INAP), sob direção de Paulo Herkenhoff. Desse seminário, saiu o livro As Artes Visuais na Amazônia: Reflexões sobre uma Visualidade Regional, com a transcrição das conferências apresentadas. Esse livro é, hoje, tido como um importante documento histórico para se acessar alguns dos ideais que atravessaram personagens ligadas às artes visuais na região e, por extensão, às do Salão Arte Pará. Para o supracitado grupo, as produções realizadas por artistas nesta porção da
Amazônia paraense teriam a escolha de trazer, em seu DNA, algo de mais antigo, local, politizado, mesmo em tempos cujos códigos enfaticamente globais seriam mais bem apreciados. Outro debate significativo para o desenvolvimento do evento e processo de análise da tese pôde ser encontrado nos desenvolvimentos curatoriais, principalmente inaugurais, a partir de 1990, os quais ficaram a cargo de Paulo Herkenhoff e Claudio De La Rocque. Os curadores firmaram uma inter-relação significativa, com posteriores e distintos desenhos curatoriais do Arte Pará - e aqui podemos pensar em como cada novo curador buscou estabelecer outros limites para o alcance do salão: trouxe, em seus diversos contextos, nomes de diferentes centros de produção artística na forma de júris, de selecionados ou de convidados; articulou certa continuidade coerente com muitos dos ensejos principiados por Paulo Herkenhoff; enriqueceu o evento com novos panoramas e dilemas conceituais, muitos deles emblemáticos para se estabelecer pontos de transformação de uma trajetória também pertencente à História da Arte Paraense. O Salão Arte Pará, mesmo ante a pequena quantidade de pesquisas acadêmicas, é um grande marcador para as artes visuais a ganhar espaço na mídia, entre artistas e curadores das mais distintas origens. E observado o fato de a própria pesquisa antropológica ter, ainda, discretas relações com a prática artística recente, este evento aqui é tomado, em muitos aspectos, de maneira inaugural, como um campo fecundo para investigações e análises em torno de suas narrativas conceituais, curatoriais e culturais, tecidas plurivocalmente, por meio de negociações transculturais, em uma metrópole e, por extensão, em uma região amazônica. John Fletcher – professor e coordenador dos cursos de Artes Visuais (FAV/ UFPA), doutor em Antropologia pelo PPGA/UFPA. Recebeu o Prêmio Benedito Nunes de melhor tese, edição 2018. johnfletcherpa@yahoo.com.br
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Saúde
Pesquisa produz barra energética Sabores açaí e cupuaçu foram os preferidos pelo público Flávia Rocha
A
s barras de cereais chegaram ao mercado brasileiro há cerca de 10 anos e, rapidamente, conseguiram conquistar o público. Além de ser um alimento portável, muitas apresentam altos teores de proteínas e nutrientes, tornando-as uma opção saudável e prática. Nessa perspectiva, a nutricionista Isadora Cordeiro dos Prazeres desenvolveu a dissertação Elaboração de barra multicomponente à base de farinha de tapioca, castanha-do-brasil e frutas
regionais, com orientação da professora Ana Vânia Carvalho, no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos (PPGCTA/ITEC), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O tema da pesquisa foi pensado como uma forma de valorizar produtos alimentícios regionais. “A nossa culinária tem sabores marcantes e característicos. Isso fica evidente quando as pessoas vêm de fora e ficam encantadas. Pensamos em uma forma de incluir frutas regionais no mercado externo,
por meio das barras”, explica Isadora Cordeiro. Após testar diversas frutas, os sabores escolhidos foram açaí e cupuaçu, em virtude da maior aceitação por parte do público. “Inicialmente, os degustadores foram alunos da UFPA que se disponibilizaram a participar da pesquisa. Esse grupo tinha mais de 100 pessoas”, conta a pesquisadora. “A princípio, nós queríamos fazer barras de cereais mesmo, então testamos componentes como aveia e quinoa. Porém percebemos que seria mais interessante
para a pesquisa fazer barras que tivessem só a tapioca e a castanha-do-brasil como ingredientes secos”, conta Isadora Cordeiro. Depois de determinar do que a barra seria composta, iniciaram-se as análises físico-químicas, de composição centesimal (que verifica o valor calórico), de textura e a análise microbiológica. Os testes foram negativos para salmonella, bolores, leveduras e coliformes fecais. Nenhum desses testes apontou crescimento de colônias. Os resultados estavam em conformidade com a Legislação RDC nº 12, de 2001.
Sem glúten e lactose: produto é apropriado para alérgicos Segundo Isadora Cordeiro, a análise sensorial foi essencial para a pesquisa. Durante essa análise, as barras são avaliadas usando a escala hedônica não estruturada de nove pontos, que vai de “gostei extremamente” até “desgostei extremamente”, considerando os atributos: aparência, cor, sabor, textura e impressão global. “Nós também questionamos os degustadores sobre a possibilidade de compra, sendo nota um para ‘não compraria de jeito nenhum’ e nota cinco para ‘certamente compraria’. A barra de açaí ficou com a média maior, com ‘certamente com-
praria’, e a de cupuaçu ficou com média quatro, ‘provavelmente compraria’”, revela a nutricionista. Barras de cereais podem ser classificadas, do ponto de vista nutricional, em quatro tipos: fibrosas, dietéticas (light), energéticas e proteicas. A barra produzida por Isadora Cordeiro seria classificada como uma barra energética, pois o açaí contém grande quantidade de gorduras insaturadas, e a farinha de tapioca possui alta taxa de carboidratos. “Ela poderia ser usada como uma barra pré-treino, pois, durante a prática de exercício, o corpo precisa
de energia, e o ideal é comer algo com boas quantidades de carboidratos”, explica Isadora. A barra multicomponente também pode ser consumida por indivíduos com alergias alimentares, pois não contém glúten nem lactose. O açaí e o cupuaçu são frutos regionais conhecidos internacionalmente, e o estudo salienta os benefícios à saúde que o consumo dessas frutas traz. Outro aspecto positivo é a ausência de gorduras trans. “Utilizamos a gordura de palma, considerada uma gordura boa por não sofrer o processo de transesterificação”, es-
clarece Isadora Cordeiro. Em maio deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou, em seu site, medidas que devem ser tomadas pelos governos e pela sociedade para substituir as gorduras trans por opções mais saudáveis. Eliminar esse componente é uma das metas da Organização até 2023. Ao serem produzidas apenas com produtos naturais, as barras apresentaram uma diminuição no tempo de prateleira em relação às industrializadas, “mas o objetivo era produzir algo realmente saudável, natural, que agregasse valor aos nossos produtos”, afirma a pesquisadora.
