BioAtivo
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2 editorial Caros leitores, A primeira BioAtivo do ano traz uma edição temática. Em todas as editorias, abordamos questões relacionadas aos testes de medicamentos e cosméticos realizados em animais, que voltaram ao debate graças ao episódio no Instituto Royal em 2013. Em Pesquisa&Inovação, você saberá mais sobre a pele artificial desenvolvida por uma professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, que pode ser uma alternativa ao uso de cobaias no Brasil. O Especial traz informações e opiniões diversas sobre os testes em animais. O leitor conhecerá quem regulamenta os institutos de pesquisa, como funcionam os experimentos e as áreas que se utilizam deles, além de métodos alternativos de pesquisa. E em Mercado, fechamos a discussão trazendo um pouco sobre o histórico de procedimentos com animais e sobre a ética dos profissionais que lidam com essa realidade. Gostaríamos de dar as boas vindas aos novos leitores e agradecer àqueles que continuam nos acompanhando nesse novo ano. Boa leitura! Gabriela Fachin Diretora de Jornalismo Científico Jornalismo Júnior
bioativo Institucional Bio Jr. inicia ano com planos e processo seletivo 3 Notícias Mais de 150 princípios ativos têm nome atualizado
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Cientistas descobrem método para pâncreas 5 voltar a produzir insulina SUS disponibiliza teste rápido para detectar 5 HIV Uso de animais nas indústrias de cosméticos 6 é banido em São Paulo Plantas descobertas no Brasil podem combater a dengue
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Nova espécie de boto é descoberta no Brasil
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pESQUISA E INOVAÇÃO Pele artificial: alternativa para poupar os animais de experimentos científicos
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EsPECIAL Testes em animais: uma pauta envolta de polêmicas e dúvidas
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mercado Instituto Royal e a Ética no uso de animais 16
BIO JÚNIOR - Diretoria: Davi Martinelli, Edmar Oliveira, Gabriela Christine Santos, Larissa Assis, Mathias Jorquera. Suplente: Bruna Bombarda. Presidente e Responsável pela BioAtivo: Priscilla Shiota Fedichina. Contato: biojr.usp@gmail. com. FARMA JÚNIOR - Diretoria: Jéssica Rocha, Jessyca Kuba, Juliana Medeiros, Marcos Moretto, Paulo Souza, Thais Mikami, Vivian Borali. Responsável pela BioAtivo: Marcos Moretto. Presidente: Vivian Borali. Endereço: Av. Prof. Lineu Prestes, 580 - Centro de Vivência, sala 14, Cidade Universitária. Contato: (11) 6901-5926, farmajr@usp.br. JORNALISMO JÚNIOR - Edição: Ana Carolina Leonardi, Bruna Rodrigues, Gabriela Fachin e Murilo Carnelosso. Equipe: Bruna Eduarda Brito, Isabelle Almeida, João Henrique Furtado e Mariana Miranda. Diagramação e Projeto Gráfico: equipe de Comunicação Visual da Jornalismo Júnior. Contato: (11) 3091-4085, jjr@usp.br, @jornalismojr.
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institucional 3
Bio Jr. inicia ano com planos e processo seletivo Por Bruna Rodrigues
Foto: divulgação Bio Jr.
Com o início do ano, a divulgação das listas de chamadas da Fuvest traz uma nova preocupação para todas as juniores da USP: os calouros. Desenvolver um modo para chamar a atenção dos “bixos”, em meio a tantas novidades, para as empresas geridas pelos estudantes, torna-se um desafio. A Bio Jr. organiza, para esse fim, diversas atividades que fazem parte de seu Processo Seletivo, e que pretendem mostrar para os mais novos alunos do Instituto de Biociências da USP (IB/USP) que vale muito a pena fazer parte de uma Empresa Júnior. O Processo Seletivo consiste em uma palestra inicial, na qual se apresenta a empresa e se abre um espaço para tirar todas as dúvidas dos interessados,
Gestão 2013 da Bio Jr.
