BioAtivo - 18ª edição

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2 editorial Caros leitores, A 18ª edição da BioAtivo vem mais “multitemática” do que nunca. No Institucional você vai saber o que aconteceu no Encontro Bio Jr. de Inovação. O evento estimulou os estudantes das ciências biológicas a levar a inovação tão presente nos laboratórios da universidade para o mercado profissional. Em Pesquisa & Inovação você vai saber tudo sobre um projeto que pretende criar um estimulador de memória que restaure a memória de ex-combatentes de guerra dos EUA que sofreram lesões cerebrais e também de pacientes de Alzheimer. No Especial, a discussão é sobre a epigenética, que tenta provar que mudanças causadas por influências ambientais ou de hábitos diários podem ser passadas hereditariamente. Para fechar, em Mercado há todas as informações que mostram a importância da Farmácia Hospitalar, área subestimada e pouco conhecida mas de extrema importância em qualquer unidade de saúde, e como essa profissão pode receber cada vez mais estudantes de Farmácia. Esperamos que vocês desfrutem dessa variedade que a ciência pode proporcionar. Boa leitura! Murilo Carnelosso Diretor de Jornalismo Científico Jornalismo Júnior

bioativo Institucional Evento da Bio Jr. estimula empreendedorismo

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Notícias Mata Atlântica brasileira poderia ser preservada com apenas 0,01% do PIB

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Consumo de Ritalina aumentou 775% em dez anos

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Novas drogas devem melhorar o tratamento 6 contra a hepatite C Cientista acusado de fraude em pesquisa é encontrado morto no Japão

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Parafuso no lugar de comprimido leva Anvisa a suspender lote de paracetamol

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Medicamento experimental ZMapp cura 100% de macacos com ebola pESQUISA E INOVAÇÃO

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Estimulador de memória: Uma futura solução 8 para portadores de Alzheimer EsPECIAL Características adquiridas durante a vida passadas para as próximas gerações

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mercado A importância silenciosa da Farmácia Hospitalar

BIO JÚNIOR – Diretoria: Davi Martinelli, Edmar Oliveira, Gabriela Christine Santos, Larissa Assis, Mathias Jorquera. Suplente: Bruna Bombarda. Presidente e Responsável pela BioAtivo: Priscilla Shiota Fedichina. Contato: biojr.usp@ gmail.com. FARMA JÚNIOR – Diretoria: Ana Mendes, Bárbara Faustino, Beatriz Bianchi, Bruna Kyota, Camila Felix, Carla Pazini, Carolina Rabaneda, Débora Savino, Flávia Gomes, Flávia Arimori, Gabriel Barbosa, Juliana Medeiros de Deus, Karoliny Araújo, Paloma Nascimento, Paulo Souza, Rafaela Fiorotto, Vivian Borali. Responsável pela BioAtivo: Paloma Nascimento. Presidente: Juliana Medeiros de Deus. Endereço: Av. Prof. Lineu Prestes, 580 – Centro de Vivência, sala 14, Cidade Universitária. Contato: (11) 6901 – 5926, farmajr@usp.br. JORNALISMO JÚNIOR – Edição: Ana Carolina Leonardi e Murilo Carnelosso. Equipe: Giovanna Lukesic, Guilherme Nodare Eler, Julio Soares, Louise Cardoso, Marcos Vinícius Nona. Diagramação e Projeto Gráfico: equipe de Comunicação Visual da Jornalismo Júnior. Contato: (11) 30914085, jjr@usp.br, @jornalismojr.

