BioAtivo 20ª Edição

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BioAtivo


editori al

2 editorial Caros leitores, Anunciamos com pesar que a 20ª edição da Bioativo será sua penúltima publicação. Agradecemos a todos nosso parceiros, leitores e jornalistas, que fizeram dessa revista um espaço de profunda discussão e divulgação da ciência, em especial nas áreas de farmácia e biologia. A derradeira edição virá no mês de agosto deste ano. A partir de agora, o núcleo de jornalismo científico da Jornalismo Júnior se dedicará a outros projetos, entre eles a produção de um novo site sobre ciência, com abordagem mais leve que alcance também a outras áreas do conhecimento. Nesta edição, trazemos em Pesquisa & Inovação a chave do desligamento do cromossomo da síndrome de down. Utilizando o gene Xist, que silencia a função de um dos cromossomos X da mulher, se está conseguindo desligar também o cromossomo extra que causa a aberração genética. Em Mercado, exploramos a incomum profissão da entomologia forense. A partir do conhecimento sobre insetos, é possível auxiliar a polícia e o direito em investigações e casos jurídicos, ao estilo do seriado americano CSI. E em nosso Especial, discutimos as frequentes overdoses de remédios comuns. Alguns deles tem dose letal muito próxima à terapêutica, causando problemas relacionados à automedicação. Matheus Sacramento Diretor de Jornalismo Científico Jornalismo Júnior

bioativo Institucional Farma Júnior aposta em atividades de capacitação profissional

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Notícias Nasce primeiro bebê gerado a partir de ovário congelado na infância

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Sul-coreano é primeiro caso confirmado de 5 vírus Mers na China Chipanzés têm capacidade cognitiva de cozinhar, diz estudo

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Usado como alimento na China, pássaro está ameaçado de extinção

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Fusão de células normais pode desencadear 6 processos cancerígenos Chipanzés têm capacidade cognitiva de cozinhar, diz estudo

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pESQUISA E INOVAÇÃO A chave para o “desligamento” do cromossomo da Síndrome de Down

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EsPECIAL Overdose de remédios comuns: quando a 10 cura se torna a causa mercado Entomologia Forense ou CSI de Inseto

BIO JÚNIOR – Contato: biojr.usp@gmail.com. FARMA JÚNIOR – Endereço: Av. Prof. Lineu Prestes, 580 – Centro de Vivência, sala 14, Cidade Universitária. Contato: (11) 6901 – 5926, farmajr@usp.br. JORNALISMO JÚNIOR – Edição: Carolina Marins, Flávio Ismerin, Leonardo Mastelini e Regina Santana. Diagramação e Projeto Gráfico: equipe de Comunicação Visual da Jornalismo Júnior. Contato: (11) 3091-4085, jjr@usp.br, @jornalismojr.

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institucional 3

Farma Jr. aposta em atividades de capacitação profissional Visitas técnicas, workshops e palestras apresentam o mercado aos futuros profissionais farmacêuticos

Atual gestão da Farma Jr. Por Guilherme Eler O calendário anual de atividades da Farma Jr. traz quatro grandes projetos para 2015. O foco no desenvolvimento profissional dos integrantes e dos alunos da graduação em farmácia é traduzido na promoção de workshops, palestras e visitas que visam compor a experiência do aluno na graduação e na própria empresa da forma mais proveitosa possível. A atual gestão buscou estabelecer contato com empresas em que existe atuação do profissional farmacêutico, como as do ramo alimentício e de medicamentos, afim de viabilizar a promoção de visitas técnicas. A fábrica da Coca-Cola em Jundiaí se prontificou a oferecer uma visita monitorada na segunda semana de setembro. A Bayer, uma das maiores farmoquímicas do

mundo com duas unidades fabris em São Paulo, também se mostrou disposta a receber os alunos a partir do terceiro ano da graduação. Camila Felix, diretora do departamento de Projetos da Farma Jr., explica os objetivos da empresa ao realizar as atividades extra-campo. “As visitas monitoradas são sempre feitas em lugares que o farmacêutico pode atuar. Elas visam mostrar aos alunos a importância, a função e quais atividades podem ser realizadas pelos farmacêuticos nessas empresas. Geralmente, elas são voltadas a todos os alunos da graduação, entretanto, algumas empresas preferem receber alunos que já passaram pelo ciclo básico e portanto têm um maior conhecimento da área.”


