al c i io pe r es rsรก รฃo v e iรง n i Ed a de
BioAtivo
editori al
2 editorial
bioativo Institucional
Caros leitores, Neste mês de Outubro, a BioAtivo completa três anos de existência. Então o Institucional trará uma breve retrospectiva da revista, contando como foi o início do projeto e as mudanças pelas quais ele passou desde sua criação. Para comemorar o aniversário da BA, esta edição traz matérias especiais em todas as editorias. Em Pesquisa&Inovação, você conhecerá o conceito de biomimética e alguns projetos desenvolvidos a partir dele. Também, saberá qual é o cenário da bioinspiração no Brasil. No Especial, trazemos as diversas dúvidas acerca do diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade e da prescrição de Ritalina para o tratamento. E na seção Mercado, discutimos se a quebra das patentes dos medicamentos é realmente a responsável pela diminuição das pesquisas na indústria farmacêutica ou se outras questões permeiam o tema. Não podemos deixar de agradecer a todos que já passaram pela equipe da BioAtivo e a você, leitor, que nos acompanha nessa trajetória. Boa leitura! Gabriela Fachin Diretora de Jornalismo Científico Jornalismo Júnior
BioAtivo comemora três anos de vida
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Notícias Novo composto químico pode tratar Alzheimer e Parkinson
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Veto de Dilma não altera a obrigatoriedade 5 de farmacêutico nos estabelecimentos Pesquisa busca entender o uso de remédios no Brasil
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Semente de 2 mil anos brota em Israel
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Insetos conseguem prever temporais e evitam copular com o tempo fechado
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Instituto Butantan inaugura novo prédio depois do incêndio de 2010
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pESQUISA E INOVAÇÃO Biomimética: inspirar-se é natural
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EsPECIAL TDAH: Uma doença com mais perguntas do que respostas
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mercado A quebra das patentes na indústria farmacêutica
BIO JÚNIOR - Diretoria: Davi Martinelli, Edmar Oliveira, Gabriela Christine Santos, Larissa Assis, Mathias Jorquera. Suplente: Bruna Bombarda. Presidente e Responsável pela BioAtivo: Priscilla Shiota Fedichina. Contato: biojr.usp@ gmail.com. FARMA JÚNIOR - Diretoria: Jéssica Rocha, Jessyca Kuba, Juliana Medeiros, Marcos Moretto, Paulo Souza, Thais Mikami, Vivian Borali. Responsável pela BioAtivo: Marcos Moretto. Presidente: Vivian Borali. Endereço: Av. Prof. Especial Lineu Prestes, 580 - Centro de Vivência, sala 14, Cidade Universitária. Contato: (11) 6901-5926 //farmajr@usp.br. JORNALISMO JÚNIOR - Edição: Bruna Rodrigues e Gabriela Fachin. Equipe: Ana Carolina Leonardi, Bárbara D’Osualdo e Murilo Carnelosso. Diagramação e Projeto Gráfico: equipe de Comunicação Visual da Jornalismo Júnior. Contato: (11) 3091-4085, jjr@usp.br, @jornalismojr. Foto de capa: http://wallpaperswide.com/. Autor desconhecido.
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BioAtivo comemora três anos de vida Por Bruna Rodrigues
Nº 1 | Outubro de 2010
Farma Júnior
Química Verde é aplicada na indústria farmacêutica DIVULGAÇÃO
A Química Verde busca o desenvolvimento de produtos menos agressivos ao homem e ao ambiente
SEMCO volta a ser organizada após 3 anos
Rosário Hirata fala sobre suas atividades na FCF
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DIVULGAÇÃO
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FCF discute alteração do título da graduação ARQUIVO FARMA JÚNIOR
ARQUIVO PESSOAL
A BioAtivo completa três anos neste mês. Para comemorar a data, o Institucional desta edição será um breve resgate da história e das particularidades da revista. No dia 27 de outubro de 2010, a primeira edição da BA foi publicada na plataforma issuu. Com o objetivo de substituir o jornal impresso Princípio Ativo (PA), que era produzido pela Farma Júnior desde a década de 1990, a nova publicação virtual trouxe o conteúdo e o projeto gráfico desenvolvidos pela Jornalismo Júnior. A parceria entre as duas juniores existe desde 2004 – ano de fundação da júnior de jornalismo e um dos primeiros trabalhos desenvolvidos por ela – ainda com o PA.
