Jornal do rio vermelho 07 edicao

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J o r n a l d o R i o Ve r m e lh o –

u m a p u b l i c a ç ã o d a A M A R V – S a l v a d o r , B a h i a – J u n h o d e 2 0 14 – a n o I I I n ú m e r o 7 Foto: Edgard Carneiro / Obra: Éder Muniz

A arte democrática das ruas GRAFITE, GRAFITO ou GRAFITI

D

o italiano grafitti, plural graffito é o nome dado às inscrições feitas em paredes, desde o Império Romano. Considera-se grafite uma inscrição caligrafada ou um desenho pintado ou gravado sobre um suporte que não é previsto para Ilustração: Rafael Titonel

esta finalidade. Por muito tempo, visto como irrelevante ou mera contravenção, atualmente é considerada como forma de expressão incluída no âmbito das artes visuais, mais especificamente, da street art ou arte urbana.

A partir do movimento contracultural de 1968, quando os muros de Paris foram su-

porte para inscrições de caráter poético-político, a prática do grafite generalizou-se pelo mundo.

Na década de 1970, em Nova Iorque, alguns jovens começaram a deixar suas marcas nas paredes da cidade e, algum tempo depois, essas marcas evoluíram com técnicas de desenho. No Brasil, o

grafite foi introduzido também na década de 1970 em São Paulo. Os grafites também podem estar associados a diferentes movimentos e tribos urbanas como o hip-hop, e a variados graus de transgressão.

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Foto: Divulgação

Foto: Raul Golinelli/GOVBA

Ilustração: Rafael Titonel

Foto: Edgard Carneiro

O Cinema e o Rio Vermelho. Confira, que o nosso bairro está bem na fita.

3ª Bienal da Bahia. Após 46 anos a arte retoma sua trajetória interrompida.

Copa do Brasil e a Cozinha do Rio Vermelho. Começou a grande festa!

Cid Teixeira, a enciclopédia da Bahia. É o personagem desta edição.

Guache Marques. Na Galeria do Artista apresenta sua arte de signos e símbolos.

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Notas da AMARV

EDITORIAL

N

esta edição trazemos como matéria principal a arte democrática das ruas, o grafite. Arte que transformou o Rio Vermelho numa imensa tela livre e vem se fortalecendo cada vez mais com o surgimento de novos talentos. Em tempos de Copa do Mundo, onde a capital baiana tem a previsão de receber 300 mil turistas, o Rio Vermelho está de braços abertos para essa turma, oferecendo diversão e boa convivência. Lembrando que estamos no São João, a festa mais alegre e tradicional da nossa terra. Homenageamos o sempre morador do bairro Professor Cid Teixeira, a “Enciclopédia da Bahia”, há algum tempo sem dar entrevistas, publicando trechos de uma entrevista inédita, feita com exclusividade para a Revista de Arte Dendê que nos presenteia com as palavras do mestre. Estivemos no Palacete das Artes e conferimos de perto as “Tramas Sinceras” de Chico Mazzoni que está de parabéns pela belíssima exposição. Na Galeria do Artista um bate papo com Guache Marques, também morador do Rio Vermelho, que fala da sua trajetória no mundo das artes plásticas e nos apresenta algumas de suas obras. E falando em arte, não poderíamos deixar de destacar a III Bienal da Bahia após um recesso forçado de 46 anos. Finalmente, temos a Ceasinha do Rio Vermelho que virou Mercado do Rio Vermelho, muito bonita na sua nova arquitetura. Fomos mais uma vez prestigiados com um artigo de Biaggio Talento, e apresentados a uma crônica bem humorada de Dilton Machado. Lula Oliveira passa um filme da memória do cinema no nosso bairro. Carlinhos Brown de parabéns pela obra sua e do Candeal, a Pracatum. Citando tantos talentos, é preciso valorizar a prata da casa, a jornalista Carmela Talento e sua coluna Deu no Blog, eternos vigilantes do Rio Vermelho, que tem nos acompanhado em todas as edições. Como sempre, não podemos deixar de agradecer o apoio dos comerciantes e empresários que acreditam no Jornal do Rio Vermelho. Vamos brindar com um bom vinho o arroz negro de polvo do Restaurante Póstudo, torcendo, é claro, pela nossa seleção. Mostra sua força Brasil! Boa leitura! Lauro Alves da Matta Júnior Presidente da AMARV

EXPEDIENTE CONSELHO EDITORIAL – José Sinval Soares – André Avelino de Souza Ferreira – José Mário de Magalhães Oliveira – Wanderley Souza Fernandes – Carmela Talento – Marcos Antonio Pinto Falcão Jornalista Responsável – José Sinval Soares – MTE 1369 Revisão – Carlos Amorim – DRT/BA 1616 Projeto Gráfico e Editoração – Dendê Comunicação Tiragem – 8.000 exemplares Impressão – Gráfica Press Color Contato – falecomamarv@gmail.com DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Esta é uma publicação da Associação dos Moradores e Amigos do Rio Vermelho – AMARV. Fotos e artigos assinados são de responsabilidade de seus autores.

