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ISSN 1982-5994

UFPA • Ano XXXIV • n. 152 Dezembro e Janeiro de 2019/2020

Doenças cardiovasculares crescem entre ribeirinhos da Amazônia. Páginas 6 e 7 Nesta edição • Cartilha leva Libras ao consultório odontológico • Clube de Ciências comemora 40 anos • HIV/AIDS: pesquisas discutem tratamento e prevenção


Universidade Federal do Pará

JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Aila Beatriz Inete, Flávia Rocha e Nicole França (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes, Lucas Brito, Mácio Ferreira Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares © UFPA, Dezembro e Janeiro, 2019/2020

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Secretário-Geral do Gabinete: Marcelo Galvão Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Maria Iracilda da Cunha Sampaio Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitora de Relações Internacionais: Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Raimundo da Costa Almeida Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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s doenças cardiovasculares são responsáveis por 74% dos óbitos no Brasil. Pesquisa desenvolvida por cientistas das Universidades Federais do Pará, do Ceará e de Minas Gerais e do Instituto Evandro Chagas mostrou que essas doenças também avançam entre as populações ribeirinhas da Amazônia. Dados coletados nas regiões do Tapajós e do Tocantins indicam contaminação por mercúrio e alta prevalência de glicose e de pressão alteradas. A Vila de Algodoal é um dos destinos paraenses mais disputados para os festejos de réveillon. O que muitos turistas desconhecem é que a Ilha de Maiandeua está sob risco ambiental. A atividade turística sem planejamento sustentável e a ocupação desordenada ameaçam a preservação das quatro comunidades que compõem a ilha. Em dissertação defendida no PPGDAM/ Numa, o geógrafo Yohane Honda indica que a educação ambiental, integrada às políticas públicas, pode reverter esse quadro. Esta edição ainda traz três reportagens sobre HIV/AIDS. A pesquisa de Alexandra Pompeu Costa aborda o nível de conhecimento de pessoas idosas sobre os riscos de contaminação. Já a tese da nutricionista Ranilda Gama analisa os impactos da terapia antirretroviral em pessoas soropositivas. Na seção “exclusivo on-line”, no site do jornal, você acessa a reportagem com os resultados da pesquisa realizada por Mariana Souza de Lima, sobre propostas eficazes de prevenção contra o HIV entre adolescentes de Belém. Boa leitura! Rosyane Rodrigues Editora

Nesta Edição Lugar de mulher é onde ela quiser......................................4 A língua de sinais chega ao consultório ................................5 Vulneráveis e invisíveis . ................................................6 Pelos caminhos da cidade ...............................................8 A ponte entre a ciência e o homem ................................... 10 A ilha encantada está sob ameaça .................................. 12 Idosos infectados por HIV/Aids ....................................... 13 Custos e benefícios no combate ao HIV ..............................14 Clube de Ciência comemora 40 anos . .............................. 16 A maturidade científica da pesquisa publicitária ................. 18

Ver-o-Peso. Foto Alexandre de Moraes


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ALEXANDRE DE MORAES

Opinião Lugar de mulher é onde ela quiser

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ão é de hoje que “Ser mulher” não é fácil por conta das violências perpetradas contra todas nós. A violência contra as mulheres vai da física até a violência simbólica, patrimonial, psicológica, moral, sexual ou econômica. Somos silenciadas e invisibilizadas nos mais diversos espaços, desde o privado até o público. Segundo os dados sobre a violência contra a mulher, o espaço privado, ou seja, a nossa casa, que deveria ser um lugar seguro, é o mais violento, e essa violência é cometida por maridos, tios, pais ou padrastos. Muitas de nós temos medo de denunciar, nas delegacias, estupros, pois a primeira coisa que vão nos perguntar é o local em que estávamos, a roupa que usávamos ou a hora que passávamos por determinado espaço para termos sido estupradas, culpabilizando-nos. Se a violência for cometida pelo marido ou pelo pai, certamente duvidarão de nossas palavras. Se for praticada pelo marido, podem dizer que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Se nossa casa não é um lugar seguro, o espaço público também não é, pois somos assediadas nos transportes públicos, nos bares, no trabalho (pelo chefe, que pode nos demitir se não cedermos ao assédio, e por colegas de trabalho, que nos silenciam nas reuniões, nos colegiados etc.). Essa construção de violência e invisibilidade é histórica. No livro História das mulheres do Brasil, organizado por Mary Del Priori, o artigo A arte da sedução: sexualidade feminina da colônia deixa claro que, no Brasil colonial, só poderíamos sair de casa em três ocasiões: para nos batizar, casar e morrer, ou seja, construiu-se historicamente que nosso lugar não é na rua, que nosso lugar é de total invisibilidade, que devemos ser “belas, recatadas e do lar”. Isso só demonstra que a história construiu uma reclusão feminina, o que provoca uma série de violências contra todas nós. De acordo com o Mapa da Violência SMASHICONS / FLATICON contra a Mulher de 2018,

“a cada 17 minutos, uma mulher é agredida fisicamente no Brasil. (...). A cada 3 horas, alguém relata um caso de cárcere privado. No mesmo dia, oito casos de violência sexual são descobertos no país, e, toda semana, 33 mulheres são assassinadas por parceiros antigos ou atuais. (...)”. Como viver em paz, sendo mulher, num país que nos violenta diariamente? Como viver em paz num país que nos vê como meros objetos sexuais, sem direitos dos mais diversos? Penso que o caminho é longo e que devemos nos proteger. Acredito no poder da educação para que o quadro contra a violência que nos acomete diminua a fim de que, quem sabe um dia, possamos viver num mundo mais tranquilo para todas nós, mulheres. É por isso que, atualmente, na Universidade Federal do Pará, como professora do curso de História do Campus de Ananindeua, venho desenvolvendo o Projeto de Extensão Lugar de mulher é onde ela quiser: gênero e ensino de História, que visa formar alunas e alunos capacitados para ministrarem aulas com conteúdos referentes à mulher e ao feminismo e debater os diversos tipos de violência que nos acometa, haja vista que, muitas vezes, passamos por situações de violência e nem nos damos conta de que é um tipo de violência. O grupo se reúne ao longo do ano para debater a literatura sobre feminismo, mulher, gênero e masculinidades e, nesse ínterim, produz oficinas que são apresentadas em escolas públicas, de preferência em Ananindeua. As oficinas têm dado retorno bastante positivo para o nosso grupo, pois temos percebido que não se fala sobre feminismo no ensino básico, tampouco se apresenta a importância dessa luta para um mundo menos violento para todas nós, ou seja, o ensino também nos invisibiliza por questões históricas e ideológicas. Nas oficinas, percebemos que a sociedade que enxerga as mulheres feministas como histéricas e mal-amadas passa a olhar a mulher feminista como alguém que luta por maior participação dela na vida pública, na política, nos cargos de direção, por um mundo mais respeitoso, com menos violência para todas nós. É por isso que sempre clamo para que “sejamos todos feministas”, como já diria a feminista nigeriana Chimamanda. E nenhuma a menos! Anna Maria Alves Linhares - professora de História da Universidade Federal do Pará, Campus Ananindeua. Coordenadora do Projeto de Extensão Lugar de mulher é onde ela quiser: gênero e ensino de História que visa formar alunas e alunos ao ensino de temática sobre a mulher no ensino básico. E-mail: annlinhares@yahoo.com.br


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Odontologia

A língua de sinais chega ao consultório Cartilha deve facilitar a comunicação entre profissional e paciente FOTOS ACERVO DA PESQUISA

Flávia Rocha

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Língua Brasileira dos Sinais (Libras) é uma língua gestual, usada pela comunidade surda brasileira. Reconhecida como língua oficial desde 2002, a Libras não é a simples gestualização da língua portuguesa. Ela foi criada, aos poucos, por seus usuários e possui fonologia, morfologia, sintaxe e semântica próprias. A Língua Brasileira dos Sinais nos fornece as ferramentas necessárias para estabelecermos a comunicação com indivíduos da comunidade surda, por isso é preciso que, dentro e fora da universidade, profissionais busquem conhecê-la. Por esse motivo, a dentista Rafaela Santos dos Santos desenvolveu a Cartilha Ilustrada: Odontologia e Libras, a qual faz uma compilação de expressões e termos que podem facilitar o atendimento de pacientes surdos. “O meu objetivo foi despertar o interesse dos acadêmicos e profissionais de Odontologia sobre o assunto, para que o paciente surdo possa ser atendido de forma adequada”, explica. Com orientação da professora Vânia Castro Corrêa, a pesquisa foi premiada como o Melhor Trabalho de Conclusão de Curso de Odontologia da Universidade Federal do Pará, do ano 2019.2.