e, também, uma entrevista individual, somente para conhecerem o candidato. “Por ser um Processo Seletivo tranquilo, gostamos mais da palavra “Recrutamento” para designá-lo”, afirma Pedro Abilleira, diretor de Serviços da nova gestão. Quaisquer alunos de graduação, independente do semestre, desde que estejam devidamente matriculados no IB/USP, podem fazer parte deste Recrutamento. As inscrições começam no dia 25 de março e vão até 6 de abril. Após isso, as entrevistas serão realizadas nos dias 9 e 10 de abril. Assim que os novos integrantes ingressarem na empresa, deverão passar por um período de treinamento com todas as Coordenadorias – Desenvolvimento, Qualidade, Marketing
4 institucional e Serviços – e também com o Corpo Executivo, que compreende o Presidente, Vice-Presidente, Tesoureiro e Secretário. Esse treinamento consistirá no contato com os coordenadores, que passarão informações para o funcionamento da empresa e à sua coordenadoria, e terá duração prevista de até duas semanas. Após essa experiência, os novos membros podem escolher, no máximo, duas dessas áreas para participar. A importância de se fazer parte de uma Empresa Júnior está na oportunidade do calouro e do graduando desenvolverem habilidades e aptidões, bem como vivenciarem experiências de mercado, que dificilmente seriam mostradas durante o curso. “Ter uma experiência prática nesse âmbito mais empresarial e mercadológico traz um diferencial para a futura carreira do biólogo, por conta das noções e experiências adquiridas na prática no dia-a-dia da EJ, como necessidade de comunicação interna e externa, organização pessoal
bioativo e cumprimento de prazos, bem como desenvoltura em ter que pensar out of the box para inovar e ser criativo”, explica Pedro. Nos planos da Bio Jr., neste começo de ano, está a procura por parceiros de qualquer área de atuação. “Acreditamos que a inovação surge também da interdisciplinaridade”, afirma. Já existem algumas propostas na área de consultoria e sustentabilidade para a empresa, e para 2014 há a necessidade de trabalhar a imagem da empresa dentro e fora do IB/USP, de modo a conseguir cativar mais associados, colaboradores e parceiros.
Processo Seletivo Bio Jr. Inscrições: de 25/03 a 6/04 Entrevistas: 9 e 10/04
Foto: USP Imagens
Cartaz da 9ª Semana de Cosmetologia, em 2011 Instituto de Biologia - IB USP
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notícias 5
Por Bruna Rodrigues e Gabriela Fachin
Foto: Marcos Santos - USP Imagens
Cientistas descobrem método para pâncreas voltar a produzir insulina Médicos argentinos conseguiram que células do pâncreas voltassem a produzir insulina através de engenharia celular. Usando células-tronco provenientes de gordura, eles criaram ilhotas de Langerhans (acúmulos de células pancreáticas) e reconstituíram a capacidade de produzir insulina e glucagon. O grande diferencial deste método é que ele utiliza elementos do próprio paciente. Ele ainda está em um estágio pré-clínico e os estudos no Centro de Pesquisa em Engenharia de Tecidos e Tratamentos Celulares da Universidade Maimónides, de Buenos Aires, prosseguem. Fonte: http://portal.crfsp.org.br
Mais de 150 princípios ativos têm nome atualizado
SUS disponibiliza teste rápido para detectar HIV
A nomenclatura de 157 princípios ativos constantes na Lista de Denominações Comuns Brasileiras (DCB) foi atualizada pela Anvisa. Além da atualização, houve alteração e exclusão dos nomes de alguns fármacos. A lista define os termos para a identificação de princípios ativos nas prescrições médicas, em textos científicos e na produção de medicamentos no Brasil. Você pode consultar as atualizações na RDC 02/2014 (Resolução da Diretoria Colegiada de número 02), publicada no Diário Oficial, clicando aqui.
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferecerá um teste rápido de aids este ano. Novo no Brasil, ele é realizado a partir de fluido oral e o resultado sai em até 30 minutos. O teste será utilizado por 40 ONGs parceiras do Ministério da Saúde a partir de março. Apenas no segundo semestre a rede do SUS o oferecerá. A intenção é disponibilizar o diagnóstico nas campanhas do Fique Sabendo, nas farmácias da rede pública e nos serviços de saúde que atendem aos grupos de risco. A venda em farmácias de um teste rápido para detectar o HIV deve ser autorizada pelo ministério a partir deste mês.