FOTOS ACERVO DA PESQUISA
Degustadores avaliaram aparência, cor, sabor, textura e impressão global das barras dos sabores cupuaçu e açaí.
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ALEXANDRE DE MORAES
Microplásticos encontrados em Salinas A quantidade é baixa, mas está distribuída em toda a praia Aila Beatriz Inete
O Leia Mais Projeto de extensão leva educação ambiental às praias de Salinas. Acesse conteúdo exclusivo em www.beiradorio. ufpa.br
s microplásticos são partículas minúsculas, algumas imperceptíveis a olho nu. Essas partículas foram encontradas no meio ambiente pela primeira vez na década de 1970 e tornaram-se objeto de preocupação e estudo. Desde então, os microplásticos estão cada vez mais presentes nos ambientes aquáticos, causando muitos problemas nos ecossistemas. Em 2014, o professor da Faculdade de Oceanografia (IG/UFPA) José Eduardo Martinelli Filho publicou o artigo A distribuição generalizada de microplástico em uma praia arenosa de macromarés na Amazônia (Widespread microplastics distribution at an Amazon macrotidal sandy beach).
Segundo o artigo, pesquisas bibliográficas revelam que o rio Amazonas pode transportar 32.200 toneladas, por ano, de resíduos de plástico, tornando-o o 7º maior rio poluidor do mundo. Apesar disso, a poluição por plástico é pouco conhecida na Amazônia. “Na década de 1990, começou a emergir essa preocupação com o microplástico, mas, aqui, na Amazônia, só na década atual se iniciaram os trabalhos científicos sobre o assunto. Eu me interessei pelo assunto em 2013 e iniciei essa pesquisa na praia da Corvina, em Salinópolis, em 2014”, conta o professor. A praia da Corvina foi escolhida, pois o turismo e as atividades pesqueiras podem ser importantes disseminadores de plásticos para o mar.
O objetivo principal da pesquisa era estabelecer uma linha de base, conhecer o nível de contaminação ambiental por microplásticos em uma praia na Amazônia. Segundo o professor, o material tem sido encontrado em lagos, em geleiras, em mares profundos de diversos países, então, obviamente, ele se encontra na Amazônia. Em abril de 2014, foram determinados quatro quadrantes ao longo da praia e, dentro desses quadrantes, aleatoriamente, foram cavadas trincheiras. Depois disso, amostras de areia foram coletadas em diversos pontos e em diferentes profundidades (da superfície até 60 cm). Os microplásticos foram separados dos sedimentos e, depois, encaminhamos para análise.
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Amazônia Fios de nylon, isopor e fibras de roupas entre os achados “Os principais resultados foram levemente positivos. As quantidades encontradas são relativamente baixas, se compararmos com outras regiões contaminadas no Brasil, como a Baixada Santista (SP) e a região do Paranaguá (PR), que estão entre os maiores portos da América do Sul, em termos de volume de carga”, revela o professor José Eduardo Martinelli Filho. Foi encontrado um total de 5.819 partículas, quantidade inferior à de outros locais. No entanto, em todas as amostras analisadas, independentemente
da profunidade ou do ponto de coleta, os microplásticos estavam presentes. “A notícia ruim é que ele está amplamente distribuído ao longo da praia, ou seja, toda a praia, de certa forma, encontra-se contaminada, em algum nível, pelo microplástico”, avalia o professor. A hipótese dos pesquisadores é que o microplástico da região advém, principalmente, da pesca. “Os artefatos de pesca são abandonados tanto na água quanto na praia. Nós
encontramos uma quantidade significativa de fios de nylon, isopor e fibras de roupas. Estas se acumulam nas máquinas de lavar e são despejadas nos rios pelo esgoto doméstico”, conta o pesquisador. A atividade turística também é uma fonte de material plástico para os rios e os mares. Segundo Martinelli, a população de Salinas fica seis vezes maior nos períodos de férias. “A população passa de 40 mil para 280 mil pessoas. Nesses picos de turismo, também aumenta o descarte de
plásticos na região costeira”, explica. Algumas pesquisas apontam a presença de microplásticos em peixes. “Alguns tipos de plásticos são tóxicos, enquanto outros podem absorver substâncias tóxicas. Os que apresentam toxidade, quando ingeridos, podem causar problemas de saúde aos animais que os ingerirem e a toda a cadeia trófica”, alerta Martinelli. Mesmo que o plástico não seja tóxico, o acúmulo pode causar a obstrução nos aparelhos digestório ou respiratório dos animais.
Plástico: solução é evitar descarte no meio ambiente “Uma vez que os ambientes estão contaminados, a remoção das partículas é muito difícil. Não direi que é impossível porque acabou de ser divulgado o trabalho de um jovem cientista que criou um método de remoção de microplásticos da água e foi premiado pelo Google. Mas, atualmente, não existe um método eficaz de remoção”, afirma o professor. De acordo com José Martinelli Filho, as micropartículas se acumulam e depositam-se ao longo do tempo, na água, nas praias, nos manguezais e em outros lugares. Como o plástico demora milhares de anos para se degradar, o esperado é que a concentração aumente. “O cenário atual não vai melhorar porque as partículas já estão lá, não tem como voltar atrás e, até
o momento, não existe um método eficaz para a remoção. O que poderia ser feito é reduzir a quantidade que chega aos ambientes costeiros, e isso requer conscientização, educação ambiental, ações de governança pública e gestão, com os setores público e privado atuando de forma mais ativa”, afirma Martinelli. Barreiras - Segundo o professor, podem ser instaladas barreiras nos rios para reter os plásticos de grande porte, além de ações de incentivo e divulgação da coleta seletiva. Para Martinelli, esse problema não é só local, também afeta outros países. Atualmente, o professor está participando do Projeto de Pesquisa A distribuição de microplástisco em ambientes aquáticos amazônicos, e os
resultados devem indicar a poluição em diferentes locais na Amazônia. “Estamos trabalhando em vários locais da Amazônia para obtenção desses dados: em ambientes de água doce, estuários e ambientes marinhos”, diz o pesquisador. O professor ressalta que os estudos de microplástico no ambiente amazônico são de suma importância. “Esses trabalhos mostram que a Amazônia não é um ambiente limpo e preservado, mas altamente impactado. O cenário atualmente é desmotivador e alarmante. O crescimento do desmatamento, da pecuária e do cultivo da soja (de maneira extensiva e sem regulamentação devida) é preocupante. Conhecer o nível de poluição por microplásticos pode subsidiar a gestão e minimizar os impactos”, conclui o professor. FOTOS ACERVO DA PESQUISA
Em abril de 2014, os pesquisadores definiram quatro quadrantes na praia, cavaram trincheiras e coletaram mostras de areia da superfície até 60 cm de profundidade.
