Biblioteca da FCTNOVA
Prontuรกrio dos Afectos Henrique Vieira Ribeiro
Henrique Vieira Ribeiro
Prontuário dos Afectos Curadoria: Andreia César
Biblioteca da FCTNOVA
13 Set - 24 Nov 2017
A Biblioteca da FCT, ao longo de mais de 10 anos de desempenho de interface cultural com o Campus e a Comunidade envolvente, recebeu e acolheu várias propostas de exposições, onde a fotografia teve o seu lugar relevante. Este período de reentrada do novo ano lectivo é uma oportunidade única apresentar a exposição “Prontuário dos Afectos” de Henrique Vieira Ribeiro, com curadoria de Andreia César. Conforme fomos aprendendo com o artista, seguindo o seu percurso e conversas, este trabalho reflete mais uma vez, que a fotografia é um media interessante que pode ser usado como pano de fundo, mas não único no processo criativo. A satisfação plena acontece com a contaminação de vários media como desenho (na retaguarda e sempre presente), video (que tem protagonismo) e outros… que se juntam em caminhos próximos da instalação. Como o artista diz… “o processo não é meramente institivo… é pensado, trabalhado e depois criado”. Neste contexto, este prontuário dos afectos é também uma colagem de muitas histórias e de muitas narrativas que falam sobre as pessoas e sobre os seus ideais. Narrativas estas que estão sugeridas e muito presentes, mas que podem também ser construídas pelos observadores, expectantes de descobrir os tempos, as marcas, o que se passou… José Moura / Diretor Biblioteca Fernando Santana /Diretor FCT-NOVA
O projeto Álbum, desenvolvido no decorrer de 2014, corpo central da exposição Prontuário dos afectos que agora se apresenta, tem a sua origem na reflexão acerca das dedicatórias manuscritas no verso de retratos fotográficos. Estes objetos, ao serem utilizados como suporte de mensagens pessoais em uma das suas faces, são transformados em elementos únicos - não enquanto representações fotográficas, mas sim enquanto objetos fotográficos - funcionando as mensagens como um reforço da função de substituição da pessoa representada no retrato. Os objetos fotográficos utilizados para este projeto foram limitados ao espólio familiar, portador de um caráter privado, entendendo-se que as fotografias vendidas na rua ou em feiras não contêm esse cunho privado/individual, pertencendo já a uma esfera pública/anónima. É esta tensão criada pela dicotomia entre o público e o privado que se pretende destacar através da conversão da face escrita destes objetos em pósteres, gesto materializado no mural que partilha o título da exposição. O conjunto total destas faces escritas resulta numa composição que vive da acumulação de todas as imagens, da materialidade do próprio papel fotográfico, dos vários tons de cor que este adquiriu com a passagem do tempo, permitindo ao espetador, com a aproximação às imagens, um mergulho nas mensagens escritas, como uma forma de análise cartográfica. Contudo, estes objetos possuem duas faces, sendo a imagem fotográfica que serve de pretexto aos escritos, de elemento mnemónico. O que o olhar sobre estes retratos revela é um ritual manifestado pela pose, uma procura falhada de fotogenia - segundo os princípios de classificação de Roland Barthes - em que a expressão, a posição do retratado, assim como o fundo seguem um padrão, e não a procura da essência da pessoa. Assim, a partir da seleção de fragmentos de retratos com analogias formais, mas de diferentes pessoas, originam-se retratos com características metonímicas, como uma alusão a todos os rostos patentes nas dedicatórias. Na apropriação destes objetos, num cenário criado para esse efeito, procedeu-se a um registo fotográfico integral de ambos os lados do suporte (papel). Desta forma, os objetos foram sujeitos, também eles, a um ritual de pose, a uma presença da fotografia dentro da fotografia. Em Horizontes brancos, peça complementar ao projeto Álbum, criada em 2017, retoma-se o olhar sobre os artefactos fotográficos privados, originando um vídeo em que a narrativa convida a uma fruição multidimensional, cuja instalação remete para a analogia a uma “caixa preta”; em constante atividade, em que o que se dá a ver continuam a ser representações dos objetos fotográficos - película - objetos condenados à obsolescência. H.V.R.