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Capa da 1ª edição da BioAtivo, lançada no dia 27 de outubro de 2010
BioAtivo Capa da 10ª edição da BioAtivo, que trouxe o novo layout desenvolvido pela equipe de Comunicação Visual da Jornalismo Júnior
Segundo Patrícia Chemin, a primeira editora da BioAtivo, “um dos principais motivos para essa mudança foi a facilidade de distribuição. É muito mais fácil acessar uma revista digital do que encontrar o jornal impresso. Assim, a publicação dobrou de tamanho, o layout ficou mais clean e até ganhou uma capa”. E acrescenta, “na minha opinião, foram só vantagens”. As primeiras edições possuíam cinco editorias. As que permanecem até hoje são Institucional e Notícias, mas as outras, Pesquisa, Raio-X e Diversão, foram reformuladas. Inicialmente mensal, devido às grandes mudanças em seu projeto gráfico, teve dificuldades em
4 institucional manter sua periodicidade no primeiro ano. Entretanto, com o passar das edições e a padronização de seu layout, a BioAtivo conseguiu se consolidar como uma revista de jornalismo científico, voltada para assuntos do universo farmacêutico. O segundo número de 2011 trouxe Beatriz Montesanti como editora. Para ela, foi um desafio dirigir uma publicação com essa proposta, visto que “quando falávamos dos temas que íamos tratar, eram sempre visíveis as impressões de interrogação no rosto de todos. Para nós, jornalistas, falar de ciências é sempre um desafio.” A partir de 2012, Bruna Romão foi responsável por dar continuidade a esse projeto. Durante a sua gestão, a BioAtivo passou por uma grande mudança no layout. “A FJ, na época, tinha feito uma pequena pesquisa com o público alvo e identificou algumas demandas, como maior atenção ao mercado e questões atuais do campo da saúde e farmácia, o que também nos ajudou a direcionar o novo projeto editorial e desenvolvê-lo juntamente ao gráfico”, explica Bruna.
bioativo Nessa modificação procurou-se transformar a parte gráfica em algo mais flexível e atraente, de modo a proporcionar uma experiência visual mais rica, com a possibilidade de explorar imagens e infográficos. As editorias também mudaram: foram inclusas Pesquisa & Inovação, Especial e Mercado, todas elas móveis. Por fim, em 2013, junto com as novas editoras Bruna Rodrigues e Gabriela Fachin, a Bio Jr. entrou como parceira, e a revista passou a ter como tema assuntos mais focados na biologia, sem deixar de lado a tradição em abordar o mundo da farmácia. A periodicidade também mudou, e as edições passaram a ser publicadas bimestralmente. Em três anos a BioAtivo mudou de rosto, conteúdo e equipe, contudo, a necessidade de trazer uma cobertura completa e criteriosa sempre foi uma grande preocupação de sua redação. Esperamos que mais edições possam vir, e que possamos continuar a fazer um jornalismo de qualidade.
BA em números Edições Editoras Repórteres Total de páginas Total de reportagens
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notícias 5 Foto: Thinkstock
Por Bruna Rodrigues e Gabriela Fachin
Novo composto químico pode tratar Alzheimer e Parkinson Uma substância que previne a morte do tecido cerebral, causada por doenças degenerativas, foi descoberta por pesquisadores da Universidade de Leicester, na Grã-Bretanha. Assim, um medicamento feito a partir dela seria capaz de tratar doenças como Alzheimer e Parkinson. Testes, feitos em camundongos com doenças que atingem o sistema nervoso, mostraram que os que receberam a substância não apresentaram danos nas células cerebrais. Já os que não receberam, tiveram problemas de memória e motores, e acabaram morrendo. Porém, o composto também afetou o pâncreas dos animais e entre alguns efeitos colaterais estão a perda de peso e diabetes leve. Fonte: http://portal.crfsp.org.br
Veto de Dilma não altera a obrigatoriedade de farmacêutico nos estabelecimentos
Pesquisa busca entender o uso de remédios no Brasil
O artigo 19 da Lei 12.865/2013, que pretendia modificar o artigo 15 da lei 5.991/1973, foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff. Contudo, segundo o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), o veto não altera a obrigatoriedade da presença do farmacêutico nas farmácias e drogarias durante todo o período de funcionamento. O novo artigo, que foi rejeitado, visava apenas esclarecer o termo “farmacêutico”.