4 institucional Outro projeto em desenvolvimento visa organizar um workshop de alimentos. Planeja-se fazer um evento de três dias com palestras e aulas práticas sobre temas como a produção de doces com baixo teor de açúcar, alimentos funcionais e nutrição esportiva. A ideia é trazer as informações com um caráter mais descontraído, de forma a mostrar aos alunos de graduação que é possível fazer alimentos mais saudáveis sem que haja perdas no sabor e qualidade. A empresa também quer fazer uma palestra com o tema “Farmácia Hospitalar” para os alunos da graduação da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade

bioativo de São Paulo (FCF-USP). Esta prevê o debate sobre a importância do tema, bem como a inclusão do farmacêutico no ambiente hospitalar e os desafios profissionais de quem atua nesse ramo. Ainda para esse ano, no segundo semestre, há a possibilidade de um workshop ser realizado no último dia da Semana de Cosmetologia, evento promovido pela própria Farma Jr desde 1999. A décima segunda edição da SEMCO, que acontecerá entre os dias 31 de agosto e 5 de setembro, trará temas como maquiagem, perfumes, tratamento capilar e o papel da indústria farmacêutica na cosmetologia. Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Fachada da Faculdade de Ciências Farmacêuticas


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notícias 5

Foto: USP Imagens

Nasce primeiro bebê gerado a partir de ovário congelado na infância Uma jovem de 27 anos deu à luz o primeiro bebê gerado a partir da atividade de um ovário que havia sido congelado. Aos 13, a mãe foi diagnosticada com anemia falciforme e se submeteu a um transplante de medula óssea, passando por quimioterapia para que não houvesse rejeição. Como a quimioterapia é um tratamento agressivo, que poderia danificar os ovários da paciente, os médicos decidiram retirar um deles e congelar pedaços do tecido. O método pode ser uma esperança para pacientes com alto risco de falência ovariana, como pessoas que lutam contra linfoma e leucemia. Fonte: http://oglobo.globo.com

Sul-coreano é primeiro caso confirmado de vírus Mers na China

Chipanzés têm capacidade cognitiva de cozinhar, diz estudo

A China informou em 29/05 que um sul-coreano teve um exame positivo para a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers, na sigla em inglês), o primeiro caso confirmado da doença na China. Identificado pela primeira vez em humanos em 2012, o Mers é causado por um coronavírus da mesma família que desencadeou o surto letal de Síndrome Respiratória Aguda Grave na China em 2003. Não há cura ou vacina.

Testes revelaram que os animais conseguem transportar a comida para ser preparada e guardar alimentos para o cozimento posterior. A conclusão dos estudiosos é de que os mecanismos cognitivos para cozinhar estavam nos primeiros humanos e que eles se desenvolveram a partir do controle do fogo. Eles sugerem ainda que o ato de cozinhar pode ter sido influenciado na necessidade humana de controlar o fogo.

Fonte: http://noticias.r7.com

Fonte: http://ciencia.estadao.com.br


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Fusão de células normais pode desencadear processos cancerígenos

Usado como alimento na China, pássaro vem sendo ameaçado de extinção

Cientistas submeteram células epiteliais intestinais de ratos a processos de estimulação química para provocar sua fusão, e posteriormente injetaram estas células fusionadas em ratos de laboratório. Os dados registrados indicaram que nos 12 meses seguintes à injeção foi detectada a formação de tumores em 61% dos ratos com células fusionadas, e não havia tumores no caso de células não fusionadas dos ratos do grupo de controle.

