Do outro lado

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do outro lado Eduardo Conceição Gonçalo Gomes Gonçalo Vinhas Letícia Recacho Mariana Cruz

Histórias

das

BEMM


Ficha técnica Título: Do outro lado Autores: Eduardo Conceição, Gonçalo Gomes, Gonçalo Vinhas, Letícia Recacho e Mariana Cruz Arranjo gráfico: Graça Silva e José Plácido Edição: Bibliotecas Escolares Marquês de Marialva Coleção: Histórias das BEMM, n.º 4, junho de 2016

Do outro lado de Eduardo Conceição, Gonçalo Gomes, Gonçalo Vinhas, Letícia Recacho e Mariana Cruz está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. 2


Nota explicativa O presente conto faz parte integrante da coletânea de textos do projeto Semear Palavras nas BEMM. Devido à sua extensão, optou-se pela sua publicação em separado.

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Do outro lado Era uma tarde de segunda-feira e os cinco amigos teriam que fazer um trabalho escolar obrigatório para entrar para a faculdade. Embora tenham idades diferentes, são todos igualmente amigos, podendo ser considerados uma “família”. Diego era o mais velho do grupo. Com vinte de dois anos, era considerado o “pai” daquela família inventada e tinha esse título pelo facto de ser o mais responsável, maduro e mais estudado dos cinco amigos.

David era o segundo mais velho. Tinha vinte anos, mas a mentalidade ainda era a de uma criança, tanto que poderia ser considerado o “irmão engraçado”, por estar sempre a tentar fazer todos rir e a encontrar uma maneira de animar as coisas. Salvador era o “irmão do meio”. Embora não seja o mais novo dos cinco amigos, era o que tinha que levar proteção máxima de todos, pois era o mais tímido e, pelo seu aspeto muito magro e pequeno, podia ser vítima de gozações, ou até bullying, mesmo que isso quase nunca tenha vindo a acontecer, pois teve sempre os amigos por perto para o defender. Eva era como a “mãe”. Mesmo sendo a mais nova de todos, com dezassete anos, já tinha responsabilidade de uma adulta. Era ela que cuidava do grupo, trazendo sempre os materiais que os quatro outros amigos se esqueciam para concretizar os trabalhos ou mesmo em passeios. Tanto ela como Salvador eram os “pontos fracos” do grupo, que tomava como obrigação protegê-los aos dois e, essa semelhança em comum, fez com que os dois jovens tivessem uma amizade muito forte. Mesmo podendo ser considerada mais do 5


que isso, nenhum admitia nada. Mari era de todos a mais rebelde e destravada do grupo. Com dezoito anos, era considerada a “irmã mais velha”, pelo facto de ser muito objetiva e teimosa, e, quando o assunto eram os seus amigos, não pensava em consequências. Tentava sempre proteger ao máximo a sua “família”, mesmo pondo-a, às vezes, em situações nada agradáveis. Os cinco são uma “família” muito unida. Nunca se separam e, mesmo estando em turmas diferentes, a partir do momento em que se conheceram, nunca passaram mais de vinte e quatro horas sem se verem. Mesmo através de um ecrã de computador, estão sempre em contacto uns com os outros. Eva e Mari estavam à porta da escola, esperando os outros. Iriam agora para o laboratório para começar os trabalhos. Já estavam atrasados. Alguns minutos se passaram e de longe viram as silhuetas dos rapazes a correram na sua direção, com mochilas às costas e uma bolsa de computador. – Estão atrasados meia hora – ralhou Mari, enquanto dava uma pancada de raspão na nuca de David.

– Foi o Salvador que nos atrasou! – defendeu-se David. – Ele perdeu as chaves dentro da mochila e tivemos que refazer o caminho todo a pensarmos que as tinha deixado cair… – continuou mandando um olhar repreensivo para Salvador que se encolheu a um canto. – Acidentes acontecem, já falámos sobre isso… – corrigiu Diego, olhando de lado para David, que encolheu os ombros.