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Evento da Bio Jr. estimula empreendedorismo entre universitários Com a ideia de que existe uma demanda por boas ideias que muitas vezes ficam encerradas nos laboratórios, a empresa promoveu seu primeiro Encontro de Inovação Por Ana Carolina Leonardi

Foto: Klaus Becker

Empreendedorismo e inovação estão entre as palavras do momento. As startups hoje representam alternativas às carreiras clássicas na maioria das áreas profissionais. Não é diferente com as ciências biológicas. É nisso que a Bio Jr. tem investido. Para o ex-coordenador de marketing da empresa, Vinícius Gusmão, o interesse global pelo assunto, assim como a insatisafação com o currículo do

curso de biologia e a falta de aplicabilidade da ciência produzida nos laboratórios do Instituto de Biociências aproximaram a Bio Jr. e o empreendedorismo. Esse interesse se traduziu, em julho de 2014, no Encontro Bio Jr. de Inovação. No dia 26 de julho, no auditório da Zoologia, a empresa promoveu um debate entre alunos e convidados, com o objetivo de mostrar ao público que as boas ideias que surgem nas universidades não podem ficar apenas nos laboratórios. Indo além


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Além da Pluricell Biotechnologies, outra empresa que nasceu de ex-alunos do Instituto de Biociências também tem como foco as células-tronco. É a StemCorp, que trabalha com a coleta, o isolamento e o armazenamento desse tipo de célula a partir do cordão umbilical ou mesmo do tecido adiposo. Fora do Brasil, a 23andme é uma das mais famosas startups de biotecnologia, oferecendo um serviço de análise de DNA bastante diferenciado da impessoalidade geralmente associada a trabalhos laboratoriais. Através do material genético, a empresa é capaz de compilar informações sobre a ancestralidade do cliente. As possibilidades vão desde conhecer quais porcentagens do DNA de um indivíduo têm relação com populações ao redor do mundo até a construção Foto: Klaus Becker

de simplesmente mostrar a importância social de ampliar os conhecimentos produzidos na academia, o Encontro buscou mostrar um caminho para o empreendedorismo na ciência. Entre os convidados estava Diogo Biagi, biólogo e fundador da Pluricell Biotechnologies. A empresa possui grande experiência em cultura celular e oferece projetos baseados em célulastronco induzidas a partir das células de seres humanos adultos. Com a sua tecnologia, a Pluricell oferece serviços como testes de toxicidade de produtos, que se destacam dos convencionais por contar com células humanas que podem ser produzidas a partir da mesma pessoa, nas mesmas condições, com lotes consecutivos. A consequência são dados mais informativos e precisos. Diego Valverde também esteve presente. Ele é fundador do Bootcamp Brazil, projeto que busca reunir jovens empreendedores estimulando a criação de novas empresas brasileiras através de competições de startups. O Bootcamp envolve as etapas de criação e desenvolvimento de ideias, apoiadas em orientação e mentoria. A ideia é parte da Venture Cup, projeto internacional de campeonatos de startups. Por fim, esteve no encontro Gabriel Yamate, fisioterapeuta, co-presidente do Núcleo de Empreendedorismo da USP e sócio da Cuide.me. A iniciativa é voltada a agências de cuidadores de pessoas com necessidades especiais, permitindo tanto ao cuidador quanto aos familiares uma visão global do histórico de atendimento. Isto possibilita maior controle da rotina de atividades e o acompanhamento em tempo real dos cuidados prestados. Junto ao público, os convidados puderam falar sobre empreendedorismo com propriedade, usando suas próprias trajetórias como exemplo e estímulo.

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Foto: Klaus Becker

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de árvores genealógicas geneticamente confiáveis. No site da empresa, é possível conhecer a história de duas irmãs que se conheceram através da 23andme, e, de acordo com o New York Times, o apelo do serviço também se faz presente entre os filhos adotivos interessados em suas origens biológicas. Conhecer exemplos de sucesso e absolutamente inovadores permite enxergar a clara demanda por novos projetos tecnológicos - antes inimagináveis - dentro das ciências biológicas. Essa ampliação de visão, para Vinícius, foi um dos principais destaques do debate no Encontro. “O mais legal foi ver as pessoas com a expressão ‘então é possível’. O empreendedorismo ainda soa muito difícil e distante pro brasileiro. O evento ajudou a desmistificar isso e mostrar que dá para empreender em pesquisa”, diz. Ele conta também que uma das dúvidas mais frequentes do público foi em relação ao tipo de projeto que a FAPESP (Fundação de amparo à pesquisa do Estado de São

