A Te r ra i n t e i ra s u r g i r á r e d o n d a do mar profundo
Histórias
das
A viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães BEMM
Ficha técnica Título: A Terra Inteira Surgirá Redonda do Mar Profundo Autor: Delfina Batista e Rui Abreu Arranjo gráfico: Graça Silva e José Plácido Edição: Bibliotecas Escolares Marquês de Marialva Coleção: Histórias das BEMM, n.º 16 junho de 2020 Capa: Reprodução do retrato de Fernão de Magalhães, de Charles Legrand (cerca de 1841). Disponível em Biblioteca Nacional de Portugal: http://purl.pt/4674
Terra inteira surgirá redonda do mar profundo de Delfina Batista e Rui Abreu está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-Não Comercial-Sem Derivações 4.0 Internacional.
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A BEMM abraçou o projeto Navegar com a Biblioteca Escolar, lançado pela RBE, para assinalar o V Centenário da Viagem de Circum-Navegação comandada por Fernão de Magalhães, navegador português. Remando a quatro mãos, ora no presente ora no passado, emerge do mar de letras o texto dramático A Terra Inteira Surgirá Redonda do Mar Profundo, para ser levado à cena pelos alunos do 6.º ano, num palco improvisado na BE. Porém, o encerramento das escolas, devido à pandemia de COVID-19, não permitiu concretizar tão desejado intento. A Terra Inteira Surgirá Redonda do Mar Profundo revisitou A Primeira Viagem em Redor do Mundo de Antonio Pigafetta, escrivão italiano que acompanhou Fernão de Magalhães nesta viagem, a “Proposição” d’Os Lusíadas de Camões e o poema “O Infante” de Fernando Pessoa, cujos versos parafraseados atracaram no título.
Os autores
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das
Histรณrias
BEMM 4
Atores Avô Capitão Português Dois marinheiros Fernão de Magalhães Marinheiro Espanhol Neto Pigafetta Zé Cusco (espião do reino de Portugal)
Palco com dois cenários em simultâneo. Sala de estar (à esquerda): mesa com um globo, um aquário, uma ampulheta, uma nau feita com casca de noz, um mapa, um chapéu de grumete e, ao lado, dois cadeirões; um computador Magalhães.
Nau (à direita): mastro com vela, leme de navio, baldes, cordas, mesa com instrumen-
tos de navegação (astrolábio, balestilha, fio de prumo, cartas de marear), toneis...
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I ATO Cena 1 NETO, AVÔ (Sala de estar iluminada. Avô sentado num cadeirão, com um computador Magalhães no colo e a teclar muito concentrado. Ouve-se ao longe a voz do Neto que grita.) Neto: Avô! Avô! Viste o meu Magalhães? (Sem obter resposta, entra agitado na sala à procura do seu computador, com um livro de BD na mão, e insiste) Avô! Avô! Viste o meu Magalhães? (Continuando sem resposta, irrita-se e grita em tom de brincadeira) “Mãos ao ar!” Avô (concentrado a teclar no computador, assusta-se e ergue os braços ao céu): Meu Deus! O que é que se passa? Estão sempre a reclamar comigo. Ou é a soneca, ou é a tagarelice, ou são as minhas dores… Que chatice! Pronto! Já deixei de teclar. Eu não estava a jogar... estava a aprender... Neto (admirado, senta-se junto do Avô): A aprender?! Já deixaste a escola há tanto tempo! Avô (dirigindo-se ao Neto): A vida é também uma escola… Estamos sempre a aprender… Nunca te esqueças disso! Desculpa, meu querido neto, por não te ter respondido. Para passar o tempo, estava a navegar no teu computador… Tu não conversas comigo! E eu que tenho tantas histórias fantásticas para te contar… Neto: Afinal, o que é que te prende tanto ao meu Magalhães? Avô: Magalhães? Também procuras o Magalhães? Isso é impossível. Já morreu! Neto (assustado, pousa a BD, pega no computador e pergunta em tom de choro): O meu Magalhães morreu? Avô Já morreu há quase 500 anos! Neto (admirado): Como? Há 500 anos não havia Magalhães! (Apontando para o computador) Avô: Havia! Havia! (Pega no computador e aponta para o retrato de Fernão de Magalhães que está no ecrã) Este é o Fernão de Magalhães e eu estava aqui a aprender um pouco mais sobre a vida deste herói português que fez a primeira viagem à volta do 6
mundo, conhecida por viagem de circum-navegação. Sabes que estamos a celebrar os quinhentos anos dessa aventura oceânica? (Enquanto o Avô fala, o Neto dirige-se para o globo e fá-lo girar com o seu dedo. Após alguns instantes, faz parar o globo, pega na BD e senta-se junto do Avô. A luz da sala de estar diminui.)