– Está bem, está bem, agora podemos ir? Se não ao invés de nos atrasarmos meia hora, vamo-nos atrasar o dia inteiro – falou Eva em tom de gozo. Mas era verdade. Ela sabia que quando algum deles resolvia 6


brigar, essas brigas duravam muito tempo para, no final, não dar em nada. Nenhum deles questionou nada. Apenas seguiram a loira que ia na frente, sem falarem nada de realmente interessante durante o caminho, a não ser o David a gabar-se do seu telemóvel novo. Já deveriam ser cinco da tarde, quando chegaram ao laboratório. Era muito grande e tinha as paredes de um branco que parecia ter sido acabado de pintar. Nenhum dos amigos tinha estado num lugar semelhante a este, por isso não conheciam nada a respeito de laboratórios ou coisas do género. Entraram no local e falaram com a rececionista, dizendo que seriam os cinco jovens que iriam usar uma das salas que, pelas palavras de David, “o primo do amigo da amiga da minha mãe” que trabalhava naquele lugar os tinha deixado permanecer no local até às onze e meia da noite. Teriam muito que fazer. Pegaram na chave da sala e dirigiram-se para o laboratório. Era no segundo andar, mesmo ao fundo do corredor que normalmente se encontrava vazio, já que apenas o material mais antigo se guardava lá. Só de quinze em quinze dias aparecia alguém para tirar o pó das prateleiras.

Abriram as duas enormes portas brancas e entraram a sala que se encontrava um pouco escura e com um cheiro abafado, tornando o ambiente um tanto sombrio. – Parece que ninguém vem aqui há anos – murmurou Salvador, enquanto carregava no interruptor para acender as luzes que se foram acendendo aos poucos, com algumas a falhar. – A sala já não é limpa há treze dias, mas não é para tanto – respondeu Diego. – Também foi o melhor que encontrámos, por isso fica quieto. – Tem umas coisas bem malucas aqui… – falava David, enquanto estava prestes a tocar num material não identificável, mas redondo, 7


e logo recebeu um berro de atenção por parte dos amigos. – Não toques em nada – ralhou Diego que fez David ficar quieto. – Vá lá, gente, já só temos cinco horas e meia e, se não fizermos o trabalho, já sabem... – falou Mari, chamando a atenção dos outros quatro.

– A Mari quer estudar, vai chover dinheiro… – gozou David, revirando os olhos e recebendo um olhar entediado de Mari. – Mas ela tem razão! Precisamos de andar logo com isto, não vamos ter mais oportunidades como esta – falava Eva, enquanto tirava o portátil da mala e o pousava na mesa. – Está bem… – falaram David e Salvador em coro, juntando-se aos amigos e tirando pastas e cadernos da mala.

O tempo passou a voar e já eram nove e meia. Os amigos já tinham quase acabado o trabalho. – Por que raios é que foram escolher logo tecnologia para o tema do trabalho? – resmungava baixinho Mari, sentada na cadeira com um lápis na orelha e uma caneta na mão, olhando pensativa e com um tanto de raiva para a folha do trabalho que falava sobre assuntos que já se tornavam aborrecidos naquele momento. – Porque é que não escolheram algo mais fácil, como comida de peixe ou como são formados os marshmallows? – Falaste isso como se tivesses a falar a sério – riu Salvador, enquanto mastigava uma bolacha de chocolate e recebia uma repreensão de Eva por estar a falar de boca cheia. – Faz uma pausa, já estás aí sentada há muitas horas, depois voltas para aí e continuas o que estavas a fazer.