O Ministério da Saúde promove uma pesquisa inédita sobre como o brasileiro usa os medicamentos. Através das entrevistas, o órgão quer saber se a população segue as prescrições médicas, se dá continuidade ao tratamento com remédios, tanto em casos de enfermidades comuns quanto de doenças crônicas, e ainda como é o acesso aos medicamentos no SUS (Sistema Único de Saúde). A coleta de dados para a Pesquisa de Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (Pnaum) já começou em três estados, mas a proposta é ouvir cerca de 38 mil pessoas em todo o Brasil.
Fonte: http://portal.crfsp.org.br
Fonte: http://www.fenafar.org.br
6 notícias Semente de 2 mil anos brota em Israel A Tamareira-da-Judéia, uma planta da região de Israel, está extinta há mais de 1,5 mil anos. Em 2005, uma botânica chamada Elaine Solowey teve a iniciativa de plantar uma semente com mais de dois mil anos de idade desse vegetal, que, contrariando as expectativas, cresceu e vive saudável desde então. Essa semente foi encontrada dentro de um vaso, em uma escavação em terras israelitas. Ela permaneceu 40 anos guardada, e só depois foi descoberta pela botânica. A importância histórica dessa tamareira é muito grande, visto que era um alimento básico na Judéia e foi mencionada diversas vezes no Antigo Testamento. Fonte: http://revistagalileu.globo.com
bioativo Insetos conseguem prever temporais e evitam copular com o tempo fechado Pesquisa realizada pela Esalq - USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) descobriu que insetos, como besouros, mariposas e pulgões, podem perceber leves mudanças da pressão atmosférica, com o intuito de prever tempestades. No caso dos besouros, quando a pressão atmosférica caía – uma das evidências de que vai chover – o macho perdia um pouco da atenção pelos feromônios da fêmea, o que evidencia que a preocupação maior no momento seria se abrigar do possível temporal, que pode causar sérios danos à sua estrutura. Fonte: http://www.folha.uol.com.br
Foto: Benjitheijneb/Wikimedia Commons
Instituto Butantan inaugura novo prédio depois do incêndio de 2010 O Instituto Butantan inaugurou no dia 24 de setembro um novo prédio para abrigar as suas coleções zoológicas, no mesmo lugar que, em 2010, um incêndio destruiu grande parte de seu acervo. A nova instalação tem uma área de 1,6 mil metros quadrados e sete salas, que contarão com as coleções de répteis, insetos e aracnídeos. Três destas já estão prontas, com a parte do acervo organizado. No total, o Instituto Butantan possui cerca de 20 mil serpentes em sua coleção, contudo, antes do incêndio, o número chegava a 90 mil. Fonte: http://www.folha.uol.com.br
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Biomimética: inspirar-se é natural
Ciência tira da natureza a inspiração para resolver problemas humanos complexos Por Ana Carolina Leonardi O que os pulmões, as ranhuras de uma folha e a tubulação de uma casa têm em comum? Menos do que deveriam ter, segundo a americana Janine Benyus, considerada uma das maiores especialistas em biomimética, conceito que tem se expandido nos últimos anos e chamado a atenção de empresas e pesquisadores. A biomimética, ou bioinspiração, visa encontrar soluções para problemas tecnológicos através da análise dos procedimentos naturais. No caso da pergunta inicial, estudos mostram que as ramificações dos brônquios e as ranhuras das folhas se dão a partir de uma mesma expressão matemática, formando o sistema de distribuição mais refinado do planeta. É possível imaginar o quão ultrapassados são nossos encanamentos e seus ângulos de 90 graus perto disso.
Um dos princípios dessa ciência é o reconhecimento da sabedoria natural. As espécies que vemos hoje são resultado de bilhões de anos de pressão seletiva, resultando na sofisticação de seus mecanismos. É isso que faz das soluções biomiméticas tão aprimoradas e praticamente à prova de erro. Os 3,8 bilhões de anos de vida na Terra dão nome à companhia de Janine Benyus, a Biomimicry 3.8, que presta consultorias de bioinspiração e inovação ao redor do mundo, além de promover eventos educacionais sobre o tema. A biblioteca AskNature.org é fruto desse trabalho, registrando tanto as soluções biomiméticas desenvolvidas por diversas empresas quanto fenômenos naturais interessantes à espera de aplicação prática. Também para explorar o potencial da biomimética, a San Diego Zoo Global, responsável pela criação do zoológico Fotos: Wikimedia Commons
Folhas e pulmões são inspiração para tecnologias mais sofisticadas do que as que temos em casa
8 pesquisa e inovação de San Diego, fundou o Centre for Bioinspiration. Um dos objetivos dessa iniciativa é liderar a formação de um pólo de desenvolvimento biomimético que, segundo o relatório da Universidade Nazarena de Point Loma (PLNU), pode trazer um aumento de 325 milhões de dólares no produto regional bruto de San Diego.