Paulo) suporta. A instituição é conhecida por fomentar projetos universitários, mas possui um fundo específico para investir em projetos empreendedores, o programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). A própria USP, afirma Vinícius, traz relativos estímulos à inovação e à gestão. A Agência USP de Inovação é um bom exemplo, e a aceleradora tecnológica Supernova, do Instituto de Ciências Biomédicas, é outro. O último mostra também a tendência crescente das parcerias entre a universidade e o mercado em prol da inovação, uma vez que a iniciativa é também da Dow Química, multinacional americana. Da experiência da Bio Jr. com seu Encontro de Inovação, fica clara que a demanda por ideias transformadoras existe, e que há jovens dentro das universidades cheios delas. Mas é cada vez mais necessário mostrar que há um caminho possível para diminuir a distância entre eles.


6 notícias Mata Atlântica brasileira poderia ser preservada com apenas 0,01% do PIB O Brasil poderia conservar a riqueza florestal e a diversidade biológica da Mata Atlântica com menos de US$ 200 milhões, apenas 0,01% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme pesquisa publicada no dia 28 de agosto na revista “Science”. “A Mata Atlântica é menor e está muito mais degradada do que a Amazônia, mas também contém uma vasta gama de diversidade biológica”, disse a pesquisadora Cristina Banks Leite, do Imperial College de Londres. O Brasil já realizou programas que pagam fazendeiros para preservar trechos de terra para a conservação florestal. Mas os pesquisadores indicaram que essas “são iniciativas de nível local, com pouco impacto na manutenção e na melhoria das condições da Mata como um todo”.

bioativo Consumo de Ritalina aumentou 775% em dez anos Dados de uma pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) apontam que, em dez anos, o consumo de metilfenidato (que tem como nome comercial mais famoso a Ritalina) cresceu 775%. De acordo com o levantamento realizado pela psicóloga Denise Barros, o volume de Ritalina importado pelo Brasil ou produzido em território nacional passou de 122 kg em 2003 para 578 kg em 2012, alta de 373%. A pesquisadora cruzou os dados da produção e importação e do estoque acumulado em cada ano para chegar aos prováveis índices anuais de consumo. De acordo com o levantamento, foram 94 kg consumidos em 2003 contra 875 kg em 2012, crescimento de 775%. Fonte: http://saude.estadao.com.br/

Fonte: http://noticias.terra.com.br

Uma nova geração de drogas promete revolucionar o tratamento da hepatite da C. Médicos de vários países, reunidos no congresso Hepatologia do Milênio, em Salvador, consideram que estamos próximos da cura da doença. As novas drogas antivirais substituem o medicamento interferon, de baixa eficácia, que causa náuseas fortes, anemia, fadiga e até alterações neuropsiquiátricas. Em testes clínicos, elas têm obtido quase 100% de cura. O tratamento também fica mais curto: dura 12 semanas. Fonte: http://portal.crfsp.org.br

Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Novas drogas devem melhorar tratamento contra a hepatite C


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notícias 7

Cientista acusado de fraude em pesquisa é encontrado morto no Japão

Parafuso no lugar de comprimido leva Anvisa a suspender lote de paracetamol

O cientista japonês Yoshiki Sasai, 52, envolvido em um escândalo de fraude em pesquisas com células-tronco foi encontrado morto no começo de agosto em seu laboratório, no centro Riken de Biologia do Desenvolvimento, em Kobe no oeste do Japão, levantando fortes suspeitas de suicídio. No começo do ano Sasai foi inocentado de uma investigação sobre fraude em dois trabalhos publicados na revista “Nature”. No entanto, mesmo sem culpa, o professor acabou desacreditado no mundo acadêmico. Ele sugeriu que as células-tronco poderiam ser produzidas a partir de células adultas normais, mergulhandoas em ácido por um período de choque de 30 minutos. Estas células “STAP” (aquisição disparada por estímulos de pluripotência) foram anunciadas como uma grande promessa, tanto para a biologia quanto para a medicina.