“Primeiramente, fizemos um levantamento sobre os sinais que já existiam. Procuramos em artigos, em mídias, como o youtube e no dicionário trilíngue do professor Capovilla. O website Odontologia em Libras, da Universidade Federal de Campo Grande, foi de muita ajuda, além da cartilha Aprendendo Língua de Sinais, do professor Cléber Couto. Eu me baseei nessas referências e selecionei as expressões mais pertinentes para uma cartilha desse tipo”, conta Rafaela Santos. A cartilha inicia situando o dentista/ cirurgião a respeito de aspectos básicos da língua, como o alfabeto e as saudações, depois traz os dias da semana, os meses do ano e alguns verbos. Há um item que ilustra os sinais para expressões antônimas (como “certo” e “errado”, “fácil” e “difícil” etc.). “Os tópicos foram organizados de acordo com o que ocorre em uma consulta: inicia-se com as saudações. Sinais comuns à área da saúde, como ‘gripe’, ‘hepatite’, e outros termos específicos das especialidades odontológicas, como ‘prótese dentária’ e ‘ortodontia’, também podem ser encontrados”, expõe a pesquisadora. As ilustrações da cartilha são fotos da própria autora fazendo as sinalizações, produzidas de acordo com as normas da ABNT.

Novos sinais dentro do contexto local Rafaela Santos já possuía conhecimento prévio da língua, pois é certificada com curso de Libras. “Além do curso, eu também fui bolsista de um projeto de extensão, com foco em educação em saúde bucal e realizava palestras que eram interpretadas em Libras para a comunidade surda. Após essas vivências, percebi que a temática deveria ser aprofundada. A ideia de fazer uma cartilha veio dessa experiência”, afirma a pesquisadora. “Durante a graduação, fui monitora de uma aluna surda e senti de perto as dificuldades. O curso de Odontologia já é difícil, agora imagina quando não se tem os termos em Libras. Acredito que este trabalho poderá ajudar não apenas no atendimento do paciente mas também no ensino da Odontologia no Brasil”, avalia a dentista. Rafaela pretende dar continuidade ao trabalho. A próxima etapa será a produção

de uma monografia, com foco na criação de sinais específicos da Odontologia que ainda não existem no contexto paraense. “Este trabalho é muito meticuloso, demora a ser feito. É necessário investir tempo e amor no projeto”, diz a autora. “Eu pretendo apostar em algum ramo específico da Odontologia, como principais doenças que afetam a cavidade oral”, revela. A intenção de publicar um livro com esses sinais e contribuir tanto com os acadêmicos quanto com o diagnóstico de pacientes. “Acredito que a pesquisa ajudará a disseminar a ideia de que todas as pessoas surdas precisam de um olhar mais sensível. É nosso dever, como universidade pública, ultrapassar essa barreira, que é o entrave da comunicação”, afirma Rafaela Santos. A cartilha está disponível para download gratuito no site www.odontologiaelibras.com

A cartilha foi ilustrada com fotos da própria autora fazendo as sinalizações em Libras, de acordo com as normas da ABNT.


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Saúde

Vulneráveis e invisíveis Pesquisa revela índice de doenças cardiovasculares entre ribeirinhos Walter Pinto

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oenças cardiovasculares, como diabetes e infartos, estão entre as principais causas de morte no mundo. No Brasil, elas são responsáveis por 74% dos óbitos. Frequentemente, são causadas por tempo prolongado de níveis alterados de gordura no sangue (dislipidemias). O combate a essas doenças é realizado pelo Ministério da Saúde, por meio de ações custeadas por verbas repassadas aos estados, segundo o critério de maior número de diagnósticos (prevalência) nas capitais. Cabe ao Vigitel, o programa federal de vigilância

de fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, realizar o levantamento nos grandes centros urbanos. O Rio de Janeiro, por exemplo, lidera a prevalência no diagnóstico da diabetes, com 10% da população. Na outra ponta, estados cujas capitais apresentam índices menores recebem menos prioridade na distribuição dos recursos, situação na qual se encontram todos os da Amazônia. Apesar da dotação menor, os números do Vigitel 2016 podem parecer bons para a Amazônia, por apontar menores incidências de doenças cardiovasculares nos estados,

mas eles estão longe de traduzir a verdade. É o que aponta uma pesquisa recentemente concluída, realizada com os ribeirinhos da Amazônia, pessoas que residem nas margens dos rios, dos quais retiram a alimentação e o sustento de suas vidas. Rede de estudo de dislipidemias da Região Norte (Dislipinorte): acessando populações vulneráveis expostas ao mercúrio é o título da pesquisa desenvolvida por cientistas das Universidades Federais do Pará, do Ceará e de Minas Gerais e do Instituto Evandro Chagas, coordenada pela bioquímica Maria Elena Crespo López, professora

do Laboratório de Farmacologia Molecular (ICB/UFPA). O mercúrio, como observa a literatura científica, apresenta relação direta com a incidência de doenças cardiovasculares. Segundo a coordenadora da Dislipinorte, o Vigitel realiza um grande mapeamento das dislipidemias para todo o Brasil, mas foca nas capitais. “Ele não reflete a realidade do país, ao ignorar o quadro nas cidades do interior brasileiro. O principal problema disso é que o Ministério da Saúde se baseia em dados incompletos para tomar medidas, definir programas, distribuir verbas no combate às dislipidemias”, explica.

Estudo foi realizado nas regiões do Tapajós e do Tocantins Reunindo biomédicos, nutricionistas, farmacêuticos e biólogos, a equipe da Rede Dislipinorte partiu em busca de respostas a algumas inquietações: as taxas altas registradas no eixo Sul-Sudeste, por exemplo, são maiores porque o registro funciona melhor ou porque são maiores de fato? “Sabemos que, no Norte, existe a subdiagnose, quando nem todos os casos são diagnosticados e por isso não aparecem nas estatísticas”, diz Maria Elena Crespo. “É uma situação decorrente do tamanho e das características da região, que implica a dificuldade de acesso e a ausência de infraestrutura

médica no interior. Nosso trabalho, centrado nos ribeirinhos, buscou mostrar a realidade dessa população invisível às políticas públicas. O Ministério da Saúde não deveria, portanto, confiar em estatísticas centradas tão somente nas capitais”. Os pesquisadores elegeram populações ribeirinhas adultas de duas regiões para trabalhar: uma classicamente afetada pela atividade de garimpo, o Tapajós, portanto, sabidamente exposta à contaminação por mercúrio; e outra, sem atividade de garimpo, o Tocantins, que se pressuponha livre da intoxicação. As análises de sangue e de cabelos de 862

ribeirinhos revelaram uma surpresa: o nível de contaminação por mercúrio no Tocantins, 4,23 ppm, foi bem mais elevado do que no Tapajós, quase não alcançando 3 ppm, e quatro vezes maior que o valor de referência estabelecido pelos Estados Unidos, equivalente a 1,3 ppm, considerando este como limite, haja vista a inexistência de parâmetro no Brasil. Para além da contaminação mercurial, as análises detectaram alta prevalência de glicose e pressão alteradas, indicando a possível presença de diabetes e hipertensão, em nível comparável aos das regiões urbanas de maior pre-

dominância. Em alguns casos, chegando a ser superior, como em relação ao Rio de Janeiro, cuja prevalência para hipertensão arterial, 31,7%, é menor do que os 40% registrados na população ribeirinha da Amazônia. Para a pesquisadora, o quadro é, sem dúvida, preocupante e distante dos baixos índices de diabetes e de hipertensão registrados pelo Vigitel na Região Norte. “É uma situação alarmante, que exige das autoridades da área da saúde providências urgentes para evitar que os ribeirinhos da Amazônia continuem a morrer de doenças cardiovasculares”, alerta a bioquímica.