– Não é assim tão fácil – meteu-se na conversa Diego. – Também estou aqui a ver e está aqui a faltar uma coisa, mas eu não faço a mínima ideia do que seja… – falou Diego, mordendo a borracha do lápis e revendo os cálculos e as anotações que tinha feito. 8


– Não vamos sair daqui nunca… – suspirou David, deslizando da cadeira para baixo, deixando de estar visível para os outros. – Vou fazer uma pausa. Eva, podes vir para o meu lugar, por favor? – Tá! – foi a única resposta que recebeu da loira, que logo se sentou na cadeira em frente para o computador, seguida por Salvador para ajudá-la nas pesquisas.

Diego sentou-se num banco no fundo da sala, de onde tirou um pacote de biscoitos do bolso e ficou a mastigá-los, enquanto olhava os outros e andava a nadar nos pensamentos. Rodou com os olhos pela sala, até que alguma coisa lhe chamou a atenção. Estava um enorme pano branco empoeirado a cobrir um objeto que parecia ser bem grande. Puxou o lençol cuidadosamente, revelando um objeto estranho e branco, cheio de quadrados e que tinha duas antenas apontando para um centro. David pareceu divertir-se com a nova “descoberta” e logo tirou o novo telemóvel para tirar uma foto ao novo objeto. O que ele não sabia era que, ao desbloquear o telemóvel, o tal “objeto” ligara-se, apontando as duas antenas em direção ao objeto que David segurava em mãos. Este, com o susto pelo movimento brusco da máquina, deixou cair o telemóvel e a tal “máquina” disparou alguma coisa que atingiu o telemóvel, fazendo um barulho estranho e desligandose rapidamente. David ficou sem reação perante o ocorrido e, sem pensar nas consequências, pegou o telemóvel do chão e voltou para perto dos amigos. – Vocês não têm noção do que acabou de acontecer ali ao fundo – disse ele a rir, enquanto se ia aproximando dos quatro que se encontravam na mesa. – Mexeste em alguma coisa, não foi? – perguntou Diego com deceção na voz, suspirando fundo. 9


– Ya, mas olha que alguma coisa acertou no telemóvel – disse, colocando o objeto em cima da mesa. – Para de inventar coisas... Credo, tens a imaginação muito al… – disse Salvador, enquanto pegava no telemóvel, sem ter tempo de terminar a frase, pois, mal o desbloqueou, o telemóvel começou a apitar, depois o ambiente ficou azul e os cinco amigos foram desaparecendo em minúsculos quadrados brancos que iam sendo sugados, até que se desligou e o quinteto já não se encontrava na sala. Ouviram-se uns gritos abafados, vindos de Eva. Depois fez-se um enorme silêncio no lugar onde agora se encontravam e que era tão claro que chegava a cegar. – Onde é que estamos? – perguntou Salvador, com a voz trémula.

O silêncio dominava e os cinco amigos estavam cegos pela claridade, mas mesmo assim permaneciam com os olhos abertos. Nenhum deles conseguia ver os outros. – Eva, David, Mari, Salvador… – falava uma voz um pouco afastada, mas que se ouvia perfeitamente. – Estão todos aí? – Sim… – responderam Mari e David, e logo ouviram um grito agudo de Eva como resposta, seguindo de umas risadas abafadas.

– Encontrei a Eva! – falou Salvador, entre os risos, pois tinha conseguido chegar até à amiga no meio da claridade e esta assustara-se com o contacto inesperado do outro. – Ok, então… Ninguém se mexa, eu vou tentar chegar até vocês – falou alto Diego, começando a dar passos calculados entre a claridade. Salvador, Eva e Mari obedeceram, mas David não, tanto que também começou a caminhar numa direção aleatória que era a direção oposta à do grupo. Mari, que não estava muito longe de David, ouviu os seus passos a afastarem-se e, calculando que fosse Diego, chamou-o. Diego, 10