Uma denúncia de um parafuso encontrado no blister do medicamento, no lugar do comprimido, encaminhada por um consumidor ao Procon, levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a determinar a suspensão de um lote do medicamento Paracetamol 500 mg, produzido pelo Laboratório Teuto Brasileiro. Segundo a Anvisa, o Procon oficiou o laboratório, que já iniciou o recolhimento voluntário do lote, que teria sido distribuído nos estados de Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. As punições variam desde a advertência até o cancelamento da autorização de funcionamento da empresa ou do registro do produto. Estão previstas ainda a aplicação de multas oscilam entre R$ 2 mil e R$ 1,5 milhão. Fonte: http://portal.crfsp.org.br/

Fonte: http://oglobo.globo.com

Medicamento experimental ZMapp cura 100% de macacos com ebola A droga experimental ZMapp curou os 18 macacos de laboratório infectados com o vírus do ebola, inclusive os que sofreram com febre e características hemorrágicas da doença e estavam perto de morrer, disseram cientistas no dia 29 de agosto.Até macacos que ficaram sem tratamento durante cinco dias após a infecção sobreviveram. Nenhuma outra terapia experimental para o ebola jamais teve sucesso em primatas quando aplicada tanto tempo após a contaminação - os cinco dias

para os macacos são equivalentes a 11 dias após a infecção em humanos. Embora dois trabalhadores médicos norte-americanos que contraíram o ebola na Libéria tenham sido curados depois de receber o ZMapp, os médicos não sabem se o medicamento ajudou. Um médico da Libéria com a doença morreu esta semana apesar de receber a droga, assim como um padre espanhol. Fonte: http://g1.globo.com/


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pesquisa e inovação

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Foto: Marcos Santos / Imagens USP

Estimulador de memória: uma futura solução para portadores de Alzheimer

Por Giovanna Lukesic e Julio Soares Em todo o mundo, há 30 milhões de idosos com Alzheimer, a causa mais frequente de demência. A doença causa problemas de memória, perda da capacidade motora, o que interfere em atos simples como vestir-se, desorientação espacial, problemas de comportamento e confusão mental – é comum que, na fase avançada, os pacientes passem a viver o presente como se fosse o passado. O Alzheimer altera duas proteínas no tecido cerebral: a tau e a beta amilóide.

Esta última se acumula entre as células nervosas, formando placas que alteram as sinapses. Segundo estudos, tais alterações podem ocorrer de duas a três décadas antes de surgirem os sintomas cognitivos. Ocorre a morte de células nervosas e perda de tecido em todo o cérebro, o que faz com que o órgão encolha. Com isso, as regiões do córtex envolvidas com pensamentos, planos e lembranças são danificadas. Uma das regiões mais atingidas é o córtex, a camada mais externa do cérebro, rica em


bioativo neurônios e responsável pela memória, atenção, consciência, linguagem, percepção e pensamento. Dessa forma, o tecido cerebral de alguém com Alzheimer possui menos células nervosas e realiza menos sinapses do que um cérebro saudável. Atualmente, a doença não tem cura. A ciência, porém, não se deixa intimidar. Já usada com certo sucesso há 20 anos em pacientes com mal de Parkinson, auxiliando na melhora dos movimentos comprometidos pela doença, a Estimulação Cerebral Profunda (ECB) vem sendo testada no Canadá desde 2010 em pessoas que sofrem de Alzheimer. Inspirada nos marcapassos, a técnica consiste na aplicação de uma microcorrente elétrica em certa região do cérebro por meio de um dispositivo colocado abaixo da clavícula – no caso, a região é o fórnix, associada à forma como acessamos as diferentes informações guardadas no cérebro. No ano passado, uma pesquisa no Hospital dos Servidores, no Rio de Janeiro, selecionou 17 pacientes para testar o procedimento. Em abril deste ano foi divulgada uma nova técnica em desenvolvimento pela Agência de Investigação de Projetos Avançados em Defesa. Na conferência realizada em Washington sobre a saúde do cérebro, a agência pretende criar um estimulador de memória, capaz de restaurar lembranças de ex-combatentes de guerra que sofreram lesões graves danificadoras de funções cerebrais e pacientes de Alzheimer. A ideia é desenvolver um dispositivo protéico capaz de estimular o hipocampo