A reflexão sobre a condição humana marca compasso na obra de Henrique Vieira Ribeiro. Em Prontuário dos Afectos esta reflexão é focalizada em torno da subjectividade, da identidade observada segundo o infinitamente incompleto arquivo da recordação, de um passado simultaneamente vivido e herdado que nos informa, juntamente com os intervalos do esquecimento, o curso da nossa vida enquanto sujeitos. A história de um sujeito, tal como de uma comunidade, faz-se naquilo que se escolhe, consciente ou inconscientemente, recordar e esquecer. Cabe ao esquecimento selecionar e modelar as recordações que dão corpo à memória. Neste sentido, a memória pode ser entendida como a composição transmissível e depositável de um universo particular de dados e de relações. O retrato de uma família coloca em questão tanto a representação da individualidade como da identidade de grupo: evidenciam-se relações dada a confluência dos retratados nos vários enquadramentos fotográficos, pela semelhança entre fisionomias mas, acima de tudo, dada a familiaridade com o género que encaminha o espectador para a efabulação de narrativas onde a história originária se perde. A palavra retrato foi, em tempos, quase um sinónimo de fotografia — dizia-se frequentemente que se “ia ao fotógrafo tirar o retrato”—, o género quase parecia assim circunscrever o meio; a fotografia, individual ou de grupo, correspondia à representação ou à apresentação de um “segundo melhor” (Bell, 1999, p. 12) à semelhança do que acontecia com a pintura e com a escultura, de uma versão caracterizadora e estetizada do fotografado endereçada ao futuro. Uma versão estetizada prontamente denuncia uma estilização que define o género. Mas a estilização do retrato detém ainda a fundamental particularidade de operar além da imagem, ela opera também sobre a palavra frequentemente convocada para a função de legenda. Os afectos depositados neste suporte de memória são expressos por um breve texto delimitado à formalidade, a um modelo préestabelecido do qual ressalta a paradoxal impessoalidade de quem se oferece pela simbiose entre fotografia e palavra escrita. Na instalação Prontuário dos Afectos (obra que concedeu o título à exposição) o artista apresenta-nos uma composição de mensagens, de testemunhos confiados a um outro participante na intimidade (mais ou menos presente, activo ou passivo dentro dos limites dessa intimidade), que se anexam à imagem oculta, reforçando, nessa relativa proximidade que o estilo permite, o apelo ao “dever de memória” (Augé, 2001, p. 104). Este dever é, tal como indicado por Marc Augé, o dever da lembrança e da actualização dessa mesma lembrança, é a evocação do passado ou, neste específico caso, do antepassado ao presente, é a intersecção com uma tem-
poralidade perdida através dos vestígios aos descendentes deixados, que agora se estendem ao espectador. No entanto, é também na intersecção entre estas temporalidades, na reinterpretação e na reconfiguração dos vestígios ou recordações — esses produtos da erosão pelo esquecimento (Augé, 2001, p. 26) — que se acentua a diluição da memória e do reconhecimento da identidade — o que sobra do sujeito representado na imagem? Quanto do seu carácter cabe nas suas palavras? O que na recordação encontramos dele e o que encontramos de nosso? E por fim, claro, encontraremos nós na memória algo que não seja exclusivamente nosso? Esta é a efectiva questão do retrato enquanto suporte de memória, parecendo já entreabrir algumas respostas na reflexão sobre o género executada por Henrique Vieira Ribeiro na série Retrato[s], pelo retalhar e reconfigurar da imagem-vestígio. Em cada Retrato presenciamos então ao estilhaçar da recordação, ao total esbatimento da identidade em favor da afirmação padronizada do género que torna obsoleto — não há afinal um retratado, não há identificação, o retrato não cumpre mais com a sua função. Contudo o ”formato” do retrato persiste, a experiência de memória dá-se de forma involuntária pela familiaridade com o género: o seu reconhecimento firma sobrevivência ao esquecimento e ao completo anonimato, agindo pelo simples processo de (auto)identificação, de espelhamento, despontando uma participação activa na construção (senão reconstrução) de ficções que se aglutinam às nossas próprias narrativas. A narrativa — a história de uma vida ou a história de uma comunidade — é a (re) construção e a (re)organização constante das recordações pelas quais se estabelece a memória. A construção contínua e actualização de uma narrativa implica uma participação imaginativa, ou seja, uma participação ficcional que se revela no processamento da sucessão de eventos que é, como anteriormente mencionado, filtrada pelo esquecimento (e desconhecimento), na dependência que a lembrança tem da informação, da comunicação ou de um diálogo que, mais não seja, do sujeito consigo próprio. Percebe-se assim que a eleição do que se escolhe lembrar defina o tom da verdade de cada um, o tom de toda a verdade sobre o homem apresentada. É este agenciamento da temporalidade e da lembrança que nos é proposto em Horizontes Brancos; recorrendo ao seu espólio privado, o artista apresenta-nos uma nova seleção e sucessão de imagens em negativos — de evidências do desenrolamento e vida de uma linhagem — convidado ao pensamento e ao diálogo, ao testemunho e à participação numa nova história que trespasse a memória. Andreia César, 2017
Horizontes brancos, 2017, FullHD vídeo, PAL, 16-9, B/W, stereo, 21´49´´,loop.
