UM ARCO A SER DOBRADO HUGO BARATA Curadoria: Ana Rito
Biblioteca FCT NOVA 09 de Abril a 10 de Maio 2018
Um Arco a Ser Dobrado Ana Rito
No panorama das práticas artísticas contemporâneas subsiste um pendor arquivial que perpassa um conjunto de construções e situações que advêm da herança modernista até à actualidade. Uma das suas motivações, talvez não a única, é a de desenhar uma cartografia a mais afinada possível relativamente às práticas sobre (ou a partir do) Arquivo ao longo do séc. XX aos dias de hoje, e a sua relação com a prática artística. Este propósito necessita de definir e precisar o campo epistemológico que desde as contribuições teóricas, filosóficas e artísticas, tem auxiliado na diferenciação entre arquivo, colecção, acumulação (storage), etc., debatendo o seu entendimento como suplemento mnemotécnico que preserva a memória e a resgata do esquecimento, da amnésia, da destruição e da aniquilação, até se converter por vezes num memorandum quotidiano. Esta é a consignação do aspecto documental ou monumental da memória como hypómnem – o ato de recordar (destrinçando mnemé e anamensis – a recordação viva, espontânea, fruto da experiência interna). Derrida, na leitura que faz de Platão em La Pharmacie de Platon, em La Dissémination (1972), comenta a dicotomia entre o discurso e a escrita, presença e ausência ou, precisamente, a memória viva e o arquivo, texto no qual o autor assume o arquivo como “prótese”, como coisa externa e suplementar, demonstrando que a memória é já contaminada e “operacionalizada”, sublinhando o autor que esse gesto “arquivista” cria novas relações e novas leituras, ou seja, constrói novas memórias. Um Arco a Ser Dobrado é uma intervenção realizada especificamente para o espaço da Biblioteca. O seu título é uma expressão emprestada de Walter Benjamin a partir da qual o autor alemão trabalha acerca da prosa, nomeadamente em torno das fases criativas musical, arquitectónica e têxtil. No mesmo texto, descrevem-se transições fluídas, assim como antecipações e regressões na produção do trabalho, sublinhando uma constante abertura à revisão e à incompletude. É precisamente neste contexto surge o projecto de Hugo Barata para o espaço da Biblioteca da Faculdade de Ciência e Tecnologia, propondo uma perspectiva de jogo
e rizoma, fazendo parte também da investigação que o artista tem vindo a realizar em torno da questão arquivial, cerne dos seus estudos de Doutoramento em Cinema e Arte dos Media (ULHT, Lisboa). A pesquisa arquivial na intervenção, e o seu interesse nas relações entre instituições, políticas e comunidades, é determinada pelo contexto específico da biblioteca, espaço privilegiado ao estudo e à reflexão mas, e acima disto, dentro daquilo que Derrida descreveu como “começo e comando”. Comentando a negligência de Foucault sob o agenciamento humano, sublinha o autor que o poder do arquivo reside também naquele que o manipula, naquele que trabalha dentro dele e a partir dele. Relata Derrida que este acesso ao arquivo possui em si mesmo traços e processos democráticos (políticos), pois o arquivo não é um repositório “histórico” mas, antes, locais de poder contestados nos quais significados e identidades são estabelecidos, debatidos ou apagados e negados. O poder é expresso através da inclusão, exclusão ou acesso ao arquivo, e o acto de o constituir é, em última análise, participar nas narrativas do presente. Ketelaar refere que o conhecimento-poder é expresso também pelo espaço, assim como pela organização física do arquivo, promovendo visualizações e detalhes, manuseamentos e reenquadramentos, procedimentos e novas organizações. Um Arco a Ser Dobrado é um projecto que se propõe operacionalizar e explorar alguns dos arquivos da biblioteca da faculdade, num exercício de especulação e de mapeamento, onde novas narrativas e novas posições surgem a partir da própria instituição. O arquivo aqui é um complexo sistema de relações que reordena e valida situações, determinando aquilo que é ou não é passível de ser representado e, por isso, “válido” na sua apresentação. Este “arquivo” é então construído partindo da memória do próprio edifício e das suas vivências. Perscrutando diferentes arquivos e espaços, Hugo Barata encena uma recolha de material que proporciona uma cenografia do espaço expositivo na qual a (in)visibilidade se torna estruturante. Ora, é precisamente nesta transitoriedade (entre arquivos e espaços)
