ESQUECERSARAMAGO Doze partidas para uma homenagem
ESQUECERSARAMAGO Doze partidas para uma homenagem
ESQUECERSARAMAGO© Edição Palavrão – Associação Cultural Curadoria Mário Caeiro Artistas Nuno Fragata, Mónica Landim, Pedro Penilo, Orphanus Lauro, João R. Ferreira, Ricardo Braz, Eunice Artur, André Graça Gomes, Bruno Bogarim, André Banha, Anabela Santos Coordenação e produção Rosa Quitério Apoio à produção André Teles e Sara Gonçalves Coordenação de Projecto Gráfico Francisca Monteiro Projecto/Design Gráfico Francisca Monteiro, Vânia Jorge, Carla Rocha, Marta Pilré Impressão Tipografia Lousanense Mala Biana Costa, com colaboração de André Teles Visionamento Extras do filme ‘José e Pilar’ (Miguel Gonçalves Mendes/JumpCut, 2010) Agradecimentos Pilar Del Río, Sérgio Letria, Miguel Gonçalves Mendes/JumpCut, Tipografia Lousanense, Atelier Arte e Expressão Depósito Legal 344319/12 ISBN 978-989-97559-4-9 ESQUECERSARAMAGO© é um projecto PALAVRÃO em parceria com a ESAD.CR/Instituto Politécnico de Leiria, Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Fundação José Saramago. www.palavrao.net • www.esad.ipleiria.pt • www.biblioteca.fct.unl.pt • www.josesaramago.org
Caldas da Rainha, Maio 2012
ESQUECERSARAMAGO é uma obra colectiva de texto e imagem que reflecte, através de um mosaico de visões gráficas, a obra do Nobel da literatura português. O livro apresenta doze projectos de artistas plásticos — onze alunos e ex-alunos da ESAD.CR e um convidado especial, Pedro Penilo — que invocam, nos seus termos estéticos, doze textos fundamentais de José Saramago. Cruza-se a memória de quem leu Saramago, num momento marcante do seu percurso artístico pessoal (Anabela Santos, Bruno Bogarim, Eunice Artur, Orphanus Lauro e Pedro Penilo) e a experiência nova de novos leitores (André Banha, André Graça Gomes, João R. Ferreira, Mónica Landim, Nuno Fragata e Ricardo Braz), que aqui tomam contacto, pela primeira vez, com os textos do autor d’O Memorial do Convento. O projecto tem duas componentes, livro (edição) e mala-exposição itinerante. Sob a forma de livro, é um exercício editorial complexo, procurando ajustar cada visão artística à sua respectiva apresentação, num todo que funciona como uma mostra colectiva de arte contemporânea. A mala-itinerante é um projecto expositivo de Biana Costa com André Teles, em cujos compartimentos interiores se podem encontrar originais e reproduções realizados pelos autores individuais, para além de um exemplar do livro (numerado). É uma boite-en-valise que se propõe como acontecimento relacional (a circulação da peça pelas diversas instituições e espaços que acolherem o 'esquecimento de Saramago').
Despeço-me dos mortos, mas não para esquecer. Esquecê-los, creio, seria o primeiro sinal de morte minha.
José Saramago Manual de Pintura e Caligrafia, 1977
ARTISTAS
Nuno Fragata, nascido em Serra d`El-Rei, em 1975, formado em Design Gráfico e em Artes Plásticas na ESAD.CR, desenvolve trabalho centrado na noção de identidade e no surgimento do ‘Outro’ a partir de imagens e fotografias que sobrepõe ou nos locais onde intervém na vertente site specific. Participou em diversos projetos coletivos em Caldas da Rainha, Peniche, Óbidos, Tomar, Cartaxo, Leiria, Lisboa e em mostras como Junho das Artes e 40 anos da Galeria NovaOgiva — Quem são eles (Óbidos) ou Bienal de Porto Santo (Porto Santo). Mónica Landim nasceu em Alcobaça em 1986, sendo de descendência caboverdiana. Finalizou em 2009 o Curso de Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) nas Caldas da Rainha, onde desenvolveu o seu trabalho artístico centrado principalmente na pintura. No auto-retrato, explora a sua identidade. Nessa exploração confronta a sua com a dos outros. Presentemente vive em Caldas da Rainha, continua a explorar as potencialidades do ‘eu’ através de uma diversidade de linguagens (pintura, video, performance, música). Pedro Penilo (Lisboa, 1964), artista plástico, formador, programador, blogger e criativo de imagem e comunicação. Viveu e estudou em Praga, de 1988 a 1999. Obteve o mestrado em Artes Plásticas — Criação Intermédia, da Academia de Artes Plásticas de Praga. Esteve representado em exposições colectivas em Praga, Budapeste, Berlim, Bona, Basel, Nova Iorque, Beja, Lisboa, Almada e Famalicão. Orphanus Lauro nasce a Oeste, algures na imaginação de um sonhador, de quem herda o gosto de adormecer entre os melhores. É licenciado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design — Caldas da Rainha [2010]. Faz o 1.º Ano do Curso de Desenho da Sociedade Nacional Belas Artes, e cursos de curta duração como o de Ilustração do CITEN/CAMJAP — Fundação Calouste Gulbenkian; ou o de BD do CIEAM – Faculdade Belas-Artes Universidade Lisboa [2006]. É mestrando em Pintura na FBAUL. Tem vindo a cruzar Performance com Pintura — actos reflexivos sobre o corpo, coroado no despojamento do grotesco. Graficamente, aposta na tinta-da-china como tatuagem de marca.
