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4.8 – Liberdade, Mitologia e Religiosidade

o amor e a paz entre os governados e governantes: “Se povo e governo pudessem brindar/ Um elo de amor e paz/ Na festa dos 500 anos/ Não separar jamais”. A Inocentes da Baixada apresentou um samba escrito em primeira pessoa, cujos autores se identificavam com as classes menos favorecidas, negros e índios, e desejando “acertar na loteria”. (Anexo 139)

4.8 – LIBERDADE, MITOLOGIA E RELIGIOSIDADE

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A mitologia greco-romana inserida no emprego da palavra liberdade foi citada por quatro Escolas de Samba, a Unidos de Lucas, a Beija-Flor, a União de Jacarepaguá e a Boi da Ilha do Governador.

“Diz o reino da mitologia/ Que Dionísio [sic] o criador/ Fez raiar a liberdade/ E Baco, em deus se transformou”, conforme samba-enredo O galo cantou e Lucas saboreou, Unidos de Lucas, 1993. (Anexo 75) “Inspiração que fez o homem voar/ Na mitologia construiu/ Asas de cera para a liberdade”, no samba-enredo O Brasil dá o ar de sua graça, de Ícaro a Rubem Berta, o ímpeto de voar, Beija- Flor, 2002. (Anexo 120) “Liberdade, sonho, sedução/ A mitologia nas asas da imaginação/ (...) / Com as asas de cera, Ícaro voou em busca da liberdade”, no samba-enredo Asas, sonho de muitos, privilégio de poucos, tecnologia de todos, 2002, União de Jacarepaguá. (Anexo 126) “Boi Ápis, cultuado no Egito/ Do labirinto sacrifício e liberdade/ Guerreiro e heróis, as crenças e o valor/ Que a mitologia consagrou”, no samba-enredo Do sagrado ao profano... E o boi, quem diria, foi parar na freguesia,em Boi da Ilha do Governador, 2010. (Anexo 204) Se, com Dioniso, Ícaro e Boi Ápis, temos as alusões à mitologia greco-romana, o contexto da religiosidade nos permite verificar a existência de duas vertentes, a cristã, a minoritária, composta por três sambas-enredos e a afro-brasileira, majoritária, mencionada em sete. A religiosidade cristã é simbolizada por anjos, querubins e serafins nos sambas Arautos do Brasil mulato e Sonhos, ao passo que Moisés, personagem bíblico, desafia o rei pela causa da liberdade e o Mar Vermelho é transformado em passarela, numa carnavalização completa do sagrado para o profano. Assim, seguem, respectivamente, Escolas, os versos e os títulos dos enredos que ilustram esta seção: Leão de Nova Iguaçu: “Querubins e Serafins/ Os anjos da liberdade/ Com a missão de semear a sedução/ Criara o tom da miscigenação (e assim)”, samba-enredo Arautos do Brasil mulato, 1995. (Anexo 83)

Mangueira: “Moisés desafia o rei/ A ira divina desaba na terra/ Libertação! E num gesto encantado/ O mar virou passarela/ (...) / Quem plantar a paz vai colher amor”, no samba-enredo Os dez mandamentos: o samba da paz canta a saga da liberdade, 2003 (Anexo 132) Unidos do Anil: “Sonhei.../ Com anjos querubins/ Dizendo assim/ Que a luz do sonho nunca se apagará/ Liberdade, fé e esperança/ Um sorriso de criança/ Ó ó ó... Divino mestre criador”, no samba-enredo Sonhos, 2011. (Anexo 215) Muitas entidades representativas das religiões de matrizes africanas foram reverenciadas no despertar do nosso terceiro milênio, especialmente nesse emprego da liberdade. Xangô, Oxalá, Oxaguiã, Obaluyaê, Olubajé, Iemanjá, Oxum são algumas dessas referências. Vejamos os exemplos: Acadêmicos do Cubango: “Do pranto à união, um canto em oração/ Que o ideal de liberdade não seja ilusão/ (...) / O toque do tambor embala minha fé/ Salve a nação nagô/ Raiz do Candomblé”, no samba-enredo O fruto da África de todos os deuses no Brasil de fé: Candomblé, 2005. (Anexo 151) Boi da Ilha do Governador: “Nos soldados de Xangô ô ô ô/ A prisão de Oxalá, pai Oxalá/ (...)/ Liberdade! / Das águas do senhor felicidade / Liberdade, o perdão, a igualdade/ Salve a força da fé/ Nos traga o axé, ó Oxaguiã”, no samba-enredo As águas de Oxalá, 2005. (Anexo 154) Em Cima da Hora: “O navio negreiro chegou/ Surgiu a crença, nos rituais/ O candomblé, a fé nos orixás/ (...) / Preces em devoção/ A liberdade de um dia ecoou/ Nas terras de São Salvador”, no samba-enredo Mãe baiana, signo da africanidade carioca, 2005. (Anexo 155) Difícil é o Nome: “Arerê Obaluyaê nos traga felicidade/ A vida aqui está muito ruim/ Nós queremos liberdade”, no samba-enredo Olubajé, a festa da libertação, 2005. (Anexo 166) Salgueiro: “Odoyá, Iemanjá, Saluba Nanã/ Eparrei Oyá/ Orayê, Oxum! Obá Xi Oba/ (...) / Candaces, mulheres guerreiras/ Na luta... justiça e liberdade/ Rainhas soberanas/ Florescendo pra eternidade”, no samba-enredo Candaces, 2007. (Anexo 175) Beija-Flor: “Olodumaré, o deus maior, o rei senhor/ Olorum derrama a sua alteza na Beija-Flor/ Oh, majestade negra! / Oh, mãe da liberdade/ África: o baobá da vida Ilê Ifé/ Áfricas: realidade, realeza, axé” no samba-enredo Áfricas: Do berço real à corte brasiliana, 2007. (Anexo 177)

Alegria da Zona Sul: “A voz que ecoa na pedreira/ Kaô! É Xangô, o Rei de Oyó/ Pai da justiça e da igualdade/ É fogo, é trovão da liberdade”, samba-enredo Os doze obás de Xangô, 2011. (Anexo 210)

Salgueiro, 2007, alegoria “Mães de Santo, Mães do Samba”. Fonte: http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/2014/03/24262/

Nesse agrupamento, pudemos verificar que o tema sobre a religiosidade de matriz africana foi tratado de forma especial. Há de se considerar que aquelas manifestações negras sempre estiveram presentes em nosso país, eram discriminadas no período colonial, resistiram nos terreiros durante os períodos autoritários, de controle das liberdades, e ainda hoje enfrentam contextos de rejeição, quando fundamentalistas religiosos tentam, de variadas formas, rechaçar, excluir, diminuir a Umbanda e o Candomblé, sem mínimo esforço de compreender a necessidade de se respeitar o outro, não por concordância, mas, por direito, por regra, por lei. Ademais, não consideram em suas posições a dimensão histórica e cultural daquelas religiões de matriz africana, que também fazem parte de nossa memória cultural. Assim, os autores desses sambas, conscientes da potencialidade das palavras escritas, verbalizadas, cantadas, recusaram o cômodo lugar da neutralidade para se posicionarem como integrantes do Candomblé ou da Umbanda, ao lado de mães e pais de santo, abençoados pelos orixás.

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