Medidor de bioinspiração
professor explica que pesquisadores têm analisado a dinâmica do caminhar humano em busca de soluções para um consumo mais eficiente de energia nos robôs bípedes. Segundo publicado na Revista National Geographic, em julho de 2006, o corpo humano age como um pêndulo inverso durante o passo - a perna serve de ponto de apoio para que o corpo se projete para a frente, em um movimento em forma de arco. Isso reduz a carga de trabalho em 65%. Como resultado, Cordero diz que, com a energia que gastamos a cada 1,4 quilômetro andado, um robô caminharia por volta de 30 metros. Algumas criações biomiméticas impressionantes já podem ser vistas e Foto: Wikimedia Commons
Com a SDZ Global, surgiu também o Da Vinci Index. Administrado pela PLNU, é o primeiro índice econômico que procura mensurar a atividade de pesquisa e aplicação comercial da biomimética. O nome é uma homenagem a Leonardo Da Vinci, uma vez que muitas de suas invenções tem a inspiração na natureza como marca. Através do índice, foi possível perceber o impulso da atividade biomimética de 2000 a 2012 - em doze anos, a pontuação do indicador passou de 100 a mais de 1000. Esse número leva em conta, entre outras coisas, quantos artigos acadêmicos foram escritos sobre o tema e quantos produtos foram patenteados. Isso significa que, tanto na academia quanto nos negócios, essa área tem sido cada vez mais explorada. Artur Forner-Cordero, responsável pelo Laboratório de Biomecatrônica da Escola Politécnica (USP), falou de um desafio cuja solução tem sido buscada através da bioinspiração aliada à engenharia. O
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Caminhar humano é exemplo para robôs
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pesquisa e inovação 9 Foto: Wikimedia Commons
até mesmo utilizadas. Tornaram-se virais na internet propagandas de produtos como o Never Wet, o Nanotech e o Ultra Ever Dry, que prometem ser capazes de tornar qualquer superfície impermeável. Esse efeito é baseado no efeito lótus, encontrado na flor-de-lótus. Suas folhas são recobertas por cristais de cera, que criam um ângulo de contato entre elas e o líquido, formando gotículas não aderentes. Quando essas gotículas escorrem, levam também partículas de sujeira e poeira. Os produtos usam nanoestruturas para imitar o efeito dos cristais, criando assim uma camada protetora impermeável e autolimpante.
Ar condicionado natural Um dos ícones da construção civil biomimética é o Eastgate Centre, edifício construído no Zimbábue, cujo sistema de ventilação é baseado nos cupinzeiros. A temperatura do ar nos ninhos de cupim permanece estável mesmo com grandes variações da temperatura externa, graças à alta capacidade térmica de seu revestimento. A circulação de ar se dá por convecção. Dada a pequena amplitude térmica do Zimbábue, o arquiteto Mick Pearce pôde fazer uso de princípios simples como “o ar quente é mais denso que o ar frio” para criar um projeto de resfriamento passivo e economizar 10% dos custos de construção no ar condicionado. Para a professora de Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP Vanessa Gomes da Silva, levará ainda muito tempo para
Flor de lótus também é inspiração que iniciativas como essa se tornem comuns. Na Austrália, por exemplo, uma tentativa de replicar o trabalho feito no edifício fracassou. Segundo Vanessa, um projeto como esse depende muito dos recursos locais. Ela conta que, quando o objetivo é formar um projeto passivo completo, todos os detalhes têm de estar vinculados ao contexto de implantação. “Não adianta se [o projeto] depende de certo padrão de circulação de ar e, naquele lugar, esse padrão não existe”. Destacou ainda outros obstáculos, como os custos de mão de obra e terreno. Tais
10 pesquisa e inovação gastos, no Zimbábue, não eram tão altos como seriam na Austrália. Além de tudo isso, é preciso contar com uma equipe de projetos receptiva a inovações, disposta a alterar seu modus operandi, um perfil que, para a professora, nem sempre é fácil de encontrar.