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Clima
As mudanças climáticas estão na pauta? Estudo analisa discursos de O Liberal e Folha de S. Paulo Nicole França
A
mídia possui um papel fundamental não só na divulgação de informações como também na introdução e no fomento de debates públicos sobre assuntos importantes para a sociedade em geral. Reconhecendo essa importância da mídia e dos veículos de comunicação para a conscientização e para o desenvolvimento de discussões, André Luiz Palmeira da Silva analisou, em sua dissertação, o discurso a respeito das mudanças climáticas produzido
nas coberturas sobre meio ambiente dos jornais O Liberal e Folha de S. Paulo. A dissertação O discurso midiático sobre mudanças climáticas: análise da cobertura ambiental de O Liberal e Folha de S. Paulo, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM/ILC), investigou as matérias produzidas pelos dois jornais durante todo o ano de 2015. Tal período foi escolhido em virtude da realização da Conferência do Clima em Paris (COP-21),
ocorrida entre novembro e dezembro de 2015. “O objetivo da pesquisa foi analisar a grande mídia, por isso optei pela escolha de O Liberal e da Folha de S. Paulo. Então, pude analisar os discursos produzidos sobre a temática tanto nacionalmente quanto regionalmente, tendo em vista que a produção nacional interfere na produção regional”, afirma André Palmeira. Na pesquisa, André Palmeira utilizou conceitos como a Semiologia dos Discursos Sociais para analisar um total de 38 textos do jornal Folha
de S. Paulo e 27 textos de O Liberal, acessados por meio da plataforma on-line dos respectivos veículos. A pesquisa buscou analisar os textos informativos, como reportagens e notícias, bem como editoriais. Além da análise do discurso dos jornais, a dissertação também apresenta a temática das mudanças climáticas tanto no contexto do Brasil e da Amazônia quanto em um contexto mundial, ao abordar as Conferências Mundiais do Clima (COPs). O estudo também discute temas como desenvolvimento sustentável.
Em O Liberal, não há caderno específico para o tema Com base na investigação das publicações do jornal O Liberal no ano de 2015, o pesquisador pôde constatar a falta de um caderno específico sobre meio ambiente. Dessa forma, os textos eram encontrados em cadernos e seções como: Cidades (Atualidades), Poder (Mundo), Poder (Política) e Atualidades (Opinião). Nos 27 textos escolhidos para análise, André Palmeira identificou que apenas um dos
textos possuía assinatura de um jornalista. “Apesar de ter mais matérias sobre meio ambiente do que eu esperava, percebi que havia pouco material feito pela redação e que grande parte dele era fruto de agências de notícias, o que deixa a cobertura do jornal bastante informativa, mas sem personalidade regional. Tal fato se torna problemático, pois é um jornal que está em um lócus que é a Amazônia”, avalia.
Segundo o pesquisar, a reprodução de textos feitos por agências de notícias dificultou a análise do posicionamento do próprio jornal. Apesar disso, com o material obtido, o pesquisador identificou que os elementos discursivos mais utilizados por O Liberal estavam voltados para os temas científico, ambiental e político. “Quando se tratava da temática científica, O Liberal
baseava-se bastante em estudos científicos, como na matéria intitulada Pecuária e fogo emitem metano na Amazônia, fundamentada em um estudo do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), da Universidade de São Paulo (USP); e na matéria Brasil reduziu em 15% gases de efeito estufa”, que se baseia em um estudo realizado pelo Observatório do Clima”, expõe o pesquisador.
Diferentemente de O Liberal, a Folha de S. Paulo apresentou poucos textos sem assinatura ou provenientes de agências de notícias. Os 38 textos escolhidos para análise se dividiam entre reportagens, notícias e editoriais. A Folha apresentou como elementos discursivos frequentes as temáticas científica e política – esta apresentava aspectos econômicos e empresariais em seu discurso, e a temática ambiental.
“A Folha utilizou muito o discurso político e, nesse discurso, eu pude perceber, digamos assim, uma posição de ‘morde e assopra’ com o governo. O discurso era alternado entre positivo e negativo no que se refere às mudanças climáticas. O viés negativo era sempre um pouco mais enfatizado, de forma que os esforços do país, governado por Dilma Rousseff na época, eram ressaltados, mas as críticas vinham em seguida”, explica André Palmeira.
Além da temática política, o pesquisador também identificou um tom alarmista no discurso utilizado em alguns textos produzidos pela Folha de S. Paulo, o que pôde ser percebido em matérias como: Guerra do clima, Homem é inocente na morte da megafauna e Brasil carbonizado. Nessas matérias, termos como “distúrbio social”, “colapso”, “perturbação climática”, “devastação” e “destruição” foram muito utilizados, de forma que, entre os 38 textos
analisados, 21 apresentavam palavras ou termos no título que continham um viés alarmista. “De forma geral, a pesquisa vem como uma importante ferramenta para se entender as mudanças climáticas e a forma com que o assunto é tratado pela mídia, visto que está cada vez mais em voga. Então, é essencial que essa temática seja mais evidenciada, pois os meios de comunicação são um elo entre o leitor e a realidade”, conclui André Palmeira.
ALEXANDRE DE MORAES
Folha de S. Paulo manteve postura ‘morde e assopra’
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Entrevista
Luis Antonio Corrêa Lopes
A hora e a vez das nanorredes Professor apresenta alternativa de geração de energia renovável Walter Pinto
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trajetória acadêmica do engenheiro eletricista paraense Luiz Antônio Corrêa Lopes passa principalmente por quatro grandes instituições de ensino e pesquisa. A UFPA, onde estudou a graduação e trabalhou como professor; a Universidade Federal de Santa Catarina, local do seu mestrado; a McGill University, em Montreal, no Canadá, onde realizou o doutorado, e a Concordia University, também em Montreal, da qual é professor e pesquisador há 17 anos. Especializado em Engenharia Elétrica e da Computação, ele é considerado uma referência na área de nanorrede aplicada à energia elétrica. A convite do Programa de Pós-Graduação em Engenha-
Iniciação científica Fiz vestibular aos 16 anos, tendo sido aprovado no curso de Engenharia Elétrica da UFPA, turma de 1982. Tive a felicidade de conhecer professores encorajadores, como Jurandir Garcez, que incentivou os alunos a fazerem iniciação científica. Foi quando descobri o prazer proporcionado pela pesquisa. Isso mudou minha perspectiva de carreira. Até então pensava trabalhar como engenheiro da Celpa ou da Eletronorte. Mas a experiência da iniciação científica mudou o meu caminho. Depois, tivemos a visita do professor Edson Watanabe, da COPPE-UFRJ, que realizou, na UFPA, um curso de Eletrônica e Potência. Foi outro momento de grande importância, porque despertei o interesse pela área. Em 1987, saí para o mestrado em Eletrônica de Potência na Universidade Federal de Santa Catarina. Ao regressar, fiz concurso para professor no Departamento de Engenharia Elétrica, dando início à área de Eletrônica e Potência, que não existia até aquele momento na UFPA.
