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OM CONHECIMENTO
* OM CONHECIMENTO * por Yogesh Sharda
ADMINISTRANDO A RAIVA
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Texto retirado e traduzido da revista “Heart & Soul”, edição nº 16
Se perguntássemos a um grupo de pessoas o que dispara sua raiva, suspeito que haveria uma ampla gama de respostas. No entanto, uma coisa de que estou certo é que, seja qual for a causa, mesmo uma única palavra falada com raiva, pode deixar uma impressão no coração de uma pessoa que permanecerá por um longo tempo e poderá arruinar a beleza de qualquer relacionamento.
Um sábio famoso certa vez disse “Como pode haver paz na terra se os corações das pessoas são como vulcões?” Apenas quando dentro das pessoas há paz e liberação de raiva, elas
podem viver em harmonia com os outros. Então, como podemos criar esse sentimento de paz dentro de nós?
Isso começa com a compreensão de que, de fato, temos a escolha de pensar e sentir como queremos. Se olhássemos para o que nos torna raivosos, poderíamos descobrir que não há nada que tenha o poder de nos fazer sentir assim. `Podemos apenas permitir que algo dispare nossa raiva – a raiva é como respondemos a algum evento ou a alguém. Porém, porque estamos tão acostumados a reagir por impulso, esquecemos de escolher como queremos nos sentir e, então, respondemos inapropriadamente e ficamos com sentimentos raivosos.
Alguma vez você ouviu alguém dizer “Eu odeio quando você fala assim comigo?” Uma lição que aprendi é que por mais que eu tente não posso controlar circunstâncias, pessoas e situações, pois elas estão constantemente mudando. A única coisa que posso controlar é o modo como decido responder. Apenas eu posso aumentar minha capacidade de tolerar; apenas eu posso desenvolver minha habilidade de entender; e apenas eu posso nutrir meu amor pelos outros, independente de se um dia eles me elogiam e no dia seguinte, difamam. A vida atual vem com um conjunto de desafios. Ao enfrentá-los, vi que cada ação dentro do nosso mundo faz parte de um grande drama ou jogo. E dentro desse drama,
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cada indivíduo particular tem seu papel único a desempenhar, o que é, essencialmente, uma expressão do seu próprio eu interior. Quando aceito isso, ao invés de usar meu tempo mantendo um olhar no que os outros estão fazendo, posso começar a usar minha energia para desempenhar meu próprio papel o melhor que eu puder. Compreendo que não posso possuir ou ser dono do comportamento dos outros, porque, se o fizer, isso provocará conflitos. Ao invés disso, preciso praticar o entendimento de que, independentemente de qual ação alguém possa estar fazendo, de acordo com seu próprio papel dentro da peça, há alguma razão pela qual eles estão se comportando assim. Portanto, devo tentar não saltar a conclusões muito facilmente; e ao invés de tentar controlar o comportamento de uma outra pessoa, será mais fácil e produtivo focar minha energia nas minhas próprias ações.
Então, o que há de tão errado em julgar as ações dos outros? Há um perigo de que se nos tornemos preocupados demais com a atividade dos outros, podemos começar a sentir raiva das pessoas, o que pode nos levar a desprezá-las. Nós as colocamos numa espécie de caixa e colamos nela um rótulo. Então, sempre que entramos em conato com essa pessoa, a vemos à luz do seu erro passado. Ao fazer isso, porém, estamos efetivamente aprisionando-a em suas ações passadas. No entanto, se permitimos à pes-
soa a dignidade de realmente aprender com seus erros – se nossa visão lhes permite fazer isso – então, cedo ou tarde, é possível que essa pessoa se transforme.
Esse conceito da vida ser um drama, pode nos ajudar a desapegar do que está acontecendo ao nosso redor, e, esse desapego ou espaço é de grande ajuda para aprender a não julgar os outros rapidamente. Se criamos um pequeno espaço, um espaço saudável entre nós e o drama da vida, vemos que esse espaço age como um amortecedor. Nem iremos saltar e apertar a garganta de alguém, nem o drama da vida será capaz de nos pegar desprevenidos.