Fonte: http://portal.crfsp.org.br
Fonte: http://www.fenafar.org.br
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bioativo Foto: Wikimedia Commons
Uso de animais nas indústrias de cosméticos é banido em São Paulo Foi sancionada, no final do mês de janeiro, lei que veta a utilização de animais na produção de cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes no Estado de São Paulo. O projeto de lei 777/2013, que teve o deputado estadual Feliciano Filho (PEN) como autor, foi proposto no fim de outubro, dias após a invasão do Instituto Royal, em São Roque (SP). A pressão popular se mostrou decisiva para essa conquista. Tanto os ativistas e o autor do projeto, como também o próprio governador de São Paulo mencionam o fato dos testes com animais para essa finalidade serem banidos dos países membros da União Europeia. Fonte: http://www.folha.uol.com.br
Plantas descobertas no Brasil podem combater a dengue
Nova espécie de boto é descoberta no Brasil
Plantas encontradas no Pantanal do Mato Grosso possuem propriedades que inibem a replicação do vírus da dengue. Pesquisa desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz encontrou três espécies que foram testadas em células infectadas com os vírus dos tipos 2 e 3. A pesquisa caminha para nova fase de testes em animais, com o objetivo de avaliar a toxicidade do composto. Essa descoberta só foi possível pela iniciativa da Fundação Oswaldo Cruz em descentralizar as suas atividades e promover estudos no interior do país.
Uma nova espécie de boto é descoberta por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no rio Araguaia. Eles suspeitam que essa nova espécie encontrada já tenha vindo a conhecimento com risco de extinção, visto que estimam a população total em mil indivíduos. A espécie batizada como boto do Araguaia se diferencia do boto cor-de-rosa pelo número de dentes e também por ser menor. A maioria das diferenças foi encontrada nos genes do animal.
Fonte: http://portal.crfsp.org.br
Fonte: http://www.folha.uol.com.br/
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Pele artificial: alternativa para poupar os animais de experimentos científicos Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Criada na FCF/USP, é feita com células humanas reais e promete substituir as cobaias com eficiência
Por Mariana Miranda Os testes de cosméticos e medicamentos em animais geram polêmica entre aqueles que são contra esse tipo de prática e aqueles que são a favor, visando o bem estar humano. Desde o século XIX, cachorros, ratos e coelhos são usados como cobaias para testes de fármacos, o que proporcionou bons resultados quando o remédio era aplicado em humanos.
Contudo, muitos desses animais eram mal tratados e não conheciam nada além de sua gaiola no laboratório.
Uma solução para o impasse Enquanto alguns cientistas acreditam que os testes em animais são a única alternativa, outros pesquisadores
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bioativo Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
apresentam soluções diferentes. É o caso de Silvya Stuchi Maria-Engler, professora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, que desenvolveu uma pele artificial com células humanas. “Devido à necessidade de contarmos com uma estrutura onde as células utilizadas fossem todas humanas, estive como professora visitante da Universidade de Michigan, junto ao Departamento de Dermatologia, nos Estados Unidos, por um ano”, conta a pesquisadora. Durante esse período, Silvya teve amplo acesso às células humanas que eram obtidas de fragmentos de cirurgia. “Estes são riquíssimos em células do tipo queratinócitos, melanócitos e fibroblastos, células formadoras da pele humana.
Após isolá-las, fazemos a manutenção das mesmas em bancos e quando necessários, as descongelamos e passamos a reconstruir a pele em laboratório, para os testes de interesse”, afirma. A criação da pele artificial, contudo, não é pioneira no Brasil. “Nosso pioneirismo, meu e da professora Silvia Berlanga de Moraes Barros, foi desenvolver o modelo totalmente humanizado, incluindo os melanócitos, que pigmentam a pele, tornando-o muito semelhante à pele humana. Este desenvolvimento ampara a plataforma de testes de novos fármacos e cosméticos tão necessários ao Brasil. Esta foi a nossa visão pioneira, desenvolver o modelo voltado a testes como método
bioativo alternativo à experimentação animal e humana”, explica a professora.