bioativo Empresa brasileira aposta na biomimética No Brasil, a Natura tem se destacado por trazer a biomimética para a sua área de inovação. A gerente de Ciência e Tecnologia da empresa, Ines Francke, diz
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pesquisa e inovação 11 Foto: www.mnn.com
Velcro é um dos vários casos de aplicação da biomimética em nosso dia a dia que a aproximação com o tema começou em 2009. Monitorando o surgimento de novos conceitos, depararam-se com o trabalho de Benyus, e a ideia por trás dele chamou atenção. “A Natura vê um potencial muito grande em agregar esse conhecimento, até porque buscamos nos tornar um ecossistema como empresa”, conta ela. Ines acrescenta que o conceito, apesar de simples de entender, não é fácil de aplicar. É preciso treinar os pesquisadores nesse olhar diferenciado e, para tanto, firmou-se o contato entre a Natura e a equipe de Janine, procurando compreender ao máximo como trazer a biomimética para o negócio. Desde 2009, por duas vezes Janine visitou o Brasil convidada pela Natura. Na segunda vez, em 2013, tratou-se de um convite em conjunto com a Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP). O objetivo era a aproximação com o trabalho da Biomimicry 3.8 “não só para pessoas da Natura, mas também com pensadores das universidades, para criar esse vínculo”. O diretor de Ciência e Tecnologia da Natura, Victor Fernandes, participou de um painel na conferência mundial organizada pela Biomimicry 3.8. Francke falou da importância dessa participação, uma grande chance de mostrar que o Brasil também tem desenvolvido essa temática. A expectativa entre acadêmicos e empresas é de grande crescimento na área, especialmente no momento atual, em que o apelo por sustentabilidade é forte e, em todo mundo a forma de encarar os recursos naturais tem mudado. Espera-se grandes coisas da ciência que, usando uma frase de Janine Benyus, usa “a natureza como modelo, como medida e como mentor”.
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TDAH: uma doença com mais perguntas do que respostas Uma das dúvidas sobre o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade é a eficácia da Ritalina, remédio que promete amenizar seus sintomas Por Murilo Carnelosso Com que frequência você comete erros por falta de atenção ou tem dificuldades de se manter atento quando tem de trabalhar num projeto chato ou difícil? Você tem o hábito de colocar as coisas fora do lugar ou tem dificuldade de encontrá-las em casa ou no trabalho? Estas perguntas fazem parte de um questionário desenvolvido com o aval da OMS (Organização Mundial da Saúde) para diagnosticar se adultos possuem TDAH, o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. Mas não é preciso se preocupar muito, essas perguntas foram feitas para serem assim, bem genéricas. Segundo Camila Tarif Ferreira Folquitto, psicóloga e doutoranda sobre TDAH pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, “os questionários são pouco conclusivos por si mesmos, pois o diagnóstico da doença é difícil. Este depende de um profissional que tenha uma formação multidisciplinar, que saiba analisar o que realmente caracteriza um sintoma”. Ou seja, será a partir da percepção de um psiquiatra ou um neurologista, que a doença será detectada. Só pelo questionário, é bem possível que
qualquer pessoa que o respondesse fosse diagnosticado com a doença. É exatamente nessa característica que nasce a primeira desconfiança dessa doença cercada de dúvidas e controvérsias. Por depender de uma visão clínica apurada para que haja uma análise correta do paciente e o reconhecimento dos sintomas, o que ocorre no Brasil é uma banalização do diagnóstico desta enfermidade, já que há poucos médicos capacitados nesta área. Além do risco de ser diagnosticado com TDAH sem de fato ter a doença, outro problema que ronda o transtorno é a prescrição indiscriminada de Ritalina, medicação comumente indicada para estes casos. Amada por uns, odiada por outros, ela tem sua eficiência muito questionada, assim como se ela não seria um medicamento muito forte para ser ministrado para crianças, as principais afetadas pelo TDAH.
Afinal, o que é o TDAH? Segundo a maioria das pesquisas medicinais sobre o tema, o TDAH é um transtorno neurobiológico. Ou seja, é
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uma alteração comportamental, que se expressa neste caso em sintomas como desatenção, inquietude e impulsividade, mas que seria causada por problemas neurais. O que é mais consistentemente demonstrado é que o transtorno seria causado por uma imaturidade geral do córtex cerebral, principalmente das áreas pré-frontais, que são as responsáveis pela regulação da atenção e pelo controle de impulsos. Porém, é complicado que haja certeza sobre quais áreas do cérebro são realmente afetadas. As pesquisas em neuroimagem, que atualmente estão bem avançadas e conseguem fazer análises
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profundas sobre a atividade cerebral humana, não conseguiram demonstrar de forma definitiva e consolidada as alterações no cérebro de um portador de TDAH. Até por isso, o diagnóstico é impossível de ser feito através de um exame objetivo, que aponte com dados concretos a presença ou não da doença. Como foi apresentado no começo da reportagem, é utilizado um questionário em conjunto com uma profunda análise comportamental dos pacientes - que são em maioria crianças - feita pelo médico. Esta irá se basear na história do desenvolvimento do indivíduo, dos sintomas, do funcio-
14 especial namento familiar, do seu comportamento nos diferentes ambientes que está inserido, e assim indicar se há ou não a presença do distúrbio. Guilherme Polanczyk, professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Faculdade de Medicina de São Paulo, afirma que “clínicos bem treinados, que levem em consideração todos esses fatores, geram diagnósticos com alta validade e confiabilidade”.