Tucunaré apresenta os maiores níveis de mercúrio A escolha das populações ribeirinhas do Tocantins e do Tapajós pela equipe de pesquisadores da Rede Dislipinorte não foi por acaso. Partiu de uma constatação inquietante,

inclusive para os moradores de Belém, geograficamente distantes. Ainda na fase de escolha das áreas, os pesquisadores examinaram peixes de várias espécies vendidos no merca-

do do Ver-o-Peso, no centro da capital. Todas as espécies apresentaram baixos níveis de mercúrio, exceto o tucunaré, procedente tanto do Tapajós quanto do Tocantins. No caso do

tucunaré do Tapajós, não houve nenhuma surpresa, haja vista a atividade garimpeira ali existente. A surpresa foi em relação ao Tocantins, sem atividade de garimpo.


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A coordenadora da pesquisa explica que, na região do Tocantins, o desmatamento de parte da floresta inundada pela barragem da Hidrelétrica de Tucuruí não foi total, tendo ficado muitas árvores saindo das águas (chamado de “paliteiro” pelos ribeirinhos da região). “É um bosque de árvores sem folhas, tão denso que, por vezes, não permite o trânsito de embarcações. Toda aquela matéria submersa, ao apodrecer, causa um aumento de bactérias que extraem mercúrio do solo e entram para a cadeia alimentar dos peixes e, consequentemente, para a dos ribeirinhos que os consomem”, explica a pesqui-

sadora. O índice maior de mercúrio não é exclusivo do tucunaré, mas de todos os peixes que são piscívoros, ou seja, alimentam-se de outros peixes e acumulam mais mercúrio. Para os ribeirinhos do Tocantins, o rio comanda a vida. O peixe é consumido em todas as alimentações do dia. No Tapajós, a situação é a mesma, mas os ribeirinhos de lá, instruídos pelos estudos sobre a contaminação há décadas, conseguem estabelecer uma alternância entre pescados piscívoros e não piscívoros, o que justificaria o menor nível de mercúrio registrado na população, nos últimos anos.

A equipe da Dislipinorte formula duas hipóteses para esse alto nível de mercúrio encontrado no cabelo dos ribeirinhos do Tocantins: o solo da Amazônia é muito rico em mercúrio, de tal forma que qualquer alteração ambiental, como a construção de uma barragem no rio, faz com que todo o ecossistema se concentre nela, aumentando o nível de mercúrio nos peixes que vivem naquele aquífero. A outra possibilidade é a transmissão pelo ar, em função da capacidade de evaporação do mercúrio, transportado por muitos quilômetros, atingindo, assim, populações distantes dos garimpos.

Pesquisadores aguardam liberação de recursos “Quando comparamos o quadro federal das dislipidemias medido pelo Vigitel ao quadro total do Norte, adicionado aos números do Dislipinorte, a situação é realmente preocupante. Belém, com 26,3%, está acima da média nacional de 22,6%. Se considerarmos apenas os dados do Dislipinorte, os índices ultrapassam 100% os do Vigitel, com 59,7% de prevalência no Tocantins e 57,8%, no Tapajós”, resume a coordenadora. Os dados foram levados ao conhecimento do CNPq, que financia o estudo com recursos do Ministério da Saúde. O projeto chegou ao fim após cinco anos de atividade. Mas a equipe da Dislipinorte planeja dar continuidade por entender que o trabalho, nesta segunda etapa, deve atuar na informação e na educação de novas gerações, com efeitos possíveis sobre a redução de doenças entre os ribeirinhos. Embora aprovado em 2018, o projeto ainda aguarda liberação de recursos. Outra proposta encaminhada é a criação de um Vigitel para a Amazônia, um Vigiamazon para toda a população da região, incluindo os ribeirinhos. Segundo Maria Elena Crespo, “seria um programa especial, do IBGE ou do Ministério da Saúde, considerando que a Amazônia, em relação às dislipidemias, é uma das regiões mais afetadas do Brasil. Estamos aguardando a manifestação do governo”.

ACERVO DA PESQUISA

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Em Tucuruí, o desmatamento da floresta inundada não foi total. A matéria submersa no "paliteiro" causa o aumento de bactérias e contamina o pescado.


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Amazônia

Pelos caminhos da cidade Videoclipes retratam paisagens e personagens de Belém Nicole França

A O Mercado do Ver-o-Peso foi cenário para o videoclipe da Dona Onete, e as ruas do Comércio foram homenageadas no trabalho da Gang do Eletro.

Amazônia e Belém, quando vistas por pessoas de outras localidades, costumam ter sua imagem relacionada a uma visão simplista e exótica, muitas vezes focada somente na fauna e na flora. Apesar disso, a região possui realidades diversificadas que não são exploradas ou conhecidas. Mas, tendo consciência de que as expressões artísticas são uma importante ferramenta para se evidenciar as mais variadas percepções e vivências da região, Victória Ester Tavares da Costa desenvolveu a dissertação Pelos caminhos da cidade: experiência e percepção de paisagens em videoclipes na Amazônia contemporânea.

Apresentada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia e orientada pelo professor Fabiano de Souza Gontijo, a pesquisa analisou seis videoclipes musicais filmados em ruas de Belém, sendo eles: “No Meio do Pitiú”, de Dona Onete; “Velocidade do Eletro”, da Gang do Eletro; “Oswald Canibal”, de Henry Burnett; “Vela”, da Madame Saatan; “Live In Jurunas”, de Gaby Amarantos; e “Devorados”, da Madame Saatan. Além da análise dos videoclipes, a pesquisadora também realizou entrevistas com pelo menos duas pessoas de cada local, presentes nos videoclipes. Nessas entrevistas, Victória Costa pôde dialogar sobre o cotidiano, as experiências e as imagens criadas desses espaços.

“Com a pesquisa, eu procurei entender a forma como nós, amazônidas e belenenses, nos representamos no audiovisual, tanto para nós mesmos quanto para quem é de fora, para o Brasil e para o mundo, dependendo do alcance de cada um desses produtos audiovisuais”, explica Victória Costa. Segundo a pesquisadora, a escolha da análise de videoclipes se deu pelo volume da produção atual. Apesar de Belém ainda não ter um mercado audiovisual estabelecido, muitos músicos locais têm procurado esse recurso. “Isso se dá porque o videoclipe se mostra como um produto cultural que se consegue criar e divulgar com maior facilidade”, afirma.

