Vigília

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VIGÍLIA www.bethbarone.com.br “Este trabalho – que reúne fotografias sequenciais de longa exposição do céu numa noite de ventania – estabelece uma relação com o tempo tanto no processo da tomada fotográfica, quanto na apresentação que remete aos frames cinematográficos. Nesse viés de corte temporal, as imagens acumulam os movimentos das nuvens, justamente esse elemento (nuvem) que, segundo Philippe Dubois (1994) – em sua análise sobre as nuvens fotografadas por Stieglitz na série Equivalências – ‘é antes de mais nada uma substância corpuscular sem contorno, sem forma definida, sem corpo próprio, uma espécie de véu, de cortina, um lençol de vapores, um condensado de auras – e sobretudo algo que não existe por si só. Ou seja, a nuvem só aparece como objeto visual (…) porque funciona como traço, como reflexo, como revelador de algo além daquilo a que está fisicamente ligada: por exemplo, a nuvem, ela própria incolor, é aquilo que, pela graça da reflexão, proporciona matéria à luz, a atualiza, a torna visível’. Nesse sentido, o fato das imagens terem sido obtidas com longa exposição, acentua esse efeito de véu, esse registro acumulativo, cujo resultado nos remete à pinceladas sobre papel. Leonardo Da Vinci escreveu em seus Cadernos: ‘para representar o vento, além do arqueamento dos galhos, representarás as nuvens’. A lua parada, também presente na maioria das imagens, ao contrário, possui materialidade e impõe sua presença, mesmo que temporariamente difusa por essa passagem. Ao final a lua se mostra como único elemento presente no infinito espaço vazio, ela é o que resta. No recorte espacial há duas abordagens que se misturam e se alternam. Há fotos com recortes fotográficos bem definidos nas quais a presença de um prédio ou mesmo da janela onde se encontra o observador – que vigia a lua e a passagem das nuvens – nos faz compreender a imagem como fotográfica, trazendo pistas, inclusive, de localização. Porém, há também imagens do céu nas quais o recorte fotográfico – sempre necessariamente finito, fechado e limitado – se dá num ‘espaço referencial (…) por definição completamente infinito, ilimitado, sem fronteiras e sem ponto de parada’, com a luz refletida difusa da lua como único referencial de apoio. No dicionário Aurélio a palavra ‘vigília’ significa: ‘1. Privação ou falta de sono; insônia, lucubração: “Cresce a noite, e a vigília cada vez mais acesa; sem dormir, sonha.” (Antônio Feliciano de Castilho, A Lírica de Anacreonte, p.14.) 2. Estado de quem, durante a noite, vela, permanecendo acordado; vela; velada: a vigília de uma sentinela’.” Beth Barone. “As nuvens são, de fato, um tema muito rico para exploração do conceito de imagem, leveza e forma. São, apesar de como postula Dubois, não apenas formas semivisíveis de topologia difusa, mas também um campo aberto à especulação subjetiva. A leveza que permite vermos distintas formas, algo como uma argila suspensa no céu a partir da qual a subjetividade modela segundo suas próprias leituras. No caso dessas imagens, há a deliberada dispersão das formas em superfícies lavadas. Como se a autora empunhasse pincel sobre aquela massa branca, impondo à imagem esse aspecto de algo que se espalha, que se derrama, ausente de volume. Curioso como o cenário da cidade, abaixo, muda. Fica mais sombrio, mais indeterminado. Parece transfigurar nuvem em neblina.” Bruno Melo Monteiro, mestre em História e Crítica de Arte pela UERJ.


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