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A psicóloga levanta outro ponto importante sobre os problemas de se obter um diagnóstico preciso: “a estrutura educacional vigente tem dificultado muitas vezes um bom desenvolvimento das crianças, e muitas dificuldades no âmbito escolar têm sido interpretadas como patologias”. Ao analisar dessa forma, fica impossível não relacionar o transtorno com o ambiente social em que o sujeito está TDAH ou uma pequena inserido. Polanczyk afirma que “a etiolodesatenção? gia das doenças mentais é complexa, e entende-se que fatores genéticos, biolóOs sintomas mais presentes em uma gicos e ambientais interagem de diversas pessoa com TDAH são a dificuldade de formas”. No caso do TDAH, ele aponta sustentar atenção e regulá-la entre di- que “aspectos ambientais podem inferentes estímulos, desorganização, di- fluenciar a apresentação e evolução do ficuldade de planejamento, inquietu- transtorno”, mas que as evidências de de motora e impulsividade. Porém, até que eles pudessem causar a doença são certo ponto, qualquer um de nós pode “menos fortes”. apresentar algumas dessas caracterísAssim, se ainda há dúvidas sobre quais ticas, em maior ou menor grau. E isso são todas as alterações biológicas relanão quer dizer que tenhamos o distúrbio cionadas à presença do TDAH, é possível de atenção. Como não é possível provar afirmar pelo menos o comportamento objetivamente a presença do TDAH e que um portador do distúrbio apresenos sintomas podem se apresentar mes- ta. Contudo, é preocupante o aumento mo em quem não tenha o transtorno, é vertiginoso do número de diagnósticos possível questionar se ele de fato existe. da doença não só no Brasil, como em Segundo a psicóloga Camila, “o que hoje todo o mundo. Nos EUA, de acordo com é denominado de TDAH, enquanto fenô- os Centros de Controle e Prevenção, prameno de manifestações comportamen- ticamente um em cada cinco meninos tais, existe pois realmente encontramos do Ensino Médio é diagnosticado com crianças com um padrão de agitação e/ déficit de atenção, assim como 11% das ou desatenção muito intenso, que as im- crianças em idade escolar. pede de realizar suas atividades de maSobre este fenômeno, Camila Folquitto neira adequada e as prejudica até mes- analisa que “a disseminação de conhemo no contato social”. cimentos sobre o TDAH provocou como
especial 15 ‘efeito colateral’ uma banalização desse diagnóstico”. Polanczyk, por sua vez, vê no fato do treinamento formal médico em TDAH ser recente a possibilidade da existência de uma “proporção de diagnósticos equivocados”. Mas mesmo com números como este, em que quase um quinto dos adolescentes americanos possui oficialmente o TDAH, para ele ainda há um grande número de indivíduos sem o diagnóstico.