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(71) 9158-8000 / 9667-9666 / 8164-7144 / 8849-2674

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Preparação para a Copa

Eu Curto Meu Passeio

O Rio Vermelho é uma das localidades de Salvador incluída nos Territórios Criativos, projeto que visa melhorar a competitividade dos micro e pequenos negócios para atender os turistas que visitarão Salvador durante a Copa do Mundo 2014. Os Territórios Criativos são áreas urbanas de elevado potencial turístico e cultural, nas quais a comunidade apresenta comprovada vocação para as artes e hospitalidade.

Começaram a vencer os prazos das primeiras notificações do “Eu Curto Meu Passeio” – programa da Prefeitura de Salvador que prevê a recuperação e adequação das calçadas da cidade, com vistas à promoção da mobilidade e acessibilidade. A partir desse momento, inicia-se uma nova etapa do programa, que é o retorno dos fiscais da prefeitura aos imóveis notificados para verificar o atendimento à determinação municipal. O prazo da notificação é de 90 dias.

O projeto é uma das ações desenvolvidas dentro do Convênio Sebrae e Secopa, com a representatividade da AMARV, que tem por objetivo a formatação de projetos turísticos culturais de qualidade internacional em Salvador, contribuindo para a melhoria da competitividade do destino baiano. A iniciativa buscou identificar e trabalhar oportunidades de negócios não somente para a Copa, mas que perdurem depois do evento. Reuniões, seminários, palestras e cursos de qualificação foram feitos, aprimorando o bairro na sua criatividade.

A SUCOM tem registrado denúncias de erro na instalação do pavimento tátil – instrumento fundamental de acessibilidade para portadores de deficiência visual. Segundo o órgão, equívocos ocorrerão mas serão ajustados, lembrando que, após as denúncias, tem realizado vistorias e notificado o responsável para que sejam feitas as adequações. O modelo de calçada adotado por Salvador foi desenvolvido por técnicos da Fundação Mário Leal Ferreira e está disponível no site da autarquia.

Verde Perto

A SUCOM avisa que serão aplicadas sanções aos proprietários dos imóveis que foram notificados mas não fizeram seus passeios.

Criado em março de 2014 pela Secretaria Cidade Sustentável (SEUS), o Programa Verde Perto envolve a adoção de espaços e equipamentos públicos por pessoas, empresas e associações que podem, de forma oficial, efetivar parcerias no sentido de trabalhar junto com o poder público para manter e cuidar dos espaços. O programa já promoveu a adoção de várias praças de Salvador, inclusive a do Campo Grande. Ainda há outras 60 praças e largos para serem adotadas de acordo com chamamentos publicados pela SECIS. No Rio Vermelho, o chamamento cita apenas o Largo da Mariquita. No site do Programa Verde Perto o interessado pode acessar a lista de espaços disponíveis para adoção ou pelo telefone (71) 3355-0314.

intervenções, como correção do asfalto em algumas ruas, poda de árvores, melhoria da sinalização horizontal das vias e pintura de faixa de pedestres e pintura do meio-fio das principais ruas e avenidas. Estão sendo instalados novos postes com iluminação led em trechos da orla e na Rua do Canal. Após a Copa, será feita a demolição do edifício “balança mas não cai” da Rua Feira de Santana. Não há como negar o interesse do secretário Bellintani com o Rio Vermelho. Entretanto, não podemos perder a esperança. Vamos continuar cobrando e mobilizados.

Na edição nº 6 do nosso Jornal, esquecemos de dar crédito ao artista Ray Vianna autor da escultura Odôyá, que ilustra nossa capa

AMARV se reúne mais uma vez com a Prefeitura O presidente da AMARV, Lauro Matta, a vereadora Aladilce Souza, e o presidente da Associação dos Permissionários do Mercado do Peixe, Mércio Alves, estiveram reunidos no dia 29 de maio por mais de duas horas com o secretário Guilherme Bellintani, a quem mais uma vez cobraram as reinvidicações dos moradores do bairro. Ficou acordado em reunião diversas ações da prefeitura nos diversos macroambientes do bairro, segundo um cronograma preestabelecido. Hoje já se vê algumas

Centenário do Engenheiro Carlos Batalha Na matéria sobre o Centenário do Engenheiro Carlos Batalha, deixamos de publicar os endereços no Youtube: http://www.youtube. com/user/engcarlosbatalha ou digitar www.youtube.com e pesquisar por Eng. Carlos Batalha.