que a presente exposição se situa, convocando uma espécie de temporalidade híbrida (Hal Foster), manifesta na reverberação natural de um acontecimento, ou mais especificamente, do acontecimento arquivial. Okwui Enwezor, em Archive Fever: Uses of the Document in Contemporary Art (2008), fala da existência do tempo do sujeito e do tempo do mundo “a acontecer”. No hiato entre estes dois tempos distintos, está o arquivo. E pensar este arquivo, é pensar na sua potencialidade discursiva, nas narratividades que projecta, na tradução, no eco, no trânsito, no fixo, no movente, na morte, na (re)animação, na memória, nos silêncios, nos vazios, em suma, nos espaços onde tudo isso “acontece”. O que pode, então, um arquivo? Enwezor expande a leitura do arquivo, olhando-o como medium em si, na sua relação com a História, do qual participa enquanto documento, e com a arte contemporânea, que transforma, por sua vez, este documento em monumento. Um Arco a Ser Dobrado activa um mundo guiado segundo um princípio de repetição-variação que afecta a linguagem, os corpos e o lugar, na reunião essencial de várias expressões e no confronto de universos de matérias a partir dos quais estabelece esta proposta, criando formas a partir de formas já existentes, corpos a partir de corpos, espaços a partir de espaços. As imagens, os objectos, as palavras são reinventadas, re-mediadas desde o seu interior, mais especificamente nos seus “intervalos” - de um conceito para outro, de uma disciplina para outra - criando constelações em trânsito constante, onde a contaminação de elementos resulta numa narrativa fragmentada (e consequentemente incompleta). Hugo Barata convoca também o pictórico, na composição que parece desconstruir a cada novo elemento. Fala essencialmente de pintura, ou do gesto que a faz efectuar-se. Esta permanência entre dois planos e entre dois actos - entre a mão e a visão - parecem coincidir com o jogo subtil (e revertível) entre desvelamento e ocultação que faz reverberar o arquivo. Algés, Março de 2018
Pequenos monumentos que atestam o início da possibilidade. Vista da Exposição, Sala do Veado. Na imagem: Escultura, 2015. Gesso e barro, .15x15cm The Reference (another small fire), 2015. Óleo sobre tela, 36x26cm.
Vista da Exposição, Sala do Veado. Na imagem: The Reference (another small fire), 2015. Óleo sobre tela, 36x26cm. Quiet, over a period of time, write your name with different pencils, 2016. Livro, gesso, fotografias digitais p/b.
Operação Tridimensional, 2014 Ferro, aglomerado e tinta plástica.
Sem título, 2014. Tela de algodão, grafite, óleo e tinta de esmalte, 70x110x40cm.
Poltergeist, 2009. Projetor de luz, espaço de exposição (Museu Coleção Berardo).
The Exclusion, 2012 Projetor de cinema, HD vídeo, fotografia digital p/b.
FICHA TÉCNICA “Um Arco a Ser Dobrado” BIBLIOTECA FCTUNL José Moura, coordenaçãoo (diretor) Ana Roxo, coordenação Luisa Jacinto, colaboração Isabel pereira, colaboração Rui Olavo, design CURADORIA Ana Rito TEXTOS Ana Rito, Hugo Barata FOTOGRAFIA Do artista IMPRESSÃO DE CATÁLOGO aPersistente IMPRESSÃO VINIL PUCK Produções
HORÁRIO De 9 de abril a 10 de Maio 2018 2ª a 6ª feira das 09:00 às 20:00 alguns sábados opcional ( a anunciar)
AGRADECIMENTOS: O artista gostaria de agradecer especialmente a Ana Rito e Maria Rito. A José Moura, Miguel Ângelo Veiga, Cristina Gameiro, José Bragança de Miranda, e a todos os que tornaram esta exposição possível: Ana Roxo, Luisa Jacinto, Isabel Pereira, Rui Olavo.