Esse é um dos muitos benefícios de praticar meditação. Ela nos ajuda a criar um espaço pessoal dentro de nós de modo que temos a chance de olhar e pesar a situação e responder de acordo, permanecendo num estado de autocontrole. Quando temos raiva, não temos autocontrole. Naquele momento, estamos num estado de caos interior e a raiva pode ser uma força destrutiva.
Diz-se frequentemente, que a raiva pode ser útil. As pessoas dizem “Veja todos os problemas que há no mundo, certamente a menos que alguém fique com raiva, nenhuma atitude será tomada.” Isso me lembra da história sobre um sábio sentado à beira de um rio falando com um grupo de discípulos. Um inseto rastejou até sua mão e o mordeu fortemente. Enquanto fazia isso, escor-
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regou e caiu no rio. O sábio viu o inseto se debatendo no rio, então o pegou e colocou de volta no chão. Alguns minutos depois, o mesmo inseto rastejou até a mão e do sábio, mordeu seu dedo, e de novo escorregou e caiu no rio. O sábio pegou o inseto e o colocou de volta no chão. Quando isso aconteceu pela terceira vez, um dos discípulos lhe disse “Mestre, por que estais fazendo isso? O inseto vos morde e ainda assim o salvais. Por que não o deixais se afogar e então ele não poderá mais morder-vos?” Ele respondeu “É a natureza do inseto morder, e é a minha natureza salvar.” Similarmente, a natureza de alguém pode ser de criticar ou caluniar ou até mesmo nos desafiar. Ainda assim, isso está completamente fora do nosso controle. Podemos fazer apenas o que temos de fazer. Não podemos justificar uma ação negativa dizendo “Você também faz isso.” Se dizemos isso, estamos dizendo “Eu apenas crescerei e mudarei quando você decidir crescer e mudar. Está nas suas mãos.” Mas pode haver qualquer crescimento assim? Se esperamos pelos outros mudarem teríamos de esperar um tempo demasiadamente longo.
A raiva é, às vezes, usada como uma espécie de mecanismo de autodefesa, uma sentinela postada frente às paredes da fortaleza do nosso eu interior. Quando qualquer um tenta nos atacar ou criticar, a raiva emerge e reage: “Quem você pensa que é?
“Raiva é a emoção que tenta manter unidas todas as outras ilusões. Se alguém tenta atacar aquilo em que acreditamos ou com o que nos importamos, a raiva emerge para perseguí-los. Esse é um exemplo de como usar a raiva para proteger nosso eu simulado, nosso senso de ego. No entanto, nos reconhecendo como seres espirituais e através da consciência e experiência da beleza da nossa natureza verdadeira, nossa dependência da aprovação de outras pessoas reduz, à medida em que redescobrimos uma quietude e estabilidade interiores. Sendo assim, a necessidade da raiva como protetora é eliminada.
Essa forma de estabilidade pode criar uma fundação firme, uma espécie de teimosia positiva. Os outros podem dizer o que quiserem, e isso também pode ser verdade, mas não perdemos nossa paz ou felicidade por razão alguma. Isso é respeitar o que é eterno dentro de cada um de nós. Nos damos a oportunidade de manter nossa paz mental, porque, convenhamos, ninguém vai aparecer na sua porta com uma caixa cheia de paz e dizer “Eu acho que você poderia precisar de um pouco disso hoje.”
Há uma história sobre Buda que ilustra um princípio importante. Buda estava sob a árvore da iluminação quando alguém que tinha ouvido que ele era uma pessoa iluminada, apareceu para testar seu autocontrole. Essa pessoa chegou na frente de Buda e come-
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çou a xingá-lo, chamando-o de todos os nomes possíveis e ainda assim não houve reação. Após algum tempo, essa pessoa ficou um pouco cansada e foi embora e descansou um pouco e então voltou para uma segunda carga. Ele abusou da família de Buda, e lançou cada insulto que podia haver, mas ainda não houve reação. Ele ficou cansado e disse a Buda “Eu estou difamando você de todos os modos possíveis, e ainda assim você não diz nada em retorno.” Buda olhou para ele e disse “Se alguém lhe dá um presente, mas você não o aceita, com quem ficará o presente? “Isso ressalta um insight crucial. Nós temos escolha. Se aceitamos tristeza de alguém, não podemos incriminar a outra pessoa e dizer “É culpa sua, você falou comigo assim primeiro”. Reconhecemos que, de fato, temos uma escolha a cada momento. Podemos usar nosso intelecto como um filtro para decidir o que vamos permitir entrar e o que vamos impedir que entre e nos afete.