João R. Ferreira (Caldas da Rainha, 1985), artista plástico licenciado pela ESAD.CR (2010). Participou em exposições em Portugal e Espanha, salientando: Encuentros de arte contemporáneo, Museo Universidad de Alicante, PANORAMA, 4.ª Mostra do Documentário Português, ANTECIPARTE, Museu do Oriente. Actualmente vive e trabalha nas Caldas da Rainha. Ricardo Braz, nasceu em Lisboa (1987), está licenciado em Artes Plásticas na ESAD.CR, desde 2010. Participa em exposições colectivas desde 2007, em Portugal e Espanha. Ganhou dois prémios: Menção Honrosa no concurso Arte Jovem 2010 (Torres Vedras 2010) e 1.º Prémio na categoria de pintura no concurso Jovens Valoures (Loures 2009). Desde 2006 até hoje reside nas Caldas da Rainha. Eunice Artur nasceu nas Caldas da Rainha, em 1981. Vive e trabalha em Lisboa. Licenciada em Artes Plásticas, pela Escola Superior de Arte e Design ( ESAD.CR), das Caldas da Rainha. Tem participado em várias exposições, tais como, 16.ª Bienal de Cerveira 2011; Junho das Artes; Óbidos, 2011; Longe daqui, aqui mesmo; 29.ª Bienal de São Paulo, Brasil, 2010, entre outras nas Caldas da Rainha, Porto Santo Madeira, Lisboa, Porto, Itália, Sines, Óbidos, Montemor-o-Velho e Guimarães. Co-criadora no Projecto 4A Fábrica, em Lisboa, e do Projecto Casa Jasmim-andaluz, também em Lisboa. André Graça Gomes nasceu a 23 de Junho de 1985, em Chaves. Licenciou-se em artes plásticas pela Escola de Arte e Design das Caldas da Rainha (ESAD.CR) em 2008. Desde então tem vindo a desenvolver trabalho em várias áreas de expressão visual; cenografia para teatro, vídeo, pintura e desenho. Sendo as duas últimas o foco central do seu trabalho pessoal. Desde o final do curso tem vindo a expor os seus trabalhos regularmente. Paralelamente trabalha como colaborador para Nadir Afonso. Bruno Bogarim nasceu em Lisboa em 1989. Ingressou em Artes Plásticas na ESAD.CR em 2007 sem experiência académica na área e dedicou-se essencialmente a produzir objectos pictóricos, com incursões pontuais pela escultura e performance. Concluiu em 2010 a licenciatura. O vinco da sua criação é uma restrição à junção instintiva entre a repetição e a diferença. Essa marca deve muito à força de um entendimento textual que é anterior à produção na ESAD e que a ela se sobrepõe.