O número de escrevedeiras-aureoladas diminuiu 90% desde 1980, desaparecendo do leste da Europa, da Rússia e do Japão. Devido a este rápido declínio, a China proibiu em 1997 a caça desta espécie, no entanto, milhares destas aves, junto com outros pássaros cantores, ainda são caçados como alimento e até 2013 podiam ser encontrados no mercado negro, segundo o estudo. Os investigadores afirmam que o consumo aumentou devido ao desenvolvimento econômico e à prosperidade no leste da Ásia, onde estima-se que apenas na província de Guangdong, no sul da China, um milhão destas aves tenham sido consumidas em 2001.

Fonte: http://oglobo.globo.com

Fonte: http://noticias.uol.com.br

Foto: Marcos Santos/Usp Imagens

Tetraplégico consegue mover braço robótico que ‘entende’ suas vontades Paralisado do pescoço para baixo há mais de dez anos devido a um ferimento à bala, Erik G. Sorto, de 32 anos, dependia de outras pessoas para realizar mesmo as tarefas mais simples do dia a dia, como tomar um copo d’água ou coçar o nariz. Graças a um braço robótico que controla com seu pensamento, de uma maneira mais “intuitiva” e com movimentos mais “fluidos” do que os vistos em mecanismos disponíveis até o momento, o estadunidense americano já foi capaz de adquirir relativa independência — e até jogar “pedra, papel ou tesoura”. Fonte: http://oglobo.globo.com


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A chave para o “desligamento” do cromossomo 21 O gene responsável por desativar um dos “X” femininos é utilizado para silenciar o cromossomo extra causador da síndrome de Down

Por Carolina Marins Em junho de 2013, a revista Nature publicou uma pesquisa que encheu de esperanças a comunidade científica e os portadores da síndrome de Down. Realizada pela Universidade de Massachussetts, nos EUA, o trabalho comandado pela bióloga celular Jeanne Lawrence promete silenciar o cromossomo extra que causa a deficiência. A síndrome de Down ou trissomia do cromossomo 21 consiste em uma alteração genética causada por um erro durante a divisão celular. Em vez de dois cromossomos no par 21, o portador possui três. Diferentemente das pessoas saudáveis, que têm 46 cromossomos divididos em 23 pares, os portadores da da trissomia possuem 47, devido ao cromossomo adicional no par de número 21.

Segundo o projeto Genoma Humano, o cromossomo 21, o menor dentre os cromossomos humanos, possui 255 genes, cada um responsável pela produção de uma ou mais proteínas. No caso da trissomia, ocorre uma produção tripla destas proteínas. Tal alteração torna os portadores semelhantes fisicamente. Em descrição do médico e cientista brasileiro, Dr. Drauzio Varella: “Olhos oblíquos semelhantes aos dos orientais, rosto arredondado, mãos menores com dedos mais curtos, prega palmar única e orelhas pequenas, diminuição do tônus muscular responsável pela língua protusa, dificuldades motoras, atraso na articulação da fala e, em 50% dos casos, cardiopatias”.


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Foto: revista Veja

Além da semelhança física, a trissomia pode causar atraso no desenvolvimento, problemas cardíacos, respiratórios, no sangue, entre outros. A pesquisa, que foi entregue à revista Nature em 2012, mas só aceita em junho de 2013, dada a sua complexidade, utilizou de um gene chamado Xist (X inactivation gene ou gene do X inativo) para silenciar o cromossomo extra. O Xist é um gene natural presente nas mulheres. Sua função é silenciar um dos cromossomos X nos mamíferos do sexo feminino. Como as mulheres possuem dois cromossomos X (XX) e os homens apenas um (XY), é necessário encontrar uma forma de compensar essa diferença. O papel do Xist é exatamente esse: silenciar um dos cromossomos X nas fêmeas para que a dose seja a mesma para ambos os sexos. Reparando nessa função do gene, a equipe da bióloga Lawrence começou a trabalhar em cima da possibilidade de utilizar o gene para silenciar o cromossomo extra do par 21. Utilizando células-tronco retiradas da pele de um portador da síndrome de Down, os cientistas inseriram no cromossomo extra uma cópia do Xist. O efeito foi o mesmo causado no cromossomo X feminino: O Xist liberou uma molécula de RNA que revestiu as paredes do cromossomo e bloqueou a expressão de seus genes. Dessa forma, o cromossomo 21 funcionou como se possuísse apenas um par. Para alocar o gene Xist, os cientistas utilizaram de uma enzima capaz de quebrar o cromossomo extra e, antes que este fosse capaz de se recuperar naturalmente, inseriram o gene. Este conseguiu silenciar o cromossomo extra permanentemente e, por diferentes métodos, os cientistas provaram que ele não se ativaria de forma espontânea mais tarde.