Então a solução é Ritalina? Na maioria dos casos diagnosticados é receitada a Ritalina, nome comercial do cloridrato de metilfenidato, ou simplesmente metilfenidato, produzida pela
empresa Novartis. Também há o Concerta, com o mesmo princípio ativo, só que menos conhecido, produzido pela Janssen Cilag. Esta substância é um estimulante do sistema nervoso central, mas a própria bula do remédio afirma que “seu mecanismo de ação no homem ainda não foi completamente elucidado”. O que se sabe no entanto é que ela ativa o sistema de excitação do tronco cerebral e o córtex. Ou seja, ela provocaria maior produção e reaproveitamento de neurotransmissores, o que auxilia o paciente a se concentrar, além de reduzir a hiperatividade. Os efeitos colaterais mais comuns são nervosismo e insônia, apesar de outros Foto: Wikimedia Commons
16 especial sintomas, desde sonolência, tontura ou febre, até dores abdominais, vômitos, taquicardia, arritmias e alucinações ocorrerem também com certa frequência. Em casos mais raros, pode até ocasionar convulsões. A reação mais comentada, principalmente no caso de crianças, é o possível “efeito zumbi” que a Ritalina causa, deixando-as apáticas ou letárgicas. Até por isso, o medicamento só é indicado para crianças acima de seis anos, já que para indivíduos abaixo dessa idade não se tem muita certeza dos efeitos que o remédio pode causar. Praticamente todos os profissionais da área alertam que o tratamento do TDAH não pode ser feito apenas com Ritalina. O próprio professor Polanczyk afirma que
bioativo “nenhum médico bem treinado acredita que apenas a medicação pode resolver os problemas causados pelo TDAH”. Porém, ele também ressalta que, em sua opinião, “o tratamento medicamentoso é muito importante, muitas vezes fundamental”. Mas o que vem ocorrendo, principalmente no Brasil, é um aumento vertiginoso de seu consumo. Somos o segundo país que mais consome o metilfenidato no mundo, apenas atrás dos EUA. Segundo dados da Anvisa, em 2009 eram vendidas mais de 550 mil caixas do medicamento em todo o Brasil. Em apenas dois anos, o número mais que dobrou. Em 2011 foram comercializadas mais de 1,2 milhão de caixas deste remédio no país.
bioativo A psicóloga explica esta escolha quase unânime dos profissionais em receitar Ritalina. “A indústria farmacêutica tem apoiado parte das pesquisas médicas sobre o tema, e nesse sentido, o uso de medicamentos tem sido prática frequente para o tratamento”, e continua, questionando até que ponto o remédio é efetivo: “atualmente se sabe que este tipo de tratamento demonstra resultados para o controle de atenção e agitação, mas não favorece o desenvolvimento de crianças com este transtorno, nem tampouco influencia em outras questões importantes, como emocionais e sociais”. Para se ter uma ideia da influência da indústria farmacêutica que Camila comenta, a Novartis, empresa que produz a Ritalina, possui seu logo registrado no site da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) como um de seus apoiadores. A BioAtivo entrou em contato com a empresa que declarou que “o interesse da Novartis em apoiar a ABDA está no objetivo compartilhado entre a empresa e a missão desta Associação, que é a de divulgar informações científicas sobre o TDAH, capacitar profissionais de saúde e oferecer suporte e orientação a grupos de apoio, portadores e familiares”.
Por que continuamos acreditando na Ritalina? É inegável que a Ritalina reduz os sintomas de desatenção e hiperatividade. Mas o questionamento sobre sua efeti-
especial 17 vidade em auxiliar no desenvolvimento principalmente de crianças que sofrem do transtorno é cada vez maior. Uma pesquisa realizada por Camila Folquitto analisou o desenvolvimento de crianças diagnosticadas com TDAH e outras sem o transtorno, e atestou que aquelas com déficit de atenção costumam emitir um tipo de pensamento inferior ao esperado para suas idades. Contudo, quando comparou as que utilizavam metilfenidato com as que não tomavam nenhum medicamento químico, não houve diferença entre os grupos. Esse é mais um exemplo de que o TDAH pode, sim, existir, mas talvez a Ritalina não seja a melhor forma de tratamento. Camila explica, ainda, porque preferimos o uso de remédios ao invés de soluções psicológicas ou pedagógicas: “a medicação é o tipo de tratamento mais comum, com mais estudos sobre eficácia, já que é difícil realizar análises que mensurem o êxito de outros instrumentos menos objetivos, é mais barata, pois está disponível no SUS, e possui resultados imediatos. Assim, pode haver a ilusão de uma ‘pílula mágica’ que resolverá todos os problemas, o que sabemos no meio científico que não ocorre”. E a pesquisadora finaliza: “Esta alternativa de tratamento tem sua relevância, porém acredito que, no nosso contexto brasileiro, está sendo superestimada, inclusive porque é mais fácil adotar medidas imediatas do que transformar estruturas escolares e de atenção à saúde”.