II ATO Cena 1 MARINHEIRO ESPANHOL, FERNÃO DE MAGALHÃES, CAPITÃO PORTUGUÊS, (AVÔ E NETO) (Agora a luz ilumina uma nau. Ouve-se uma voz forte fora do palco, dando ordens rápidas. No meio do público, irrompem três marinheiros. Enquanto se dirigem à nau, dois deles distribuem pelo público alguns objetos — cordas, barris, baldes, vassouras, cestos, sacos, loiças de barro, caixas, instrumentos náuticos, mapas, alguns lenços brancos — e o outro vai dando ordens, num portunhol, isto é, português espanholado.) Marinheiro Espanhol: Vamos, vamos, marinheros! Levem essa carga para las naus! Tenemos de acabar de carregar las naus Trinidad, Concepción, Victória, Santiago e San António. La maré está de feição e tenemos de zarpar! (Os elementos do público dirigem-se à nau, seguindo as ordens do marinheiro. Excetuam-se aqueles a quem foi dado o lenço branco. Vão entregando os objetos que lhes foram anteriormente distribuídos. Dirigem-se de novo para o seu lugar. O marinheiro continua a apontar para todos os lados e a dar ordens.) Marinheiro Espanhol (continuando a dar ordens): Vamos! Vamos! Fechem bien esses tonéis de água e vino! Atem esses animales vivos! Mirem esses sacos de biscoitos e de frutos secos! Mirem las cordas e las velas! Transportem essa caixa com los instrumentos de navegação e mapas para la cabine del Comandante! Vamos! Vamos! Rápido que el Comandante Fernão de Magalhães está a chegar de la missa e quer levantar âncora! Desçam las velas! Desçam las velas! Deixem que los vientos favoráveis e la mano de Nuestro Senhor nos guiem nesta viagem! Vamos! Vamos! (A tela desce devagar, simbolizando o baixar das velas) Fernão de Magalhães (aproximando-se da nau com o Capitão Português, dirige-se a algumas pessoas do público que transforma em marinheiros. Na nau, os marinheiros terminam a azáfama): Capitães! Marinheiros! Vim agora da missa e pedi proteção a Deus Todo-Poderoso. Que os anjos e os santos nos acompanhem nesta nossa aventura por mares nunca dantes navegados, como dirá o genial Camões. Que protejam estas cinco naus que o Rei Carlos de Espanha equipou! (Benzem-se todos os que estão em palco. Pausa. Mudando de tom) Escrevam e recordem o que vos digo! Este dia venturoso de 20 de setembro de 1519 e este porto de Sanlúcar de Barrameda, localizado perto da cidade de Sevilha, serão para sempre recordados como o dia e o local onde um punhado de cerca 7
de 240 homens, destemidos e capazes de enfrentar o desconhecido, começou a mais sobre-humana de todas as aventuras! (Palmas e alegria entre os marinheiros que, da nau, incentivam o público também a bater palmas. Após alguns instantes, acalmam o público. Depois, continuam a mostrar-se atarefados.) Capitão Português (quando o público se acalma, dirige-se a Fernão de Magalhães): Que a Virgem Santíssima nos guie e nos afaste dos perigos que teremos de enfrentar (benzem-se). Foi pena, meu Comandante, que El Rei D. Manuel de Portugal não tivesse acreditado que conseguiria continuar a viagem de Colombo... Que viajando sempre para Ocidente e contornando, a Sul, o continente americano, chegaríamos às especiarias do Oriente.