Carreira no Canadá No Departamento de Engenharia Elétrica, fui incentivado a realizar o doutorado, se possível, no
ria de Recursos Naturais da Amazônia (Proderna) do Instituto de Tecnologia, o pesquisador esteve na UFPA participando de uma série de eventos científicos, com objetivo de estreitar a cooperação entre o Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas (GEDAE) e o Grupo de Pesquisa em Eletrônica de Potência e Energia da Concordia University. A visita de Luiz Lopes se insere na política de fomento à colaboração internacional do Programa de Apoio à Cooperação Interinstitucional, desenvolvido pelas Pró-Reitorias de Pesquisa e Relações Internacionais da UFPA. Nesta entrevista, o pesquisador conta um pouco da sua trajetória e do conceito de nanorrede aplicável à necessidade energética de comunidades isoladas da Amazônia.
exterior. Então, em 1992, saí para o doutorado na McGill University, com bolsa do CNPq e salário da Universidade. Concluí o doutorado em quatro anos e meio e voltei para a docência na UFPA. Cinco anos depois, um ex-coorientador canadense me incentivou a pleitear uma vaga de professor na Concordia University, escolhida recentemente a melhor universidade com menos de 50 anos do Canadá. Minha contratação foi aprovada e há 17 anos sou professor dessa universidade.
Cooperação com o GEDAE Meu interesse em estreitar a cooperação com o GEDAE vem desde meu ingresso na Concordia. Recentemente, pleiteei uma bolsa canadense de colaboração com a América Latina. Mas, veja só que curioso, o Brasil vem despertando tanto interesse dos professores canadenses que, segundo fui informado “extraoficialmente”, o governo achou por bem limitar o número de bolsas para o Brasil como estratégia de incentivo à cooperação com outros países. Não obtive a bolsa, mas, convidado pelo professor Wilson Negrão, do Proderna, pude interagir com alunos e pesquisadores, trocar experiências e ampliar a cooperação científica e tecnológica entre GEDAE/UFPA e Concordia University.
Energia e sistemas convencionais Atuo na área de nanorredes, o contrário dos grandes sistemas de geração e distribuição de energia. Sistemas convencionais de energia, como as hidrelétricas, produzem grande quantidade de energia, que chega aos consumidores por meio de linhões com 3, 4, 5 mil quilômetros. Obviamente há custos muito elevados. Se você transporta energia de Tucuruí para uma cidade de grande consumo como Belém, economicamente isso faz sentido. Mas, no momento em que é preciso alimentar uma comunidade pequena e isolada, de baixo consumo, já não é razoável arcar com esses custos. Muitas dessas comunidades resolvem o problema por meio de geradores convencionais, mas o preço dos combustíveis torna o empreendimento elevado. Há também o risco de algum impacto ambiental causado por vazamentos de combustível.
Nanorredes na Amazônia Para comunidades menores, é mais indicado o sistema de nanorrede de geração e abastecimento com fontes renováveis, pois aproveita o potencial de sol e vento da região. Existem kits comerciais para suprir pequenas residências na
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Amazônia, mas, dependendo do dia, às vezes sobra e às vezes falta energia. Se as residências forem conectadas através de uma nanorrede, o desperdício ou a falta de energia tendem a ser reduzidos. Na Ilha das Onças, visitei uma residência abastecida por energia solar e corrente contínua (CC). Apesar de menos comum que a alternada (CA), a corrente contínua apresenta maior eficiência e menos perda na distribuição. Os pesquisadores do GEDAE estão desenvolvendo naquela comunidade uma nanorrede, que associará várias casas com abastecimento de energia captada por painéis fotovoltaicos. O gerenciamento de armazenagem dessa energia deverá garantir o abastecimento integral do consumo de cada residência. Os pesquisadores identificaram alguns modelos de controlado-
res de carga comercial para residências isoladas, que, com certos ajustes, permitem estabelecer o fluxo de potência ideal entre residências para não sobrecarregar nem subutilizar as baterias. Penso que este modelo sustentável de geração de energia pode ser um negócio viável economicamente, capaz de atrair, inclusive, o interesse da classe empresarial.
Parceria com empresas Eu era o especialista em eletrônica de potência, no GEDAE, até 2001. Acredito que essa posição não foi ocupada após a minha saída. De qualquer forma, o grupo vem produzindo um grande número de pesquisas relacionadas à energia renovável. Penso que um caminho para disseminar essa tecnologia é por meio de
parcerias com o setor privado. Se você vai desenvolver um novo equipamento, tem que partir de um protótipo. Um segundo passo, após muitos testes, é fazer essa experiência chegar à comunidade. É importante ter uma empresa interessada em transformar o protótipo em tecnologia comercial. Então, a parceria entre universidade e setor privado na área de energia é fundamental para que a população possa se beneficiar dos avanços gerados nos laboratórios da instituição.
UFPA e Universidade de Concordia Em termos de capacidade de trabalho e competência, percebo que muitos colegas da UFPA teriam vaga garantida na Concordia University. A di-
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ferença principal entre esta e a UFPA é o volume de recursos disponibilizados à pesquisa científica. Infelizmente, os recursos disponibilizados no Brasil limitam o desenvolvimento pleno das pesquisas. Essa, aliás, foi a principal razão que me fez trocar o Brasil pelo Canadá. Se olharmos para os últimos 15 anos, veremos que o GEDAE realiza um trabalho muito bom. Certamente teria avançado bem mais se tivesse maior disponibilidade de recursos financeiros. É essa disponibilidade que faz a grande diferença. A manutenção do investimento em pesquisa faz o Canadá desenvolver de forma mais acelerada a sua área científica. Mas não tenho dúvidas de que a qualidade dos pesquisadores que temos na UFPA é tão boa quanto a que temos na Concordia. MAYRA PENICHE
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Empreendedorismo Engenharia
Game ensina educação financeira Poupadin é produto do Programa de Incubação de Empresas da UFPA Nicole França
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anter as contas em dia e administrar as finanças nem sempre é uma tarefa fácil. No Brasil, o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) estimou que, em janeiro de 2019, 62,08 milhões de consumidores estavam negativados. Só na Região Norte, os negativados eram 5,62 milhões. Em busca de soluções inovadoras para esse problema, os economistas Manoel Lopes e Lorena Campos desenvolveram o jogo Poupadin e, mais tarde, uma empresa de mesmo nome, incubada no Programa de Incubação de Empresas (PIEBT) da Agência de Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Pará (Universitec).