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A quebra das patentes na indústria farmacêutica Empresas culpam os lucros menores pela diminuição das pesquisas, mas esgotamento da técnica utilizada se mostra a verdadeira razão Por Bárbara D’Osualdo Apesar de parecerem fazer parte de regulamentações recentes, as patentes existem há mais tempo do que seria comum imaginar. Fala-se de sua criação por volta do século 15 para proteger os
inventores e suas criações e garantir que aqueles usufruíssem de sua propriedade intelectual. A produção de medicamentos segue a mesma lógica. É concedido um período de exclusividade – em que medicamentos genéricos não podem ser fabricados Foto: Mateus Hidalgo - Wikimedia Commons
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mercado 19 Foto: Elza Fiúza/ABr - Wikimedia Commons
– para que os laboratórios consigam pagar os investimentos das pesquisas e obter lucros. Atualmente, está em vigor um sistema internacional de patentes, que se iniciou no final do século 19 e estabelece as bases que devem ser seguidas por todo o mundo, embora cada país o ajuste de acordo com a sua soberania. A indústria farmacêutica segue os moldes das patentes de outras indústrias: uma patente normal tem duração de 20 anos, contados da data em que o pedido de patente é protocolado, no caso do Brasil, perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Nesse cenário, é possível que a patente se estenda por
algum motivo ou seja renovada sob a justificativa de pequenas alterações ao medicamento original. Essa é uma estratégia conhecida como evergreening, que busca atrasar a concorrência de medicamentos genéricos. No entanto, por envolver, além de questões econômicas – a indústria de medicamentos é uma das mais lucrativas do mundo –, questões de saúde e segurança pública, as patentes de medicamentos geram polêmicas e discussões. Primeiramente, os altos custos de certos medicamentos em período de exclusividade impediriam o tratamento de pacientes que não apresentassem condições
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Foto: Divulgação
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Antirretroviral efavirenz, que teve licenciamento compulsório renovado em 2012 econômicas suficientes ou tornariam os gastos de governos para oferecerem esses tratamentos muito custosos. Tendo isso em vista, um artifício comum utilizado pelos Estados também é envolto em polêmicas: a Licença Compulsória de patentes. Tal licença, aplicada em situações de interesse público – como emergência nacional, outras circunstâncias de extrema urgência ou em casos de uso público não comercial – é decretada pelo governo. Ela consiste em uma suspensão temporária do direito de exclusividade do titular de uma patente, seguindo normas estabelecidas em acordos internacionais e acarreta, muitas vezes, posterior negociação ou indenização.
O Brasil, por exemplo, utilizou-se da licença compulsória para viabilizar a distribuição gratuita de remédios para tratamento de portadores de HIV pelo sistema público de saúde. Os EUA também se utilizaram da medida durante a epidemia da gripe suína, permitindo a produção de genéricos baseados em medicamento referência de um laboratório europeu. Outra polêmica existente em relação às patentes é sobre a duração destas. Argumenta-se, principalmente pelo lado das empresas, que o curto período de tempo que os laboratórios apresentam para explorar exclusivamente o mercado e obter lucros estaria desestimulando o investimento em certas pesquisas, porque os
bioativo laboratórios não veriam um grande retorno financeiro. “O registro de um medicamento é que dura muito tempo. Há cerca de dez anos de trabalho para que esse produto chegue ao consumidor, e a patente já está em vigor. Sobraria, então, cerca de dez anos para explorar o mercado. Alguns dizem que esse período não seria suficiente, mas tem sido até hoje. Então, eu discordo desse argumento”, afirma Humberto Ferraz, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Segundo ele, o que atrapalha o avanço de novas pesquisas é, na realidade, outra questão: o esgotamento do modelo adotado pela indústria farmacêutica, que se apoia no lançamento de novas moléculas. Esse sistema baseia-se em trabalhar e alterar moléculas até se criar novas, mas essas possibilidades estão se extinguindo. “É preciso, portanto, abrir novas fronteiras. É o que se fala sobre a biotecnologia. Ela possibilitaria a exploração de
mercado 21 outros tipos de moléculas. Então viria a pesquisa. A diminuição do lançamento de novos produtos não se deve a um problema de patentes, deve-se à limitação técnica”, afirma Ferraz. Contudo, é visível que os interesses financeiros apresentam, sim, influências nas indústrias. É o caso das doenças negligenciadas, que são aquelas que acometem, em geral, pessoas em países pobres ou em desenvolvimento – ou seja, pessoas às margens do sistema de saúde, e para as quais a indústria não investe em pesquisas para tratamentos, uma vez que veem grande gasto para pouco retorno. “Entretanto, existem iniciativas de empresas – devido à repercussão negativa para a imagem destas – apoiando novos projetos. Agora, é preciso uma união de forças entre os países que enfrentam essas doenças, as indústrias que têm grande experiência em pesquisa, e também as universidades para poder alavancá-los”, afirma o professor. Foto: Marcos Santos - USP Imagens