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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008
Entrevista
“A religião, a magia e o mito são essenciais para o ser humano” Adaucto Couto
Mácio Ferreira
O docente explica que a Europa não é mais o centro disseminador do cristianismo
BR – Esse crescimento dos evangélicos tem a ver com o fato da Igreja Católica não estar mais dando as respostas que as pessoas querem ou é uma questão de marketing agressivo? H.M. – O protestantismo chegou ao Brasil durante o Império. A expansão maior dos evangélicos começou A pior coisa a partir de 1910, com a chegada dos pentecospara o ser tais. Em São Paulo, foi humano é não fundada a Congregação do Brasil, que se saber o que vai Cristã expandiu para Argentina, Uruguai e Paraguai. acontecer. É a primeira igreja pen-
Cerca de dois milhões de pessoas são esperadas este ano. A grande romaria renova a devoção dos católicos e também movimenta a economia do Estado Quando o caboclo Plácido encontrou a imagem de Nossa Senhora de Nazaré às margens de um igarapé, provavelmente, não imaginava que seu achado daria origem à maior celebração religiosa do país. Todo segundo domingo de outubro, uma multidão, estimada em 2 milhões de pessoas, vai para
Química
as ruas de Belém pedir ou agrader à padroeira dos paraenses. O evento mobiliza ainda a economia do Estado, atrai muitos turistas e também tem seu lado profano. Não por acaso, é tema de muitas pesquisas na Academia. Págs. 6,7,8 e 9
Medicina
Alimentação
Laboratórios adotarão nova metodologia
Pág. 11
Novo projeto pedagógico de Licenciatura em Química quer formar profissionais com consciência ambiental. Pág. 3
REUNI
Programa reestrutura RU do Campus II fica pronto até o fim do semestre campi da UFPA Ver-o-Pesinho é próximo projeto da Associação dos Amigos da UFPA
A Associação dos Amigos da UFPA inaugura o novo espaço de alimentação na Cidade Universitária. O Res-
Coluna do Reitor
Despejo de resíduos será evitado
Validação de diploma tem novas regras
Alex Fiúza de Mello escreve sobre a reivenção da Amazônia pela Universidade. Pág. 2
taurante Universatário do Campus II aguarda apenas os equipamentos para iniciar suas atividades. Pág. 10
Opinião Maria Antonia Cardoso avalia 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pág. 2
Cametá e Castanhal são beneficados com obras e novos cursos. Págs. 4 e 5
Entrevista Heraldo Maués fala sobre Antropologia da Saúde e da Religião. Pág. 12
Mácio Ferreira
a proclamação da República. Durante o Império, como o Brasil mantinha relações com países protestantes, como Estados Unidos e Inglaterra, passou-se a ter tolerância, especialmente para com o protestantismo. Mesmo assim, outras religiões só podiam ser praticadas em lugares sem aparência de culto. Não se podia construir uma igreja não católica, o culto só podia ser exercido em casas particulares, por exemplo. Hoje, a Igreja Católica perdeu muitos adeptos, mas continua hegemônica: pelo último censo, mais de 70% das pessoas se dizem católicas, embora o número de praticantes constitua um percentual bem pequeno (mais ou menos equivalente ao número de protestantes, incluindo históricos e petencostais). As outras religiões, sobretudo as evangélicas, estão crescendo bastante, assim como os “sem religião”.
Mácio Ferreira
Beira do Rio – A Antropologia da Saúde está mais voltada para a medicina popular? Heraldo Maués – Não necessariamente. Essa área trabalha com medicina popular e com outras formas de medicina. Por exemplo, a cura carismática é uma forma de medicina. Há também os ministérios de cura – o principal deles funciona na Paróquia de Queluz, onde se pratica uma forma de medicina de caráter religioso. As igrejas pentecostais, a umbanda, o candomblé, a pajelança e o espiritismo também são exemplos. Fora esse tipo de medicina de caráter mais religioso, temos a alopatia e a homeopatia, que são formas de biomedicina ou medicinas doutas, exercidas por médicos formados em universidades e também estudadas pela Antropologia. Há ainda formas de medicina que importamos de outros lugares, como a acupuntura e a yoga. Essa ligação entre a biomedicina e a religião também é muito presente. Muitos médicos formados em universidades são pessoas religiosas (católicos, espíritas ou protestantes) e combinam a medicina dita científica com práticas religiosas.