“A sociedade brasileira tem um grave problema, que é o alto índice de inadimplência e endividamento da população. Um dos principais fatores que envolvem esse problema é a falta de educação financeira, que não é ensinada nas escolas, nem nos lares. Então, o nosso objetivo é criar ferramentas que possam facilitar o ensino da educação financeira, melhorando tanto o aprendizado quanto o ensino do uso sustentável do dinheiro, porque hoje falar nesse assunto, principalmente para uma criança, é muito difícil. Assim, pensamos em usar um jogo como metodologia para tornar isso mais fácil e divertido, para que a criança consiga se tornar um adulto consciente financeiramente”, explica Manoel Lopes.
A ideia para a criação do game surgiu dentro da Universidade e foi desenvolvida para o Desafio Inove+ de 2014, uma competição universitária de empreendedorismo organizada pela Universitec. “Nós já participávamos do Grupo de Educação Financeira da Amazônia (GEFAM) e percebemos as dificuldades que envolviam esse tema. Observamos que já existia material sobre o assunto para adultos, mas, para o público infantil, esse tipo de material ainda era deficitário e complicado. Então resolvemos criar um game para a educação financeira infantil, e o Poupadin foi o vencedor do Desafio Inove+ daquele ano”, expõe Lorena Campos.
Organização, orçamento, planejamento e poupança Destinado para crianças de 6 a 11 anos, o jogo já teve mais de três mil downloads.
ACERVO DO PROJETO
No game Poupadin, são ensinadas as funções básicas de finanças pessoais, como organização, orçamento, planejamento de curto, médio e longo prazo e poupança. Tudo isso de maneira lúdica e divertida, de forma que o conhecimento seja repassado adequadamente. No jogo, as crianças são estimuladas a utilizar ele-
mentos de educação financeira para atingir objetivos. As tarefas que devem ser realizadas no jogo são divididas em educação, alimentação, saúde e conforto. Segundo Manoel Lopes, a parte preferida das crianças dentro do game são os minijogos de educação. O preferido dos meninos é o jogo da matemática, enquanto o das meninas é o caça-palavras. O Poupadin é destinado para crianças de 6 a 11 anos, mas o game também faz sucesso entre os adolescentes. “Isso nos surpreendeu! O Poupadin não só chamou como também prendeu a atenção deles, e prender a atenção de adolescente não é uma tarefa muito fácil”, comemora Lorena Campos. Atualmente, a empresa Poupadin já está na lista da revista Pequenas Empresas e Grandes Negócios como uma das sete startups mais bem vistas da Região Norte, que está fazendo sucesso com soluções tecnológicas. O game, disponível na plataforma do Google Play, já conta com mais de 3.000 downloads, segundo Manoel Lopes. Mas os projetos para o Poupadin não param por aqui. Seus desenvolvedores já têm planos, começando pela criação de uma versão física do game. “Criamos um jogo de tabuleiro sensorial, divertido, e que permite a compreensão do conteúdo. A versão física foi lançada em agosto, durante o Desafio Inove+, justamente quando o Poupadin surgiu”, declara Manoel Lopes. Além disso, os desenvolvedores pretendem aplicar a metodologia do game sobre o ensino da educação financeira nas escolas e levar o jogo para outras regiões do País.
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Engenharia Pesquisa
Matapi garante pesca sustentável Modelo adaptado favorece captura de camarões maiores ACERVO DA PESQUISA
Aila Beatriz Inete
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pesca e a venda de camarões são uma das principais fontes de renda de muitas comunidades ribeirinhas. Entre as ferramentas utilizadas na pesca está o matapi, um artesanato feito com tala de palmeiras e cipó ou corda para fazer a amarração. Originalmente, a amarração é feita para que pouquíssimos camarões escapem e, muitas vezes, camarões que ainda não reproduziram também são capturados. A longo prazo, essa prática pode prejudicar a sobrevivência da espécie. Nesse sentido, um grupo de pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) desenvolveu um matapi modificado e testou sua eficácia em duas comunidades ribeirinhas.
O estudo faz parte da tese Estratégia para manejo dos recursos naturais na pesca de camarões da Amazônia na ilha de Sirituia, Abaetetuba, defendida por Marta Coutinho Caetano, com orientação da professora Oriana Almeida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU/UFPA). “A ideia era avaliar todas as estratégias de extrativismo da região das ilhas próximas a Abaetetuba. Então, foi avaliada não só a atividade pesqueira como também a extração de açaí, entre outras”, explica Ana Paula Roman, pesquisadora integrante do grupo. “Foram testados diferentes matapis e percebeu-se que o espaçamento de cinco milímetros seria ideal, pois os ganhos, em termos de produtividade, seriam superiores às perdas”, conta a pesquisadora. Diante disso, a proposta era comparar o matapi com
os espaçamentos de talas padronizados em 5 mm (o matapi modificado) com o utilizado pela população (o matapi tradicional), sem padrão de espaçamento. “A ideia era comparar e avaliar as diferenças, tanto em termos de produção (peso e tamanho) quanto em termos de rentabilidade”, afirma Ana Paula Roman.
Nas comunidades São Miguel e Santa Maria, em Abaetetuba, foram selecionados 13 pescadores para participar do experimento.
Coleta de dados utilizou matapi tradicional e modificado Para a pesquisa, foram selecionadas as comunidades São Miguel e Santa Maria, em Abaetetuba. Em cada comunidade, 13 pescadores receberam quatro matapis modificados e quatro tradicionais. “No final da tarde, todos saíam nas canoas e colocavam os matapis na água. Nós só interferimos na padronização do espaçamento entre os matapis, tomando cuidado para deixar sempre pareado, um modificado
e um tradicional, com espaçamento de cerca de dois metros entre um par e outro”, explica a pesquisadora. Os camarões foram separados por espécies e por tamanho. Em seguida, pesados. O matapi tradicional captura mais camarões, ou seja, em termo de peso, a sua produção é maior. Segundo Ana Paula Roman, o tradicional, por ter as talas muito próximas, impede qualquer
camarão de escapar. Entretanto o tamanho dos camarões era pequeno. Já no matapi modificado, os camarões eram maiores (de médios a grandes). “No mercado, existe uma classificação por tamanho, e todo mundo quer comprar um camarão de bom tamanho por um valor acessível. Normalmente, o tamanho mais vendido é o médio. O matapi modificado captura mais camarões médios e grandes do
que o tradicional e não retém os menores”, afirma Ana Paula. “Se você utiliza um matapi que não deixa o camarão menor escapar - e hoje cada família utiliza entre 30 e 40 matapis -, imagina o impacto disso na natureza?”, questiona a pesquisadora. O foco principal do estudo é promover um manejo sustentável, pois as comunidades dependem econômica e nutricionalmente da pesca.