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Além do Down, esse experimento pode contribuir para outras anomalias genéticas como as síndromes de Edward e Patau, causadas por cópias extras dos cromossomos 18 e 13, respectivamente. O projeto foi todo realizado com células in vitro e agora parte para pesquisas com embriões de ratos, porém não se sabe quando poderá ser aplicada em humanos. Para o Prof. Dr. Zan Mustacchi, Diretor Clínico do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (CEPEC-SP) e responsável pelo Departamento de Genética Clínica do Hospital Infantil Darcy Vargas, o teste em humanos ainda pode demorar por volta de 10 anos para acontecer. Em entrevista à BioAtivo, o professor explica que é preciso saber exatamente qual dos três cromossomos do 21 pode ser desligado. A espécie humana sobrevive com um par de cromossomos 21 ou um trio. Isso significa que um único cromossomo ou quatro tornam a célula inviável.


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Foto: Hype Science

Uma pessoa com o número de genes “normal”, portanto com um par, recebe um gene do pai e um gene da mãe. Dessa forma, o portador da síndrome de Down pode receber o gene excedente de qualquer um dos progenitores. Para exemplificar: se o gene a mais se originar da mãe, o indivíduo então terá dois genes maternos e um paterno, dessa forma, apenas um dos genes maternos pode ser desligado. Caso o gene paterno sofra o desligamento, a célula terá apenas genes maternos, ou seja, apenas um cromossomo 21, o que desativará toda a célula. Antes de partir para os testes em humanos, será preciso testar essa precisão no cromossomo 16 de camundongos, que é equivalente ao cromossomo 21 no ser humano. Embora os resultados da pesquisa tenham sido positivos, a cura ainda não parece estar tão próxima. Em seu relatório disponível na Nature, a equipe de Lawrence reconhece a pesquisa como um avanço

pesquisa e inovação 9 para estudar o efeito do gene Xist em outros cromossomos e acrescenta que o objetivo da pesquisa “é trazer a síndrome de Down no reino de consideração para futuras pesquisas de terapia genética”. Quando questionado sobre o quão próxima a cura pode estar, Dr. Mustacchi brinca que tem a esperança de estar vivo para vê-la acontecer. O Prof. Dr. Zan Mustacchi também acrescenta uma informação peculiar: a ideia de utilizar o gene do X inativo no cromossomo extra da síndrome de Down já havia sido cogitada nos anos 80 pelo Dr. Jérôme Lejeune, francês considerado o pai da genética moderna. Mustacchi foi um dos poucos brasileiros a trazê-lo ao Brasil. Lejeune foi o responsável por descobrir que o Down era causado por uma trissomia do cromossomo 21. Hoje há uma fundação em seu nome em Paris e nos Estados Unidos. A pesquisa ainda está em seus passos iniciais, entretanto já acelera a busca pela cura desta síndrome e de outras alterações genéticas. Embora tenha surgido discussões acerca da ética por trás da futura aplicação da técnica em humanos, Dr. Mustacchi acredita que os estudos receberão apoios éticos, principalmente das famílias em que há portadores da trissomia 21. A equipe responsável pelo projeto diz que espera agora ver, não apenas a síndrome de Down, mas outras doenças genéticas recebendo maiores atenções de cientistas e pesquisadores. Apesar das alterações genéticas ainda não serem um problema completamente compreendido pela ciência, corrigi-las é um salto gigantesco para chegar próximo da cura. Portadores e parentes, assim como Dr. Mustacchi, esperam estar vivos para vê-la ser descoberta.