que já estava muito perto de Salvador e Eva, ao ouvir o chamado da amiga, foi na sua direção, mas voltou a perder-se no meio da claridade. Agora estavam Mari, Diego e David a caminharem para direções completamente opostas, todos perdidos no meio do nada. Aquela confusão começara a irritar Salvador. – FIQUEM TODOS PARADOS! – gritou Salvador, já sem paciência, e logo se fez silêncio. No meio desse silêncio, Salvador sentiu que a mão da amiga, que estava apoiada no seu ombro, fora retirada bruscamente. Ouviu-se outro grito agudo de Eva, mas este era ainda mais alto e ia parecendo cada vez mais afastado. Salvador agiu sem pensar e, quando deu por si, estava a correr atrás da voz de Eva, que ia parecendo mais baixa à medida que ele corria. Só parou de correr quando avistou uma sombra quadrada no fundo da sala. Ele ficou sem reação. Estava parado com alguma coisa à sua frente e apenas se ouviam os gritos e berros dos seus amigos lá atrás desesperados à procura deles. A sombra mexeu-se. E vinha na sua direção. Salvador, imobilizado pelo medo, continuou a fitar o tal objeto estranho que flutuava rapidamente na sua direção cada vez mais perto. A única coisa que o fez acordar do seu transe foi alguma coisa, ou melhor, alguém que lhe agarrara no pulso e que o fez correr no meio da claridade. “– FOOOOOGE!” Foi a única coisa que esse tal ser disse, antes de desaparecer, quando já tinha levado Salvador para perto dos amigos. Todos estavam muito confusos, mas pelo menos já não estavam separados. – Estão todos aqui? – perguntou David, ofegante de tanto gritar e de correr em busca dos amigos. – Mari?

– Estou aqui. – respondeu ela à direita do amigo. – Salvador? – continuou a chamar Diego. – Aqui! – respondeu ele, também ofegante de tanto correr. – David? – chamou Diego. 11


– Aqui... – suspirou David, à esquerda de Diego. – Eva? – chamou por último, obtendo silêncio como resposta. Para os quatro amigos, que já tinham começado a voltar a respirar normalmente, as suas respirações alteraram-se novamente pelo silêncio perante a falta de resposta. Apenas se ouviam as altas respirações dos quatro, cada vez mais alteradas.

– …EEEEEva – foi a única coisa que Mari conseguiu dizer, antes de entrar em desespero. – Calma, Mari! – Diego segurou-a pelos ombros, numa tentativa falhada de acalmar a ruiva. – EEEEEla… DESAPARECEU! – gritava Mari, perdendo o fôlego, entrando em desespero total. – Eu vi alguém… – murmurou Salvador. – O quê? – perguntou David, indo na direção da voz do mais novo. – EEEEEu acho que vi alguém… – falou um pouco mais alto, Salvador, com as mãos a tremer. – Aliás, dois, “alguéns”. – Então, não estamos sozinhos… – concluiu Diego, olhando assustado para o nada, e isso foi a última coisa que disseram, antes que a luz que iluminava o local se apagasse. Eles esfregaram os olhos e aos poucos a visão foi melhorando, até que já se viam aos quatro, presentes naquela sala, que aparentava não ter fim. Quando as suas visões voltaram por completo, os quatro pareceram muito mais aliviados por se verem e deram um “abraço de grupo” que demorou pouco mais de cinco segundos.

– Temos que encontrar a Eva – falou Mari, confiante e séria, depois de terminarem o abraço. Os rapazes apenas concordaram com a cabeça. – Mas… primeiro temos que encontrar uma forma de sair daqui 12


– falou David, olhando em volta e notando que estavam numa sala imensamente grande, com paredes altas e, agora, pintadas num tom escuro. – Como vamos sair daqui? – perguntou Salvador, olhando em volta, procurando alguma porta ou janela. – Hã… Vamos para uma das paredes e, a partir daí, é só andar encostados a elas para ver se encontramos alguma porta, sei lá – deu como sugestão David. – Certo… – concordou Diego com algum receio. – Já faz meia hora que estamos a caminhar na mesma parede e nada! –resmungava Mari, com raiva na voz. Diego apenas deu um suspiro. – Ainda não encontrámos coisa nenhuma, por enquanto, e não temos muitas opções no momento. Então, o melhor é continuar a seguir caminho – relembrou Diego, mas na sua voz já se notava o cansaço e o desinteresse. – Acho que estas paredes não têm fim – comentou David que era o último da fila. – Acho que isso não é cientificamente possível – respondeu Salvador e David não falou mais nada, cortando a conversa por aí.

