BRUNO LAVOS MARQUES
O fim da humanidade seria uma sociedade que perdeu sua mem贸ria. The end of humanity would be a society which has lost its memory. Ilya Prigogine
Passaram quase 10 anos desde que o novo edifício da Biblioteca entrou em funcionamento no Campus da FCT-NOVA. Livros e acervos de diversos pólos do Campus encontraram um espaço multifuncional... um espaço que encara o futuro com a perspetiva de uma Biblioteca de dupla valência… a Biblioteca no sentido mais direto do termo… e uma Biblioteca que, para além dos livros, acervos, lançou um vasto programa de atividades e criou uma interface cultural com quem vive na (e com quem passa pela) Faculdade. A sala de exposições e o auditório tornaram-se pontos centrais, onde múltiplos eventos aconteceram. Após primeiros (e tímidos) passos dados com atitude de tentativa/erro, o espaço foi albergando processos imaginativos e criativos que passaram a ser expectantes desafios... Naturalmente, este espaço procurou ser, também, uma “rampa” de lançamento para jovens artistas que, aqui, puderam encontrar espaços expositivos para as suas obras, produzir catálogos e criar públicos. A generosidade, criatividade e originalidade destes artistas tem oferecido um leque de propostas de ampliação das visões (e vivências) artísticas dos habitantes do Campus e da comunidade envolvente.
Oriundos de locais e movimentos artísticos tão vastos quanto diversos, vários autores foram ocupando o espaço: 2009 “Do Robots have electric dreams?” Carlos Sousa | 2010 “A casa das duas portas” André Banha | 2011 “Debuxo” André Graça Dias | 2012 “Barracas” Pedro Telmo Chaparra | 2012 “Luz/Acção” Jorge Maciel | 2013 “Relatos canónicos da paixão e da carne” Tiago Pimentel | 2015 “Sombras de uma essência” Hugo Lami, a que se têm juntado, nos últimos 5 anos, propostas expositivas de alunos finalistas do Curso de Mestrado em Vidro da VICARTE (DCR-FCT-NOVA). Em bom rigor, tudo começou em 2008 com uma exposição que marcou a ideia/plano diretor imaginado: “Push & Pull” de Bruno Jamaica. Uma exposição que marcou o espaço e a memória do Campus. Em 2016, Bruno Lavos (o mesmo Bruno Jamaica) regressa a este espaço, após reconhecido trajeto de sucesso, particularmente no Reino Unido. De desafio em desafio, vivendo expectativas e tentativas, fica a convicção de que a Biblioteca do Campus da FCT-NOVA contribuiu, de múltiplas formas, para o crescimento do Campus, dos seus habitantes e comunidade envolvente e, simultaneamente, para crescentes percursos artísticos de quem aqui encontrou uma “casa”...
José J. G. Moura Diretor Biblioteca FCT-NOVA Fernando Santana Diretor FCT-NOVA
Exposição Push&Pull, agosto 2008
In 2014, the world’s population living in urban areas exceeded those living in rural ones for the first time in the history of humankind. The beginning of our present century is characterised by alterations to our modes of existence and to human relationships in general in consequence of this novel demographic circumstance, alterations whose global logic has wreaked havoc on the reality of local needs and identities.
Em 2014, pela primeira vez na história da humanidade, a população mundial que vive em áreas urbanas superou a outra metade que vive em zonas rurais. O início deste novo século é marcado por este advento com consequências que têm vindo a alterar o modo de vida e as relações humanas, seguindo uma lógica global em detrimento da identidade ou necessidades locais.
Virtual reality has brought with it profound modifications to the way human beings interact. The time-space relationship, which until recently obeyed a law of proportionality, is henceforth destabilised.
A virtualização produz uma profunda modificação na maneira como as pessoas se relacionam. A relação tempo e espaço, que antes obedecia a uma proporcionalidade, agora é instável.
If, on the one hand, the abundant stimuli stemming from information in the guise of digital data proliferate without temporal and/or spatial restrictions, memory, on the other, has become a concomitantly more precious good. According to the Russian scientist Ilya Prigogine, “the end of humanity would be a society which has lost its memory.”
Se os estímulos de informação proliferam sem limites temporais ou espaciais, tornando-se muitas vezes excessivos, a memória torna-se um bem maior. Para o cientista russo e Prémio Nobel, Ilya Prigogine, o fim da humanidade seria uma sociedade que perdeu a sua memória.
Prigogine reminds us of the ever greater value of memory as a good to which, in future, many of us will have little or no access in a world where everything is fast becoming discardable.
Prigogine aponta para uma valorização cada vez maior da memória como um bem ao qual muitas pessoas terão pouco acesso num futuro em que tudo é descartável.