Foto: Marcos Falcão

A nova Ceasinha do Rio Vermelho

Foto: André Avelino

O espaço comporta agora 140 permissionários (antes 98), os boxes aumentaram para

22,5m2 de área (antes 8,5m2), com pé direito alto para facilitar a ventilação e a luminosidade. A largura do corredor é de 5m, o que facilita o trânsito de pessoas e mercadorias. Em cada setor do espaço consta, ainda, um elevador e rampas que dão acesso ao estacionamento no subsolo. Para estacionar no local, será cobrada uma taxa de R$ 2,50 por hora. No Setor 1, ficam as lojas de artesanato, pet shop, floricultura e moda; no Setor 2 ficam peixaria, açougue e espaço gourmet; no Setor 3 ficam praça de alimentação com cafés, lanchonetes e restaurantes (serão 14 restaurantes, sendo 10 de novos empresários, como o Restaurante Amado, Caranguejo de Sergipe, entre outros). A administração do local ficará a cargo da Empresa Baiana de Alimentos (EBAL), por meio da Enashopp, empresa privada

Uma casa muito engraçada...

Mais espaçoso e melhor iluminado o Mercado do Rio Vermelho ficou mais agradável especializada na administração de estabelecimentos de grande porte, que ganhou a licitação para gestão e operação. O investimento na obra foi de R$ 3,5 milhões feito pelo governo do estado, a Caixa Econômica Federal e o Grupo Petrópolis fabricante da Cerveja Itaipava.

Escola Municipal Ana Nery presta homenagem a Caymmi

Foto: André Avelino

A obra de Dorival Caymmi foi revisitada dia 15 de maio no Rio Vermelho, durante uma homenagem realizada pela Escola Municipal Ana Nery. Uma série de apresentações educativas foi protagonizada por estudantes e professores da escola na praça Tarquínio Gonzaga, em frente ao restaurante Sukiyaki. Parafraseando a música de Vinícius e Toquinho “Era uma casa muito engraçada, não tinha porta, não tinha nada...” Realmente inusitada a solução arquitetônica empregada nesse casarão da Rua da Paciência:

completamente recoberto de janelas coloridas, o casarão não tem porta! Além da combinação de cores que ficou bem legal, serviu para encobrir a obra inacabada que havia por trás. Coisas do Rio Vermelho...

Este foi o primeiro evento de uma série de ações educativas que as escolas, parceiras do Bairro-Escola Rio Vermelho realizarão este ano em espaços públicos do bairro.

Depois da reforma e organização do novo Mercado do Rio Vermelho, a preocupação da clientela é com o aumento dos preços, além do espaço perder uma característica bem autêntica de mercado popular. Mas os comerciantes garantem que não há com que se preocupar. Apesar do estilo mais sofistica-

do, os preços serão os mesmos praticados antes e o fluxo de clientes vai permanecer igual – essa eterna mistura que é a cara da Bahia. Eles estão otimistas com o espaço e acreditam que a nova organização deve atrair ainda mais consumidores. Os resultados são aguardados com entusiasmo e expectativa.

A tarde começou com uma dramatização feita por estudantes sobre a vida de Dorival Caymmi.

O coral da Escola Municipal Ana Nery apresentou “Samba da minha terra” e “São Salvador”.

Foto: Divulgação

Após dois anos de reforma, foi aberta ao público, no dia 15 de maio, a nova Ceasinha do Rio Vermelho, agora denominada Mercado do Rio Vermelho, sob a responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER). As intervenções previstas no projeto garantem condições significativas de melhorias tanto para os clientes quanto para os permissionários. Um projeto arrojado, com arquitetura moderna e fachada espelhada, fez o novo mercado parecer um grande centro de compras, um shopping. O espaço interno de 8 mil metros quadrados ficou bem mais amplo com 171 boxes distribuídos em segmentos de comercialização e um estacionamento com 240 vagas, com estudo de ampliação.

Ao som da canção “O que é que a baiana tem”, uma estudante apresentou um número de dança. Em seguida, um grupo de estudantes dançou ao som de “Vatapá”, outro sucesso do compositor.

O coral da escola apresentará um repertório de conhecidas composições de Caymmi. Ao final da tarde, o grupo de percussão da escola tocou para que um grupo de estudantes dançasse.

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Prazer, nós somos a PRACATUM

Lord Cochrane reclamou da frota precária que recebeu de D. Pedro I Por Biaggio Talento Foto: Divulgação

Cerimônia de encerramento do Projeto Mídias Sonoras da Escola de Música e Tecnologias Pracatum Como parte da integração entre os Territórios Criativos do Rio Vermelho e do Candeal, a Associação dos Moradores e Amigos do Rio Vermelho – AMARV e a Associação Pracatum Ação Social – APAS se reuniram na sede do Candeal, onde foram apresentadas ações das duas associações numa troca de experiências. Aproveitando a oportunidade, apresentamos aqui um pouco do belíssimo trabalho realizado pela PRACATUM:

Atualmente, as atividades realizadas pela associação estão divididas em dois programas principais: TÁ REBOCADO – Programa de Desenvolvimento Comunitário e PRACATUM – Programa de Música, Educação e Cultura. A partir desses dois eixos, uma série de projetos são desenvolvidos sem perder de vista as questões que envolvem a comunidade do Candeal e os muitos ritmos que emanam desse lugar.

