Relatos de viagem 2017 - pedra-sabão

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Relatos de viagem - Grupo pedra-sabão Produto final do estudo de campo em Ouro Preto (2017)

Danilo Parisi, Mariana Groppo, Bruno Labate, Beatriz Orlando e Pedro Lucas Torres - 8° ano Ciências, Geografia, História e História da Arte Escola Miró - Ribeirão Preto/SP



Eu em 1752


Dia: 29 de Outubro de 1756 Olá, minha benção é Juan Garcia, tenho 35 anos de vivência e aqui irei escrever sobre o meu dia a dia. Hoje saí do país da España para me encontrar com o Novo Mundo, uma terra chamada de “Brasil”, um lugar distante que foi descoberto algumas décadas atrás. Ouvi muito a respeito quando minhas moradas eram em Portugal, lá pousei por vários dias e foi quando meu conhecimento alcançou o poder de falar a língua portuguesa que estou a escrever neste momento exato.

Dia: 25 de Dezembro de 1756 Não me aguento neste estado atual que agora me encontro. Vós já pensais como é horrível ficar em um local


Meu navio no novo mundo


onde balança a todo o tempo e a comida fica a guardar em qualquer lugar? Pois que vós não passais por processos assim e que estejais no luxo e no conforto sempre. Além dos meus ou nossos constrangimentos. Penso eu que tanta amargura na jornada tende a fazer esta peleja valer o preço custado, pois tenho muito ouvido falar de Vila Rica, o local onde habitarei. Lá, segundo as histórias, é um lugar muito bom para se extrair o OURO! Mas não é por esta causa que mudarei para lá. Pretendo aprender mais com os artistas daquele local, como se esculpir melhor e aprender mais sobre pedra-sabão, um mineral pouco conhecido em minha terra, na España.


Dia: 19 de Janeiro de 1757 Agora que me encontro em Vila Rica, só basta encontrar o que vim procurar, os escultores que fazem o estilo barroco, há muito desaparecido na Europa. Aqui é muito comum o trabalho escravo. Também fiquei encabulado de ver a quantidade de igrejas em um mesmo local, acho que nem na Itália é deste jeito. Só não encontrei ainda um tal de Antônio Francisco Lisboa que estão a falar que é muito bom de trabalho e se ele se animaria em me ensinar sobre a misteriosa pedra-sabão. Procurarei por ele com ajuda de meu amigo, que também é escultor - sua nação é Portugal, diferente da minha que é a España.


Trabalho em pedra-sabĂŁo


Dia: 23 de Janeiro de 1757 Hoje eu fui a uma missa na igreja da Nossa Senhora da Conceição e fiquei maravilhado com a sua arquitetura e o trabalho que os escravos aqui fizeram. Ficou muito bom! Pelo menos esses animais servem para alguma coisa. Gostei muito dos detalhes que tinha na pedra-sabão e vi como é fácil esculpí-la. Gostei dos maravilhosos detalhes em ouro, só não entendi por que os detalhes não eram em maciço já que estava a sair muito ouro das minas, segundo ao meu alcance de informação. Perguntei-lhe: “Porventura não estais a sair muito ouro das minas? Então porque os detalhes não são em maciço?”.


E ele me respondeu: “Por ventura eu sou o criador desta igreja? Então por que me perguntas?” Fiquei constrangido com sua resposta, mas não falei nada para não persuadí-lo à inimizade.


Um detalhe meu da igreja


Dia: 24 de Janeiro de 1757 Minha jornada continua, agora rumo à Vila de Congonhas, onde se encontra o Antônio Francisco Lisboa, também conhecido como “Aleijadinho”. Agora eu estou em Congonhas e o Antônio Francisco Lisboa não é como eu imaginava, ele é jovem e meio imaturo, mas ele é realmente bom, ele terá que ser meu professor. Dia: 25 de Janeiro de 1757 Estou a ajudar em uma construção que será um santuário e precisamos trabalhar muito e, mesmo com a ajuda dos escravos, o trabalho tende a ser lento e demorado. Enquanto nós esculpimos, Antônio faz a parte que exige maior precisão e habilidades, que será o