pesquisa e inovação 9 do cérebro. Robert Hampson, professor associado da Wake Forest University, fez alguns testes sobre memória em ratos e animais e percebeu que os neurônios desta região disparam de forma distinta para cada cor, rosto ou comida que enxergam. Assim, utilizando-se de protéticos nesta parte, ele conseguiu estender a memória de curto prazo dos animais. Para restaurar memórias mais complexas e específicas, porém, ele afirma que é necessário conhecer o caminho exato para aquela lembrança. O objetivo dos experimentos é conseguir restaurar a memória declarativa, relacionada a fatos, pessoas, eventos e figuras, coisa que nenhum estudo jamais havia tentado executar já que parecia ser impossível recolocar lembranças uma vez que já tivessem sido destruídas. O estimulador é parte de um audacioso projeto de pesquisa do presidente Obama conhecido como iniciativa BRAIN (o que pode ser traduzido para Pesquisa Cerebral Através de Avançadas e Inovadoras Neurotecnologias). O objetivo é revolucionar o entendimento sobre a mente humana e descobrir novas maneiras de prevenir, tratar e curar doenças mentais como Alzheimer, esquizofrenia, autismo, epilepsia e graves lesões cerebrais de excombatentes de guerra, além de conseguir uma imagem mais dinâmica do cérebro e um entendimento maior sobre como pensamos, aprendemos e lembramos. O investimento foi de 100 milhões de dólares, repartido entre o Instituto Nacional de Saúde (NIH, em inglês), a


pesquisa e inovação Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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Fundação Nacional de Ciência (NSF, em inglês) e a Agência de Investigação de Projetos Avançados em Defesa (DARPA, também em inglês). É um projeto ambicioso que pode trazer muitos benefícios à humanidade e também aos cofres norte-americanos, a exemplo do projeto Genoma Humano (PGH), fundado em 1990, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Até 2003, ano em que se concluiu o PGH, foram investidos 3,8 bilhões de dólares pelo governo federal. Em resposta, o projeto gerou796 bilhões de rendimento econômico – para cada dólar investido, houve um retorno catorze vezes maior. O objetivo foi mapear o genoma humano, o que, na época, constituiu um desafio gigantesco para a ciência e levantou questões éticas. O resultado foi um legado permanente de informação biológica que serviu e continua servindo de base para dezenas de outras pesquisas. Assim como ocorreu no projeto de mapeamento, várias questões foram

bioativo levantadas a respeito das implicações éticas de um restaurador de memória. A DARPA afirma sempre consultar especialistas na área para medir os impactos que suas descobertas trarão. Um dos consultores, Arthur Caplan, médico especializado em ética do centro médico da Universidade Langone, afirma que é perigoso mexer com o cérebro pois, quando o fazemos, estamos mexendo com a identidade pessoal. Para ele, a capacidade de restaurar memórias significa também poder interferir nas lembranças chave, principalmente na questão envolvendo soldados, já que isso implicaria na capacidade de manipular até mesmo memórias de crimes de guerra, por exemplo. A capacidade de apagar memórias quando bem entender pode ser um alterador forte em como encarar o passado e viver com sua própria consciência. Para a Dra. Valéria Santoro Bahia, não é possível restaurar uma memória, apenas fragmentos, o que poderia dar origem a falsas lembranças. Outra questão seria a necessidade de cobaias humanas para o desenvolvimento do estimulador, mas isso não foi esclarecido. Foi falado apenas que muitas novidades ainda estão por vir e a garantia de grandes cientistas trabalharem juntos para o sucesso da experiência. O que se pode fazer é apenas esperar. Apesar das inovações serem um ponto de luz no fim do túnel para muitos pacientes de Alzheimer, a ciência ainda tem muito o que desenvolver e compreender para chegar ao ponto de manipular algo tão humano quanto a memória.