Experiência deve ser compartilhada entre comunidades Com os resultados em mãos, os pesquisadores voltaram a Abaetetuba. “Queríamos que as comunidades conhecessem e validassem os resultados, afinal das contas, o nosso objetivo era que essa informação fosse inserida em suas atividades”, conta Ana Paula Roman. Os pescadores não só validaram os dados como
também se comprometeram a utilizar o matapi modificado e a levar a informação para outras localidades. “A pesquisa foi realizada com sucesso, adotando práticas fora de uma unidade de conservação, sem o controle de entrada e saída de pessoas. Contou, de fato, com a participação dos
pescadores no momento da coleta e também da validação dos dados”, comemora. Para a pesquisadora, esse tipo de trabalho é importante, pois mostra que o manejo sustentável é possível, mas, para isso, é fundamental a participação e o engajamento dos pescadores. “No final das contas,
quando falamos de manejo e sustentabilidade, não podemos nos preocupar só com a espécie ou com o ambiente. Não adianta “baixar” uma legislação. Quem precisa ser mobilizado para adotar uma prática sustentável é o pescador, e esse é o grande impacto desse tipo de pesquisa dentro da Amazônia”, avalia.
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Prostituição
Quem são essas mulheres? A relação entre grandes projetos e a exploração sexual na Amazônia ACERVO DA PESQUISA
Em Altamira, o Bar da Sol foi um dos locais em que se realizou a pesquisa de campo.
Flávia Rocha
“P
ode-se dizer que uma parte da sociedade brasileira analisa a prostituição como uma escolha feita por homens e mulheres para ganhar ‘dinheiro fácil’. Será mesmo essa escolha o modo mais fácil de ganhar dinheiro?”, questiona o professor Augusto César Pinto Figueiredo, autor da dissertação As filhas do Belo Monte: prostituição e grandes projetos na Amazônia. A pesquisa foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia (PPLSA/Campus Bragança), com orientação do professor Luiz Junior Costa Saraiva.
“A ideia inicial do estudo era dar voz a essas mulheres, analisando suas falas por meio da análise do discurso francesa, especificamente a Foucaultiana. Depois, percebemos um rico campo de informação e poderíamos mostrar como os grandes projetos afetam a vida dessas mulheres, considerando os discursos de preconceito e de ódio. Após a coleta do material, compilamos e construímos um quadro de referência que mostra o perfil delas”, explica Augusto Figueiredo. A pesquisa mostra como a prostituição foi se adaptando à modernidade. O autor abre a dissertação com um apanhado histórico sobre o assunto. “No primeiro capítulo, apresento uma análise
da prática da prostituição desde a adoração à deusa Afrodite até o século XXI, com o uso da internet e de aplicativos”, afirma o professor. No segundo capítulo, Augusto analisa grandes projetos realizados na Amazônia, da exploração de látex durante a Belle Époque à construção da Transamazônica e, por fim, de Belo Monte, o locus da pesquisa. “Infelizmente, os grandes projetos para a região amazônica visam somente à exploração dos recursos naturais e ao acúmulo de lucros em poucas mãos. O desenvolvimento da Amazônia deve ter como base as necessidades, os interesses e o protagonismo de sua população e não os interesses exógenos”, avalia Augusto Figueiredo.
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Nos canteiros de obras, mulheres são “entretenimento” A implantação das usinas hidroelétricas atrai para os canteiros de obra, de forma sucessiva e desordenada, ondas de migrantes para trabalhar na fase de construção da infraestrutura desses projetos. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), nos espaços de construção das hidrelétricas, as mulheres são mais uma mercadoria de entretenimento para os operários. “Os grandes projetos, assim como atraem a mão de obra, atraem as mulheres. Elas não vão por causa dos grandes projetos, e sim porque é lá que o dinheiro é agregado. Isso cria um ciclo”, analisa o professor Augusto Figueiredo. Muitas dessas mulheres se autodenominam “barrageiras”, po i s a c o m pa nha m os h o m e n s que constroem essas barragens. Quando essa fase se encerra, os
trabalhadores vão para outro projeto e elas também. “A violência contra as mulheres no contexto dos grandes projetos da Amazônia está intimamente ligada ao tipo de relação capitalista que é estabelecida nos grandes empreendimentos. Não é por acaso que a exploração e o abuso sexual de mulheres são problemas latentes nos Estados que compõem a Amazônia Legal brasileira”, afirma o autor da dissertação. Entre as entrevistadas, 60% são solteiras, 24% são divorciadas ou separadas, 16% são viúvas. 84% dessas mulheres são profissionais do sexo para prover condições financeiras para si mesmas ou para seus familiares. A maioria delas possui de dois a três filhos. “Para elas, a crise econômica e social é um dos porquês cruciais para o
ingresso na prostituição, e nessa atividade encontram uma possibilidade real de geração rápida de renda”, revela. Na pesquisa, Augusto Figueiredo indica que muitas mulheres estão em situação de prostituição temporariamente e, em muitos casos, elas proveem o sustento de suas famílias sem que estas saibam da sua real situação. Apesar de ser ilegal no Brasil, a figura do agenciador ou “rufião” ainda é comum em Altamira. As mulheres são obrigadas a morar em vilas ou em quartos anexos ao prostíbulo, de propriedade do agenciador. Elas pagam aluguel, só podem consumir a alimentação fornecida pelo proprietário e, quando realizam os programas sexuais, pagam pela utilização do espaço. O inevitável endividamento dificulta a saída delas desses locais.
Etnia e idade determinam valor do programa A dissertação mostra que existem dois grandes momentos na prostituição: a entrada para a exploração sexual, que ocorre em virtude de diversos fatores econômicos e familiares, e a tentativa de sair dela. “Aqui há de se observar que é uma escolha diretamente ligada a fatores psicológicos terríveis, e isso deve ser levado em consideração. Numa sociedade que tenta superar o machismo, é inadmissível que a culpabilidade masculina seja desconsiderada tampouco esquecida nesses casos”, afirma Augusto Figueiredo. Além disso, o valor que essas mulheres recebem depende das preferências dos demandantes. “Nós verificamos que a etnia das profissionais influencia no preço do programa. O programa com uma mulher caucasiana vinda da região
sul/sudeste era R$ 500,00 por 30 minutos. O programa com uma mulher indígena custava 80 reais, no auge de Belo Monte. É uma diferença grande. Há também a questão da idade: se a mulher for jovem, o valor do programa tende a aumentar. Por isso, quando se acompanham os grandes projetos, verifica-se que o tempo de permanência na prostituição não é longo, pois os homens buscam mulheres mais jovens”, observa o professor. “O quarto item mais importante na hora de determinar o valor do programa é a escolaridade. Isso se justifica porque mulheres com escolaridade mais alta, geralmente, não atendem nos prostíbulos, mas em suas próprias residências ou em locais indicados pelos ‘clientes’. São as freelancers, também conhecidas
como garotas de programa”, revela Augusto Figueiredo. Essas mulheres atendem a homens de poder econômico mais elevado e oferecem o que é conhecido como “tratamento VIP”. “Acredito que a pesquisa é importante por realizar um levantamento antropológico e social de um grupo ainda marginalizado, apesar de essa atividade existir há séculos. Em um dos depoimentos, uma mulher falou: ‘as pessoas só me olham como prostituta. Elas não entendem que eu sou filha, já fui esposa e sou mãe de alguém. Eu sou uma cidadã comum: pago impostos, vou ao supermercado, gero renda para a sociedade, como qualquer pessoa’. Este foi um dos pontos principais da pesquisa: mostrar o lado humano que a sociedade não enxerga”, conclui.