tecostal do país e uma igreja muito grave, porque o atual presidente é um tradicional. Em 1911, a Assembléia fundamentalista cristão que, pela sua de Deus foi fundada em Belém. Teve posição privilegiada, exerce, como é um ‘boom’ extraordinário, espalhanevidente, uma influência enorme. Daí do-se por todo o país, sendo hoje a nós termos a guerra no Iraque e vários maior igreja pentecostal do Brasil. A outros conflitos sem solução. Assembléia e a Congregação fazem parte da primeira onda de igrejas BR – Apesar de estarmos no século pentecostais que vieram para o país. XXI e de termos três grandes reliA segunda onda chegou com a Igreja giões no mundo, o homem parece do Evangelho Quadrangular, fundada ainda ter a necessidade de magia. por uma canadense, Aimée Sample A Antropologia estuda esse fato Macpherson, veio dos Estados Unidos também? com características modernas, como H.M. – Não é “ainda”, será sempre. o uso de rádio e de TV e acabou por Nós estudamos, sim, a magia. As diinfluenciar a Assembléia de Deus. Já a versas religiões também praticam atos terceira onda veio com a fundação da mágicos, inclusive o protestantismo Igreja Universal do Reino de Deus, a e o catolicismo, embora os mesmos primeira igreja pentecostal autenticanão sejam reconhecidos como mágimente brasileira. O bispo Edir Macecos pelos seus praticantes. A magia é do, fundador da Universal, é brasileiro, sempre a “religião dos outros”. Mas é tem formação ligada ao catolicismo, também algo que faz parte da cultura teve passagem pelas religiões afro e da sociedade humanas. O nosso e depois se tornou evangélico. Ele pensamento não está voltado apenas fundou uma igreja com características para a maneira de pensar científica diferentes, que nós chamamos de neque, a rigor, se traduz principalmente opentecostal. Ela traz um sincretismo por uma forma de pensar constituída com o catolicismo e com religiões por sistemas de classificação, análise afro, tanto que há crisimparcial, raciocínios tãos de outras igrejas lógicos. O pensamento evangélicas que não a humano também está consideram uma igreja ligado ao simbolismo, à cristã. Mas é a primeira metáfora, à metonímia, igreja fundada no Brasil à homologia - embora, que está se espalhando é claro, os cientistas, pelo mundo. E é uma como seres humanos, coisa interessante, porutilizem essa segunque a Europa deixou de da forma de pensar. A ser o centro dissemimagia, a arte, a relinador do cristianismo. gião, o imaginário, os Agora quem dissemina mitos - que são frutos A Igreja são a América Latina, dessa segunda forma os Estados Unidos e a pensar -, tudo isso Católica perdeu de África. é essencial para a vida muitos adeptos, humana. A história de BR – O fundamentaque a ciência vai fazer mas continua lismo é um dos gransumir a religião e a mades problemas do gia é um mito no sentido hegemônica. mundo hoje? vulgar, é uma mentira. H.M. – O fundamentaA ciência nunca dará lismo existe em várias todas as explicações de religiões do mundo, mas com esse que precisamos. A pior coisa para o ser nome surgiu dentro do cristianismo. humano é o caos, é não saber o que vai Nós, muitas vezes por falta de inacontecer. A ciência freqüentemente formação, identificamos a religião dá respostas limitadas e provisórias islâmica como fundamentalista, mas que, pela própria natureza científica, não é. A maior parte dos mulçumanos é estão sempre sujeitas a críticas e a constituída de pessoas corretas, sérias revisões. As respostas mais globais e moderadas, mas os ínfimos grupos encontram-se na magia, na religião, na de fundamentalistas conseguem fazer especulação, no imaginário, no mito, um barulho muito grande. No caso nas ideologias, nas utopias. E isso é dos Estados Unidos, o problema é essencial para todo o ser humano.
Eliseu Dias/Agência Pará
Após quase 50 anos dedicados ao magistério, o prof. Raymundo Heraldo Maués está aposentado. A aposentadoria chegou com os 70 anos completados em junho, mas as atividades acadêmicas continuam. Seguindo a tendência atual, ele tem planos de continuar na UFPA, mas agora como colaborador, ministrando aulas, participando de bancas de tese e dissertações, orientando alunos e coordenando projetos. Nesta entrevista ao BEIRA DO RIO, ele fala sobre os temas relacionados às suas duas áreas de pesquisa na Antropologia: saúde e religião. Segundo o docente, a Igreja Católica tem perdido muitos adeptos no Brasil, mas mantém a hegemonia com mais de 70% das pessoas assumindo que são católicas, ainda que não sejam praticantes. Ao mesmo tempo, podemos observar o crescimento extraordinário das religiões evangélicas ao redor do mundo. A Igreja Universal do Reino de Deus, fundada no Brasil, tem exportado seu cristianismo sincrético para outros países. Sinal dos tempos, em que a Europa deixou de ser o centro disseminador do cristianismo e perdeu agora esse papel para a América Latina, para os Estados Unidos e para a África.
BR – Como o senhor vê o avanço das religiões evangélicas? O Brasil ainda é o maior país católico do mundo? H.M. – Acho que ainda é. O Brasil foi colonizado por uma nação católica e, por muito tempo, o catolicismo foi uma religião oficial do Estado, o que só acabou com
Círio, o grande evento da fé Fotos Mácio Ferreira
A ciência, por sua natureza, freqüentemente dá respostas limitadas e provisórias, sujeitas a críticas e a revisões
JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VI • No 65 • outubro, 2008