A floresta e o “exótico” representam a região ALEXANDRE DE MORAES

Para o desenvolvimento da dissertação, a pesquisadora entrou em contato com os diretores e os músicos de cada videoclipe e foi até os locais retratados nas produções. “Nesses lugares, eu observei o entorno, o movimento e, a partir disso, eu cheguei aos personagens, às pessoas que eram mais frequentes: passantes, vendedores, pessoas que moram nesses locais e foram filmadas. Já o contato com os diretores e os músicos se deu, principalmente, por meio de e-mails e redes sociais”, declara Victória Costa. Com as entrevistas, a pesquisadora constatou que grande parte dos seus interlocutores levantou a questão sobre o desconhecimento sobre Belém e sobre a Amazônia. “Esse foi um ponto defendido, principalmente, pelas diretoras Priscila Brasil e Carol Matos. Para elas, o audiovisual vem como meio de tornar conhecidos outros lados da nossa cidade, porque não existe só a Belém da floresta e dos rios, mas essa Belém urbana, que, às vezes, é desconhecida pelas Regiões Sudeste

e Centro-Oeste, que a representam de uma forma distante, ainda muito superficial e exótica. Ao conhecer a nossa vizinhança, conseguimos falar melhor sobre a pluralidade da cidade”, avalia a pesquisadora. Para a escolha dos videoclipes, Victória Costa determinou que todos deveriam ter sido filmados em Belém, com músicos, bandas e diretores da cidade. Tal recorte específico se deu para entender a forma como o próprio paraense se enxerga. Ao final, foram selecionados seis videoclipes que demonstram diferentes aspectos da cidade. O primeiro clipe analisado foi “Vela”, da banda Madame Saatan, dirigido por Priscila Brasil e filmado durante a trasladação e a procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Segundo Victória Costa, “Vela” relaciona o profano e o religioso convivendo juntos, durante a quadra nazarena. “O clipe mostra a vela e o fogo como algo sagrado e também profano pelas ruas da cidade. Se vê uma Belém com aquele ‘agito’ do Círio, com gente de todos os tipos”, explica.


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MÁCIO FERREIRA

Também da banda Madame Saatan e dirigido por Priscila Brasil, o clipe “Devorados” retrata a realidade dos moradores da Vila da Barca, sendo as crianças os personagens principais. O clipe

mostra, principalmente, o desenvolvimento urbano desigual do lugar. “Há 10 anos, época em que o clipe foi gravado, a urbanização estava chegando lá, então ainda havia muitas casas de madeira e

palafitas. O clipe apresenta esse cotidiano precário, com tomadas da polícia entrando no local. Eles mostram esse lado mais pesado da periferia da cidade”, declara Victória Costa.

Jurunas, Comércio, Cidade Velha e Campina Priscila Brasil também foi responsável pela direção do clipe “Live in Jurunas”, de Gaby Amarantos. “‘Live in Jurunas’ é originalmente um show inteiro editado em videoclipes com cunho documental, retratando não só o show da cantora em frente à sua casa mas também um pouco do cotidiano do Jurunas. Uma questão levantada pelos interlocutores foi a sociabilidade característica do bairro. Diferente do centro da cidade, no Jurunas as pessoas se conhecem e se cumprimentam. Não é cada um na sua casa, cada um no seu apartamento. Essa característica ficou evidente no clipe

da Gaby Amarantos”, confirma Victória Costa. Já em “Velocidade do Eletro”, da Gang do Eletro, dirigido por Carol Matos e Bruno Régis, a paisagem retratada é do comércio. No clipe, o grupo musical anda pelas ruas do centro comercial de Belém ao mesmo tempo em que canta e dança a sua música, contagiando as pessoas ao redor. “O comércio é onde o tecnomelody é muito divulgado fora das aparelhagens. A Gang do Eletro usou esse vídeo para ‘vender’ mesmo esse lugar, onde as pessoas ouvem, compram e vendem o tecnomelody”, comenta Victória.

O clipe “Oswald Canibal”, de Henry Burnett, mostra a vida noturna dos bairros Cidade Velha e Campina e os seus personagens. O clipe é o único dos analisados que possui um enredo ficcional. Por fim, foi analisado o clipe “No Meio do Pitiú”, da Dona Onete. “O mercado e a pedra do peixe no Ver-o-Peso ganham destaque. Dona Onete canta vestida com roupa de carimbó, e casais dançam também caracterizados. Erveiras e frequentadores da feira aparecem interagindo com a cantora. Dos videoclipes estudados, este é o mais turístico e o que se tornou mais conhecido fora do estado”, conclui Victória Costa.

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Entrevista

Valéria Lima Carvalho e Renan Campos Chisté

A ponte entre a ciência e o homem Novos filiados da ABC falam sobre suas trajetórias Walter Pinto

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m outubro passado, a Regional Norte da Academia Brasileira de Ciência realizou um simpósio, na UFPA, durante o qual diplomou seus mais novos membros. A farmacêutica bioquímica Valéria Lima Carvalho, pesquisadora do Instituto Evandro Chagas, e o cientista de alimentos Renan Campos Chisté, professor da UFPA, conquistaram o reconhecimento da instituição e tornaram-se seus novos filiados. Na

ocasião, eles proferiram palestras sobre as pesquisas que realizam em suas áreas de atuação: Investigação e caracterização de arbovírus na Amazônia brasileira e Matérias-primas amazônicas como fontes de antioxidantes naturais. Nesta entrevista, Valéria e Renan falam sobre o início das suas carreiras, os caminhos que trilharam, suas contribuições ao desenvolvimento científico e tecnológico da Amazônia e o significado de pertencerem a uma das mais respeitadas instituições do mundo científico. ALEXANDRE DE MORAES


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A escolha das áreas Valéria Carvalho: Depois de estudar o ensino fundamental em escola pública e o médio em escola particular, optei pelo estudo da Biologia na UFPA, tendo me graduado em Farmácia, com habilitação em Bioquímica. Durante a iniciação científica, interessei-me por agentes infecciosos e parasitários, em especial os vírus. Trata-se de agentes que possuem importância em termos de saúde pública, mas são negligenciados, merecendo serem mais analisados. Além disso, os conhecimentos assimilados no período de iniciação científica me estimularam a querer aprender mais, a ponto de me especializar na área, cursando mestrado e doutorado. Renan Chisté: Sempre soube que queria trabalhar a terra, os animais, as plantas. Em 2003, decidi fazer vestibular para o curso de Tecnologia Agroindustrial com ênfase em Tecnologia de Alimentos, na UEPA. Ao mesmo tempo, fiz vestibular para Engenharia Civil, na UFPA. Para minha surpresa, fui aprovado em ambos. Quatro semestres depois, decidi me dedicar inteiramente à Tecnologia de Alimentos. O que me motiva é a possibilidade de entender como os compostos presentes nos alimentos podem melhorar a qualidade daquilo que consumimos. Descobrir novas fontes de compostos químicos ou o potencial de utilização de novas fontes de pigmentos naturais são alguns desafios dessa área.

A importância da iniciação científica Valéria Carvalho: Durante o período em que cursava a faculdade, realizei estágios como forma de ter as minhas primeiras experiências na profissão. Diante disso, fiz estágios voluntários na farmácia do Hospital Bettina Ferro de Souza e no Laboratório de Análises Clínicas da Polícia Militar. Também, durante a graduação, fui bolsista de iniciação científica da Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, do Instituto Evandro Chagas. Esses estágios deram início a minha vida científica, pois tive oportunidade de desenvolver as atividades de um projeto de pesquisa na área da arbovirologia, na qual continuo até hoje. Eu penso que a iniciação científica é uma etapa fundamental na formação de um cientista, pois é nessa etapa que ele aprende o que é e como fazer pesquisa.

Renan Chisté: O meu interesse pela ciência se iniciou em 2004, quando fui voluntário em projetos de pesquisa na Embrapa Amazônia Oriental. Posteriormente, fui contemplado com uma bolsa de iniciação científica até o final da graduação. Trabalhei em estudos de matérias-primas de origem vegetal (mandioca, farinha de mandioca, castanha-do-brasil e açaí) na área de segurança alimentar. O interesse pelos compostos bioativos presentes nos alimentos surgiu ainda na graduação, ao trabalhar a caracterização físico-química de cultivares de mandioca e de açaí. Fui orientado pela engenheira Kelly de Oliveira Cohen, que despertou e plantou em mim a importância de fazer pesquisa e tornar acessível os seus resultados.

