risco meridiano no teu globo ocular

Page 1

RISCO MERIDIANO NO TEU GLOBO OCULAR

Thadeu Dias


meridian risk in your eyeball


Thadeu Dias

risco meridiano no teu globo ocular


A irradiação solar na superfície lunar

comporta-se diferente daqui onde existe um céu entre chão e imensidão Cada bandeira erigida na lua já encontra-se completamente desbotada alva como as flâmulas de trégua, como os lençóis de leitos de enfermaria como a espuma que junta à beira-mar Gritos y sonidos de pelea enquanto recolho-me para dentro do corpo e durmo chamam-me, sendo que por outros nomes recordo ser colheita de uma promessa, o meu nome o qual a mulher que eu amo acha muito bonito Te creo arrasta os longos pêlos sobre meu seio igual nuvem que passa fazendo sombra ou a cortina de uma precipitação pousa aqui mãos quentes como a superfície do sol um único dia da última quadra chuvosa reuniu 7500 raios nuvem-solo aqui no estado imaginação para dar carga à mil chuveiros elétricos no disparo de um dedo ou de um orgasmo tuyo o ar ao redor aquece e ilumina-se Quando estás ao mundo tenho vontade de estar também como o fora da tua casa e o fora da minha casa

4


The solar radiation on the lunar surface

5

behaves differently from here where there is a sky between ground and immensity Each flag raised on the moon is already totally faded white like the truce streamer, like the infirmary bed sheets, like the foam that joins by the sea Gritos y sonidos de pelea as I gather myself into the body and sleep they call me, but by other names I remember be harvest by a promise, my own name which the woman that I love finds very beautiful Te creo drags the long hair over my breast just like a passing cloud making shadow or the precipitation curtain land here warm hands like the solar surface one day only of the last rainy season gathered 7500 cloud-ground rays here in the state imagination for charging a thousand electric showers at the flick of a finger or an orgasm tuyo the surrounding air warms and lights up When you are on the world I want to be too like the outside of your house and the outside of my house


fossem o mesmo chão paisagem para além da intimidade: para que servem as ruas? você sonhou-me, sentiu-me chegar, cheguei pelo teu inconsciente a gente: fazendo do mundo um banquete a gente: o mundo inteiro nos bolsinhos dos olhos Houve um incêndio de madrugada em uma barraca de praia a fogueira imensa do Futuro queimando a propriedade privada quem está construindo edifícios não pensa em posteridade a maresia mais agressiva do mundo é aqui, dizem estudos de engenharia E se escrevermos excessivamente como quem das pernas retira os alicerces e falarmos como quem dos dedos espreme todo o oxigênio e embutirmos luzes nos olhos incandescentes e se bebermos os líquidos que não cessam de fugir dos céus para os céus das entranhas da terra Precisamos dizer e dizer sem medo que oferecermos o nosso despreparo e a nossa simplicidade é um ato fundante, é o cantar de pedras ou palavras dançando círculos, molhadas em suor e febris

6


7

were the same floor. landscape beyond intimacy: what are the streets for? you dreamed me, felt me coming, I came by your unconscious us: making the world a feast us: the whole world on eyes pockets There was a fire at dawn in a beach shack the immense bonfire of the Future burning private property who is building buildings doesn’t think about posterity the most aggressive sea air in the world is here, say engineering studies And if we write excessively, as who removes from legs the foundations and if we talk like those who squeeze all the oxygen from fingers and embed lights in the incandescent eyes and if we drink the liquids that never cease to escape from the heavens to the heavens from the bowels of the earth We need to say and say without fear that we offer our unpreparedness and our simplicity it’s a founding act, the singing of stones or words dancing circles, wet in sweat and feverish


a boca encarnada de um vulcão que ganha alturas fome muita é chuva que dá no mar de madrugada não imaginar a pergunta: o que você faria diferente ou se faria tudo de novo não ler novamente esse poema nunca mais.

8


the incarnate mouth of a volcano that gains heights very hungry is rain that falls into the sea at dawn do not imagine the question: what would you do differently or if you would do it all over again do not read this poem nevermore.