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Overdose de remédios comuns: quando a cura se torna a causa Medicamentos amplamente comercializados, em altas dosagens, podem ser responsáveis por intoxicações graves Foto: hbr.org

Por Flávio Ismerim e Leonardo Mastelini Dores cefálicas ou musculares, infecções, alergias, tosse, enjoo, fraqueza. O ser humano está sujeito a uma gama de desconfortos biológicos que indicam que há algo de errado com o corpo e que, eventualmente, precisa ser revertido. Pensando nisso, em uma análise convicta da história, os propósitos medicinais levantados pelo homem podem ser divididos em duas dinâmicas. Enquanto os antepassados da

humanidade — perpassando as descobertas da pré-história, as crenças da Idade Média e as descobertas farmacológicas do século XX — recorriam com dificuldade às plantas ou superstições, adquirindo cura através dos conhecimentos práticos do dia a dia, a contemporaneidade tem à disposição alívios químicos em qualquer farmácia que preze com o objetivo “livrar o homem dos males que sempre o atingi-


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Foto: Correio do Estado

ram”. Entretanto, tal facilidade de acesso aos fármacos subjugou a sociedade a um grande problema de relevância pública: a overdose de remédios, sobretudo os de uso mais comuns e os vendidos em dosagens próximas à concentração máxima. Segundo IMS Health, consultoria especializada em saúde, estão entre os remédios mais consumidos no Brasil os analgésicos — como o Paracetamol e Aspirina —, e os ansiolíticos, como Rivotril e Diazepan. A pesquisa, de 2012, ajuda a indústria farmacêutica a analisar os principais problemas dos brasileiros e também demonstra quais perigos a população está mais sujeita, uma vez que indica quais os tipos e marcas laboratoriais são reincidentes nas residências do país. Segundo Sarah Eller Franco de Oliveira, doutoranda especializada em intoxicações da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), a diferença entre a terapia e o veneno é a dose. “Qualquer substância que tenha concentração muito alta no organismo é tida como intoxicação. Tudo é tóxico. O que vai fazer uma substância ser segura ou não é a dose”, afirma. Por essa razão, para ela, os farmacêuticos têm como compromisso manter o que denominam “janela terapêutica”: a concentração que permite o fármaco produzir algum efeito, mas que seja terapêutico, e não tóxico. Esse valor (em gramas ou miligramas, por exemplo) define a concentração diária limite dos medicamentos, e é codificado por cálculos que levam em consideração características padrões do paciente, como o peso.

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É obrigação das produções farmacológicas incluírem a dosagem máxima diária em suas embalagens. Entretanto, apesar de saberem que não ler as bulas dos remédios que consomem pode ser muito prejudicial à saúde, ignorar o pequeno papel é um hábito comum entre os brasileiros. Em 2009, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por meio da resolução RDC 47/09, estabeleceu regras para as bulas dos medicamentos como uma forma de uniformizar o tamanho da letra, o fluxo de informações e os dados específicos para cada segmento populacional, visando facilitar a leitura e a resposta de dúvidas. Mesmo assim, a falta de interesse é frequente e a dosagem máxima passa despercebida, sendo violada pelo consumidor. Para Sarah, na maioria das vezes isso é decorrente da pressa por resultados, como acontece com o Diazepan, utilizado para induzir o sono. “Existe um determinado intervalo de tempo pra produzir efeito”, explica. “Então, a pessoa acorda durante a