Fernão de Magalhães (deslocando-se da boca de cena em direção ao local onde se encontram Avô e Neto. Pega no globo que está em cima da mesa e fá-lo girar. Ao mesmo tempo, Avô e Neto giram no sofá. Dirige-se, com o globo na mão, novamente para junto do capitão): Inspirando-me nas palavras que dirá o Poeta, Deus quer, eu sonho e a obra vai, com certeza, nascer… Eu quero que o mar una, já não separe… e assim a Terra inteira surgirá redonda do mar profundo (volta a girar o globo). (Neste momento, surge na tela a projeção do mundo. Fernão de Magalhães continua a fazer girar o globo. Avô e Neto voltam a girar nos seus assentos.) Capitão Português: Meu Comandante, as cinco naus já estão prontas, os capitães a postos e os marinheiros já se despedem das famílias! (Os marinheiros que se encontram na nau dirigem-se à boca de cena e despedem-se das famílias. Acenam lenços brancos e motivam assim o público a acenar também com os lenços anteriormente distribuídos. Ouvem-se choros no palco e no público.) Marinheiro Espanhol (deixando a boca de cena, um pouco emocionado, dirige-se para junto de Fernão de Magalhães. Faz uma vénia): Mi Comandante, la maré está de feição, las naus ya estão equipadas, los hombres ya estão a bordo… solo esperamos vuestra ordem para zarpar. (Os marinheiros mostram-se atarefados a bordo. O Marinheiro Espanhol, que falou com o Comandante, dirige-se para o leme.)
Fernão de Magalhães (volta para junto do Avô e do Neto. Poisa o globo e pega numa pequena nau casca de noz que coloca no aquário, dando-lhe um pequeno impulso com os dedos. Pega na ampulheta que se encontra junto ao globo e vira-a. Volta de novo para a boca do palco e exclama:) Que se inicie esta aventura! (Dirige-se para a nau e pega num mapa. Ouvem-se os sinos a repicar. Benze-se. Vai depois ao encontro do homem do leme que está já muito atarefado. Parece dar-lhe instruções…)
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Cena 2 ZÉ CUSCO (ESPIÃO PORTUGUÊS) (Começa a projetar-se na vela o percurso da viagem de Fernão de Magalhães. Enquanto a azáfama continua na nau, a luz baixa e, no meio do público, uma personagem veste a gabardina, coloca um chapéu de detetive na cabeça, tira o telemóvel do bolso e liga a lanterna, apontando, primeiro, para a tela e, depois, para a plateia. Sorrateiro e pedindo desculpa às pessoas, dirige-se para perto do palco. Faz uma chamada e continua com a lanterna ligada. Ouve-se o som de chamada de um telemóvel: música do James Bond.)
Zé Cusco (espião português): Tou schim? Tou schim? El Rei D. Manuel de Portugal? Como tem passado Vossa Majestade? Daqui fala o Zé, Zé Cusco. Tou aqui em Sevilha... O Magalhães e um bom punhado de castelhanos (benze-se várias vezes) já se encontram em alto mar! Soube pelo Paquito Trocatintas que vão abastecer-se nos Azores e que vão parar por alguns dias em terras portuguesas de Vera Cruz… (Pausa e tapa o auscultador. Virando-se para o público) Ora, só me faltava esta! El Rei de Portugal não sabe onde fica Vera Cruz… (Tirando a mão do auscultador e continuando a conversar) Bra-sil! Brasil! (Aponta para o mapa projetado na vela) Peço a Vossa Majestade que faça uma videoconferência com o Governador do Brasil para os receber com pompa e circunstância… (Riso matreiro). Não sei se me faço entender… Que os receba com tiros de canhão… Pum! Pum! Pum! (Fazendo o gesto de tiro, ouve-se o som de três tiros de canhão). E se a esta receção juntarmos o descontentamento dos marinheiros castelhanos (benze-se várias vezes) por terem por comandante um português, o nosso Magalhães vai enfrentar voltas e revoltas e não vai, com certeza, cumprir a sua empreitada… (Riso)
Cena 3 MARINHEIROS (Ouvem-se, em palco, vozes revoltadas em castelhano contra o comandante português, Fernão de Magalhães. Dois marinheiros movimentam-se na nau, pouco iluminada, e mostram o seu descontentamento, alto e bom som!) Marinheiros: Estamos hartos del viage. Estamos cheios de hambre e hartos del Comandante português. Donde já se viu una armada castelhana ser comandada por un português? (O palco volta a ficar em silêncio, depois de se ouvirem duas ou três vezes estas reclamações.)
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Cena 4 ZÉ CUSCO (ESPIÃO PORTUGUÊS) Zé Cusco (espião português) (levantando o telemóvel e virando-o para o palco com a lanterna ligada) Está a ver? Está a ouvir, Vossa Majestade? Os motins já se ouvem no convés. O Paquito Trocatintas também me informou que pensam em desviar uma das naus… Isto está lindo, está! E outros perigos surgirão! (Pausa) Tou schim? Tou schim? Olha, a chamada caiu… (Bate com o telemóvel na mão) É sempre a mesma coisa! A cobertura de rede do reino de Portugal está sempre a falhar! Tanto investimento para nada… (Desliga o telemóvel e a lanterna e dirige-se para o seu lugar) Não faz mal, envio um relatório completo pelo meu Magalhães… Se tiver Internet, claro!