André Banha nasceu em Santarém em 1980. Licenciou-se em Artes Plásticas pela ESAD de Caldas da Rainha em 2006. Desde então, vem desenvolvendo e expondo trabalho nas áreas da escultura e desenho. Das exposições em que tem participado, destacam-se: LuzBoa, II Bienal Internacional da Luz, Lisboa, 2006; Anteciparte, 3ª. Edição, Lisboa; Fazer falar o desenho, Museu de Arte Contemporânea do Funchal, 2007; Segurei-te o Pôr-do-Sol, VPF Cream Art Gallery, Lisboa, 2009; Processo e Transfiguração, Casa da Cerca, Almada, 2010; Guimarães, Arte Contemporânea 2011, Palácio Vila Flor e Laboratório das Artes, 2011; Vicente, Ermida de Belém, Lisboa, 2011. Anabela Santos nasce em França (Manosque 1984) onde tem o primeiro contacto com as matérias plásticas que trazem o sonho à realidade. Licencia-se em Artes Plásticas no ano de 2008, pela Escola Superior Artes e Design das Caldas da Rainha. Aí, absorve a experiência e fortalece os conceitos nos quais desenvolve o seu trabalho artístico: peso, leveza, intuição, vazio como objecto de contemplação, servindo-se de elementos vegetalistas. O seu trabalho desenvolve-se a partir da pintura, da serigrafia e da escultura. Biana Costa nasceu no ano de 1989 em Viana do Castelo. Ingressa na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, em 2007, onde realiza a licenciatura e permanece a finalizar Mestrado em Artes Plásticas. O deslocamento geográfico e a mudança de sociedade acentuaram as suas características minhotas e o seu sotaque, valendo-lhe a alcunha, e nome artístico, de Biana. O seu trabalho oscila entre a sua identidade colectiva, tipicamente minhota e vianense, e a sua identidade pessoal, fruto e memória de gerações anteriores, transportando valores e tradições, relembrando e refazendo um passado presente.
Manual de pintura e caligrafia
1977
“Quem retrata, a si mesmo se retrata. Por isso, o importante não é o modelo, mas o pintor, e o retrato só vale o que o pintor valer, nem um átomo mais.” Parto deste excerto de Saramago, retirado do livro Manual de Pintura e Caligrafia para abordar a criação das minhas doze páginas. Parto de um sentido de identificação entre quem retrata e quem é retratado, um sentido unidireccional, que parte e se esgota na procura de quem retrata. Quem retrata busca uma imagem, procura capturar algo no outro como quem procura compreender algo em si mesmo. “Quem sou eu-aquele?” (…) “ele-eu” Proponho apropriar-me de imagens de rostos e órgãos, impressos e cobertos por fita-cola de pintor. A identificação entre quem retrata e o retratado é transmitida pela criação de uma nova epiderme, registo da interacção, identificação e procura deste(s) eu-outro(s).
Nuno Fragata
Levantados do ch達o
1980
Através da representação de rostos, pretendo explorar identidades que revelam vivências de um povo que procura a boa mudança. A expressão é dada através da densidade da cor, do traço e do próprio conjunto que reforça o sentimento que lhes é comum.
Mónica Landim
Memorial do convento
1982
Uma personagem não pode ser extraída e isolada da sua narrativa. Ela pertence a todo o texto, ela é todo o texto e não pode, simultaneamente, exceder o texto da narrativa que a constrói. A personagem está, assim, agarrada a outras personagens que com ela se cruzam (ou não). Mas está também agarrada aos objectos, às paisagens e, em última instância, às palavras escolhidas que tecem o texto. Ela é aquelas palavras todas. Mas ela existe, por fim, na história de todas as leituras: as vividas, as realizadas, as possíveis e as vindouras. Estas personagens, estes objectos, paisagens, acções, estas palavras escolhidas formam, na cabeça do leitor, enxertadas na sua experiência, um corpo vivo. Atribuímos às personagens nomes, falas, pensamento e acções; mas no fundo, o que com esse gesto produzimos é uma espécie de toque que agita toda a superfície das águas, a partir de um ponto específico, num momento particular, com intensidade própria. Ou, designando e construindo a personagem no texto e com o texto, é como se abríssemos uma ferida no corpo, que logo se fecha em cicatriz. Cicatriz que é esse corpo, que é estranho corpo, que é corpo vivo no tempo, que é corpo solidário expresso numa resposta. Quero que a minha resposta se chame Blimunda.