12 especial noite achando que não surtiu eficácia e vai ingerindo quantidades cada vez maiores no intuito de ter o resultado esperado”. Apesar de ser um grave problema, esse tipo de descuido não representa totalmente os casos de intoxicações nacionais. Segundo o levantamento anual de 2014, realizada pelos 37 CCIs (Centros de Controle de Intoxicações) espalhados pelo país, o Brasil acumulava 89 mil casos registrados, tanto com drogas quanto com medicamentos, em tentativas de suicídio, overdoses, erros de medicação ou consumos acidentais. Os mais comuns deles são tentativa de suidício (33%) e

bioativo intoxicação acidental (18,7%), e geralmente ocorrem com remédios de acesso livre e usos comum, como Paracetamol e Aspirina, e produtos de limpeza. As estatísticas de intoxicações variam de acordo com o local. Enquanto na cidade o fácil acesso a medicamentos indica uma incidência forte dos fármacos comuns, no interior figuram principalmente casos provocados pela ingestão de praguicidas e agrotóxicos rurais. A diferença pode ser notada comparando a cidade de São Paulo com Campinas: na primeira a incidência de casos com agrotóxicos é de 25 a cada 1000 intoxicações, na segunda é de 500.


bioativo Nas crianças, o perigo está mais no consumo acidental. Segundo os CCIs, o número de casos de intoxicação infantil aumenta em época de férias e no horário do preparo das refeições, quando os responsáveis estão distraídos ou ocupados. Os idosos, por sua vez, estão mais sujeitos a diferentes erros de medicação por conta das politerapias, ou seja, o uso de variados medicamentos (para diabetes, hipertensão, falta de sono etc.). Muitas vezes, os remédios são receitados por médicos diferentes e nem sempre o limite de tempo diário para tomá-los é respeitado, o que pode provocar interação entre os fármacos e causar intoxicações. A forma que o medicamento age no organismo varia de um para o outro e depende do seu mecanismo de ação. “O paracetamol, por exemplo, tem um mecanismo de ação que, quando vai ser biotransformado no fígado, é gerado um produto tóxico. Esse produto interage com as células hepáticas causando dano: lesão celular, por exemplo”, explica Sarah. “Os antidepressivos, por sua vez, inibem a recaptação de alguns neurotransmissores. Se você inibe um certo neurotransmissor, vai ter exacerbação no organismo de sintomas de euforia — taquicardia, aumento da pressão arterial. Já se você deprime o sistema nervoso central para induzir o sono, como no caso dos benzodiazepínicos, o excesso pode gerar um estado de coma”, conclui. Entretanto, ela acredita que os hospitais brasileiros estão preparados para solucionar os problemas toxicológicos que costuma receber. Quando recebem um paciente vítima de intoxicação, o procedimento dos CCIs é ba-

especial 13 sicamente o mesmo. O Centro da grande São Paulo, localizado no Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya, no bairro do Jabaquara, convoca uma equipe composta por um médico, um farmacêutico e um psicólogo para a avaliação inicial. No caso da vítima ter conhecimento do fármaco utilizado, o tratamento começa diretamente, com a neutralização de seus efeitos. Se o que foi ingerido é desconhecido, primeiramente é feito o tratamento de suporte, visando manter os sinais vitais; em seguida, são avaliados os sintomas clínicos — convulsão, pressão alta, contração ou dilatação da pupila — e depois é feita a coleta de sangue e urina para um levantamento laboratorial, que definirá o que causou a intoxicação. Só então é possível tentar eliminar o medicamento do organismo. “Sabendo identificar corretamente, tem tratamento, sim”, diz Sarah. A restrição do acesso a fármacos como o Paracetamol, por exemplo, é um assunto polêmico. ”Se você restringe o acesso ao paracetamol, por exemplo, as pessoas vão buscar outro medicamento. A questão não é nem restringir, eu acho que o correto seria fazer campanhas de conscientização.” Sarah defende uma política governamental ampla que vise à educação familiar, inclusive, na tentativa de fazer com que a sociedade entenda a gravidade das intoxicações e suas consequências. Já existe um mecanismo transparente de quantificação e qualificação desse tipo de caso. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) lista e classifica fenômenos da saúde, entre eles a intoxicação.