Peles artificiais pelo mundo Em países europeus, bem como nos Estados Unidos e no Japão, são proibidos testes de cosméticos em animais, o que torna o uso de peles artificiais obrigatório. “No Brasil, a proibição ainda não existe como lei. Está acontecendo neste momento uma mobilização de grupos envolvidos para que tenhamos legislação que proíba os testes. Termos o modelo [da pele] no Brasil representará uma autonomia nacional e desenvolvimento tecnológico do país. Precisamos de grande aporte financeiro, técnicos especializados e união de várias áreas. Mas, ao vencer estas etapas iniciais, estaremos no mesmo momento produtivo que outros países como Estados Unidos, Europa e Japão. Trabalharei junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ao Concea [Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal], na discussão dos regimentos”, explica Silvya. Além de poupar animais, a pele artificial também pode ajudar pacientes com câncer, vítimas de queimaduras ou com feridas crônicas. “Esta já é uma realidade em outros países, mas ainda não no Brasil. Entendemos que o grupo da Unicamp está voltado para este tipo de trabalho. Nosso grupo, na USP, tem interesse em desenvolver curativos para feridas crônicas como as do pé diabético. Estamos neste
pesquisa e inovação 9 momento trabalhando com grupos da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, em busca de estabelecermos tal metodologia”, conta a professora. Quando perguntada sobre a experiência mais marcante que teve com a sua criação, no sentido de beneficiar o próximo, Silvya afirmou: “Desenvolvimento científico é benefício direto ao próximo. A formação de nossos alunos, elevando-os a patamares técnicos superiores e colocando-os em nível de igualdade a estudantes de outros países é realmente fantástico. Neste sentido, isso foi exatamente o que aconteceu em minha vida, em termos pessoais, ao me dedicar à Biologia”. A pele artificial brasileira já é utilizada no laboratório para testes de centenas de novas moléculas. “Recentemente, reconhecemos uma molécula, oriunda da flora brasileira, que apresentou interessante efeito anti-tumoral, quando as células de melanoma foram incluídas na pele artificial. Este é o trabalho de minha aluna de doutorado, Carla Brohem”, conta. A criação promete revolucionar as experiências até então desenvolvidas no sentido de ampliar a triagem de novas moléculas, medicamentos e cosméticos de forma mais rápida e eficiente. Além disso, a pele artificial já conquistou alguns prêmios, fazendo com que Silvya fosse considerada uma das paulistanas do ano. “Realmente não esperava. Devo isso aos meus colaboradores, alunos, à USP e a todos os orgãos que nos financiam, como a FAPESP e CNPq”, finaliza.
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Testes em animais: uma pauta envolta de polêmicas e dúvidas Por Bruna Eduarda Brito e João Henrique Furtado Silva
A regulamentação dos institutos de pesquisa
O ano passado foi marcado por um acontecimento que rendeu diversas discussões sobre um assunto polêmico: o uso de animais em testes científicos. A invasão do Instituto Royal, em São Roque (SP), por ativistas dos direitos animais e o roubo de 178 cães da raça beagle, que eram usados em testes, despertou o interesse de muitas pessoas em conhecer um pouco mais sobre o assunto. Para isso, é preciso estar atento ao aparato legislativo que gere esse tipo de experimentação científica. No caso do Instituto Royal, por exemplo, cientistas e órgãos reguladores afirmam que ele não apresentava nenhuma irregularidade e consideram ilegítima a invasão por parte dos ativistas. Estes, por outro lado, argumentam que a retirada dos cães foi a decisão tomada devido a uma “situação inaceitável”, pois, segundo eles, várias tentativas de diálogo foram estabelecidas com o instituto, sem nenhum sucesso. O professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), Thales Tréz, acha positivo o episódio do Instituto Royal. “Trouxe um debate adormecido à tona, e retirou animais de uma condição degradante.”