Fundada em 1994, a APAS é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que realiza programas educacionais, culturais e de desenvolvimento comunitário no Candeal Pequeno de Brotas, em Salvador. Tem como missão contribuir para o Candeal ser um lugar de vidas com qualidade, por meio de iniciativas culturais e educacionais que valorizem os saberes e demandas da comunidade, além de compartilhar esse modelo de transformação com outras entidades. A associação vem desenvolvendo ações e projetos, sempre buscando fortalecer e aproximar a comunidade no sentido de alcançar o crescimento do bairro e a profissionalização de seus moradores.

PRACATUM INGLÊS – A escola de inglês surge a partir de uma demanda da comunidade que, querendo fortalecer a educação dos seus moradores e ampliar as oportunidades junto ao mercado de trabalho, vê no ensino de língua estrangeira uma possibilidade de desenvolvimento educacional e social.

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ESCOLA DE MÚSICA – PRACATUM – O Programa de Música, Educação e Cultura é um eixo de atuação da Associação Pracatum Ação Social, que utiliza estratégias metodológicas que auxiliam o desenvolvimento musical e cidadão dos alunos, buscando além do ensino teórico, desenvolver uma atitude responsável, solidária e cidadã.

TÁ REBOCADO – É uma gíria baiana popular da década de 1990 que designa confirmação, assertividade e acabamento. Depois de construir uma ideia, um pilar, uma casa, tá rebocado! Não por acaso essa expressão foi pensada para intitular o programa de desenvolvimento comunitário do Candeal. RECICLE ÓLEO – O projeto se constitui num conjunto de ações integradas e sustentáveis, focado em inclusão produtiva de mulheres para a fabricação de sabão e refinamento do óleo de gordura residual (OGR) para a produção de biodiesel. A atuação da Associação Pracatum, através de seus projetos, se dá por meio do estabelecimento de parcerias financeiras, pedagógicas e de serviços com prefeitura e governo do estado, empresas, organismos internacionais, instituições de ensino e associações do terceiro setor, que têm sido essenciais para a evolução dos trabalhos e seus resultados. “A escola dos meus sonhos é o local onde as pessoas vão satisfazer suas curiosidades e, ao mesmo tempo, criar outras” – Carlinhos Brown.

Passagens pouco conhecidas da Guerra da Independência da Bahia mostram que a imagem de uma luta épica das forças libertadoras brasileiras, que empreenderam o cerco a Salvador, fica um pouco turvada quando se examina, com lentes de aumento, certos episódios da contenda. Um exemplo interessante dos problemas e das fragilidades das tropas, que venceram a guerra, está na pesquisa feita pelo grande historiador Braz do Amaral (1862-1949) na correspondência de um dos heróis do Dois de Julho, o conde Dundonald, mais conhecido como Lord Cochrane, o almirante inglês enviado por D. Pedro I para empreender o cerco pelo mar à cidade de Salvador, ocupada pelos portugueses. O resultado da pesquisa está na crônica (1823), do livro (Recordações Históricas), de Amaral, relançado pela Assembleia Legislativa em 2007. Uma carta, obtida pelo autor, enviada por Cochrane ao ministro José Bonifácio de Andrade e Silva, se queixando das condições da frota que comandava, passa a ideia que o governo imperial entregou ao almirante uma espécie de “armada Brancaleone” completamente desequipada e em frangalhos. Os problemas começavam com a composição da tripulação dos 13 navios formada por mercenários, 160 ingleses e norte-americanos, 130 ex-escravos e o restante marinheiros portugueses, estes últimos sem qualquer disposição para lutar contra seus patrícios que dominavam Salvador. Todos interessados apenas no soldo. Dos 13 navios, apenas dois encontravam-se em condições (ruins) de combate. O melhor dos dois, a nau capitânia D. Pedro I, comandada por Cochrane, apresentava situação de penúria, descrita pelo almirante na dita carta, da qual se destaca os seguintes trechos (ou queixas): “Os cartuchos que temos são incapazes de servir e correm os artilheiros o perigo de perder os braços no trabalho de carregarem as peças. As velas estão todas podres, havendo as aragens ligeiras e frouxas, em nossa vinda para aqui, esfrangalhando um jogo delas, e as outras rasgando-se com a mais leve brisa de vento. O reparo do morteiro que recebi escangalhou-se ao primeiro tiro, estando todo podre. As espoletas para as bombas são