Pedro Penilo
O ano da morte de ricardo reis
1984
Tenho a idade que o Tempo achou dever dar-me e uma paixão crónica pelo sonho. Amo desmedidamente Pessoa e Sem Ponto Nem Final Nem Parágrafo Saramago Li Memorial do Convento, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Todos os Nomes, os Ensaios sobre a Cegueira e sobre a Lucidez, e O Homem Duplicado… Conheci pessoalmente o sorriso e a força telúrica do olhar de José, a quem dei um desenho, ele sorrindo triunfante suspenso no Branco da folha, deus balão papagaio de papel [Saramago apelando ao Voto em Branco]. Nós pela mão de Tertuliano Máximo Afonso, caverna adentro, tacteando a cidade cega; deitados na enxerga ao lado de Blimunda e Sete-Sóis voando na passarola; bebendo à mesa de Madalena; procurando nos gavetões uma conservatória um cemitério de nomes. Múltiplas as Lisboas de Pessoa, as vidas simples sob as nuvens, dentro da lama do Destino, a quem é dada uma promessa. Em o O Ano da Morte de Ricardo Reis adivinham-se os caminhos de Saramago, que carreiros tomarão os seus passos como a água que sabe subir por que raízes e veios e ramos e galhos da sua árvore favorita. Ainda não vi o filme homónimo da Cegueira mas vi a peça no Teatro da Trindade pelo Grupo de Teatro O Bando & Teatro Nacional S. João, em 2005. Sobre a cabeceira As Intermitências da Morte.
Orphanus Lauro
Chove sobre a cidade pรกlida. O Highland Brigade atracou. ร domingo. Descem os primeiros passageiros de ombros encurvados. Jรก comeรงou a descarga das bagagens.
Chegou ao fim da refeição. Ricardo Reis sai da sala de jantar. Tem de trocar vénias com o homem gordo que também ia saindo.
Sumiu-se a carreta lá para as profundas, e Ricardo Reis foi perguntar onde estava sepultado Fernando António Nogueira Pessoa, falecido neste cemitério até ao fim dos tempos, quando Deus mandar acordar os poetas da sua provisória morte.
Ricardo Reis é somente compositor de odes, não um excêntrico. Só então admitiu. Descera cedo para ver a rapariga que tem a mão esquerda paralisada e a afaga como a um animalzinho de estimação.
Estava sentado no sofĂĄ. O silĂŞncio pesava-lhe sobre os ombros como um duende malicioso. Apareceu um papel dobrado. Ricardo Reis Sabia quem escrevera o papel mal dobrado, vincado Ă pressa.
Ricardo Reis olhou o rio. Os dois velhos conversavam Isto é arranjinho. O que é que esteve ali aquele tipo de preto a fazer? Não vejo ninguém, Precisas de óculos, E tu estás bêbado
Ricardo Reis não saiu para jantar. Foi buscar The God of the Labyrinth.O corpo ocupava as casas dos peões do rei e da rainha e as duas seguintes, na direcção do campo adversário.
Marcenda estĂĄ sentada. Ricardo Reis tambĂŠm.
Lídia apareceu à porta do quarto. Viu ontem o balão? O adamastórico dirigível, Graf Zeppelin
a sobrevoar Lisboa, o rio, as casas, as pessoas
os minotauros caem sobre os sangues, a tiro de pistola
é a fiesta, as metralhadoras entoam olé, olé, olé,
Fernando Pessoa, fatigado, levou a mão à testa. Os dedos desceram do rosto, indecisos. Parecem querer recompor feições, restituí-las, refazer o desenho; mas o artista tomou a borracha em vez do lápis, perdeu o contorno. Vai para seis meses que morreu.
Ricardo Reis e Lídia não se levantaram. Estavam nus, deitados de costas como estátuas jacentes. Estou grávida. Vou deixar vir o menino. Os olhos de Ricardo Reis encheram-se de lágrimas, de vergonha, de piedade.
Lisboa ĂŠ uma sossegada cidade com um rio largo e histĂłrico.
as granadas rebentam na ĂĄgua
Então bateram à porta. Era Fernando Pessoa, não tornaremos a ver-nos. Ricardo Reis subiu o nó da gravata. Foi buscar The God of the Labyrinth, meteu-o debaixo do braço.
O Adamastor não se voltou para ver, parecia-lhe que desta vez ia ser capaz de dar o grande grito.
Jangada de pedra
1986
A Jangada de Pedra torna-se num prenúncio sobre o futuro do que pode ser uma delimitação geográfica, que acarreta consigo uma história e cultura que divide nações, a absurda situação reflecte a própria deslocação do homem garantida pelo seu próprio território, e a sua separação com outros, a impossibilidade por vezes de cruzar o conhecimento. A separação que nos incapacita por vezes a ajuda mútua entre Estados.