Travelling in the twenty-first century has in turn become a strange experience, to say the least: everywhere I go, global growth goes with me... Global growth encompasses a destructive force. Prosperity under capitalism has multiplied the instances of atrocity committed against citizens as well as against the natural resources in the form of unsustainable patterns of consumption. Our natural world is now seen as relevant solely in terms of tourism; the process of gentrification now reigns unchallenged in our cities.
Viajar no século XXI passou a ser uma experiência no mínimo estranha… Para todo o lado onde vou, o crescimento global vai comigo. Este tornou-se numa força destrutiva. A prosperidade do capitalismo aumentou as atrocidades ao cidadão e a exploração excessiva dos recursos naturais... O meio ambiente tem importância apenas turística e a gentrificação domina as cidades.
Our proposal in this new installation seeks to speak though and to individual memory, specifically, in terms of the significance of creating a uniqueness of place, i.e., a kind of temple linking and underpinning issues of contemporary life and our emerging global identity.
A proposta apresentada nesta nova instalação fala, através da memória individual, sobre o gesto de construir um lugar único, um templo de ligação entre a vida contemporânea e uma identidade global. Bruno Lavos Marques
At a first glance, we can frame the work of Bruno Lavos in a relatively recent artistic trend. It reflects an expression of sensitivity to the environment, which surrounds us and a deeply ancestral human desire: to inhabit the world. Both the most exciting street art and the most critical ‘urban art’ are an art of the street, the imagining and shaping of civic life in order to express denouncements, anxieties and utopias. They provoke the gaze, saturated with the excesses of images, thus questioning the state of alienation we are so often exposed to. With this increasingly popularized art form, creation becomes a rehearsed dialogue in public space, both vernacular and common. It offers us the pleasure and the surprise of becoming citizens – proud of our biographies and conscientious of our opinions, aware of our needs and committed to the fulfillment of our desires.
Tribos, entangled (by Bruno)
Tribos, entangled (by Bruno)
This exhibition puts together a collection of architectural figures representing the city concepts and globalization as a whole, as a result of a period of my life touched by seven years of living in London, traveling around the world and artistic residencies in places such as Berlin, Madrid, São Paulo and Taiwan. Moreover, these macro environments expand and are the point where the energy explodes into a spatial drawing.
Esta exposição reúne uma coleção de desenhos sobre a cidade e a globalização como resultado de um período da minha vida marcado por sete anos de vida em Londres e de viagens pelo mundo e residências artísticas em lugares como Berlim, Madrid, S. Paulo e Taiwan. Por outro lado, estes macro ambientes expandem e são o ponto onde a energia explode para um desenho espacial.
My work speaks of a new form of sculpture made into an installation through movement. I dream of a space, open to experimentation, to touch and interact with the viewer. Bruno Lavos Marques
O meu trabalho fala de uma nova forma de escultura transformada em instalação através do movimento. Eu sonho com um espaço aberto à experimentação, ao tacto e à interacção com o espectador. Bruno Lavos Marques
When art encounters the City, we can find heroic figures that have become stars, but also more or less anonymous urban workaholics that contribute to a sense of plurality. All of them however, are under the risk of becoming an epiphenomenon with no real power for change. Bruno, in this context, does not give up the city as a fundamental set for the affirmation of its own language. On the other hand, and in a single gesture, he defines the city as a system, with its own weaknesses, but not without underlining a positive note. His realism is without pessimism, and above all an unstoppable force of know-how, a refined technique
À primeira vista, a tradição artística na qual podemos inscrever o trabalho do Bruno Lavos é relativamente recente. Mas este é ao mesmo tempo a expressão de uma sensibilidade para com o meio em que vivemos que reflecte anseios profundamente antigos da humanidade: habitarmos o mundo. Tanto a street art mais empolgante como a ‘arte urbana’ mais crítica são uma arte da rua, o imaginar e enformar da vida cívica exprimindo denúncias, ansiedades, utopias. Provocando o olhar anestesiado pelos excessos das imagens, questionando o estado de alienação para que somos tão frequentemente atirados. Com esta cada vez mais popularizada forma de arte, a criação tem-se tornado diálogo ensaiado no espaço público, quer com o vernacular e o comum, quer com o que, nos surpreendendo, nos devolve o prazer de sermos cidadãos – nos melhores casos, briosos das nossas biografias, ciosos das nossas opiniões, conscientes das nossas carências, empenhados na realização dos nossos desejos. No campo artístico que tem assumido o encontro da arte com a Cidade, encontramos heróicas figuras que se tornam stars, destacando-se de mais ou menos anónimos urban workaholics que, ‘abaixo do radar’, contribuem igualmente para uma ideia de pluralidade que porém corre o risco de se tornar epifenómeno do estado a que isto (tudo) chegou e cada vez menos força de mudança. Ora Bruno é, neste quadro, alguém que, por um lado, não abdica da cidade como medium fundamental para a afirmação da sua linguagem. Por outro, e num mesmo gesto, fala da cidade como sistema, explicita fragilidades no seu funcionamento, rematando o seu discurso com uma nota resolutamente positiva. Todo o realismo,