feitas de tão miserável composição que não pegam fogo”, descreveu. As maiores reclamações, no entanto, reservou para os tripulantes. Conforme Cochrane, “os soldados de marinha nem sabem o exercício de peça nem de armas curtas, nem de espada, e todavia tem de si tão alta opinião que nem ajudam a lavar o convés, de sorte que, sendo inúteis como soldados de marinha, são uma carga aos marinheiros, que deviam estar aprendendo seu oficio no alto dos mastros”. Esse relatório foi feito após a primeira escaramuça entre as frotas brasileira e portuguesa em 4 de maio na Baía de Todos os Santos. Braz do Amaral informa que apenas o navio português Princesa Real se dispôs a guerrear, trocando tiros com a nau D. Pedro I. Ao perceber a superioridade do inimigo, Cochrane bateu em retirada para a região da Ilha de Tinharé (Morro de São Paulo). Os portugueses resolveram não perseguir os inimigos. Se o fizessem, Amaral não tem dúvidas que liquidaria a frota brasileira sem dificuldades, e talvez a data da vitória do Dois de Julho teria que ser adiada. Numa outra oportunidade correu perigo a esquadra de Cochrane. Informantes avisaram, no dia 9 de junho ao almirante inglês, que os portugueses haviam planejado atacar Morro de São Paulo com seus 13 navios e tropas de desembarque bem equipadas. Se a ilha, estratégica no cerco a Salvador, fosse tomada, o resultado da guerra poderia ser outra. Contudo, por algum motivo não explicado, o ataque não ocorreu. “Foi uma outra excelente oportunidade perdida e são tantas as faltas, tantos os infortúnios da armada portuguesa, que a pessoa dedicada a estudar os fatos e escrupulosa em pronunciar sente-se em perplexidade”, escreveu Braz do Amaral, ao comentar os erros das tropas comandadas pelo general Madeira de Mello. Esses erros acabaram sendo fundamentais para a vitória do exército libertador brasileiro. Quando finalmente a frota portuguesa decidiu deixar o porto de Salvador, foi para a retirada dos portugueses, no dia Dois de Julho. *Biaggio Talento é jornalista e escritor, autor dos livros (A Sucursal), (Basílicas & Capelinhas), (Economia da Salvação), entre outros.


Foto: André Avelino

Coleta de lixo nas ruas do bairro Para discutir e buscar uma solução conjunta para a questão da coleta do lixo de bares e restaurantes do Rio Vermelho, foi realizada uma reunião com a participação de 22 proprietários de bares e restaurantes e um hostel, representantes da AMARV; da Colônia de Pesca; da Associação da Fonte do Boi; da Associação do Mercado do Peixe e da Comissão de Moradores do Morro das Vivendas; mais a presença dos vereadores Aladilce Souza e Claudio Tinoco; do secretário de Desenvolvimento, Cultura e Turismo, Guilherme Bellintani; do diretor de operações da Limpurb, Ronaldo Ferreira; e de prepostos da Revita, no dia 22 de maio, no Restaurante Ancoratto. O presidente da AMARV, Lauro Matta, fez a abertura da reunião, enfatizando que a entidade mais uma vez se mobiliza para contri-

buir para a resolução de problemas que afetam a vida do bairro. A vereadora Aladilce foi a responsável pelo convite às autoridades municipais e justificou a presença de Ronaldo Ferreira, diretor de operações da Limpurb, em substituição à presidente da Limpurb, Kátia Alves, que havia sido convocada pelo prefeito ACM Neto para outra reunião. O problema do lixo é uma questão antiga no bairro, e as principais queixas foram coleta do lixo nos restaurantes e bares realizada somente nos dias de terça, quinta e sábado, fazendo com que os proprietários tenham que “guardar” o lixo em seus estabelecimentos à espera da coleta, resultando em mau cheiro, ratos e baratas, entre outras, não cumprimento de horário e, com frequência, o lixo deixa de ser cole-

Representantes da prefeitura, comunidade, comerciantes e vereadores discutem a questão da coleta do lixo tado aos sábados – essa demora permite que os catadores de latinha rasguem os sacos espalhando o lixo pela rua, situação causada também por cães vadios.

4. Identificar os responsáveis e coibir o tratamento indevido aos cidadãos do Rio Vermelho. 5. Ficou marcada uma nova reunião para avaliação do serviço e ajustes.

Após vários questionamentos e propostas, o diretor de operações da Limpurb comprometeu-se a:

Na sua fala, o secretário Belintani saudou a todos, destacando o papel da AMARV, lembrando que essa é a décima segunda vez que vem ao Rio Vermelho para discutir sobre os problemas do bairro. Reafirmou que o projeto de requalificação da orla está em fase de orçamento; a iluminação de diversos pontos, solicitada pela AMARV, já está sendo trocada; e as intervenções no trânsito deverão ser intensificadas nos próximos dias.