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Características adquiridas durante a vida passadas para as próximas gerações Imagem: Best Stock Pictures

Por Marcos Vinícius Nona e Guilherme Nodare Eler Diferentes circunstâncias produzem diferentes respostas em nossos organismos. Os dentes amarelados, problemas respiratórios e rouquidão provocados após a nos de tabagismo, o surgimento de manchas e rugas na pele devido à exposição a raios solares, são exemplos de modificações na aparência (ou fenotípicas) comuns. Seria possível, no entanto, que influências externas nos marcassem a ponto de serem passadas hereditariamente? É tarefa da epigenética explicar como isso acontece.

Neolamarckismo? A existência de alterações adquiridas em vida que podem ser transmitidas a descendentes pode nos remeter à tese lamarckista. No início do século XIX, Lamarck foi o primeiro a propor que a influência do meio ambiente teria um efeito indireto nos organismos. Fruto de seu trabalho com moluscos, a teoria que explicava as transformações observadas nas espécies baseava-se em dois aspectos: 1°) Uso e desuso dos órgãos: o ambiente a que o organismo pertence criaria uma série de necessidades que exigem uma função contínua de certos órgãos, causando


12 especial a hipertrofia, o desenvolvimento dos mesmos. No caso inverso, a atrofia surgiria com o desuso de uma determinada parte. 2°) Hereditariedade de caracteres adquiridos: a atrofia ou hipertrofia seriam características passadas aos descendentes. Com a falta de uso, observada por seguidas gerações, o órgão tenderia a desaparecer. O organismo, desta forma, adquiriria melhorias adaptativas essenciais à sobrevivência no ambiente. Apresentar tais diferenciais determinava se um indivíduo iria se reproduzir nesse meio, originando seres também portadores dessas vantagens competitivas. Séculos depois, a tese do naturalista francês já não é aceita. Sabe-se que pai que ficaram cegos durante a vida ou que fizeram uso de anabolizantes para o aumento do tônus muscular não necessariamente darão à luz a bebês que não enxergam ou potenciais halterofilistas, por exemplo. A aproximação da epigenética com tal corrente evolucionista é considerada uma simplificação, a nuance de um conceito. Relacionar áreas concebidas e desenvolvidas em períodos tão diferentes e em patamares tão distantes de conhecimento científico seria ignorar as descobertas da epigenética, que é um ramo recente e ainda pouco desbravado por estudos. As mudanças nem sempre serão adaptativas e frutos da exclusiva necessidade de sobrevivência, elas são ocasionais e raras, dada a quantidade de fatores que a envolvem.

bioativo O ambiente moldando o organismo A modulação do fenótipo por estímulos ambientais associa-se à variação genética. Para tal, ocorre alteração não na sequência primária do DNA (composta de desoxirribose e grupo fosfato) mas na sua conformação. Isso possibilita que um gene esteja ativo ou não, que manifeste uma proteína importante às atividades celulares e que, em último nível, poderá ser determinante para a expressão de uma característica, habilidade ou que refletirá em um comportamento. É como se os genes possuíssem “interruptores”. Por estarem dentro do núcleo, têm de ficar extremamente compactados por causa do seu grande tamanho e ao pouco espaço do núcleo celular, que comporta grande quantidade de genes. Sua compactação representa que está desativado, e a sinalização de expressão de determinado segmento é a contrária: para que determine uma característica, deve estar “desenrolado” naquela região. A mais conhecida e estudada forma de atuação dos mecanismos epigenéticos se dá por meio de metilações no DNA. Os radicais metil (-CH3) mudam de posição. A fabricação de uma proteína específica que expressa uma característica monogênica (dobrar a língua em formato de “U”, por exemplo) necessita de um comando da célula, só enviado se as condições necessárias para essa demanda estiverem supridas. A fim de que seja determinada uma certa característica, um gene possui regiões