that turns “strokes into spaces” and “territories into images”. Drawing becomes installation. In other words, if the movement of urban art is, in general, clearly ‘friendly’ to the language of the so-called social networks, flirting with the communicative rhythms of instagram and facebook, it is urgent to consider no less valid the promotion of a wide aesthetic sensibility of the ‘things of the world”. The work of Bruno Lavos the Artist Formerly Known as Bruno Jamaica - is in these terms absolutely specific (has a style) and simultaneously translates an artistic ethic which has a universal appeal in its straightforwardness (Bruno is not a man of great speeches, preferring the silent virtues of his intimate dérive). Summing up, in his oeuvre the tactical simplicity of the processes and materials is there to allow a generous and disinterested path to appear. It leads us to a world the size of the imagination. In short, when the proposal of this exhibition arrived to our screens, I could only smile. Bruno is very demanding when it comes to involving the viewer. His objective is to communicate the essence of the environment less as a mere show-off - ‘experience design’ - but as a genuinely playful intervention. This is his way to approach urban matters (including buildings, parks...) in a ludic way. Lavos is just having fun.
nenhum pessimismo, e sobretudo a força imparável do saber-fazer – no caso, uma apurada técnica de desenho-instalado que transforma traços em espaços e territórios em imagens. Por outras palavras, se o movimento da arte urbana é, de uma forma geral, claramente ‘amigo’ da linguagem das ‘redes sociais’, flirtando com os ritmos comunicativos de instagrams e facebooks, urge considerar-se não menos válida a criação – mais complexa e, ao limite, contracorrente – de uma ampla sensibilidade estética para as ‘coisas do mundo’. A obra de Bruno Lavos – the Artist Formerly Known as Bruno Jamaica – é nestes termos absolutamente específica (tem um estilo) e, simultaneamente, traduz uma ética artística com carácter universal na sua straightforwardness (até porque Bruno não é rapaz de grandes falas, preferindo as virtudes silenciosas da sua deriva íntima). Com tudo isto diga-se que na sua obra – sim, é inequivocamente já de uma obra que se trata – a singeleza táctica dos seus processos e materiais serve plenamente, e sem hesitações de qualquer espécie, um percurso generoso e desinteressado. Uma imaginação do tamanho do mundo. Em suma, quando nos chegou a proposta desta exposição aos nossos écrans – nuns renders de radical à-vontade perante as contingências de produção que estes projectos sempre implicam – só pude sorrir. Porque se Bruno é exigente no definir de um sentido público para a obra – um cuidado em envolver o espectador –, sabe ao mesmo tempo que é fundamental comunicar-se a essência dessa envolvência menos como mero show-off – ‘design de experiência’ – que como genuína intervenção lúdica, e portanto pedagógica, na matéria urbana (incluindo edifícios, parques…). Lavos anda a brincar com isto tudo.
Nearly ten years ago, Bruno started to be known in Caldas (School and City), becoming noticed for his very personal vision of land art: a radical freedom to relate everything to everything through a material - the stretched elastic - that he would make his own; and the activity of drawing - through which he developed a sort of low res territory of pictograms. This mix consistently carried out in Portugal and abroad, in very different cultural contexts, allowing him to have a place in the competitive scene of contemporary art. The naive drawing, along with colorful experiences in screen printing - Bruno was a very active editor during its maturation in our School -; minimalism as updated in the forest (or in empty spaces in the city), the performing operations (solo or in groups, always in an absolutely pragmatic approach of the immediate reality), turned his career into a continuous grapho-visual research that seduces us for its sheer presence.
Global Village Organic Paraíso Objectos encontrados, desenho e impressão digital sobre aluminio. 47(L)x40(P)x50(A)cm
It was precisely this communicative ability that stood out in the ambitious intervention Bruno did in the FCT-NOVA Library in 2008. With that work, I had my first opportunity to curate a solo exhibition. I had the luck to see Bruno make a self-portrait of enormous resilience to the oversimplification with which artists have so many times to deal. The work was a very assertive rhetorical gesture and lasted in everyone’s memory. Bruno became one of the most cherished memories of what I like to call the ‘Tate Modern’ of Caparica.