1. Realizar, a partir da manhã seguinte (23/05) coleta diária entre 1 hora às 5 horas da manhã na Rua do Meio, Osvaldo Cruz e Fonte do Boi. Na orla serão mantidos dois horários de coleta. 2. Iniciar processo de implantação de coleta seletiva no bairro, para isso um técnico entraria em contato com a AMARV na segunda feira (26/05). 3. Compromisso de cobrar das empresas que executam a coleta rigoroso cumprimento dos horários.

A reunião foi avaliada como bastante produtiva, e a decisão de todos é de continuar o processo de construção de um Plano de Limpeza para o bairro do Rio Vermelho, que seja sustentável e possa servir de referência para outros bairros da cidade. A disposição de todos é enfrentar e resolver de forma cidadã, cada um assumindo a sua parcela de responsabilidade: o poder público, que cobra dos cidadãos uma taxa alta a título de resíduos sólidos e tem que prestar um serviço de qualidade; e o cidadão tem que fazer a sua parte, observando as normas definidas para um serviço eficiente.

Manifestação reivindica passe-livre para pessoas portadoras de deficiência “Acessibilidade: a saúde mental pede passagem!”, “passe-livre já”, entoaram em coro dezenas de usuários de instituições de saúde mental na Avenida Sete de Setembro, na sexta-feira, dia 23. Assim como servidores dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) e diversas entidades em apoio ao movimento, o grupo deu uma roupagem nova à caminhada anual em comemoração ao Dia da Luta Antimanicomial ao exigir a revogação da Lei Municipal nº 7201/2007. Sancionada em 2007, a norma restringiu o benefício de passes-livres concedidos pela prefeitura, deixando de fora os portadores de transtorno mental. Ao final da caminhada, uma comitiva entregou ao secretário de

Relações Institucionais um abaixo-assinado dirigido ao prefeito ACM Neto, pedindo a revogação da Lei nº 7201/2007. A nota distoante e que revoltou a todos foi a atitude do secretário da Saúde de proibir os técnicos dos CAPS de dar qualquer tipo de apoio aos usuários para participação no movimento, o que impediu que grande número de pessoas pudessem participar da caminhada. De acordo com os manifestantes, foi a primeira vez que isso aconteceu. Para a vereadora Aladilce Souza (PCdoB), o passe-livre para as pessoas com transtornos mentais e também com qualquer tipo de de-

ficiência deve ser priorizado pela prefeitura. “Muitas dessas pessoas não têm condições financeiras de ir ao CAPS receber os medicamentos ou participar de atividades terapêuticas, o passe é necessário para que elas possam incluir-se na sociedade. Precisamos pagar essa dívida com os usuários”, ressaltou. Na direção do ato público, a coordenadora da Associação Metamorfose Ambulante (AMEA), Lívia Souza, participa há muitos anos da luta antimanicomial. Ela acredita que a concessão do passe nos transportes coletivos reconheceria o cuidado necessário aos usuários. “Depois da lei federal que determina a não reclusão dos usuários [nº 10.216/2001], temos que dar o

mínimo de condição a eles. Muitos precisam estar sempre nos Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) para o tratamento, e ainda é muito difícil a inserção deles no mercado de trabalho. Fica muito oneroso”, comentou a coordenadora. Uma técnica do CAPS do Jardim Baiano justifica a luta pelo passe-livre. “O passe-livre permite uma inserção social desses indivíduos, seja para ir ao espaço de lazer ou ao tratamento. Muitos usuários não têm emprego por conta do estigma que ainda tem no mercado de trabalho e o benefício seria importante neste caso.” A usuária Promiciana Lopes dos Santos, 52, que esteve em tera-

pia no CAPS durante cinco anos, relembra do constrangimento de pedir para a igreja onde frequenta o dinheiro do transporte para ir ao centro. Agora, participa do movimento para que o passado não se repita a outros usuários. “Muita gente não tem como ir pegar ônibus no CAPS porque não tem salário. Então passam o dia lá porque não tem como voltar pra casa”, depôs a usuária. A manifestação também contou com a presença do vereador Hilton Coelho (PSOL); do porta-voz do Movimento Passe Livre Salvador, Walter Takemoto; e do presidente do Conselho Municipal de Saúde, Marcos Santos.