No Brasil, o órgão responsável pela regulamentação das pesquisas utilizando animais é o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, o Concea. É uma instância integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia. Conforme descrito em sua página, ele é responsável por formular regras referentes à “utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica, bem como estabelecer procedimentos para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal”. A criação do conselho, no entanto, foi fruto da lei nº 11.794, conhecida como Lei Arouca, que, desde 2008, busca padronizar os pré-requisitos para o uso de animais em estudos e pesquisas. Segundo o decreto, o Concea é obrigatoriamente composto por membros de outros ministérios, além de órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea), entre outras instituições. É também de responsabilidade do con-
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Foto: Wikimedia Commons
selho “monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa”, além de “estabelecer e rever, periodicamente, normas e técnicas para a instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal, bem como sobre as condições de trabalho e instalações”. A Lei Arouca também obriga que os institutos de pesquisa criem uma Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) para conceder o alvará de funcionamento ao
local. O comitê deve ser composto pelos seguintes profissionais: médicos veterinários e biólogos; docentes e pesquisadores na área específica e “um representante de sociedades protetoras de animais le galmente estabelecidas no País, na forma do Regulamento”, conforme indica a lei. Cabe à comissão, portanto, a total vigilância sobre as pesquisas e os métodos aplicados no instituto, além de intermediar a comunicação entre o local de pesquisa e o Concea, de modo a relatar a este fatores como procedimentos de ensino e pesquisa e um cadastro atualizado dos pesquisadores. Examinar previamente os métodos adotados pelos profissionais, analisando se há incompatibilidade com a lei, também é dever da Ceua.
Como funcionam os testes A princípio, a escolha do animal que será utilizado na pesquisa atende a de terminadas expectativas quanto ao resul tado esperado pelo teste do fármaco em questão. O uso de roedores, tais como ratos e camundongos, é consequentemente ligado ao seu genoma, que é muito parecido com o do homem. Pesquisadores dizem que esse é um passo importante para dar pistas quanto à reação do produto no homem. Em outro ponto de vista, o uso de roedores traz facilitações aos profissionais da área, pois são fáceis de manipular, além de necessitarem de pouco espaço para sua sobrevivência.
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bioativo Foto: Wikimedia Commons
No entanto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que é obrigatório o teste em animais não roedores. Os cães da raça beagle retirados do Instituto Royal são um bom exemplo dessa etapa. Além de ser uma raça pura, sem muitas va riações genéticas, são animais de médio porte, dóceis e de fácil manejo, utilizados há anos em pesquisas pelo mundo. Portanto, há vários relatos científicos sobre os resultados de testes nesses cães.
A professora do Instituto de Biociências da USP, Regina Markus, relata que até certo ponto é de fato possível a substituição de animais por modelos alternativos. Ela argumenta, inclusive, que se a pesquisa for embasada em um medicamento, é necessário o uso de animais, já que há um dever de trabalhar utilizando sistemas vivos mais complexos. Thales Tréz é enfático ao dizer que “o uso prejudicial de animais em testes com vistas a beneficiar a saúde humana, além
especial 13 de intrinsecamente imoral, é um equívoco biológico”. Ele argumenta que o único uso aceitável é quando o mesmo rigor e cuidado dado a experimentos em humanos são aplicados em animais experimentais. Por fim, Tréz diz: “dados de espécies não humanas não servem para humanos. Podem, no máximo, dar algumas pistas, mas pobres no valor preditivo”. O professor da universidade mineira também relata que há linhas de raciocínio que acusam um certo “atraso” recorrente da utilização da modelagem animal, que partiria do princípio biológico equivocado supracitado - “por exemplo, os falso-positivos nos testes com animais, que são altos, acabam por excluir substâncias que poderiam ser benéficas aos seres humanos, mas que foram consideradas tóxicas em animais”.