Contribuições à ciência

Valéria Carvalho: Na minha trajetória acadêmico-científica, tenho buscado contribuir com o desenvolvimento da ciência por meio de estudos e caracterização de arbovírus. Interesso-me pela investigação sobre a interação entre arbovírus e vírus específicos de insetos. Pesquiso a circulação de arbovírus em mosquitos vetores, em animais silvestres e em seres humanos. Uma vez identificado um vírus conhecido ou um novo vírus, tentamos caracterizá-lo. Além disso, também realizo pesquisas que visam estudar se os arbovírus, como o vírus do Nilo Ocidental e o vírus Encefalite Saint Louis, que causam doenças em seres humanos, interagem com vírus específicos de insetos, visto que estes vírus, muitas vezes, compartilham o mesmo mosquito vetor. Comprovada a possível supressão da replicação de arbovírus por vírus específicos de insetos, torna-se plausível a utilização futura dos vírus específicos de insetos no controle biológico desses vírus. Renan Chisté: Entre as contribuições que tenho disponibilizado para o meio científico, destaco a publicação de artigos abordando o estudo das propriedades antioxidantes de compostos bioativos extraídos de fontes vegetais, principalmente as de origem amazônica (frutos e outros vegetais). Além disso, desenvolvo, em linhas gerais, trabalhos relacionados ao estudo cinético da estabilidade de pigmentos naturais, extração de compostos bioativos com propriedades antioxidantes e de cor em matrizes alimentícias, entre outros. Também sou membro dos conselhos editoriais dos periódicos Journal of Food Composition and Analysis e Heliyon. Sou

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também pesquisador e revisor da Fapesp e de mais de dez periódicos da área de alimentos. Significado da filiação à ABC Valéria Carvalho: Pertencer à Academia Brasileira de Ciências, como membro afiliado, é uma honra. É também o reconhecimento de tudo o que já foi feito até aqui, durante a minha jornada científica, mas, sobretudo, serve como estímulo para que eu possa me tornar um membro titular, não apenas no título mas também na expertise e no brilhantismo que esses renomados membros possuem, contribuindo para a ciência no país. Além disso, também é uma honra representar dois grandes centros de ensino e pesquisa: a UFPA, que, sem dúvida, tem grande participação na minha formação acadêmica, e o IEC, que me permitiu ter o primeiro contato com o desenvolvimento de pesquisas e no qual continuo atuando como pesquisadora. Renan Chisté: Ser um membro afiliado da ABC é um privilégio, um ponto alto na minha trajetória científica. Além do reconhecimento pelo trabalho que venho executando, é uma ferramenta poderosa para que possa sensibilizar colegas cientistas e orientandos à contribuição científica mais efetiva, em prol da sociedade como um todo. É dever de um pesquisador devolver à sociedade o investimento aplicado em ciência, com vistas à melhoria da qualidade de vida da população, seja pelo repasse de conhecimento básico, seja pelo desenvolvimento de um produto aplicado. Talvez grande parte da sociedade ainda não tenha noção do que representa a contribuição de uma universidade ao país. Isso nós podemos perceber por meio das políticas de corte orçamentário praticadas pelo atual governo, que desvaloriza o serviço prestado pelas universidades. Não há desenvolvimento social, político e econômico em um país sem uma política decente de educação e sem investimento em todas as áreas do conhecimento. Pretendo fazer uso do título de membro afiliado, das informações e das formações que recebo da ABC para estimular os meus alunos e os colegas de departamento, para melhorarmos o impacto da nossa produção científica e tecnológica, com projetos que visem agregar as empresas, a sociedade e a nossa comunidade acadêmica. Pretendo também criar uma relação mais estreita entre a ABC e a UFPA.


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Sustentabilidade Engenharia

A ilha encantada está sob ameaça Turismo e ocupação desordenada arriscam a preservação de Algodoal ACERVO DA PESQUISA

Construções em áreas próximas ao mangue e a retirada de recursos naturais estão entre os problemas ambientais da ilha.

Flávia Rocha

A

ilha de Algodoal está localizada no nordeste paraense e é formada por quatro comunidades: Vila de Algodoal, Fortalezinha, Mocooca e Camboinha. Além de ser um dos destinos de veraneio e do réveillon mais procurados do Pará, a ilha também é uma Área de Preservação Ambiental (APA), sendo administrada pela Secretaria de Meio Ambiente de Maracanã. Segundo a lei, a APA Algodoal deve priorizar alternativas ecológicas capazes de gerar benefícios às populações locais e aos visitantes da ilha, sem agredir o meio ambiente.

No entanto a ocupação humana, tanto da população nativa quanto da visitante, tem ocasionado problemas à área, principalmente em relação à ocupação e ao uso do solo. A dissertação Área de proteção ambiental da ilha de Algodoal: conflitos socioambientais e perspectivas de governança procurou compreender os conflitos de ordem ambiental, ecológica e política estrutural na APA de Algodoal. “Nós buscamos apresentar uma contribuição e elaboramos uma nota técnica, encaminhada ao Conselho Gestor da APA”, afirma o autor Yohane Figueira Honda. A pesquisa teve orientação do

professor Mário Vasconcellos Sobrinho e foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM/Numa). Depois de um estudo bibliográfico inicial, no qual foi delineada a história da ilha, iniciou-se a pesquisa de campo, para reconhecer e observar o local. Yohane Honda pôde participar das reuniões do Conselho Gestor e identificar quais as questões mais urgentes da área. Para o levantamento de dados, foi utilizado um roteiro semiestruturado de entrevista. “Para essa fase, os atores selecionados foram: gerente da APA, membros do Conselho Gestor e moradores locais”, conta o geógrafo. Nas reuniões do Conselho Gestor, Yohane Honda pôde detectar um conflito de natureza econômica e ambiental: a retirada dos recursos naturais, como areia, pedra, barro e exploração madeireira. “Retirar madeira do mangue e areia da praia é um costume local que já existia antes da ilha virar APA”, conta Yohane. A areia retirada é usada para a construção civil e comercializada fora da Vila. Porém, por ser muito fina e com um alto teor de salinização, ela não é apropriada para a construção civil.

Ação dos ventos “esconde” lixo abandonado nas praias A venda de terra é ilegal na APA, e a falta de fiscalização facilita a invasão de terra, principalmente em áreas de mangues e em praias. Geralmente, essas construções são casas de veraneio feitas sem regularização. “Esses espaços indevidamente construídos têm ocasionado conflitos socioambientais nas regiões de mangue”, revela o pesquisador. Dessa forma, surge o questionamento: o turismo feito na ilha é positivo ou ne-

gativo? “Embora essa atividade traga possibilidade de aumento de receita para os moradores locais, por outro lado, provoca a chegada do “estranho” na ilha, do aumento do lixo, causando impactos ambientais. É importante escutar a população ao procurar soluções para esses problemas”, avalia Yohane Honda. O estudo propõe sistematizar o conhecimento local relacionado à Biologia, Física, Geografia e Geologia, pois isso pode contribuir diretamente

com a transformação socioambiental coletiva. “A educação ambiental integrada às políticas públicas faz o papel de construir estratégias e diálogo para superação dos impactos ambientais, estimulando uma vertente colaborativa na construção do conhecimento. Nessa perspectiva, a educação ambiental, unida à gestão da APA, forma atores sociais que queiram compreender a realidade e intervir nela de forma crítica e transformadora”, esclarece o geólogo.

ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

O número elevado de turistas na ilha também causa problemas. “Apesar de o turismo ter seu pico em julho e no réveillon, falta estrutura para o volume de visitantes. Um problema ressaltado pelos entrevistados foi o acúmulo de lixo nas praias”, explica Yohane Honda. A pesquisa mostra que a ação dos ventos “esconde” os resíduos sólidos nas dunas, o que tem contribuído para o armazenamento de embalagens de vidro e de plástico jogadas ali por turistas e moradores.