9


Acordei o Sol com o perfume do mangue

umedeci a sede das pequenas suculentas ao cedo do dia pus em vibração os cristais enfurnados entre as jibóias então abri os olhos, um de cada vez percebendo a consciência tão alva após passar noite lavando-a com mãos escuras de sono Toda manhã reafirmo minha cama, feito exercício de monge ou monja em tradução de quem põe mesa para fazer desjejum ou quem alerta o bicho-batimento para pô-lo a trotar cercania ou como quem lavra um solo cansado para a próxima colheita sobram lembranças frágeis de paisagens de sonho e pesadelo Ponho em oração o que está em nós e não sabemos o que encontra-se além de nós e em nós teve gênese monstrinhos filhotes que multiplicam-se absortos Trago cheiros de embalar distâncias atiço fogo, que nos é sangue solar signo de vulcão rastro de marcação de livro, boca de bruxaria mão de alimento, fogo que alivia as dores e prepara o terreno de presente-prenhe O oráculo que fiz a carvão moveu-se três vezes sobre a bancada

10


I woke up the Sun with the mangrove scent

11

I moistened the thirst of small succulents earlier I made vibrate the crystals hole up between the snakes so I opened my eyes, one at a time realizing how much snow-white is the awareness after spending the night washing her with dark hands of sleep Every morning I reaffirm my bed, like monk or nun exercise in translation from who sets a table for breakfast or who warns the animal-beat to trot around or like who work a tired soil for the next harvest fragile memories remains of dream and nightmare landscapes I put in prayer all that is inside us and we don’t know what is beyond us and inside us there was genesis absorbed little monsters puppies that have multiplied I bring smells that cradle distances I fan fire, which is solar blood volcano sign track of bookmarking, witchcraft mouth, food hand, fire that relieves pains and prepare the land of present-pregnant The oracle that I made with charcoal moved three times over the bench


ao modo de um aceno ou de cascos inquietos no peito ou patas largas peludas que perscrutam os futuros possíveis até nadadeira de peixe vi nessa resposta de cartas tocando a superfície de um desejo que nasceu rápido e já tendo de si tanta propriedade Consigo suportar ao temor lavando vegetais em água corrente acariciando o que é liso, o que é nervura, lhes pondo de molho observando os frutos que a terra oferta ainda que tão ferida em generosidade Preparo alimentos com a imagem de caldeiras que tu ensinou ponho intentos, choro pequenas magias e águas de fundo de piscina raízes e caules de um jardim entregue ao autofecundo tu te revira no passado e te revira no futuro habitando inesperadamente a máquina do tempo que é uma máquina que faz uma função só entre memória e descobrimento Te derreto pavis e parafinas ao modo de molhar meninas ou meninos recém-nascidos líquidos em pleuras coágulos cardíacos arcos aórticos ou de fazer asseio em uma mãe senil cansada Eu banho de ervas e palavras o amor da minha vida chá branco e gengibre

12


13

like a nod or restless chest hulls or long hairy paws wich sound out possible futures even fish fin I saw in this tarot card answer touching the surface of a desire that was born fast having so much self-owned I can stand the fear washing vegetables in running water touching what is smooth, whats is rib, put them for soaking watching the fruits that the land offer even though so injured with kindness I prepare foods with the image that you teach me I put attempts, I cry small magics and pool bottom waters roots and stems from a garden delivered to self-fund you turn in to the past and you turn in to the future unexpectedly inhabiting the time machine which is a machine that does a single thing between memory and discovery I melt you wicks and paraffins as if I was wetting newborn girls and boys fluids in pleuras heart clots aortic archs or as if I was clean a senile tired mother I clean with herbs and words the love of my life white tea and ginger


aprendendo a sentir alguma fortaleza neste ritual de preparo e despedida que tem uma função só.

14


learning to feel some fortress in this preparation and goodbye ritual which has the same function.