Jesus e outras figuras importantes. Dia: 22 de Março de 1757 Hoje o trabalho será duro, pois nós trabalharemos nos retoques finais da basílica do santuário, mas amanhã Antônio dará-me um descanso e voltarei à Vila Rica para conhecê-la melhor. Por aqui, ele já esculpiu três estátuas de profetas para o santuário. O trabalho está a render. Dia: 07 de Abril de 1757 Em minha estada em Vila Rica, conheci o dono da Mina da Encardideira, um tal de Chico Rei, um ex-escravo que comprou sua carta de alforria e dirigiu essa mina. Ele é uma figura simpática e é um bom homem, mas não deixa de ser um antigo escravo.


Dia: 30 de Abril de 1757 Estou com falta da España. Aqui no Novo Mundo é muito bom para se viver, mas não é como o país de origem. A única coisa que faz ficar no Brasil é Antonieta, uma bela dama por quem me apaixonei. Por sua causa, quero estudar um pouco mais no Brasil. Dia: 04 de Outubro de 1757 Finalmente após tantos meses tentando, consegui! Casar-me-ei com Antonieta no final da tarde, assim terei herdeiros neste Novo Mundo. Não desejo mais voltar para a España, meu lugar é aqui, e recebi muitas felicidades desta data tão especial. Pena que Antônio Francisco Lisboa não poderá vir ao


cortejo de meu casamento, mas muitos amigos hĂŁo de vir e cortejar este privilĂŠgio.

Eu, no meu casamento


Presente de Lisboa, um oratรณrio bem ornamentado


Dia: 09 de Julho de 1758 Hoje foi-se o dia mais feliz da minha vida! Nasceram Coimbra e Thiago, meus herdeiros (dois de uma vez!) para continuar escrevendo esse livro, mas o esconderei e deixarei um papel com uma pista para meus filhos saberem onde eu deixei este diário. Assim terminará a minha escrita e que minha geração seja próspera, e ela há de ser, amém!



Dia: 12 de Outubro de 2017 Meu nome é Luna Garcia e, recentemente, encontrei este diário de viagem do meu tataravô, Juan Garcia, e resolvi visitar Ouro Preto-MG para conhecer mais da cidade e da história de minha família. Eu moro em Camboriú-SC e tive que pegar um avião até Belo Horizonte-MG. Depois disso, fui de ônibus até rodoviária de Ouro Preto e tive que andar até o hotel onde eu iria ficar, já que é proibido cicular ônibus, caminhões e outros veículos de grande porte no centro da cidade, por ser uma cidade tombada como patrimônio e possuir pavimentação antiga . Já era bem tarde e eu estava cansada da viagem, então fui dormir assim que cheguei e contive a ansiedade para começar conhecer a cidade só no dia seguinte.


Dia: 13 de Outubro de 2017 Era meu primeiro dia oficial de viagem e tinha decidido conhecer as duas igrejas que tiveram a maior participação do trabalho de meu tataravô, que era artista: o Santuário do Bom Jesus dos Matosinhos e a Igreja Nossa Senhora do Carmo. Como sempre, subi e desci várias ladeiras para chegar à Igreja Nossa Senhora do Carmo, mas valeu a pena. Como praticamente tudo em Ouro Preto, ela é linda, mas o que mais me chamou a atenção foram os detalhes em pedra-sabão, que eu sabia terem sido feitos com a participação do meu tataravô. Depois de muito tempo na igreja, eu peguei um ônibus para ir até a cidade de Congonhas, onde fica o Santuário do Bom Jesus dos Matosinhos. Cada capela e cada estátua me deixavam mais orgulhosa das minhas origens,


pois eu sabia que meu tataravô tinha ajudado na sua construção, mesmo que fosse muito pouco. A igreja que tinha no topo era ainda mais emocionante, cada mínima parte dela era linda. Dia: 14 de Outubro de 2017 Eu já estava no meu segundo dia de viagem quando consegui ir a uma oficina de pedrasabão que tinha na cidade. Eu queria ficar o mais próxima possível da vida do Juan, o que significava que eu queria saber como era o trabalho dele. Eu aprendi sobre várias técnicas e instrumentos usados para esculpir a pedrasabão. Tudo parecia fácil demais quando o homem que estava me ensinando fazia, mas na prática era muito mais complicado do que parecia!