Ser

EEngenharia JRV – 5


Por Lula Oliveira Foto: André Avelino / Ilustração Rafael Titonel

O Rio Vermelho e o Cinema

Em 1920, a Bahia perdeu, num incêndio, o seu maior acervo fotográfico: milhares de negativos e cópias de praças, ruas, edifícios, obras em construção, interiores de residências, paços e templos, famílias baianas, competições esportivas, inaugurações de obras, trechos da cidade com aspecto ainda rural, praias, vultos ilustres do período do Império e da República, paisagens de cidades do interior. As chamas apagaram os registros de mais de meio século da história da Bahia clicados pelo alemão Rodolfo Lindemann, profissional de muitos talentos. A fotografia era a sua arte e paixão, mas ele também foi cineasta, paisagista, retratista e pioneiro no domínio da técnica da zincografia para a impressão de imagens. Abalado com o incêndio, Diomedes Gramacho, discípulo de Lindemann na arte cinematográfica, teria se desfeito de outros milhares de metros de película de sua autoria, jogando-os no fundo do mar, segundo depoimento seu, já octogenário. Significa que a Bahia perdeu os seus mais valiosos registros em fotografia e película entre o fogo e a água.

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Se essa história, contada pelo próprio Diomedes, for verdadeira, tudo leva a crer que esses negativos, jogados ao mar, estão depositados no fundo das águas das praias do Rio Vermelho e protegidos por Yemanjá, a nossa Rainha. Um verdadeiro tesouro no fundo do mar. O Rio Vermelho é um bairro cinematográfico por excelência. São muitas as produtoras que mantêm suas sedes no bairro, que também serve de residência para outros tantos cineastas. As ruas do Rio Vermelho também já foram muitas vezes utilizadas como locação de filmes rodados em Salvador e até do lançamento do consagrado “A lenda do Pai Inácio”, no antigo Teatro Maria Bethânia. O filme foi realizado pelo cineasta Pola Ribeiro, que também reside no bairro. Entre as diversas produtoras localizadas no bairro, destaca-se a Truque Cinema TV e Vídeo. Localizada na Rua Alagoinhas, a Truque é considerada uma das maiores produtoras brasileiras. Produziu diversos filmes importantes da cinematografia baiana de destaque nacional e internacional. Além da Truque, estão sediadas no bairro as produtoras Cavalo de

Cão Filmes, Sereia Filmes, Olho de Peixe, Araçá Azul, Caranguejeira Filmes, Studio Brasil, Santo Guerreiro, Zona Produções, Portfolium, DocDoma, Tenda dos Milagres, Rebu Produções, Mar Aberto, Selma Santos Produções, Eureka Filmes, Hamaca Filmes, entre outras. Somando os impostos arrecadados e os números dos negócios realizados por essas produtoras, podemos afirmar o potencial econômico que o bairro agrega quando se trata de produções cinematográficas e audiovisuais. É a força do que hoje chamamos de economia criativa. São muitos os nomes de diretores e produtores que residem, residiram ou trabalham no bairro, como Hermano Penna, Igor Penna, Bruno Saphira, Tenille Bezerra, Maria Carol, Gabriela Leite, João Gabriel, Tuna Espinheira, Siri, Macarra Vianna, Matheus Vianna, Davi Caires, Fernando Belens, João Rodrigo Mattos, Mateus Damasceno, Eliana Mendes, Fernanda Nascimento, Alberto Ianuzzi, Marcelo Gurgel, Sylvia Abreu, Geraldo Morais, Moisés Augusto, Cecilia Amado, Solange Lima, Lula Oliveira, Daniel Lisboa, Henrique Dantas, entre outros tantos talentos que peço desculpas por não lembrar o nome

de todos. Diga-se de passagem, aqueles que aqui não residem acabam frequentando o bairro com grande assiduidade nas noites boêmias de encontros etílicos criativos. Não é mesmo, Fábio Rocha?! As ruas do Rio Vermelho já foram cenários para diversas produções e filmagens. “Oriki do mar”, filme produzido pela Truque e dirigido pelo cineasta Jorge Alfredo, que acompanhou a Festa de Yemanjá por vários anos antes da sua finalização, resultando num filme poético antropológico sobre a festa mais mágica da Bahia. Também o filme “Capitães de areia”, da cineasta Cecilia Amado, teve cenas gravadas no bairro. “Agora é cinza”, dirigido pelo cineasta Sérgio Machado, reproduziu a própria Festa de Yemanjá com mais de 200 figurantes no calçadão da Praia da Paciência. E, bem recentemente, o cineasta João Gabriel rodou cenas do seu longa-metragem intitulado “Travessia”, nos bares do bairro. Estes são alguns exemplos dentre outros, que por ora não me vêm à memória de filmes rodados no Rio Vermelho. Um bairro que já teve uma das principais salas de cinema da cidade do Salvador: o histórico Cine

Rio Vermelho que marcou época com suas matinês, e que hoje se transformou em Igreja evangélica (mais um Bahia!..). O Teatro Maria Bethânia não era apenas teatro. Era Cine Teatro Maria Bethânia. Muitos filmes foram exibidos nesse importante e histórico espaço cultural que já não mais existe. Virou restaurante (mais um Bahia!...). Diante desse cenário, temos que potencializar a força criativa e produtiva do bairro e das suas cabeças cinematográficas pensantes para tirar proveito dessa força. Uni-vos cineastas e produtores para que, juntos, possamos dinamizar a força criativa do Rio Vermelho em torno de boas ideias e, por que não, dos bons negócios cinematográficos e que também valorizem cada vez mais nosso bairro e nossa cidade. Por fim, não posso esquecer de um ilustre morador da vizinha Amaralina que nos deixou recentemente, mas que marcou a noite rock n´roll do Rio Vermelho com a sua presença e seu sorriso sempre embalado pelas resenhas cinematográficas e musicais. Trata-se do jornalista e crítico de cinema João Carlos Sampaio. Fica aqui a homenagem. Odoyá Sampaio!


