Bordado e poesia - João Cabral de Melo Neto

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João Cabral de Melo Neto

Oficina:

Bordado e Poesia

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“Sol”, “mineral”, “geometria”, “pensamento”, “claridade”, “praia”, “arquitetura”, “pedra”, “rio”. Essas são palavras que vão compor o léxico poético principal do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, principalmente a partir da publicação do seu terceiro livro de poemas, denominado “O Engenheiro”, em 1945. Considerado por muitos como o poeta anti-lírico, melancólico ou sem-alma, João Cabral era, na verdade, o “poeta do menos”, tal como definiria Antonio Carlos Secchin, em seu livro “Uma fala, só lâmina”, com estudos aprofundados sobre a obra completa desse poeta. Amante do silêncio, dizia que seus poemas eram feitos para serem lidos em silêncio e não declamados. Numa fora afeito à música, e por isso também dizia ser impossível para ele produzir sonoridades musicais por meio da poesia. Esperava do seu leitor uma postura concentrada, de esforço, que exigiria releitura e idas e vindas sobre o texto. Não tinha a intenção de divertir com a poesia, mas de “dar a ver o mundo”. A arte para ele era construção, trabalho duro, e estava muito mais próxima do esforço do artesão do que da inspiração dos loucos, dos gênios ou dos apaixonados. Rebelava-se contra a indolência da inspiração para buscar um trabalho intelectual - a fabricação do poema -, que acreditava mais próximo do trabalho braçal. Mas tinha nessa atividade o cuidado de um artista manual, de um artesão de palavras.


Pequena Ode Mineral “Para mim, a poesia é uma construção, como uma casa. Isso eu aprendi com Le Corbusier. A poesia é uma

Desordem na alma
 que se atropela
 sob esta carne
 que transparece.

Procura a ordem
 que vês na pedra:
 nada se gasta
 mas permanece.

Desordem na alma
 que de ti foge,
 vaga fumaça
 que se dispersa,

Essa presença
 que reconheces
 não se devora
 tudo em que cresce.

informe nuvem
 que de ti cresce
 e cuja face
 nem reconheces.

Nem mesmo cresce
 pois permanece
 fora do tempo
 que não a mede,

Tua alma foge
 como cabelos,
 cunhas, humores,
 palavras ditas

pesado sólido
 que ao fluido vence,
 que sempre ao fundo
 das coisas desce.

que não se sabe
 onde se perdem
 e impregnam a terra
 com sua morte.

Procura a ordem
 desse silêncio
 que imóvel fala:
 silêncio puro.

Tua alma escapa
 como este corpo
 solto no tempo
 que nada impede.

De pura espécie,
 voz de silêncio,
 mais do que a ausência
 que as vozes ferem.

composição. Quando digo composição, quero dizer uma coisa construída, planejada de fora pra dentro. Ninguém imagina que Picasso fez o que fez porque estava inspirado. O problema dele era pegar a tela, estudar os espaços, os volumes. Eu só entendo o poético neste sentido. Vou fazer uma poesia de tal extensão, com tais e tais elementos, coisas que eu vou colocando como se fossem tijolos. É por isso que eu posso gastar anos fazendo um poema: porque existe planejamento.”


Um pouco sobre o poema…

Quando Cabral produz essa Ode Mineral, traz a polarização entre um delírio próprio do humano, que se apresenta na própria descrição da fuga da alma. A alma foge misturada ao corpo, com humores, unhas, cabelos… quando se está em luta com a contingência/circunstância, se perde o chão, confunde-se tempos e espaços, realidade e delírio. Daí a importância de se buscar “a ordem que vês na pedra”. A pedra, esse sólido pesado, que busca o chão pela gravidade, tem muito a ensinar pelo silêncio, pelo controle das emoções que não podem escapar pelos poros do corpo, pela relação com o tempo da existência, já que “permanece fora do tempo que a mede”. Um contato profundo com o espírito e com a autoridade de si mesmo. A pedra nos ensina sobre a necessidade de fundar-nos a nós mesmos, diante do essencial que nos constitui e da contingência que nos atordoa. Cabral tem como princípios o autocontrole, a busca do essencial, o planejamento das ações, o corte dos excessos. Nesse poema, nessa lógica da pedra, esses elementos saltam aos olhos como forma de educar a presença na realidade. Sobreviver à contingência significa aprender a ser pedra: esse mineral é, na linguagem poética, a ordem que se opõe à desordem expressa pelo corpo humano. A busca pela gravidade, uma “escavação do real”, de acordo com Secchin.

Fotos de Bia Padial - Serra da Capivara/ PI -


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Foto de Zeljko Mihajlovic - Bósnia - sem data.

Retirado de www.pinterest.com


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