O quarteto continuou o caminho em silêncio, sem saber se já estava próximo ou não de encontrar uma saída. Salvador ia imensamente distraído, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo. “– Quando eu disse para fugirem, eu pretendia que fossem rápidos” – ouviu uma voz ecoar na sua cabeça. Ele parou onde estava. Reconheceu a voz nas primeiras palavras. Era uma voz feminina, mas não pertencia a Mari nem a Eva. Nunca tinha ouvido uma voz parecida, sem ser acerca de uma hora atrás. Estava ali alguém ou seria apenas o seu cérebro a pregar-lhe partidas? – Passa-se alguma coisa, Salvador? – perguntou Mari, notando o comportamento do amigo, virando-se para trás e chamando a aten13


ção dos outros. – Não, tudo bem – mentiu. Não iria preocupar ainda mais os seus companheiros do que já estavam, embora aquilo pudesse ser importante. “– Mentir é feio” – falou novamente a voz, e ele sentiu-se arrepiar com o comentário. – “Eu não vou fazer nada com nenhum de vocês, calma. Não sou inimiga.” – Então quem és? – perguntou Salvador, sem se aperceber que o dissera em voz alta. Diego, Mari e David encararam o rapaz com caras confusas. Ele ouviu uma risada simpática da mesma voz e uma luz acendeu-se a alguns metros de distância deles. Como a sala era um pouco escura, a luz realçava-se muito naquele ambiente. A luz estava a iluminar uma figura feminina, com cabelos lisos e franja. Ela usava roupas nada peculiares e, com certeza, o que mais chamava a atenção dos quatro era o facto de ela estar a segurar algo semelhante a uma enorme espada prateada. Nenhum dos quatro amigos disse uma palavra. Apenas estavam parados a olhar fixamente a figura à sua frente. – Estava à espera que perguntasses – respondeu a rapariga, com um enorme sorriso acolhedor. Ela caminhou para perto deles calmamente, sem ligar ao facto de todos estarem a olhar para ela em puro pânico. – Eu sei onde está a Eva – disse a estranha rapariga, e isso logo fez Salvador deixar o medo de lado, e despertar do transe, dirigindo-se à jovem, como se já a conhecesse há muito tempo. – E onde está ela? – perguntou Salvador com um certo brilho nos olhos, mas a rapariga nem teve tempo de responder, pois David interrompeu-a. – Espera aí – falou. – Primeiramente, quem és tu, exatamente? – perguntou, David, fazendo uma cara de dúvida. A jovem sorriu. – Podem chamar-me Isis – respondeu a rapariga, com o mesmo 14