João R. Ferreira
A hist贸ria do cerco de lisboa
1989
Saramago faz-nos mover entre a história que ele próprio escreveu, a da editora e a história alterada por Raimundo Silva. O Não que se encontra entre realidade e ficção. Nestas memórias, 'Iconografias incompletas' que leva a um deambular cinematográfico.
Ricardo Braz
Ensaio sobre a cegueira
1995
O desenho é desenvolvido em torno de um impacto brutal e violento entre as partículas de pigmento e a folha em branco, como um apelo à reflexão. No ensaio sobre a cegueira, o desenho surge ritmado na folha branca, monocromático alusivo à cegueira, o silêncio da folha acomete o desenho. “Se pode olhar, vê. Se podes ver, repara”
Eunice Artur
o conto da ilha desconhecida
1997
O conto foi-me surpreendendo a cada linha que percorria, levantando várias interrogações, a vários níveis. De facto, no mar em que nós navegamos, enquanto indivíduos pertencentes a uma sociedade já evoluída, não há muito espaço para os homens comuns que procuram encontrar ilhas desconhecidas, pois estamos permanentemente concentrados na exploração do lucro que as conhecidas nos dão. Albert Camus a este respeito dizia qualquer coisa como: os filósofos do nosso tempo ocupam o tempo a estudar filosofia, enquanto os filósofos antigos ocupavam o seu tempo a pensar. José Saramago apresenta-se, na minha opinião, como um homem comum, do seu próprio tempo, que procura ir ao fundo das coisas, ao essencial. Substituindo a aparência e o uso da coisa, pela coisa em si – a criação. A minha interpretação de ‘O conto da ilha desconhecida’, vai neste sentido; só quando alguém procura fora de si mesmo, é que se pode encontrar. Só quando alguém quer mesmo algo, o procura. E por último só quando alguém navega no desconhecido, é que tem a possibilidade de conhecer, verdadeiramente. Se fizermos uma analogia dos descobrimentos dos portugueses com o conto, encontramos várias semelhanças. Também o homem nessa época se propôs navegar no desconhecido, e no fim de contas construiu a sua própria identidade.
André Graça Gomes
Todos os nomes
1997
A leitura de Todos os Nomes é uma experiência muito sedutora que lança ideias de ambiguidade paralela à história que – – perdoada a redundância - sugere o que a história é. O dom deste texto, o que mais apreciei nele, é ser possível que o que acontece na história, a certa altura, pareça ser a parte insinuada, a que não existe no texto – a acção toma forma de aparte e a fusão é tão fértil quanto o leitor se desdobrar. Neste esvaziamento da forma, a acção inunda o narrar e nisto a autoria de Saramago apaga-se do relato e fica o nó de formas que o deixou ir.
Bruno Bogarim
A caverna
2000
O primeiro impacto que tive da leitura, foi a de uma história comum, de uma família tradicional, que se depara com a normal evolução dos tempos – neste caso, a evolução tecnológica que ameaça a sua empresa artesanal e familiar. Ao longo do texto, fui sentindo que a essência desta história reside na semelhança com a realidade. A identificação com os sentimentos passa a ser cada vez mais estreita e a complexidade de reacções, medos, anseios, esperanças desta família torna-se uma malha cada vez mais fina e visível. A mudança motivada pela evolução, altera cada personagem individualmente, mas para fazer parte de um todo – a “máquina do progresso”. Através desta linha de pensamento, de personagens marionetas mas intervenientes na sua própria mutação, achei interessante desenvolver a ideia de simulacros: indivíduos, situações que se simulam, mas que se tornam outra coisa. São recreações de si mesmas, mas tornaram-se noutra coisa.
André Banha
IntermitĂŞncias da morte
2005
Na obra de Saramago, As Intermitências da Morte, a morte entra na vida como a borboleta sai do casulo. A questão abordada é sobre a condição, a vantagem ou desvantagem de morrer ou permanecer vivo. A consciência da vida é oferecida pela presença da morte, pela ideia de morte. Cada momento surge e desaparece. Surge e desaparece. Desaparece um momento para dar lugar a um outro momento, também ele presente e fugidio. Cada momento é uma metamorfose. Cada momento invoca a vida, cada momento invoca a morte, o para sempre de que não volta a acontecer. Assim é estar vivo. É a observação consciente do impermanente. A Alma abre-se à vida eterna, o corpo abre-se à morte eterna. Na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma. A vida desaparece na morte, e a morte mantém-se viva. O que há na vida que impulsiona o desvendar? Desvendar o mistério. O mistério da própria vida
Anabela Santos