Amplamente falando, há dois métodos pelos quais as pessoas sugerem que deveríamos lidar com a raiva. Alguns dizem que se você está sentindo raiva, então fique com raiva como um modo de expressão – deixe-a sair. E de fato, naquele momento, nos toramos livres da raiva, porque a deixamos ventilar. No entanto, à medida em que aprofundamos nosso entendimento e experiência do modo como a nossa consciência funciona, compreende-
mos que quanto mais fazemos algo, mais profundo esse hábito se torna. Então, no dia seguinte, sentiremos que é mais fácil ficar com raiva porque já fizemos isso no dia anterior. É como um fumante tentando largar o cigarro. Quando sente vontade de fumar, ele fuma, e então, não sente mais vontade de fumar. Mas ao invés de remover esse desejo, o ato de fumar apenas temporariamente o satisfaz, e o hábito o agarrou ainda mais firmemente, de modo que amanhã, o desejo será ainda mais forte. Então, a expressão não transforma o hábito ou o sentimento.
Uma outra sugestão que as pessoas podem dar é que você deveria reprimir sua raiva. Se você sente estar começando a ficar com raiva, interrompa isso, reprima. Mas essa é a situação “panela de pressão”. Eu apenas me torno cada vez mais esquentado internamente, até que um dia, explodo! Eu posso apenas reprimir por um certo período. E na verdade, quando estou reprimindo, estou realmente empurrando esses medos e emoções para dentro do meu subconsciente, a partir do qual eles emergirão em algum momento.
Há, porém, um terceiro método que poderia ser descrito como sublimação ou mudança de forma. Através da prática diária e aplicação de princípios espirituais, a experiência da nossa paz interior pode se tornar natural. Desse modo, assim como a forma da água pode ser mudada de sólido a líquido, a gás, do mesmo modo, a
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energia que estava anteriormente sendo usada para expressar e alimentar a raiva, pode também ser mudada numa força por trás da expressão da determinação ou coragem. Ao invés de ficar com raiva de alguém para provar um argumento, podemos aprender a ser assertivos. A assertividade contém respeito pelo eu, enquanto a raiva não mostra respeito por nada. Apenas nos libertando da raiva podemos nos tornar livres para experimentar a paz da nossa natureza espiritual verdadeira.
Há uma história sobre Alexandre o Grande, quando ele estava prestes a voltar da Índia para a Grécia. Alguém lhe aconselhou a levar da Índia consigo um yogue, então ele saiu a procura de um numa floresta. Eventualmente, encontrou um yogue sentado sob uma árvore e sentou-se ao seu lado. Depois de algum tempo, o yogue abriu os olhos. Alexandre disse a ele “Eu quero que você venha comigo para a Grécia.” O yogue apenas olhou para ele. Alexandre continuou, “Se você vier comigo terá seus próprios criados para cuidar das suas necessidades e será famoso por toda a terra.” Ainda assim, o yogue explicou que não tinha desejo de ir. Então o exasperado Alexandre sacou sua espada e gritou “Você não compreende quem eu sou? Eu sou Alexandre o Grande Conquistador e posso cortar você em pedaços!” O yogue sorriu
e respondeu, “Você fez duas declarações, nenhuma das quais é verdadeira. Primeiro, você não pode me cortar em pedaços; você talvez possa ferir o meu corpo, mas eu sou a alma eterna imortal. E em segundo, você diz que é Alexandre o Grande Conquistador, mas posso dizer que você, de fato, não passa de um escravo do meu escravo.” Alexandre apontou a espada ao yogue e exigiu que ele se explicasse. O yogue disse “Eu conquistei a raiva através do processo da meditação, e ainda assim, veja quão facilmente a raiva vence você. A raiva é minha escrava e você se tornou um escravo da raiva.” Eu nunca descobri o que Alexandre fez em retorno.
Yogesh Sharda é professor de meditação e desenvolvimento espiritual e é coordenador da Brahma Kumaris na Turquia.