A SÉRIE AMNÉSIA www.bethbarone.com.br “A fotografia não embalsama o tempo, apenas o subtrai de sua própria corrupção. O desenho mais fiel jamais possuirá o poder irracional da fotografia que domina nossa crença.” André Bazin (1991) Nesta pesquisa procuro mostrar que a fotografia representa algo que não está mais presente. Ela funciona como uma guilhotina que interrompe o fluxo da existência, cujos traços ali registrados necessitam do imaginário para se completar. É um fantasma, uma espécie de aparição daquilo que foi, mas não é mais. A fotografia se assemelha ao material que vai se depositar no inconsciente freudiano: algo que fica soterrado e por vezes, recalcado, impedido de ascender à consciência por mecanismos de defesa variados. Quando ascende, retorna recriado, alterado pela criativa mente humana. A palavra Amnésia que dá título à série, faz referência à diminuição ou perda total da memória de um ser, devido a fatores como idade, doença, emoção, acidente ou delírio. Uma pessoa com amnésia não pode recordar o que lhe aconteceu no passado ou em algum momento específico da vida. A opção por produzir trabalhos que tratam a fotografia como um objeto que lida com a falta de memória, advém da ideia de que o ato de fotografar é semelhante ao ato de anotar, aquilo que Platão já desconfiava ser o veneno que oblitera a memória, a perversão da atividade de lembrar, mostrando-se, a seu tempo, resistente com os registros por escrito que começavam a tomar o lugar da tradição oral de transmissão de conhecimento. Para a constituição desta série utilizo-me de fotos de família. A ideia geral que norteia esse tipo de fotografia é a de tentar se obter uma imagem que transmita uma harmonia familiar, nem sempre real. Há como que uma opção por se fotografar aquilo que poderia valer a pena “preservar para a posteridade”. Em fotos anteriores à década de 1930/40 isso se torna mais acentuado, pois, devido à falta de câmeras em casa as fotos eram produzidas em estúdios, com os retratados usando roupas emprestadas, posando em cenários artificiais. No âmbito familiar essas fotos são vistas pelos próprios integrantes que tendem a olhar, como observou Barthes (1984), através dela, e não para ela, como se a fotografia fosse um objeto transparente, levando-as a identificar ali seus parentes, vivos ou mortos. Nesta série, os espectadores não terão a oportunidade de reconhecer as figuras retratadas. Elas funcionarão como um simulacro, pela semelhança com as fotos de suas próprias famílias, porém, o não reconhecimento dos sujeitos retratados, facilitará o olhar para a foto e não através dela. Para um observador comum, distante das reflexões sobre fotografia, fica fácil cair na armadilha de entender a imagem produzida como um objeto de memória confiável. Nesse particular, André Bazin (1991) esclarece que elas se tornam facilmente objetos de crença, relíquia ou fetiche afirmando que, mesmo sem nitidez, deformadas ou descoloridas, elas têm seu maior valor ligado à presença do modelo (pessoa, parente) que ali se encontra. Texto extraído da monografia “Fotografia e memória: a presença de uma ausência”, Beth Barone, 2013, que pode ser lida na íntegra no site: https://issuu.com/bethbarone/docs/tcc_beth_barone