Prontuรกrio dos afectos, 2014-17, jato de tinta s/papel, 330x550 cm.
Retrato #1, 2014, jato de tinta s/papĂŠis fotogrĂĄficos; colagem, 100x65 cm.
Retrato #2, 2014, jato de tinta s/papĂŠis fotogrĂĄficos; colagem, 85x60 cm.
Retrato #3, 2014, jato de tinta s/papĂŠis fotogrĂĄficos; colagem, 100x66 cm.
Retrato #4, 2014, jato de tinta s/papĂŠis fotogrĂĄficos; colagem, 90x63 cm.
Retrato #5, 2014, jato de tinta s/papĂŠis fotogrĂĄficos; colagem, 90x64 cm.
Retrato #6, 2014, jato de tinta s/papĂŠis fotogrĂĄficos; colagem, 100x61 cm.
Henrique Vieira Ribeiro (Lisboa, 1970), mestrado em Arte Multimédia, vertente de Audiovisuais, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e licenciatura em Arte Multimédia, vertente de Fotografia, pela mesma instituição. Tem sido nos últimos anos docente convidado na Escola Superior de Arte e Design - Caldas da Rainha (2015/2016 e 2016/2017) nas cadeiras de fotografia, projeto audiovisual e multimédia e desenho digital. Na prática autoral, as suas inquietações têm como origem aspetos relacionados com a condição humana, nomeadamente a reflexão acerca da necessidade/desejo de transcendência do ser humano; neste aspeto, o objeto enquanto portador de vida, enquanto testemunho mnemónico desempenha um papel preponderante. Utiliza a fotografia e o vídeo como media nucleares, que em conjunto com o desenho formam os seus suportes de eleição, tendo contudo o resultado final das suas obras vindo a adquirir um cariz instalativo. Exposições individuais (seleção): CT1LN, parte I: As Viagens de Paulo V., Mute Art Gallery, Lisboa; Tremor, BangBang Art Gallery, Lisboa; O Voo e Queda de ìcaro, Mute Art Gallery, Lisboa; Apokatastasis, Arquivo Fotográfico de Lisboa; SAL, Museu Municipal de Faro; Rumor ,ETC - Espacio Transfronterizo, Badajoz, Espanha. Exposições coletivas (seleção): Panorama, Hotel Le Consulat, Lisboa; Re Tornar Terra, BangBang Art Gallery, Lisboa; A Casa: 50.12, inserida no Congresso da Cidadania, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa;Tulipa, raum: residências artísticas online; Damage is done, VAÂG Art Gallery, Lisboa.
Agradecimentos Henrique Vieira Ribeiro agradece ao professor José Moura, à Dra Ana Roxo e aos restantes elementos da equipa envolvidos na realização desta exposição; à Andreia César, cujo apoio transcende a curadoria, tendo em inúmeras ocasiões desempenhado um papel relevante na criação das obras; e por fim a todos os familiares que de forma mais ou menos voluntária contribuíram com os seus “objetos fotográficos”, indispensáveis para a existência deste projeto.
Prontuário dos Afectos FICHA TÉCNICA BIBLIOTECA FCTUNL José Moura, coordenação (diretor) Ana Roxo, coordenação Luisa Jacinto, colaboração Isabel Pereira, colaboração Rui Olavo, design TEXTOS José Moura e Fernando J. Santana Henrique Vieira Ribeiro Andreia César FOTOGRAFIA Henrique Vieira Ribeiro IMPRESSÃO DE IMAGENS 7Rabbits CONSTRUÇÃO DO CUBO J. C Sampaio, Ltda IMPRESSÃO DE CATÁLOGO e VINILO Brandsmartinho HORÁRIO De 13 de setembro a 24 de novembro 2017 2ª a 6ª feira das 09:00 às 20:00 (a partir de 1 de julho encerra às 17:00) alguns sábados opcional (a anunciar).