sorriso amigável. – Agora, se quiserem voltar a ver a vossa amiga, por favor, acompanhem-me – continuou ela. Bateu com a espada no chão e outra luz se acendeu, mas desta vez iluminou uma porta que ficava no meio da sala e que, aparentemente, não dava passagem para nada. Os quatro seguiram Isis até à misteriosa porta e rodearam-na, procurando algo que parecesse torná-la mais “especial”. – Uma porta! – exclamou Mari. – É apenas uma porta, no meio de uma sala gigante – falou novamente, tentando fazer aquilo soar mais interessante, numa tentativa falhada. Isis pediu para fazerem fila indiana de frente para a porta e assim fizeram. Aos poucos, ela ia abrindo a “misteriosa” porta e, por mais impossível que pareça, ao abrir a porta, do outro lado não se encontrava um “nada”. Encontrava-se um lugar colorido, cheio de cores vivas, entre verde, rosa, e amarelo, visto de cima. Era parecido com um desenho animado. Os quatro amigos nem tiveram tempo de raciocinar o que poderia vir a ser o tal lugar através da porta, pois Isis empurrara-os lá para dentro, fazendo com que os cinco entrassem numa curta “queda-livre” e caíssem todos no chão, com o corpo dorido (menos Isis, que teria conseguiu cair de pé e, de uma certa forma, aparar a queda). – Para que que foi isso?! – perguntou Mari, visivelmente irritada, e fuzilando Isis com os olhos. – Temos de ser rápidos, caso contrário, eles poderão encontrarnos e nunca mais poderão voltar para casa – explicou ela com ar sério. – Além disso, foi engraçado ver-vos cair “apavorados” – riu, enquanto saía do campo de vista de Mari (que murmurava resmungos sobre Isis) e indo ajudar os outros a levantarem-se. – Então… Onde estamos? Se há uma explicação exata para isso... – perguntou Diego a Isis que continuava sorrindo. 15


– Bem… Podemos dizer que entraram num “universo paralelo”, através daquela suposta máquina que deve ter atingido um telemóvel de um de vocês – respondeu Isis. – Como é que sabes que uma máquina atingiu o telemóvel do nosso amigo? – perguntou Diego desconfiado e fazendo uma careta. – Como acham que eu vim aqui parar? - perguntou Isis, quase que num murmúrio, olhando para o nada, com uma certa pena e tristeza na voz, mas não deixando de sorrir. Diego não respondeu. Apenas concordou levemente com a cabeça, olhando novamente para os três amigos que estavam a acabar de levantar-se. – O que fazemos agora? – perguntou Salvador, aproximando-se de Diego e Isis, juntamente com David e Mari.

– Bem, como estamos dentro de um telemóvel, é bem provável que tenhamos entrado numa das aplicações dele. E aparentemente é um jogo – falou Isis, analisando o lugar em volta. – Agora QUAL é o jogo eu não sei… – continuou. Mari, Diego e Salvador direcionaram seus olhares para David que estava mais perdido que ‘cego em tiroteio’. – O que foi? – perguntou David um pouco assustado e desentendido pelos seus amigos o estarem a encarar silenciosamente. – O telemóvel é teu. Fala sobre as tuas aplicações! – respondeu Mari como se fosse meio óbvio o que ela falara. – Ah! Pois é! – disse David como se tivesse acabado de acordar; Diego e Salvador afundaram as suas caras entre as mãos. – Eu não tinha muitas aplicações, porque o telemóvel era novo e os únicos jogos que eu instalei foram aquele dos carros e o Mário.

– Mário… – disse Diego, olhando em volta. Analisando o cenário, era surpreendentemente muito parecido com o do jogo. Havia um enorme corredor com pedras alaranjadas, com algumas “estantes” e enormes tubos verdes saindo do chão. A única di16


ferença era que não havia nenhum animal ou os famosos “inimigos” que o jogo continha, como as tartarugas, por exemplo. – Parece que estamos mesmo no Super Mário – concluiu Diego. – A única coisa que não bate certo é que parece que está tudo desligado… – “Super Mário”? – perguntou Isis. – Não conheço esse jogo – disse a jovem, recebendo olhares incrédulos dos quatro amigos. – Que foi? Não é do meu tempo… – murmurou. Desviado completamente da conversa, David caminhou em direção do trilho alaranjado e ficou a olhar para o mesmo. Um pouco na dúvida, pensou se seria arriscado pisar o caminho, mas acabou por arriscar, pisando-o e fazendo com que um barulho se fizesse ouvir pelo lugar inteiro. As cores ficaram mais vivas, começaram a sair enormes criaturas dos tubos verdes e algumas apareceram em cima das “prateleiras”. – DAVID! – gritou a ruiva e logo os quatro (menos Isis) são arrastados misteriosamente para o caminho alaranjado, juntando-se a David. À volta do corredor formaram-se paredes de vidro, aprisionando os quatro amigos dentro do caminho que tinham apenas o trilho alaranjado em frente para seguir. As roupas de Diego mudaram de tonalidade para vermelho e as de David mudaram para verde. – Estão a gozar comigo – murmurou Diego, ao reparar na mudança das suas roupas. – Parabéns, David, conseguiste meter-nos em problemas mais uma vez, em menos de duas horas! Mereces um Óscar… – ironizou Mari, fazendo David amuar num canto.