15


Minha avó é um murici

Foi corpo de dedos canelas e sovacos por umas décadas desconheço sua voz conheço-lhe os frutos de murici e sua folhagem Vovô cantava às lagoas mansas cantava até às poças de água A avó de uma leoa noturna que abraça-me e devora-me é um lago enorme e bonito, dentro de uma ilha dentro de um mar dentro de um carinho de neta leoa Seu avô inventa salas de música e inventa resiliência audiofilia que ausculte o mais íntimo encanto Nossos avós habitaram o mesmo chão Massapê em algum mesmo momento mesmas cercanias estivemos próximos em outros corpos quando ainda nem éramos os nossos Olhe para mim: peixe cavalo hipocampo prenhe de filhotes no profundo da abertura quente galopo paredes ardiloso mergulhando até o centro do que é terra do que é chão nas guelras a respiração do magma

16


My grandmother is a murici

17

Was body of fingers, legs and axillas for decades I don’t know her voice, I know her murici fruits and the foliage My grandpa sang to calm lagoons, sang even to the puddles The grandmother of a night lioness that hug me and devour me Is a beautiful and enormous lake, inside a island inside a sea inside a granddaughter lioness affection Your grandfather invent music hall and invent resiliency audiofilia that listen to the most intimate charm Our grandparents inhabited the same ground Massapê in the same time the same vicinities we were close in other bodies, when we weren’t even ours Look at me: fish horse hippocampus pregnant of puppies deep in the hot opening I gallop walls tricky diving in to the center of what’s land, what’s ground in the gills the magma breath


e a não-respiração Acordo Ser agredido e agredir sem perceber à luz, bichos que estranham-se após tanta lambida cheiro e achego Adocicado como pedra que resiste à erosão o erotismo do perdão instalar o silêncio: das crateras de meteoritos praticar o estrondo: da linha de costa Breve muito breve a praia será outra feito os sonhos que mamãe repetidamente vive, as ruas para que servem desconhecidas, o retorno os pés desabitou Cambia todo cambia casa já tem sido tantas e não mais para a janela e o céu miram os sonhos após virar a cama para a crença no misterioso e no desaprendizado O corpo para ir-se como uma casa precisa de sonhos lembrar quase como esquecer Algum animal dentro de nós sente como os outros animais pressentem o hábito do chão e o súbito desterro ao largo do vento e ao fino das vontades perdido em algum lugar

18


19

and the no-breath I wake up To be beaten and to assault without noticing in light, animals that feel weird after so much licking smell and cosiness Sweety like stone resisting erosion, the eroticism of forgiveness To install the silence: of meteorite craters To practice the bang: from the shoreline Brief very brief the beach will be another like the dreams that mommy lives repeatedly the streets what are worth for unknown, the return uninhabited the feets Cambia todo cambia there have been so many homes and no longer the dreams look at the window and the sky after turning the bed for the belief in the mysterious and unlearned The body to go away like a house needs dreams remember almost how to forget Some animal inside us feels like the other animals sense the floor habit and the sudden exile along the wind and in the hearth of the wishes lost in somewhere


Cada vez mais, ser feral lembra-me ter amor muito cordial guarda a pulsão inesperada do radical latino dócil sem domínio, coração-coice.

20


Increasingly being beast remember me having so much cordial love the unexpected pulse of the latin radical sweet without domain, heath-kick.

21


O vendedor de cocos e o pescador

os dois: homens na areia da brancura quente segunda-feira que amadurece pedem-se desculpa meu amor não é assim que se diz que se canta aquela música venha aqui meu amor Até que um erode-se sobre o colo do outro negro brilhante molhado coberto com manga longa calça e diria meu avô: nu da cintura para cima Entre as ilhas de gelo e coco, eles: paisagem e mais ao nível do mar junto a mim um saco pousado ao chão com muito jeito, feito um santo sudário oferece trombetas cavalas sardinhas uma circunferência prateada O corpo nosso, observador o corpo da obra o terceiro corpo o que surge, este lugar de encontro Existe espécie de hipocampo japonês chamada Japapigu vive no Pacífico noroeste perto da costa, e seu tamanho máximo é menor do que um grão de arroz comum Daniela disse-me da Jamaica