III ATO Cena 1 NETO, AVÔ (Ilumina-se de novo a sala de estar onde se encontram Avô e Neto, sentados em dois cadeirões. A zona do palco convertida em nau continua na sombra. As personagens ficam quietas nessa parte do palco. Continua a conversa entre Avô e Neto que ficou em suspenso na cena 1, do I ato.) Neto (apontando para Fernão de Magalhães que se encontra na nau e para o computador que continua nas mãos do Avô): Ah! Afinal Magalhães há muitos! Só aqui em palco temos dois! Avô: Pois, mas foi aquele Magalhães (apontando para a nau) que deu o nome a este computador. Com o seu nome foram batizados, ainda, uma nebulosa (apontando para a tela, onde vão aparecendo imagens ilustrativas do que está a dizer), uma sonda espacial da NASA, um sistema de GPS, uma grande cratera em Marte, duas crateras na Lua, uma baía e um estreito entre o oceano Atlântico e o oceano Pacífico… o Estreito de Magalhães! A sua armada foi a primeira a atravessá-lo, depois de vários meses de navegação e de muitas tentativas fracassadas. Ah! Já me esquecia! Magalhães deu ainda o nome a uma espécie de… ai, como se chamam… ajuda-me! (Surge um pinguim projetado na vela.) Neto (esclarecendo o Avô): Ah, a uma espécie de pinguins (apontando para a vela). O pinguim-de-magalhães! Os pinguins caminham de uma forma tão engraçada… (O Neto levanta-se e imita um pinguim no andar e no grasnar. Volta depois a sentar-se.)
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(Silêncio entre o Avô e o Neto. Diminui a luz da sala de estar, enquanto se ilumina de novo a zona da nau. A imagem do pinguim mantém-se na tela.)
IV ATO Cena 1 PIGAFETTA, FERNÃO DE MAGALHÃES
Pigafetta (entra em palco, trazendo o diário de bordo na mão e lendo, com pronúncia italiana, a descrição dos pinguins que escreveu ao longo da viagem. Enquanto lê, dirige-se lentamente para junto de Magalhães): “Avançando, sempre com costa à vista, em direção ao polo Antártico, acostámos em duas ilhas que só se encontram povoadas por pinguins e lobos marinhos. Os primeiros encontram-se em tão grandes quantidades e são tão mansos que numa hora capturámos provisões suficientes para as tripulações das cinco naus. [Os pinguins] são negros e parecem ter todo o corpo coberto com penas pequenas e as asas são desprovidas do necessário para voar e, com efeito, não voam. Alimentam-se de peixe e são tão gordos que para os depenarmos nos vimos obrigados a tirar-lhes a pele. O seu bico assemelha-se a um pequeno chifre.”.
Fernão de Magalhães: Pigafetta, eu não teria feito melhor descrição dos pinguins. No entanto, não te esqueças de escrever sobre os povos com quem contactámos! Mas agora tenho a minha cabeça ocupada… (O pinguim desaparece da vela e em seu lugar volta a aparecer o mapa com a rota da viagem que localiza a armada no Estreito de Magalhães. À medida que Fernão de Magalhães vai falando, vai sendo projetado o trajeto na vela.) Fernão de Magalhães: Já há alguns dias que viajamos para oeste e tenho esperança de termos descoberto a passagem para o mar desconhecido (aponta para a vela). Pigafetta: Espere, espere, meu Comandante! (Pegando na pena para continuar o seu diário de bordo) Então, posso escrever que Ptolomeu e outros geógrafos antigos estavam errados e que há uma ligação entre o Mar Atlântico e o Mar Desconhecido? Que, afinal, o Atlântico não é um mar fechado? Fernão de Magalhães: Sim! Sim! Tenho esperança que estas terras da Patagónia, que estas águas frias e turbulentas e que este estreito cheio de arribas, ilhas e baixios nos conduzam a onde tanto ambicionamos chegar… a mar aberto e a caminho do Oriente!