Números da exploração sexual 60% são solteiras 24% são divorciadas ou separadas 16% são viúvas 84% são provedoras das suas famílias
R$ 500,00 programa com mulher caucasiana R$ 80,00 programa com mulher indígena Quanto mais jovem a mulher, mais caro é o programa
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Qualificação
Especialização é nova meta do Parfor Ao completar dez anos, projeto reivindica implantação da pós-graduação Walter Pinto
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riado em 2009, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica está completando dez anos de atividade. Mais conhecido como Parfor, o plano objetiva qualificar os professores sem graduação que atuam na educação básica, os chamados “professores leigos”. A UFPA é a instituição que lidera o Parfor no Pará. Ao fim da primeira década, os números da Universidade mostram que a meta prevista para o período foi alcançada. São 14 mil alunos matriculados em 21 cursos de licenciatura. Destes, 8.308 já concluíram a graduação. Até o final do ano, serão mais 2.648 novos licenciados. Os números indicam uma profunda transformação na educação básica do Estado. Atestam também o compromisso social da UFPA com a educação, em todos os seus níveis. Ao receber alunos de todos os 149 municípios paraenses, o Parfor/UFPA
se configura como o maior projeto de formação docente em execução nos 62 anos de vida da Universidade Federal do Pará. No Pará, os desafios do Parfor são maiores em razão da dimensão geográfica do Estado, com localidades distantes umas das outras, a maioria acessada apenas por via fluvial. Nestes dez anos, muitos alunos do Parfor empreenderam longas viagens por estradas e rios em busca da sonhada graduação. Há relatos de alunos residentes em localidades mais afastadas que chegaram a enfrentar viagens de 12 horas de duração. O desafio não é menor para os docentes da UFPA que ministram aulas no Parfor. Os que saem de Belém com destino a Gurupá, por exemplo, percorrem os 350 quilômetros entre as duas cidades, em linha reta, em não menos que 28 horas de barco. Pensando nos compromissos dos alunos do Parfor, todos em atividade docente em suas escolas, a
UFPA optou por criar um calendário próprio, cumprido durante o recesso escolar. Considerando a dimensão geográfica do Pará, buscou chegar o mais próximo possível daqueles professores das áreas mais remotas. “A UFPA poderia acomodar-se nos seus onze campi universitários do interior do Estado, mas preferiu organizar-se em 60 polos, que cobrem todos os 149 municípios do Pará”, explica o professor Márcio Lima do Nascimento, coordenador administrativo e financeiro do Parfor-UFPA. Criar um calendário distinto do regular foi uma decisão acertada: os números indicam queda na evasão de estudantes em relação às instituições que não seguiram a mesma metodologia. O sucesso da experiência foi reconhecido pelo Fórum Nacional de Coordenadores. “O Parfor/UFPA tornou-se referência nacional, sobretudo quanto à forma como foi constituído”, informa a coordenadora acadêmica e pedagógica Josenilda Maria Maués da Silva.
Pará ainda tem demanda para formação de professores O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica foi criado pelo governo federal, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). É um pacto federativo em regime de colaboração entre Estados, municípios, distrito federal e instituições de ensino superior. Cada um desses entes desempenha papel específico. A União fornece os recursos financeiros, universidades disponibilizam o corpo docente e a expertise acadêmica, municípios e Estados liberam os professores das redes públicas, assim como contribuem para a logística administrativa. Apesar do sucesso do Parfor, o pacto federativo que o sustenta já teve revés quando a União não cumpriu com a atribuição de fornecer os recursos. As aulas não pararam, mas, durante dois anos, a oferta de novas turmas foi suspensa. Em 2018, foi retomado.
“Ainda há uma demanda imensa para formação no Estado do Pará, mas essa formação está muito rarefeita, porque os professores agora estão em lugares mais remotos”, informa Josenilda Maués, professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica, da Faculdade de Educação da UFPA. No auge do programa em 2010, o Parfor/UFPA registrou o ingresso de 4.116 alunos. Em 2011 e 2014, a marca de 2.000 matrículas foi superada, mas a crise de 2019 fez os números desabarem para o nível mais baixo, com 330 matrículas. Não foi por falta de empenho. O Pará solicitou abertura de quase 13 mil vagas para cursos de graduação e para cursos de especialização. A pós-graduação, ainda não contemplada, é considerada fundamental nesse processo de qualificação docente.
Segundo Márcio Lima, professor e pesquisador da Faculdade de Matemática, existe uma demanda real formada pelos mais de dez mil graduados, incluídos aí os que concluirão suas licenciaturas até o final do ano, pela pós-graduação lato sensu (especialização). Em 2017, em pronunciamento feito no Congresso Nacional, a direção da Capes comprometeu-se em colocar a especialização no edital do Parfor, mas não o fez. No momento em que o governo federal difunde um discurso de valorização da educação básica, a oferta de vagas para egressos do Parfor em cursos de especialização parece ser um meio efetivo de alcançar aquela meta. “No âmbito do Parfor/UFPA, áreas como Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química, Ciências apresentam uma demanda significativa para a especialização”, diz o coordenador.