22


The coconut seller and the fisherman

23

both: men in the hot whiteness sand monday that matures ask each other sorry my dear that’s not the way to say it that’s not the way to sing that song come here my dear Until one erodes on each other’s lap black bright wet covered with long sleeve, pants and my grandfather would say: naked from the waist up Between the ice and coconut islands, they: landscape and more at sea level next to me a bag landed on the ground very cleverly, just like a holy shroud offers trumped mackerels sardines a silver circumference A body ours, observer The work’s body the third body what arise, this meeting place there is a kind of japanese hippocampus which is called Japapigu lives on the northeast inshore Pacific. and their maximum size is smaller than a common grain rice. Daniela told me about Jamaica


do mar aberto e dos ilhéus é dado conhecido que não se saiba nadar ou boiar na Jamaica o tesão dos corpos espero que fuja sempre do que ja sabemos e haja pele de mundo que atrite pele de gente haja onde afundar o tempo e fundar outra velocidade Água fria cerra os poros à superfície da pele enquanto a quente expulsa-me as tintas de feridas recentes que fiz para ter os sonhos conscientes no solo muscular pulsantes tesos queimados e em repouso ensinando-me pelo exemplo da troca de temperaturas Os rasgos nos aproximam à um lar que pode ser nosso próprio corpo e o gesto produzido ao nos alimentarmos de sonhos ao vivermos o sexo e o prazer no devido lugar de magia Poesia invocação do que estava oculto feitiçaria das brabas fecharmos os olhos para lermos palavras corporais produzirmos escrita que cubra os olhos os deixando abertos Pensar este gesto como um desenho seguir caminhos que não se saiba aonde levam

24


25

about the open sea and the islanders it’s a known fact that no one cannot swim or float in Jamaica I hope that the body’s desire always runs away from all we already know and let there be world’s skin that rub people’s skin and let there be where to sink the time and finding another velocity Cold water closes pores on skin surface while hot water drives out recent wound inks that I’ve made for having the conscious dreams on muscle ground pulsing stiff burned and at rest teaching me by example of temperature exchange Tears bring us closer to a home that can be our own body and the gesture produced while we feed the dreams living sex and pleasure in their proper place of magic Poetry invocation of what was hidden hard witchcraft We close our eyes to read bodily words We produce writing that covers eyes let them open Thinking this gesture as a drawing Following roads which we don’t know where to they lead us.


confiar a imprevisão virar bicho, ter linguagem de bicho, furar o chão dançar estranho & na estranheza ver sensualidade exalar coragem ventre e ventrículo corar o medo e perpetuar outra mitologia ferir sua malícia, preenchê-la de paisagem Incorpora-la a dois e às claras. 26


rely on unpredictability turn into animal, having animal language, to drill the floor to dance weird & in strangeness see sensuality to exhale courage womb and ventricle blush fear and perpetuate another mythology hurt its malice, fill it with landscape Incorporate into two and make it clear. 27


Thadeu Dias nasceu na cidade de Fortaleza - CE. Graduado em arquitetura, atualmente cria imagens em superfícies a partir do gesto, dá corpo à objetos e instalações e também escreve, que é como fazer um corpo: utiliza muitas linguagens. Isso tudo parece estar encaixando-se entre os lugares onde o trabalho se sustenta enquanto luta política, predisposição e modo de amar.

Thadeu Dias was born in Fortaleza (Ceará - Brasil). He is graduated in Architecture and Urbanism and currently produces images on surfaces from the gesture, giving body to objects and installations. He also writes, which is an activity just like making a body: using many languages. All of this seems to be fitting among the places where the work supports itself as a political fight, a readiness and a way of loving.



B898r BRUNO, Thadeu Dias. Risco meridiano no teu globo ocular / Thadeu Dias Fortaleza: nadifĂşndio, 2019. 32 p.

ISBN: 978-65-80574-08-7

1. Literatura brasileira 2. Poesia I. TĂ­tulo


Capa & Projeto gráfico Bianca Ziegler Tradução BIanca Ziegler Revisão da tradução Fernanda Meireles Editora nadifúndio nadifundio.com 1ª edição 2019


impresso de forma artesanal na cidade de fortaleza em setembro de dois mil e dezenove




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.