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Engenharia Prevenção

Idosos infectados por HIV/Aids Falar sobre sexo na terceira idade ainda é tabu Aila Beatriz Inete

N

os últimos anos, o número de idosos com AIDS tem aumentado. De acordo com o Boletim Epidemiológico de 2018, entre as mulheres, a taxa apresentou queda em quase todas as faixas etárias, exceto na de 60 anos. Nesta foi observado o aumento de 21,2%, se comparados os anos de 2007 e 2017. Entre os homens, também se observa um aumento da taxa de detecção na mesma faixa etária. Subiu de 10,3 para 13,4 o número de casos para cada

mil habitantes. Segundo alguns especialistas, esse aumento é resultado de uma crença de que a terceira idade não possui mais atividade sexual e de que os programas de conscientização não atingem esse público. “O HIV/Aids vem, há algum tempo, aumentando entre os idosos. Inicialmente, procuramos saber o motivo, mas entendemos ser mais relevante verificar o nível de letramento, ou seja, o conhecimento desse público sobre HIV/Aids e o que eles fazem para prevenir a infecção. Sabendo o que eles

conhecem, saberemos o que falta para prevenir”, conta Alexandra Pompeu Costa, que apresentou a sua dissertação Letramento em saúde acerca de HIV/Aids em idosos participantes de um grupo de convivência da Terceira Idade no Programa de Pós-Graduação de Enfermagem (PPGENF/ICS), sob orientação dos professores Liã Pinheiro Botelho e Lúcia Takase Gonçalves. “O letramento em saúde vai além do conhecimento, pois você pode conhecer e não fazer nada. O letramento é o

que você faz de posse desse conhecimento: é um multiplicador, põe em prática, busca melhorias para sua saúde? Nós também queríamos descrever o nível de letramento em saúde associado aos possíveis fatores de vulnerabilidade e descrever como as diferentes dimensões do letramento sobre o HIV/Aids em idoso se manifestam em temas de interesses e preocupação”, explica a enfermeira. O estudo foi feito com 173 idosos do grupo Zoé Gueiros, no bairro Tapanã, na Região Metropolitana de Belém.

São necessárias campanhas para esse público-alvo O questionário se inicia com perguntas de identificação, segue com questões de alfabetização e depois aborda pontos específicos de saúde. “Percebemos que os idosos têm baixo letramento em saúde, infelizmente, e, portanto, são vulneráveis ao HIV/Aids”, revela Alexandra Pompeu Costa. A pesquisa relaciona o baixo nível de letramento a questões como escolaridade, renda familiar e à vida sexual ativa de risco da maioria. Gran-

de parte dos entrevistados era viúvo, separado ou solteiro. “Verificamos que é necessário intensificar os programas de conscientização e prevenção voltados aos idosos, além de falar com esse público de forma clara. A tendência da maioria é achar que sexo na terceira idade é uma aberração, e não é! Os idosos estão se relacionando da maneira como estão acostumados, sem segurança”, afirma a pesquisadora. Segundo Alexandra Costa, muitos tabus precisam

ser superados. Muitas vezes, o tema ‘sexo’ não é abordado nem nos consultórios, nem na família, e os idosos ficam sem ter com quem conversar. Segundo a pesquisa, o envelhecimento é uma realidade que não pode ser ignorada. “Do ponto de vista científico e de políticas públicas, é relevante discutir os desafios que a longevidade humana está colocando para a sociedade”, alerta Alexandra Pompeu, reforçando a necessidade de conscientizar os idosos.

“Poderiam fazer campanhas com idosos falando sobre o assunto; ir aos grupos de terceira idade e explicar como usar o preservativo; alertar para os riscos da relação sexual sem proteção. Esses idosos são de uma geração que não teve acesso a essas informações e, nessa idade, já são bem teimosos”, afirma a pesquisadora. Segundo a enfermeira, este é um trabalho de longo prazo, “talvez, conscientizando o adulto de hoje, amanhã ele será um idoso mais responsável”, pondera.


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Pesquisa

Custos e benefícios no combate ao HIV Estudo analisa impactos do tratamento antirretroviral TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL

No Pará, 987 novos casos de AIDS foram notificados no primeiro semestre de 2018.

Aila Beatriz Inete

A

AIDS, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é uma doença crônica causada pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV. A doença danifica o sistema imunológico e impossibilita o organismo de lutar contra infecções. Ainda que não exista a cura, atualmente existem tratamentos que possibilitam o aumento da expectativa de vida das pessoas soropositivas, que é o tratamento antirretroviral (TARV). A intervenção tem como objetivo prevenir a progressão da doença, melhorar a qualidade de vida do paciente e reduzir o aparecimento das infecções oportunistas. Entretanto ela possui alguns efeitos colaterais que podem ser prejudiciais, como o aumento do triglicerídeo e do colesterol. Em sua pesquisa de doutorado, a nutricionista Ranilda Gama de Souza analisou os efeitos

da terapia no quadro nutricional desses pacientes. O Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a distribuir gratuitamente os antirretrovirais para seus portadores de HIV. O relatório de 2018 do Ministério da Saúde mostrou que da década de 1980, quando o primeiro caso de AIDS foi identificado, a junho de 2018, 982.129 casos de AIDS foram detectados no país. No mesmo período, foram totalizadas 59.129 notificações de AIDS na Região Norte, 26 mil foram identificadas no Pará, com 987 novos casos no primeiro semestre de 2018. De acordo com o relatório, o Pará registrou 8 mil óbitos pela doença, no período de 1980 a 2017, correspondendo a 52,8 % do total registrado nesse intervalo de tempo para a Região Norte. Segundo a pesquisadora Ranilda Gama, a tese Avaliação do perfil nutricional e o impacto da terapia antirretroviral

em uma coorte infectada pelo vírus da Imunodeficiência Humana 1 (Hiv1), em Belém-Pará deu continuidade à pesquisa de mestrado realizada em 2010, quando analisou o perfil nutricional das pessoas vivendo com HIV e sua correlação com a TARV. “No mestrado, o resultado obtido foi um grande número de pessoas com desnutrição, por isso quis investigar o que tinha acontecido com essas pessoas no decorrer do tempo, mas não encontrei os mesmos participantes. Então, procuramos saber o que ocorria com as pessoas que estavam sendo infectadas e fazendo o tratamento”, conta a pesquisadora. O objetivo do estudo era estabelecer uma coorte de pessoas vivendo com HIV, virgens de tratamento, e acompanhar as mudanças ocasionadas pelo efeito da TARV, nas variáveis nutricionais e nos marcadores bioquímicos, imunológicos e virológicos.


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Grupo controle foi formado por 113 pessoas A pesquisa, orientada pelo professor Ricardo Ishak e apresentada no Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (PPGBA/ ICB), também descreveu as características demográficas, sociais, econômicas e comportamentais dos pacientes. “O objetivo principal era saber qual o impacto desse tratamento no organismo daquelas pessoas. Várias pesquisas mostravam que a resposta à infecção era boa, mas havia consequências, como dificuldades na questão bioquímica, gerando outros problemas para o resto da vida”, explica Ranilda Gama.