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(A luz incide sobre o Neto. Este levanta-se e faz girar com o dedo a nau que se encontra no aquário e, de repente, levanta-se uma tempestade no mar. Ouvem-se sons de ventos fortes e tormentas. Ouvem-se gritos.) Fernão de Magalhães (dando ordens): Baixem as velas! Segurem o leme! Protejam-se! Olhem esse barril! Atem-no para não sair borda fora! (Cai a escuridão sobre a nau.)
V ATO Cena 1 AVÔ, NETO, (PIGAFETTA) (Luz sobre a sala de estar.) Avô: Para! Não mexas no aquário! Não sabes que a viagem de Fernão de Magalhães foi bastante atribulada? Tempestades, Fogo de Santelmo, revoltas de marinheiros, ataques de indígenas, fome, doenças… (Pigafetta dirige-se para junto do Avô e entrega-lhe o seu diário. O Avô levanta-se e lê uma passagem) Escuta o que o diário da viagem diz sobre a fome que passaram nos três meses que levaram a atravessar o Oceano Pacífico: “O biscoito que comíamos já não era pão, mas um pó misturado com larvas […] e tinha um cheiro insuportável a urina de rato. A água que nos víamos obrigados a beber estava também podre e cheirava mal. Para não morrermos de fome, vimo-nos obrigados a comer os pedaços de couro de vaca que forravam o mastro para evitar que a madeira destruísse as cordas. O couro, sempre exposto à água, ao sol e aos ventos estava tão duro que era necessário submergi-lo no mar durante quatro ou cinco dias para o tornar mais tenro; para o comermos colocávamo-lo sobre as brasas. Por vezes eramos obrigados a alimentar-nos com serradura e com ratazanas. [Estes animais] tão repelentes para o Homem eram agora considerados um alimento tão delicado que se chegava a pagar meio ducado por cada uma.”
Neto: Mas, Avô, o povo diz que “depois da tempestade vem a bonança”. Avô (acenando com a cabeça em sinal de concordância, devolve o diário a Pigafetta, que regressa à nau): Tens razão! Depois de vários meses a tentar passar o estreito, conseguiram, finalmente, chegar a mar alto. Um mar com águas tão calmas que Fernão de Magalhães o batizou de Pacífico, apesar das dificuldades da sua travessia… (Na vela projeta-se a continuação da rota de Magalhães.)
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VI ATO Cena 1 NETO, AVÔ, (FERNÃO DE MAGALHÃES E RESTANTE TRIPULAÇÃO) (Ambos os cenários iluminados) Neto (saindo de junto do Avô, pega no globo, coloca um boné de grumete na cabeça e posiciona-se à frente de Fernão de Magalhães, junto à boca de palco. Assumindo a postura de um vigia e em tom de alegria, grita e aponta em frente): Terra à vista! Terra à vista! Companheiros, chegámos! Depois de tanta fome e de tantos perigos no mar, já sinto o cheiro das especiarias do Oriente. Olha a canela, o açafrão, a pimenta e a noz-moscada!... Olha a nova Terra redondinha! (Girando o globo terrestre) Já sinto o cheiro do cravinho-da-índia das Filipinas! (Aponta para a tela, para localizar as Filipinas no mapa) Avô (em tom triste e junto do neto): Olha a ironia da vida! O comandante Fernão de Magalhães, que iniciou a primeira viagem de circum-navegação, que atravessou o Pacífico e que deu aos espanhóis as especiarias do Oriente, não terminou a viagem. Foi morto em terras Filipinas. Juan Sebastian Elcano assumiu o comando da viagem. Foram para ele todas as glórias, quando chegou a Sevilha na nau Vitória, carregada de especiarias. Das cinco naus que partiram de Sevilha, apenas esta regressou. Dos cerca de 240 homens que iniciaram a viagem, apenas 18 conseguiram completá-la e regressar a Espanha. Foram recebidos com grande alegria, em Sevilha, a 6 de setembro de 1522. Neto (dirigindo-se a Fernão de Magalhães e à restante tripulação): Quando o Comandante Fernão de Magalhães apresentou a proposta ao rei de Espanha, os portugueses não ficaram satisfeitos. Mas hoje é considerado um dos maiores navegadores de todos os tempos. 500 anos depois, a sua façanha só é comparável com a chegada do homem à Lua. Viva Fernão de Magalhães! (São projetadas na tela duas imagens: uma alusiva à viagem de Fernão de Magalhães e outra da chegada do Homem à Lua. Ouve-se a música “Assim falou Zaratustra”, do filme 2001 -Odisseia no Espaço.)
Cena 2 Final Todos em palco: Viva Fernão de Magalhães!
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