Minha mão escapou umas três vezes e, em uma delas, eu cortei um pouco meu dedo, mas nada muito sério. Depois de quase duas horas esculpindo, tudo que eu consegui foi um coração um pouco amassado, que estava muito estranho para poder ser dado de presente.


Comecei a valorizar mais o trabalho do meu tataravô depois disso. Com toda certeza era algo muito demorado e que precisava de muita paciência, e agora eu conseguia entender porque as igrejas eram tão demoradas de serem feitas. Depois de sair da oficina fui almoçar e subi uma ladeira enorme até a igreja da Nossa Senhora da Conceição, a igreja que meu tataravô frequentava quando estava vivo. Ela era realmente linda, mas infelizmente estava passando por um reforma e, por isso, eu não consegui ver muito do interior dela. Então, apenas fiquei olhando de fora e pensando em como era frequentá-la há muitos anos atrás.


15 de Outubro de 2017 Era o último dia completo que eu passaria em Ouro Preto. Então, eu o aproveitaria ao máximo indo de manhã à Mina do Chico Rei e à tarde na senzala da Casa dos Contos, dois lugares que eu estava muito ansiosa para conhecer. Depois de subir algumas ladeiras, que são extremamente comuns na cidade, eu cheguei no lugar onde ficava a mina. Admito que fiquei confusa. Pelas fotos que eu tinha visto, imaginei que seria um lugar no meio de uma pequena floresta, ou talvez em um jardim de uma casa cercada de árvores, mas era apenas uma entrada na parte de fora de uma casa, com todo o piso de cimento e sem nenhuma árvore.


Tive que colocar um capacete para proteger minha cabeça, o que foi muito útil, já que a batia o tempo todo, principalmente em caminhos estreitos. Eu ficava imaginando como seria bater a cabeça sem a proteção. O túnel da mina era pequeno, úmido e frio, mudando de tamanho em certos pontos. Foi horrível, eu só conseguia pensar nas pessoas escravizadas que fizeram tudo aquilo com as próprias mãos, sem ganhar nada em troca, e nas crianças que tinham que ficar naquele lugar desde cedo, só porque tinham uma cor de pele mais escura. Era tudo tão desumano. Não consigo entender como meu tataravô achava normal que seres humanos escravizassem outros seres humanos, e não entendo porque ele nunca fazia nada a respeito.


Eu entendo que ele vivia em uma época completamente diferente da que eu vivo, a visão de mundo dele era diferente, mas não dá pra aceitar que isso fosse considerado normal, não importa onde ou quando. Eu saí da mina prestes a chorar, era tudo triste demais. Depois de almoçar, fui caminhando até o lugar onde ficava a senzala, tentando me preparar mentalmente para o que eu veria. Não foi muito melhor que a mina, pois tinha o mesmo sentimento triste no ar. Era um lugar grande, talvez do tamanho de uma sala de estar, mas se você começa a pensar na quantidade de gente que dormia lá fica muito pequeno de repente. Haviam tantos instrumentos de tortura que eram usados nos escravos, um mais terrível do que o outro.


Lรก era frio, mesmo que o dia estivesse quente do lado de fora, o que me fez pensar em como deveria ser mais frio ainda nas noites de inverno. Fui dormir triste naquela noite.


16 de Outubro de 2017 E, finalmente, chegou o dia em que eu iria embora de Ouro Preto. Eu fiz as minhas malas sem pressa e fiquei pensando em como a minha visão de mundo tinha mudado depois daquela viagem. Eu tinha visto e ouvido tantas coisas que seria difícil não querer voltar no futuro. Quando voltei para a rodoviária eu era outra pessoa, uma pessoa melhor.






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