As principais áreas que utilizam testes em animais É comum vermos a divulgação de resultados científicos relacionados ao desenvolvimento de novos métodos de tratamento e prevenção de doenças. Apesar do uso de meios alternativos de experimentação ser incentivado, cientistas defendem que os animais são indispensáveis no processo de validação de um método de tratamento, essa seria a fase não clínica da pesquisa. O principal motivo é que um novo procedimento ou substância sempre apresenta riscos e seria uma responsabilidade muito grande testá-los
diretamente em seres humanos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC), um medicamento também precisa passar pela fase clínica de pesquisa antes de ser utilizado em massa. Na fase clínica, o teste é feito em seres humanos. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirma que o uso de animais em pesquisas científicas é essencial e já trouxe benefícios como desenvolvimento de vacinas, medicamentos e terapias com células tronco, por exemplo. Também dizem realizar um esforço para reduzir o número de animais utilizados em suas pesquisas e substituí-los por métodos alternativos sempre que possível, como exige a legislação brasileira. Tréz, no entanto, afirma que “não há evidências de que a experimentação animal seja diretamente responsável pelos avanços na saúde humana”, já que “os medicamentos disponíveis existem graças à experimentação em seres humanos na fase clínica, e não aos experimentos com animais”. Já o uso de animais para testes de cosméticos consegue causar ainda mais discussões a respeito de sua legitimidade. A própria SBPC, junto com a Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), divulgou um Manifesto em que defende que o uso de animais em experimentos deve ser abandonado nos testes de cosméticos. Segundo o documento, existem muitas técnicas capazes de substituir completamente os modelos animais
Foto: Wikimedia Commons
14 especial nesse caso. A legislação a respeito dessa prática é bem diferente ao redor do mundo. Nos países pertencentes à União Européia, a proibição total da venda de cosméticos cuja elaboração foi testada em animais entrou em vigor ano passado. Desde março de 2009, os experimentos com animais para esses produtos já eram banidos, com exceção de alguns testes que ainda não apresentavam alternativas à esse uso. Já na China, uma lei afirma que o país não pode produzir nem importar produtos cosméticos que não tenham sido testados em animais. O governo chinês, no entanto, está estudando acabar com essa exigência. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), afirma que mé-
bioativo bioativo todos alternativos são aceitos desde que sejam capazes de comprovar a segurança do produto. No entanto, nem sempre eles bastam. A Unilever, empresa produtora de cosméticos e alimentos, por exemplo, afirma em seu site que eventualmente utiliza animais em testes. O trecho retirado do site evidencia essa prática: “A Unilever desenvolve produtos que podem contribuir para a saúde e bem-estar dos consumidores de maneira positiva. Ao desenvolver estes produtos, por motivos éticos, nem sempre é possível conduzir testes diretamente em humanos. Portanto, é possível que ingredientes novos precisem ser testados primeiramente em animais”.
Métodos Alternativos de Pesquisa Buscando diminuir ou eliminar o uso de animais em testes e pesquisas, alguns métodos alternativos de experimentação foram desenvolvidos, e outros estão sendo estudados. Pele humana produzida em laboratório, cultura de células, simulação computacional e banco de dados são exemplos de alguns recursos usados atualmente. Na pele desenvolvida em laboratório é possível avaliar, por exemplo, a corrosidade e a irritação causadas por determinada substância em contato com a pele. A aplicação desse método no Brasil encontra uma barreira: o material utilizado na produção da pele é importado e tem pouco tempo de validade. Pesquisadores, no entanto, já trabalham no desenvolvimento de um mode-
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Foto: USP Imagens
lo brasileiro de pele feita em laboratório. Tréz explica: “as políticas de financiamento (do governo brasileiro) favorecem a manutenção das práticas de pesquisa com animais. Todos sabem que só se faz ciência onde há verba de pesquisa. Por isso estamos tão atrasados em relação aos métodos mais modernos de pesquisa.” As células em cultura são usadas em diversos experimentos, como para avaliar a ação de quimioterápicos nas células cancerígenas e qual determinado fármaco afeta cada proteína. Também em testes de toxicidade, que revelam se uma droga ou substância descoberta é tóxica para as células do nosso organismo, e de permeação cutânea, que avaliam a capacidade de determinado produto penetrar na pele. A simulação computacional constrói um modelo de uma situação real, em que depois serão testados determinados acontecimentos para avaliar qual seria sua resposta. Há muitas aplicações para a modelagem computacional, desde simulações de um simples neurônio, com modelagem mais simples, até de redes neurais ou do sistema nervoso, situações muito mais complexas. Os bancos de dados também contribuem para diminuir o número de animais usados em pesquisas. A empresa de cosméticos L’Oréal afirma ter formado um banco de dados a partir de vários estudos coletados em diferentes lugares. Assim, a partir de uma molécula, o computador cruza os dados e emite alertas sobre riscos de reação ao produto testado. A professora Regina, no entanto, alerta que
é possível a substituição de animais por modelos alternativos apenas até certo ponto. Ainda não há meios de simular com precisão o complexo funcionamento do organismo humano. Por isso, apesar da utilização de métodos alternativos, pesquisadores acreditam ser imprescindível o uso de animais para demonstrar os efeitos de um produto no organismo vivo como um todo. Tréz, por outro lado, lembra: “é claro que há limitações nestes métodos, assim como há (muitas) limitações no modelo animal. Mas as limitações são características de qualquer modelo”.