bioativo promotoras, em que a maquinaria da célula reconhece o momento em que é preciso que este se expresse. Uma proteína “se acopla” nessa região, lendo tal informação e desencadeando todo o processo. O DNA é transcrito em RNA e depois traduzido em uma nova proteína de diferente característica de atuação, que pode ser essencial para que se presencie a característica tomada como exemplo. Nas regiões ao longo da dupla “fita” de nucleotídeos, onde existem as sequências de bases nitrogenadas, há algumas delas que se diferem das demais por serem ricas nas chamadas ilhas cpg (citosina fósforo guanina). O grupo metil, quando disponível em meio intracelular e possibilitado por enzimas específicas, geralmente tende a se anexar na citosina. Se essa região estiver metilada, esse gene não irá se expressar, passando a seu estado inativo. A professora da UNIFESP Andréa Cristina Peripato, cita como exemplo o caso de fumantes: genes que deveriam estar silenciados para que um câncer ou algum mal de caráter semelhante não

especial 13 fossem expressados são influenciados por elementos que entram na composição do cigarro. Estes podem diminuir o processo normal de metilação, o que tona a região hipometilada. No caso de um câncer, para que haja a multiplicação das células que formarão um tumor (processo mitótico) é necessário um comando, vindo da própria célula, que viabiliza a multiplicação em condições normais (quando necessária para a reparação de um tecido, por exemplo). Assim que recebe tal comando, começa sua divisão reprodutiva. Sem respeitar o controle a essa multiplicação desenfreada, a célula se divide o tempo todo, perdendo a capacidade de receber e orientar tal estímulo. Antes silenciada, essa característica passa a se expressar, comandando as divisões sucessivas. Caso não houver nada que interfira nesse processo, essa região se expressará constantemente e fará com que tal mecanismo de reprodução atue de forma constante e o câncer se espalhe no organismo, antes saudável. Reprodução: FreeImages


14 especial A genética e o comportamento

Reprodução: BigStock Photo

A ideia de que uma única alteração a nível genético pode moldar um organismo ou determinar seu comportamento abre muitos campos para a psicologia e psiquiatria. De acordo com a professora da USP Silvana Chiavegatto, que estuda modelos animais em transtornos psiquiátricos, desregulações nessas áreas possuem componentes genéticos envolvidos, mas são muito mais influenciados pelo ambiente atuando diretamente nesses componentes. Muitos adultos que possuem problemas relacionados à depressão, síndrome do pânico, entre outros

bioativo transtornos psiquiátricos, passaram na infância por situações que podem estar intimamente ligadas a essas características. Tais situações, segundo a professora, podem provocar alterações epigenéticas, causando disfunções nas redes de circuitos que compõem nosso cérebro. Experimentos com cobaias de laboratório atestam que atos maternos de zelo como lamber, colocar em ninhos ou transmitir ações de cuidado aos filhotes liberariam certos componentes importantes que teriam a função de regular esses processos. A serotonina, neurotransmissor que atua no cérebro controlando fatores importantes como humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade a dor, movimentos e funções intelectuais, é o exemplo de um destes. Componentes dessa natureza desencadeiam uma cascata de eventos, envolvendo genes que podem estar ligados a características como o estresse. O ato de acariciar ativa receptores específicos que fazem com que o organismo expresse ou não um gene responsável por condicionar tal postura. Sem essa característica, é como se estivéssemos bloqueando uma via, ficando impossível a sinalização de forma completa e efetiva. Uma vez estressada, a mãe passa a ter comportamento de displicência com sua prole, característica que deverá ser transmitida hereditariamente. Seus filhotes também


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especial 15 Reprodução: FreeImages

tendem a ser adultos estressados e pais pouco cuidadosos. O fato de certos alimentos também conterem essa substância permite afirmar que uma dieta empobrecida poderia refletir nesse tipo de comportamento. Se pegarmos, porém, o filhote que se encontra sob a tutela da mãe estressada e que não tem ações características da maternidade convencional e transferirmos a uma que as possui, o desenvolvimento do filhote continuará normalmente, contribuindo para que este não fique estressado e acabe por passar a frente esse comportamento, marcando de igual forma seus descendentes. Em outro caso analisado, ratos jovens são expostos a situações de dominação territorial em que são confrontados por um macho mais velho, que facilmente o domina e subjuga territorialmente. As situações sucessivas a que o grupo de análise é exposto, exclusivamente negativas, acabam provocando o que