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Projetos diferenciados para atender à nova clientela Outro diferencial do Parfor/ UFPA, talvez o mais importante, foi a reconfiguração dos projetos pedagógicos das 21 licenciaturas oferecidas. Essa reconfiguração se impôs como decorrência da natureza da clientela: professores que já atuam na Educação Básica, que vivenciam experiências docentes. Para eles, a UFPA pensou um projeto pedagógico diferenciado, não para formar professores, mas pessoas que já são professores. Como explica Josenilda Maués, os projetos pedagógicos do Parfor substituíram a tradição bacharelesca das licenciaturas por uma aproximação mais efetiva da finalidade das licenciaturas, ou seja, a discussão das questões pertinentes ao ensino, à escola básica. “Não foi fácil mobilizar todas as faculdades envolvidas na elaboração de novos projetos pedagógicos. Foi preciso fazê-las entender que não poderiam aplicar os mesmos projetos dos cursos extensivos. Os sujeitos agora eram outros, não os egressos do ensino médio. O tempo era intensivo. O espaço em que iriam estudar, na maioria das vezes, era a própria escola onde trabalhavam. Então reconfiguramos os projetos pedagógicos com base nessas premissas”. Os reformuladores atuaram tendo em vista que a clientela do Parfor é formada por pessoas que estão, há muitos anos, sem estudar, que não tinham domínio de tecnologias e nenhuma familiaridade com ritos acadêmicos. Então foi preciso reconfigurar o TCC, o método de trabalho, a própria experiência acadêmica. Toda essa intensa troca de saberes resultou em uma grande aprendizagem também para os professores da própria UFPA, como ressaltou a coordenadora. Uma das experiências mais exitosas nesta caminhada de dez anos foi o oferecimento de licenciaturas na área da Arte. Para além dos conteúdos acadêmicos, cursos de Artes Visuais, Teatro, Dança e Música conseguem construir uma relação orgânica com a vida das pessoas. Mais uma vez, a UFPA saiu na frente ao investir maciçamente na área.
Em seus dez anos de existência, o Parfor transformou a vida de alunos e de professores. No depoimento seguinte, a professora Josenilda Maués sintetiza um pouco dessa transformação: “Penso que o maior ganho é o encontro vigoroso da universidade com a situação real dos professores e das escolas. Atuar em condições não ideais, conhecer a vida das pessoas, na maioria mulheres acima de 40 anos, que
fazem enormes sacrifícios para estar ali, quarenta dias fora de casa, deixando filhos, levando crianças para amamentar em sala de aula. A gente passa a conhecer a história real dessas mulheres e percebe o quanto é importante para elas ter acesso a um curso superior. Isso muda a vida delas, muda a vida das famílias, dos filhos. São experiências transformadoras de vidas, de alunos e de professores”.
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Resenha A gripe espanhola em Belém Walter Pinto
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LUCAS BRITO
o prefácio de O vírus e a cidade, a historiadora Maria de Nazaré Sarges adverte os leitores: “uma cidade tem inúmeros símbolos e histórias escondidas em papéis amarfanhados e corroídos pelas traças. Nem sempre as histórias que pululam desses papéis têm o odor de uma fragrância francesa ou a beleza de uma ópera italiana”. Faz todo o sentido a advertência da autora do clássico Belém: riqueza produzindo a belle époque, afinal o livro de José Maria de Castro Abreu Junior segue os rastros da gripe espanhola no cotidiano da cidade de Belém no ano de 1918, o subtítulo da obra. São rastros que remetem o leitor ao ambiente insalubre das periferias de Belém, nas primeiras décadas do século passado. Um ambiente saturado pelo odor de vísceras expostas em bucharias fétidas, em que habitava numerosa população mal alimentada e de baixo poder aquisitivo, em casebres toscos
erguidos sobre áreas alagadas. Lugares como a vila Podrona ou o bairro do Ladrão revelam pelos próprios nomes os dissabores de seus moradores, tão próximos do centro e tão distantes dos benefícios das políticas públicas. Nessas zonas, sem higiene e saneamento, a gripe espanhola se fez mais intensa, entre setembro e dezembro de 1918, contradizendo o mito de doença “democrática”, que se propaga entre pobres e ricos, criado pela imprensa, mas não confirmado pelas fontes de José Maria Abreu. Escrito por um médico com experiência historiográfica, O vírus e a cidade aborda uma temática sofrida, mas o faz por meio de um texto agradável. O autor tira do esquecimento o temor da população diante de uma doença para a qual o saber médico pouco podia. Se não houve corpos insepultos nas ruas, como na epidemia de cólera de 1855, conforme narrado pela antropóloga Jane Beltrão em Cólera: o flagelo de Belém do Grão Pará, a gripe hespanhola, como era grafado em 1918, obrigou os serviços funerários a trabalharem, diariamente, acima de suas capacidades. Diante da impotência da medicina no combate à doença, os jornais reportam o cotidiano do horror em meio à proliferação de anúncios que exaltam os poderes curativos de remédios sem eficácia comprovada e, em caso de falha, artigos de luto de fino acabamento. Ao realizar a pesquisa para a tese de doutorado, o autor deparou-se com a ausência de relatos feitos pelos esculápios. Vindo do próprio meio, sustenta uma explicação: “a pandemia de 1918, pelo seu próprio caráter de terror, derrota o desfecho sem explicações, não parece um bom objeto a servir ao propósito laudatório das narrativas historiográficas feitas por médicos. Talvez, daí o descaso com a sua história, por muitas décadas”.
O autor, com base em ampla pesquisa bibliográfica, reconstrói os rastros da gripe no mundo, evidenciando seu caráter de pandemia. A origem da gripe de 1918, no entanto, é controversa. Pode ter começado pela China, mas os primeiros surtos divulgados teriam ocorrido nos Estados Unidos. Seu nome, porém, associa-se à Espanha, país que não mascarou o surto. Em menos de vinte meses, teria causado em torno de 50 milhões de mortes no mundo, quase sete vezes mais do que a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, além dos milhares de mortos e doentes, ela também atingiu o diretor do Serviço de Saúde Pública da capital federal, o médico paraense Carlos Seidl, exonerado do cargo equivalente ao de ministro da Saúde, sob a acusação de morosidade no combate à doença (ver A História na Charge, na página ao lado). Ao contrário da epidemia de cólera, que opôs alopatas a homeopatas, a hespanhola em Belém não gerou tensão entre saberes médicos e autoridades sanitárias, mas manteve no palco das disputas Igreja e Maçonaria, em busca de reconhecimento por mérito filantrópico, que a ajuda aos enfermos podia render. Temendo o contágio em ambiente de aglomeração, a Igreja suspendeu o arraial de Nazaré. Iniciada em setembro, a doença evoluiu entre outubro e novembro, arrefecendo em dezembro, embora continuasse sua saga pelo interior paraense. Em Belém, a gripe pôs em evidência a falta de recursos da medicina para combatêla. Entre as conclusões do estudo, José Maria Abreu formula tese original, ao inserir a fundação da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, inaugurada no mês seguinte ao fim da gripe, ao projeto, de algum modo, ligado aos desdobramentos da hespanhola no Pará. Serviço: O vírus e a cidade: rastros da gripe Espanhola no cotidiano da cidade de Belém (1918). Autor: José Maria de Castro Abreu Junior. Editora Paka-tatu, 2018. 244 páginas.
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A Histรณria na Charge
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