Foi feito um estudo observacional, entre junho de 2016 e junho de 2018, com um grupo de pessoas atendidas no Serviço de Assistência Especializada (SAE) da Prefeitura Municipal de Belém. “Os participantes formaram, inicialmente, um grupo de 110 pessoas vivendo com HIV, com idade entre 18 e 59 anos. Foi realizada uma avaliação periódica, a cada dez meses, de variáveis epidemiológicas (demográficas, sociais e econômicas), definição de marcadores laboratoriais (lipidograma, hemograma completo e ferritina), imunológicos, virais (quantificação da carga viral) e clínica nutricional (exame físico, antropométrico e

consumo alimentar)”, explica Ranilda Gama. As avaliações das pessoas infectadas foram comparadas com as de um grupo controle. Esse grupo controle era formado por 113 pessoas da comunidade universitária da UFPA que aceitaram participar da pesquisa, com sorologia negativa para HIV-1 (prevalência global). Os participantes do grupo controle foram pareados ao grupo pesquisado por sexo e idade. Eles foram submetidos a exames físico e antropométrico uma única vez, responderam ao questionário e foram encaminhados para coleta de material de sangue para exames bioquímicos.

Terapia pode aumentar colesterol e triglicerídeos A pesquisa verificou que o estado nutricional dos pacientes com HIV é normal para os índices de massa corporal, circunferência braquial e circunferência muscular dos braços. Entretanto a análise da prega cutânea tricipal (que são as dobras medidas para avaliação da gordura corporal) e da bioimpedância (exame que mede a composição corporal) mostra predomínio de desnutrição. Inicialmente, a carga viral (log10) do grupo pesquisado foi maior que 3, e, no final da avaliação, a maioria tinha 1,61(log10), significando uma redução na carga viral, ou seja, melhora na resposta imunológica. Os resultados laboratoriais para colesterol total, LDL- colesterol (LDL-c), que é o colesterol

‘ruim’, triglicerídeos e ferritina estavam dentro dos parâmetros de normalidade nas três avaliações, a exceção foi para o HDL-colesterol (HDL-c), que é o colesterol ‘bom’, que estava abaixo. “O uso da TARV promoveu um aumento significativo dos níveis séricos dos marcadores laboratoriais entre o período sem o medicamento e após 12 e 24 meses de tratamento, mostrando um crescimento gradativo ao longo do tempo de uso de TARV”, explica Ranilda Gama. A comparação entre o grupo de pessoas vivendo com HIV (PVHIV) e o grupo de controle mostrou que as PVHIV, inicialmente, encontravam-se com os níveis séricos das variáveis lipídicas inferiores aos do grupo controle. Após dois anos de

TARV, esses níveis ultrapassaram os do grupo controle, exceto o HDL-c, enquanto os níveis de ferritina diminuíram. “Apesar de a TARV possibilitar redução da carga viral e melhorar o estado imunológico das pessoas vivendo com HIV, a terapia pode promover aumento dos marcadores lipídicos, possibilitando a elevação de colesterol e/ou de triglicerídeos no plasma, e a baixa concentração de HDL-c. Essas pessoas necessitam de avaliação periódica para que possíveis alterações sejam detectadas precocemente”, afirma a nutricionista. Para a pesquisadora, é de extrema importância que a doença não seja menosprezada, pois, apesar dos avanços no tratamento, ainda estamos falando de uma doença sem cura.

Perfil dos pacientes entrevistados

54,5% tinham entre 18 e 29 anos.

77,3% eram do 71,8% dos sexo masculino e 22,7%, do sexo feminino

72,7%

afirmaram estar solteiro (a).

homens e

88,0% das

mulheres eram não fumantes.

85,4% não

praticavam atividade física.

57,7% dos homens e 84%

das mulheres não consumiam bebida alcoólica.

40,9% tinham nível médio completo 20% não concluíram o ensino fundamental.

Fonte: Souza, 2019


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Extensão

Clube de Ciência comemora 40 anos Um laboratório para formar professores e despertar futuros cientistas Aila Beatriz Inete

E Projeto oferece experiência docente para alunos das licenciaturas. Para crianças e adolescentes, é a chance de aprender ciência de forma divertida e interativa.

m 1979, ano em que o Brasil ainda estava sob o comando dos militares e as universidades perdiam seu caráter de espaço livre para ideias e opiniões, a professora Terezinha Valim criou o Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará, com a ajuda de seus alunos, estudantes dos cursos das Licenciaturas em Ciências Naturais (Física, Química, Biologia e Matemática). O projeto de pesquisa, ensino e extensão que funciona no Instituto de Educação Matemática e Cientifica (IEMCI) há 40 anos recebe estudantes de licenciaturas e do ensino básico. “A principal motivação foi disponibilizar aos alunos das licenciaturas das

áreas de Ciências e Matemáticas um espaço para a prática docente, antes de chegarem ao estágio supervisionado”, explica a professora Terezinha Valim. O Clube de Ciências é um laboratório didático-pedagógico de educação científica em que estudantes dos cursos de licenciaturas podem ser estagiários e ter a prática antecipada da docência, e crianças e adolescentes do ensino fundamental e médio (os sócios mirins) podem aprender ciência de maneira divertida e interativa. “O estagiário do clube é estimulado a fazer pesquisa e colocar os sócios mirins diante de uma questão: crianças e adolescentes são estimulados a estudar e a mostrar o resultado daquilo que eles apren-

dem”, explica o atual coordenador do projeto, Jônatas Barros. O clube foi criado em um momento em que a Universidade não recebia tantos recursos. “Atravessamos muitos percalços. O reitor (da época) não admitia crianças no campus universitário. Passamos algumas semanas reunindo os alunos universitários e os estudantes da educação básica embaixo das palheteiras, na beira do rio, dentro do campus”, lembra Terezinha Valim. Na época, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Belém, o Clube de Ciências passou a funcionar na Escola Pe. Leandro Pinheiro, nas manhãs de sábado. Hoje, o clube continua como um espaço para divulgar e incentivar a busca pelo conhecimento. FOTOS ALEXANDRE DE MORAES


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O foco é nas licenciaturas, mas outros cursos são bem-vindos Segundo o coordenador, Jônatas Barros, o projeto recebe estudantes de várias disciplinas das Ciências Humanas, Exatas e Naturais, nem sempre o estagiário é de licenciatura. “A principal metodologia é o ‘Ensino de Ciências por Pesquisa’, termo utilizado pela professora Terezinha Valim ou, ainda, ‘Ensino de Ciências por Investigação’, termo usado e difundido no âmbito do Laboratório de Pesquisa em Ensino de Física, da USP”, explica. Além de ser um ambiente de formação docente, o objetivo é fazer uma iniciação científica infantojuvenil. Segundo o coordenador, as crianças são estimuladas a resolver um problema, respondido por meio de uma investigação orientada pelos professores. “É obrigatória a fundamentação científica

da resposta. Nós levamos as crianças a testar hipóteses, o que é próprio da metodologia de pesquisas cientificas”, explica o coordenador. Mayara Teixeira, aluna do 7º semestre de Licenciatura em Matemática, conheceu o clube por intermédio de uma amiga que já havia participado do projeto. “Desde o início da graduação, participo do clube como voluntária e agora sou bolsista. Melhorei a minha didática e o planejamento de aula. Também aprendi a trabalhar em grupo e a ter a visão do aluno sobre o aprendizado”, conta Mayara Teixeira. Para a estudante, a sua atuação no clube é uma prévia do que ela encontrará no mercado de trabalho. “Nesses quatro anos, já trabalhei conteúdos de Física e Química, pois não ficamos restritos a nossa área. Eu posso dizer que

o clube forma um professor mais completo”, avalia Mayara Teixeira. O Clube de Ciências cresceu bastante ao longo dos seus 40 anos e hoje existem alguns projetos que funcionam concomitantes, como o Anime Ciência, que visa estimular a produção de animações e vídeos curtos sobre conteú-

dos científicos produzidos no clube. Esse conteúdo pode ser utilizado por professores da educação básica em suas atividades de sala de aula, por meio de um canal gratuito no youtube. Outro projeto é o Laboratório de Ensino de Matemática, que leva oficinas para professores de Matemática da rede pública de ensino.