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Entomologia Forense ou CSI de Inseto Baratas, moscas e vermes podem ser mais úteis que se imagina Regina Santana cadavres” escrito por Jean Pierre Mégnin, um dos grandes fundamentadores teóricos do tema. Apesar de seus valiosos estudos, que descreviam insetos e relatos de casos reais, por muito tempo essa ciência foi negligenciada devido ao distanciamento entre cientistas e profissionais da criminalística. Foto: Renato Dias/Green Style

Se você cresceu ouvindo narrativas, com certeza já se intrigou com os mistérios que envolvem uma cena de crime. Investigar as evidências, coletar provas, prestar atenção nos mínimos detalhes, tudo isso faz parte da resolução de um caso, exatamente como nas histórias de Sherlock Holmes e Agatha Christie. No entanto, diferente das histórias, nem sempre é fácil encontrar a identidade de um assassino ou determinar a causa mortis da vítima, o que demanda dos peritos muita paciência e técnicas curiosas. O que nem todo mundo sabe é que moscas e vermes podem ser essenciais para ajudar os peritos na execução de seu trabalho. Sim! Insetos auxiliando a polícia. Esse é basicamente o trabalho da entomologia forense, ciência que auxilia a investigação de crimes e casos jurídicos a partir do estudo do comportamento de artrópodes. Os entomologistas compõem a equipe de cientistas que fazem a análise de um cadáver e do ambiente em que se encontra, realizando um trabalho importante e preciso que pouca gente conhece. O primeiro caso de entomologia forense a ser documentado é do século XIII e está relatado em um manual de medicina legal chinês: trata-se de um homicídio em que, para achar o culpado, todos os lavradores da região foram obrigados a expor suas foices ao ar livre; as moscas pousaram em apenas uma delas, atraídas pelos resquícios de sangue na lâmina, ajudando assim a encontrar o assassino. No entanto, só em 1894 aparece o primeiro livro sobre entomologia forense, “La Faune de

O que faz a entomologia forense? Os estudos da taxonomia, ecologia e biologia de insetos da ordem diptera (moscas e mosquitos) e coleoptera (besouros), além de outros artrópodes associados à fauna necrófaga, têm sido fundamentais para a solução de casos criminais e disputas judiciais. Segundo Lord & Stevesson (1986), a entomologia forense foi classificada em três subáreas: 1 - Urbana: relativa às ações cíveis envolvendo a presença de insetos em bens culturais, imóveis ou estruturas. Um caso típico seria o do comprador de um imóvel que, pouco tempo depois de fechar


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Foto: Série Dexter (Showtime)

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o negócio, descobre que ele se encontra infestado por cupins e responsabiliza o vendedor pelo seu prejuízo. A questão a ser respondida pela Entomologia Forense é o tempo de infestação e se ocorreu antes ou depois da compra. 2 - Produtos armazenados: diz respeito à contaminação, em pequena ou grande extensão, de produtos comerciais estocados. O comprador do lote de alimento infestado por insetos pragas pode exigir do vendedor uma compensação pelo prejuízo. 3 - Médico-legal: refere-se a casos de morte violenta (crime contra a pessoa, acidentes de massa, genocídios, etc.). O estudo da ecologia da decomposição (Tafonomia), incluindo o entendimento dos processos de dispersão, erosão, soterramento, exposição e preservação de um organismo morto examina como as variáveis ambientais, bióticas e abióticas,

alteram as evidências de uma investigação criminal. A principal contribuição da Entomologia Forense, nesses casos, é a estimativa do intervalo post mortem. O estudo sobre insetos já contribuiu para a solução de crimes informando quando, onde, por quem e como o crime foi cometido. Além da estimativa do post mortem, a Entomologia já foi utilizada como indício em casos de movimentação de cadáveres, na localização de re região produtora de drogas, na detecção de drogas, venenos, medicamentos e metais pesados, e até na identificação de autoria do crime por meio do DNA obtido do sangue ingerido por insetos hematófagos ou de suas fezes. No Brasil, o processo de consolidação da entomologia forense tem se dado maneira satisfatória por meio da pesquisa de universidades e institutos de criminalística. É o caso de um importante Projeto Temático da equipe de pesquisa do