Foram retirados dessa pequena briga por um grito de Salvador, quando uma estranha criatura castanha quase o mordeu, numa ferida que seria fatal. Ouviram uns gritos abafados e meio afastados que vinham do outro lado do vidro. Isis estava a gritar-lhes. 17


– Têm de continuar o caminho até o final da fase – gritava Isis. – Caso contrário poderão nunca mais sair daí! Entrem no jogo! – Num jogo em que não há restart – engoliu em seco David, ao olhar em frente para o caminho. – Diego e David vão na frente! Os jogadores são vocês… Quem tem que matar aquelas coisas são vocês... – ordenou Mari, olhando seriamente para Diego e David que ficaram muito espantados. – Como é que vamos matar aquilo? – perguntaram eles em coro, com indignação na voz. – Parece que nunca jogaram isto! Mais para a frente há umas flores; é só apanhá-las e já está! – esclareceu, já sem muita paciência, Salvador. – Eu… prefiro ficar só a desviar-me dessas coisas – disse David, mudando de assunto e, sem avisar, correu em direção ao piso alaranjado com os amigos a gritarem-lhe. Com esta ação de David, os amigos tiveram que ir atrás, pois o fundo ia desaparecendo aos poucos, à medida que ele avançava e corriam o risco de desaparecerem juntos com o fundo. David sempre fora muito bom a desporto. Então, desviava-se das criaturas com facilidade, umas vezes saltando, outras contornando-as… No fundo, David até se divertia com aquele “jogo”. Já Diego não gostava tanto. Não era muito apreciador de desporto e desviar-se daquelas coisas também não era muito fácil, ainda para mais porque David não facilitava, pois ia sempre no “acelera” e cada “animal” que ele saltava ficava mais furioso, indo com toda a força para cima de Mari, Salvador e David que ficavam lá atrás.

Mari e Salvador tentavam a todo o custo desviar-se daquelas coisas, Salvador um tanto mais desastrado do que Mari, tendo que ser salvo, às vezes, por ela de algumas bolas de fogo que eram lançadas de direções aleatórias ou de alguns martelos que caíam do 18


céu. Sem muito esforço, David conseguiu completar o mapa e todos aqueles animais estranhos desapareceram no mesmo instante, revelando mais atrás Mari, Salvador e Diego, ofegantes e suados de tanto correr. Mari estava prestes a dar uma pancada na cabeça de David por não esperar por eles, mas fora impedida por um barulho estrondoso na sala, e o cenário começar a ser destruído, por figuras quadrangulares que Salvador já vira antes. – Corram! – gritou Isis, empurrando novamente os quatro para dentro de outra porta que aparecera magicamente entre os quatro. Desta vez, eles encontravam-se numa sala branca. – O que… foi aquilo? – perguntou David, olhando aterrorizado para Isis. – Vírus… – respondeu Isis com um suspiro. – Eles sempre aparecem, não importa onde quer que seja, desde que sintam a presença de algo vivo, vão atrás, destruindo tudo por onde passam – ela fez uma longa pausa. – Foram eles que levaram a Eva. Fez-se novamente um momento de silêncio. – EEEEEEles m-ma-taram a – ia perguntar Mari, visivelmente afetada, mas foi interrompida por Isis. – Não! Credo! Nada disso! – cortou Isis, fazendo Mari e o resto do grupo soltar um suspiro de alívio. – Eva está bem. Está do outro lado desta porta – continuou, apontando para outra porta que estava um pouco mais afastada deles e que também ficava no meio da sala, iluminada delicadamente por uma luz um pouco mais fraca. – Eva está do outro lado, assim como a saída daqui. Vão em frente!