Há quase dez anos atrás Bruno era um ilustre conhecido das Caldas (Escola, Cidade), cadinho de criação, laboração e inovação artística onde se notabilizou com a sua visão muito pessoal da land art: uma radical liberdade para relacionar ‘tudo com tudo’ através de um material – os elásticos esticados – que tornou seu, e de uma profíqua actividade de desenho, tanto de pequena como de grandes dimensões, caracterizada por um carácter identificável, não longe de uma espécie de iconologia pictogramática low res. Este mix, continuamente apurado em Portugal e no estrangeiro, em muito diferentes contextos culturais, veio a definir-lhe um lugar absolutamente seu na competitiva cena da arte contemporânea. O desenho naïf, a par de coloridas experiências em serigrafia – Bruno foi um irrequietíssimo editor durante a sua maturação na nossa Escola –; o minimalismo conforme actualizado na floresta (ou nos vazios da cidade, o que vai dar ao mesmo!), as acções performativas a solo ou em grupo, sempre numa abordagem absolutamente pragmática da realidade mais próxima, têm feito do seu percurso uma contínua interpelação grafo-visual que nos seduz não por se colocar ‘em bicos de pés’ ou de parte (como faria um eremita), mas por demonstrar, na evidência do encontro convivial, que certas obras são bem mais públicas e nossas que tantas outras. Foi precisamente esta capacidade comunicativa que se destacou na ambiciosa e ao fim e ao cabo provocatória intervenção de Bruno na Biblioteca da FCT-NOVA em 2008. Nessa obra, em que tive a minha primeira oportunidade para realizar a curadoria de uma exposição individual de um artista, vi o Bruno não apenas fazer um autorretrato de enorme resiliência ao simplismo com que encaramos os artistas, como ‘perturbar’ definitivamente o espaço com um gesto de tal forma retórico
For many reasons it was nice to come back to the crime scene. Now, with an entire aesthetic fully developed, but not yet reified as a ‘maniera’. In a field saturated with quotations, irony and cynicism, Lavos stands for a gradual and continuous research where honesty and humanity meet an irreverent disquiet. After all, what would be the art (in the city) if not commitment, empathy, plays and sharing? In short, this new exhibition by our Bruno - as ‘our’ Moura frequently calls him - is the bold exploration of an exceptional place in the southern bank of Lisbon, traversing exterior and interior spaces with pure attitude. It is drawing, sculpture, installation and intervention, and yet none of such… it is just an artist stretching lines across the world. The University, as a place for knowledge, is confronted with the fact that there is not (yet) one equation capable of modelling the power of these images of the possible.
que perdurou na memória de todos. Bruno tornou-se uma das memórias mais queridas da Tate da Caparica, como lhe costumo chamar. Por tudo isto foi bom voltar ao lugar do crime. Agora com a certeza de que toda uma estética se encontra plenamente desenvolvida, com a vantagem de ainda não se encontrar reificada como ‘maniera’. É que num meio conformado de citações, ironias e cinismos de câmara, Lavos representa uma investigação paulatina e contínua cuja honestidade e humanidade apenas pede meças ao seu irrequietismo. Afinal que seria da arte (na Cidade) se não fosse compromisso, empatia, jogo e partilha? Em suma, a nova exposição do nosso Bruno – – como lhe chama o ‘nosso’ Moura – é ousada exploração de um lugar de excepção na margem sul da Capital, atravessando espaços exteriores e interiores com uma atitude determinada. É desenho, escultura, instalação e intervenção, e no entanto ‘nada disso’ – pois não passa de um artista a riscar o mundo. A Universidade, palco do conhecimento, faça lá o favor de reconhecer que não há (ainda) equação que sintetize o poder desta imagem do possível. Mário Caeiro Docente e investigador na ESAD.cr
Equivalent City VI London brick, objectos encontrados, desenho e impressão digital sobre aluminio. 20(L)x10(P)x45(A)cm
Equivalent City VIII London brick, objectos encontrados, desenho e impress達o digital sobre aluminio. 25(L)x10(P)x35(A)cm
Equivalent City XI London brick, objectos encontrados, desenho e impress達o digital sobre aluminio. 20(L)x10(P)x50(A)cm
TRIBOS Bruno Lavos Marques Coordenação José J. G. Moura Ana Alves Pereira em colaboração com Luísa Jacinto, Ricardo Pereira, Isabel Pereira Curadoria Mário Caeiro Global Village Organic Paraíso Objectos encontrados, desenho e impressão digital sobre aluminio. 47(L)x40(P)x50(A)cm
Design gráfico Rui Olavo
Agradecimentos IDEPA - Indústria de Passamanarias Impressão Brandsmartinho Biblioteca FCT-Nova Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa 14 janeiro a 14 abril 2016 http://bibliotecaunl.blogspot.pt/ ISBN: 978-972-8893-51-4
Apoio técnico Robin Peter Pickett www.BrunoLavosMarques.com