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Foto: Mytattoospro

Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp com o apoio da FAPESP, coordenado pelo professor Arício Linhares. Uma das principais contribuições da pesquisa foi o levantamento das espécies de insetos de interesse forense presentes no Estado de São Paulo. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, o professor explica o processo que inicia o trabalho do entomologista: “A entomologia forense é mais eficaz quando o período é superior a 48 horas, momento a partir do qual os métodos bioquímicos começam a ficar imprecisos. Os organismos necrófagos levam algum tempo para colonizar o corpo e começar a se desenvolver, mas seu desenvolvimento segue um padrão definido pela temperatura a que o corpo está exposto”. Linhares explica ainda que, em alguns países, o entomologista tem prioridade na chegada da cena do crime. “Cada vez mais, esses dados proporcionados pela entomologia forense têm contribuído para o esclarecimento de crimes em vá-

bioativo rias partes do mundo, notadamente nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando um cadáver é localizado a polícia toma o cuidado de chamar imediatamente um perito para coletar amostras de insetos e larvas do corpo, para posterior investigação. Somente depois disso é que pode ser providenciada a remoção”, completa. Apesar do crescente fomento à pesquisa e desenvolvimento de técnicas que auxiliem a perícia criminal, a profissão ainda enfrenta desafios. O maior deles parece ser a integração entre a linguagem acadêmica e a rotina de peritos criminais e médicos legistas. O excesso de trabalho e reduzido número de profissionais nas polícias técnico-científicas e nas universidades brasileiras desestimulam o desenvolvimento de pesquisas conjuntas. “Só recentemente a polícia técnica começou a contratar por seus concursos especialistas com mestrado e doutorado em entomologia forense”, disse o professor Arício Linhares em entrevista à Agência FAPESP de notícias.


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mercado 17 Foto: Divulgação/UFSC

Perfil do entomologista Além de estômago forte, o entomologista precisa ter um vasto conhecimento em taxonomia, biologia e ecologia de insetos. Os cursos de pós-graduação e especialização são oferecidos a profissionais graduados nas áreas ligadas à biologia, como licenciados em ciências biológicas, agrônomos, zootecnistas. Porém o ramo também oferece cursos de extensão e pesquisa que podem contemplar profissionais das áreas criminais e jurídicas. Além da entomologia forense, o profissional pode ainda escolher trabalhar em outras subáreas dessa ciência como entomologia médica, voltada para o controle e estudo de culicídeos - insetos da ordem díptera, fêmeas hematófogas que servem como vetores na transmissão de doenças – de interesse médico. A Entomologia Agrícola é também opção e seu principal objetivo é formar especialistas com ênfase no Manejo Integrado de Pragas, aptos a preservar sistemas agrícolas produtivos. Para aqueles que sempre quiseram ser um perito igual aos do CSI, grandes universi dades brasileiras em parceria com Rede Nacional de Entomologia Forense – um grupo de trabalho vinculado à Secretaria

Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça – oferecem mestrados, dou torados, congressos e simpósios para quem se interessa na área. O Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) e o Programa de Pós-Graduação em Entomologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), ambos da USP, oferecem em suas páginas na internet mais informações sobre as linhas de pesquisa, processos de seleção, etc. Outras universidades e institutos como UNICAMP, UNESP, FIOCRUZ e Universidade de Brasília também possuem laboratórios e docentes especializados que ministram cursos de pós- graduação e comandam projetos e pesquisas. Atualmente, a entomologia forense é uma área em expansão e se mostra cada vez mais promissora para jovens pesquisadores e interessados na carreira forense. Seja nas histórias ou na vida real, a ciência sempre encontra um jeito de se mostrar mais versátil do que imaginávamos e provar que mesmo os insetos podem resolver grandes mistérios.



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