é chamado de “derrota social”. Os resultados do trauma são ansiedade e depressão. A posterior análise dos animais permite que se quantifique a expressão dos genes nas diferentes áreas cerebrais, e que se associe assim, a influência externa ao comportamento atestado. Um ramo ainda pouco desbravado da ciência, a epigenética pode ser a chave para que sejam prevenidos e diagnosticados muitos males que nos acometem. Entender a influência do ambiente é determinante para que doenças relacionadas ao comportamento possam ser mapeadas ainda na infância ou mesmo antes do nascimento. O conhecimento do epigenoma é imprescindível para conhecer melhor as influências externas em nossos mais ínfimos níveis, responsável por nos tornar seres cada dia mais únicos.


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A importância silenciosa da Farmácia Hospitalar Por Louise Cardoso Ainda hoje, quando alguém busca os serviços de saúde, grande parte dos custos hospitalares envolvidos em seu tratamento destina-se à assistência farmacêutica. Durante a década de 1990, por exemplo, ela era responsável por mais de um terço de todo o orçamento dos hospitais do Brasil. E foi buscando combater tais gastos excessivos que se passou a estimular o desenvolvimento e modernização do Serviço de Farmácia Hospitalar. O conceito de farmácia hospitalar é definido, pela Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar, como uma unidade clínica, administrativa e econômica, dirigida por um farmacêutico e interligada com as demais unidades administrativas do hospital. Mas apenas em abril de 2013, em decisão do STF, determinou-se a presença obrigatória de um farmacêutico responsável, em período integral, em unidades de saúde que apresentem número igual ou superior a 50 leitos. A necessidade de adequação à determinação foi essencial para o crescimento do segmento, que até pouco tempo apresentava-se como um setor de menor importância. “O farmacêutico e a farmácia hospitalar têm um papel fundamental no processo de utilização de medicamentos”, afirma Julieta Ueta, docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP -

USP). Com experiência na área de Farmácia Clínica há 15 anos, a professora ressalta a importância da atenção farmacêutica na redução de mortes causadas por medicamentos: “Esta forma de trabalhar possibilita maior segurança do paciente e pode levar a custos reduzidos e menor morbimortalidade [incidência de doenças e/ou óbitos numa população]”. O farmacêutico hospitalar é o responsável legal por todo o fluxo de medicamento dentro da unidade de saúde. No que diz respeito a atividades de logística, suas funções englobam a correta armazenagem de materiais médico-hospitalares e medicamentos, além do planejamento, implementação e uso racional quanto à manipulação e dosagem de medicamentos prescritos, pensando sempre no melhor custo benefício e a segurança e bem-estar do paciente. Com base nisto, exige-se do farmacêutico hospitalar conhecimentos básicos de administração, habilidade para coordenação e liderança, e competências técnicas para implantação da Farmácia Clínica. Para os graduandos ou recém-formados que desejem atuar na área, os caminhos são muitos, desde estágio em hospitais públicos ou privados, programas de extensão universitária e cursos de especialização, até residências farmacêuticas. Existe ainda a possibilidade de instrução através


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Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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da iniciação científica, como é o caso da aluna de graduação do curso de Farmácia-Bioquímica da Universidade de São Paulo, Bruna Diniz de Lima: “Como aluna de iniciação científica em dois setores, pude desenvolver dois projetos distintos: desenvolvimento de pesquisa laboratorial e pesquisa voltada para atenção farmacêutica. Ambas as experiências foram essenciais para que eu compreendesse melhor qual área corresponde à expectativa que tenho para meu futuro profissional”. Bruna menciona que, devido à divulgação de estudos a respeito de segurança do

paciente promovida pela presença deste profissional em ambiente hospitalar, houve expansão de cargos destinados a farmacêuticos. Graças a esta recente dinamização da carreira, a atuação deixa de ser restrita a hospitais públicos ou privados, abrindo um leque de opções ao especialista em atenção farmacêutica, que encontra oportunidades em outros setores relacionados à atenção à saúde, como em farmácias comunitárias e populares, unidades básicas de saúde, ambulatórios, programas de saúde da família, secretarias de saúde e centros de pesquisa clínica.



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