Os cinco entreolharam-se e, numa questão de poucos segundos, tinham todos corrido e aberto a pequena porta branca, vendose uma Eva, antes preocupada e assustada, agora feliz e alegre. Os cinco deram um enorme “abraço de grupo” que demorou 19


mais tempo do que necessário e, por um momento, parecia que a jornada teria acabado por aí. Estavam num lindo momento de “reencontros” e o “portal” que os levaria de volta a casa estava a uns poucos metros de distância. Isis apenas observava a cena de longe e ria consigo mesma por tudo ter acabado bem. Depois de muitos anos presa naquele lugar, iria finalmente voltar para casa. O momento de alegria foi interrompido por um estrondo vindo da porta. A mesma tinha sido derrubada e, aos poucos, ia desaparecendo em partículas pequenas, abrindo caminho para os tais “Vírus” que iam acedendo ao local aos poucos. – PARA O PORTAL! – gritou Isis o mais alto que pôde e logo os cinco amigos começaram a correr em direção à estranha máquina branca e redonda que se encontrava à sua frente. Os Vírus iam avançando muito depressa, mas Eva, Mari, Salvador, David e Diego já tinham entrado na máquina. Só faltava Isis. – Despacha-te Isis! – gritou Diego, preocupado com a nova amiga que estava mais atrás e que com a espada ia destruindo algumas das criaturas quadradas que aos poucos se iam desfazendo em partículas pequenas. – Não vai dar tempo! – gritou Isis de volta, enquanto lutava. – Vocês vão correr o risco de serem apanhados pelo Vírus a meio da passagem entre o portal! – continuou ela, olhando para o botão ao lado da máquina que tinha a função de a ativar. Diego já tinha percebido o que ela pretendia fazer. – Nem sequer penses nisso! – gritou Diego, entrando em desespero, mas era tarde demais. Isis já tinha atirado a enorme espada em direção ao botão, cujo cabo acertou em cheio no centro, acionando a máquina. Isis sorriu docemente uma última vez e uma fina lágrima des20


ceu-lhe pela face. A última coisa que os cinco viram foi as criaturas quadrangulares irem para cima da jovem, fazendo-a desaparecer entre eles. Dentro do pequeno compartimento em que iam os cinco, apenas o puro pânico e a tristeza reinava nos olhos de cada um. Eva chorava a um canto e Salvador consolava-a.

O momento do medo fora quebrado pelas palavras de David. – Ei! Olhem para cima – disse ele, chamando a atenção dos amigos e apontando para o teto que, aos poucos, ia desaparecendo em partículas brancas, juntamente com os corpos dos cinco. Uma enorme claridade fez-se naquele local. Acordaram os cinco nos mesmos lugares de antes: na mesa do laboratório, Salvador e Eva, sentados na cadeira em frente ao computador; Mari e Diego, com os papéis na sua frente; Salvador, em pé; o telemóvel de David, em cima da mesa. Todos se entreolharam e um sorriso se formou nos lábios de cada um. – Estamos de volta! – gritou Eva, dando um pulo da cadeira com os braços para cima, sendo acompanhada pelos outros quatro, seguidos de alguns berros de felicidade e alegria.

– Mas calma – falou Mari e o seu sorriso desapareceu aos poucos. – E a Isis? Todos se entreolharam de novo sem reação. Nesse momento, o telemóvel de cada um tocou. Era uma mensagem. E dizia: “Sempre aqui”.

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