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Instituto Royal e a Ética no uso de Animais Por Isabelle Almeida O debate sobre o uso de animais em pesquisas científicas está longe de terminar. Com a invasão do Instituto Royal em outubro do ano passado, a discussão tomou novos e inesperados rumos. Afinal, até que ponto é viável a substituição de animais por outros métodos de pesquisas? O primeiro estudo realizado com animais, que serviu de base para se comprovar a relação causa-efeito nos desvios da saúde humana, principal conceito utilizado na medicina, é atribuído a Moritz Schiff, médico austríaco, no fim do século XIX. Ele demonstrou que a extirpação da glândula tireoide de animais provocava graves deficiências orgânicas, as quais eram compensadas se houvesse suprimento dos hormônios isolados dessa glândula. Antes, Edward Jenner já tinha demonstrado a importância da varíola bovina — “vaccina” — para uso na prevenção da varíola humana, considerado o primeiro e mais relevante estudo da transposição do conhecimento nos primórdios da era da imunologia. Atualmente, todas as agências reguladoras da saúde no mundo exigem os estudos farmacológicos e de segurança de medicamentos realizados em animais. O procedimento está definido pela Organização Mundial da Saúde e no Código de Nuremberg, de 1947. Já no Brasil, cabe ao
Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) formular e fiscalizar a adoção das normas relativas à utilização humanitária de animais. Segundo Lauro Domingos Moretto, membro de corpo editorial da Pharmaceutical Technology, já existem alguns métodos que utilizam reações químicas ou biológicas ou células cultivadas que podem substituir o uso de animais. Todavia, ele explica que para os ensaios que têm por finalidade avaliar a toxicidade de fármacos, é imprescindível o uso de animais. Isso foi definido no Código de Nuremberg, e estabeleceu ser essencial testar a toxicidade prévia em animais de substâncias que posteriormente seriam utilizadas na terapêutica humana. Já no caso dos cosméticos, a pele artificial pode substituir os testes em animais. O modelo de pele humana reconstituída in vitro já é uma realidade em vários países, como Estados Unidos, Japão e o continente Europeu. Mas no Brasil, essa técnica como suporte para a triagem de novos medicamentos e cosméticos tem como dificuldade a necessidade de grande suporte financeiro e técnicos especializados. Além disso, não existe um orgão que valide métodos alternativos ao uso de animais em pesquisas científicas, e ativistas em defesa dos animais afirmam que
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Foto: Wikimedia Commons
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o governo não possui um controle de que métodos deveriam ser usados alternativamente pelas instituições, mesmo sendo crime segundo a Lei nº 11.794, chamada Lei Arouca, o uso de animais quando existe outro método possível. “É preciso refletir sobre o significado e as consequências negativas para a saúde pública e a atividade científica dos casos
de invasão de centros de pesquisa e das ameaças sofridas por pesquisadores brasileiros, que usam animais em testes de laboratório voltados para a descoberta de tratamentos e medicamentos que aliviem e curem doenças graves e de larga incidência”, afirmou o professor.