Ciência na Ilha leva ações para além do Campus Belém O Clube de Ciências conta, ainda, com um projeto de culminância, que reúne os trabalhos desenvolvidos no clube e em outros ambientes. O Ciência na Ilha acontece desde 2009 nas ilhas do Pará, como Cotijuba, Mosqueiro, Combu e Ponta de Pedras. “É um evento de popularização e divulgação científica, não apenas de uma ciência demonstrativa, mas também de trabalhos que foram produzidos. Muito do que está sendo realizado aqui, nós queremos que repercuta na sociedade”,

afirma o coordenador, Jônatas Barros. Atualmente, o projeto conta com 40 estagiários e recebe cerca de 250 alunos da educação básica por ano. “Sábado poderia ser um dia dedicado ao lazer, mas os alunos vêm para o clube, se sentem motivados a investigar e a participar das atividades com os professores. O Clube de Ciências tem o papel de levar uma criança a desenvolver a autonomia, mediante metodologias e atividades investigativas, além de proporcionar o contato

com conhecimentos científicos que nas escolas são limitados”, avalia Jônatas Barros. A idealizadora do projeto, Terezinha Valim, define o Clube de Ciências como um “laboratório pedagógico de Educação em Ciências e Matemática”, tanto em termos de formação de professores quanto na iniciação científica de estudantes da educação básica. Atualmente, a professora está orientando diversos trabalhos de pós-graduação que investigam os 40 anos do Clube

de Ciências sob vários ângulos. “É um projeto que inclui examinar a documentação desses anos de trabalho da iniciação científica infantojuvenil e de formação de professores aos aspectos históricos, metodológicos e epistemológicos”, revela. A professora reconhece a contribuição de todos os que fizeram e fazem parte do projeto. “Tenho orgulho de ser IEMCI/UFPA e sou grata a todos os que ajudaram e ajudam a construir esse espaço de formação e educação em Ciências”, finaliza Terezinha Valim.

Um sócio do outro lado do rio

Quem pode participar do Clube de Ciências?

Deivison Gustavo Santos tem 13 anos, está no 6° ano do ensino fundamental e é sócio mirim no Clube de Ciências. Morador do município do Acará, aos sábados, ele acorda às 6h30, pega um barco junto com o pai, Zeniel Sandro do Rosário, e, enquanto o pai vende açaí na feira, Deivison vem para o Clube de Ciências da UFPA. Ele diz que desenvolve várias atividades, como experiências e games. “Eu acho o clube muito bom. Nós aprendemos várias coisas aqui”.

Estudantes de todos os cursos podem ser voluntários/estagiários. No primeiro semestre letivo da UFPA, são abertas inscrições com 60 vagas para os graduandos e 250 vagas para os alunos do ensino básico. Alunos de escola privada também podem ser sócios mirins do clube. Contatos: (91) 3201-7642/ (91) 98078-8257 E-mail: cciufpainterno@gmail.com


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Resenha A maturidade científica da pesquisa publicitária Walter Pinto

L

ançado durante o 42º Congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, evento mais conhecido por Intercom, realizado no campus da UFPA, em Belém, o livro Ontologia publicitária – epistemologia, práxis e linguagem compõe um painel representativo da produção acadêmica de pesquisadores de diversas universidades brasileiras para afirmar a publicidade como um campo da Comunicação Social de grande produtividade científica. O livro também celebra os vinte anos do Grupo de Publicidade e Propaganda da Intercom, criado em 2000, desde então se “convertendo em locus privilegiado de discussão acadêmica no país”, como informam os pesquisadores que assinam o prefácio da obra, destacando o expressivo número de trabalhos que seus integrantes apresentam em média nos seus encontros, em torno de 70 a 80. A obra está dividida em três partes, que demarcam a diversidade dos trabalhos

apresentados em congressos pelos membros do grupo. A primeira parte, Ontologia Publicitária, traz artigos que discutem conceitos, questões teóricas e epistemologia. A segunda, Práxis publicitária, trata, como indica o nome, de questões ligadas ao fazer publicitário. A terceira parte, Linguagem publicitária, reúne estudos que discutem a publicidade como linguagem em constante desenvolvimento e transformação. Em 518 páginas, os leitores interessados no estudo da publicidade e da propaganda encontrarão, nos 23 artigos assinados por 25 autores, uma rica fonte para o desenvolvimento de pesquisas na área. São reflexões baseadas em aportes teóricos e em pesquisas de campo, seguindo as especificidades do discurso publicitário. Entre os artigos sobre ontologia publicitária, Maria Lília Dias de Castro, da UFSM, discute questões conceituais e metodológicas, destacando uma demanda atual, cada vez mais presente na programação diária da televisão brasileira, a publicidade que permeia não só os intervalos como também a própria programação. Já Clotildes Perez, da USP, reflete LUCAS BRITO sobre a construção de vínculos de sentido entre marcas e pessoas e propõe o conceito de “ecologia publicitária”. Vander Casaqui, da Umesp, analisa o momento de transformação da publicidade, evidenciado por conceitos recentes, como transmedia storytelling, buzz marketing, mobile marketing e marketing de guerrilha. A parte relativa à práxis publicitária traz as contribuições de pesquisadores que analisam as campanhas publicitárias e as marcas mais inovadoras ou desconcertantes. São nove artigos que analisam peças publicitárias, campanhas e ações à luz dos pressupostos teóricos da área. Entre os artigos, estão os trabalhos de Lívia Souza (FMU), sobre a relação da marca #Riachuelo e a moda midiatizada; de João Filipe Padilha e André Rodrigues (UFRGS), sobre as representações das masculinidades na publicidade divulgada na TV aberta pela marca Kaiser; de Luiz LZ Cezar Silva dos Santos (UFPA), sobre a

mitomidiatização publicitária, baseado na utilização da imagem mitológica da Medusa na criação de uma agência norte-americana; e de Fernanda Sagrilo Andres (Unipampa) e de Maria Lília Dias de Castro (UFSM), sobre a promocionalidade no programa de televisão Master-Chef. A terceira parte, linguagem publicitária, é composta de sete artigos, que tratam de temas relacionados ao discurso publicitário, ao ensino e às identidades. Destacamos aqui, entre os textos publicados, os trabalhos: Tecnologia, desafios e avanços do ensino da publicidade, de Rodrigo Stéfani Correa (UFSM); Semiopublicidade e proposta de arranjo curricular: comunicação, consumo e semiótica, de Bruno Pompeu (USP), que também assina a apresentação do livro; e Vozes em aliança e vozes em confronto: a autoria nos domínios discursivos do processo de produção da publicidade contemporânea, de Fábio Hansen (UFPE). No posfácio de Ontologia Publicitária, o pesquisador e professor da USP Eneus Trindade rememora a caminhada do Grupo de Pesquisa e Propaganda nos últimos vinte anos, identificando três estágios evolutivos. O primeiro refere-se à criação e consolidação institucional do campo científico publicitário. O segundo, à institucionalização e qualificação da pesquisa sobre publicidade e propaganda em sua práxis. O terceiro e atual, à pós-maturidade e permanente autorreflexão. Trindade chama atenção para o futuro das pesquisas do grupo, diante das invocações tecnológicas com os eventos da publicidade algorítmica, do uso da inteligência artificial e dos desafios propostos por novas formas de propagar ideologias e valores socioculturais. Finaliza fazendo uma consideração realista sobre a atividade científica nacional: “os sinais para a vida da pesquisa científica, para as Humanidades, sobretudo na atual conjuntura brasileira, não são animadores, mas a área de Publicidade e Propaganda se fez crescer pelo esforço de seus agentes e, assim, deve prosseguir na perspectiva de seus desafios futuros”. Serviço: Livro: Ontologia Publicitária: epistemologia, práxis e linguagem – 20 anos do GP de Publicidade da Intercom. Editora: Intercom 2019. 518 páginas. Contato: portalintercom.org.br


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A Histรณria na Charge

#minhaufpa



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