3ª Bienal da Bahia. É tudo Nordeste?

Fotos: Camila Souza/GOVBA

Após uma lacuna de 46 anos, retorna ao cenário artístico baiano a Bienal da Bahia, uma das pioneiras entre os eventos do gênero nas Américas. A 3ª Bienal da Bahia gira em torno do tema “É Tudo Nordeste?” articulado em diferentes tipos de atividades. Cerca de 150 artistas e convidados realizam exposições, ciclos de cinema, performances e oficinas, intervenções e ocupações artísticas, expedições pelo interior do estado, ateliês abertos e conversas públicas. O acesso do público é gratuito. A promoção é da Secretaria de Cultura do Estado. Duzentos projetos artísticos serão montados em Salvador e em outras nove cidades do interior. O curador-chefe é Marcelo Rezende, escritor, crítico e diretor do Museu de Arte Moderna (MAM); a chefia da curadoria é completada por Ayrson Heráclito, artista visual e professor; e Ana Pato, pesquisadora e ex-diretora da Associação Cultural Video Brasil; e curadores adjuntos da equipe Fernando Oliva, crítico e pesquisador, e a professora Alejandra Muñoz. O tema “É Tudo Nordeste?” foi escolhido para destacar, sob uma perspectiva baiana, conteúdos culturais e históricos

relacionados com a região. A proposta é abrir canais de diálogo com o resto do Brasil e a cena artística mundial. A programação foi fechada em 26 espaços de Salvador, entre os quais o MARM, Teatro Castro Alves, Instituto Goethe (ICBA), Palacete das Artes, Galeria ACBEU, Mosteiro de São Bento, Aliança Francesa, Museu Carlos Costa Pinto e Galeria Cañizares/UFBA. A abertura oficial aconteceu no dia 29 de maio no MAM-BA e vai até o dia 7 de setembro. Informações:www.bienaldabahia2014.com.br.

centro da Região Nordeste para a discussão e produção de arte, sob tutela de uma trajetória que vinha desde a década de 1930. A I Bienal da Bahia foi dirigida e liderada por Juarez Paraíso, Chico Liberato e Riolan Coutinho. Além de artistas renomados, advindos principalmente do Sudeste. O Convento do Carmo de Salvador foi reformado e se tornou ponto de encontro para debate e produção da arte brasileira, descentralizando a atividade artística do eixo Rio-São Paulo.

I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia ou Bienal da Bahia Surgiu em 1966 trazendo reconhecimento ao cenário artístico local através de uma integração com o que estava sendo produzido nacionalmente. Salvador passou a ser o

II Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia ou II Bienal da Bahia Diferente da primeira, a II Bienal de 1968 enfatizava a produção artística baiana, entendendo que a discussão sobre os rumos estéticos

“estrangeiros” deveria ser preterida, linha de raciocínio que causou desconforto em alguns artistas. A Bienal era para ser uma oportunidade de trazer a produção nacional de maneira crítica, para contribuir com a formação e afirmação do circúito artístico no Norte e Nordeste brasileiro. O evento também foi idealizado por Juarez Paraíso e Chico Liberato, e o centro do encontro foi o Convento da Lapa, reformado pelo governo do Estado da Bahia. O Regime Militar no Brasil, iniciado em 1964, que endureceu ainda mais em 1968 com o Ato Institucional nº 5, aumentando a censura e perseguindo artistas e intelectuais, se fez presente de imediato: a II Bienal foi fechada e as obras confiscadas por serem consideradas “subversivas”. O Regime Militar no

Brasil fez a Bahia silenciar-se artística e culturalmente, ao menos em grandes manifestações, até o fim da ditadura.

III Bienal da Bahia O ano de 2014 não marca apenas um recomeço, mas uma continuidade para a arte baiana e nacional. No Brasil, existem hoje somente duas bienais de ampla repercussão em atividade: a Bienal de São Paulo (1951), que é a segunda mais antiga do mundo, e a Bienal do Mercosul (1997). Após tudo que aconteceu na arte baiana antes e após as duas bienais, esta não pode ser considerada uma reunião, mas uma progressão do que tem sido realizado. A III Bienal da Bahia, após 46 anos, acontece durante 100 dias de 2014.

No palco com o Sitorne

Encenação da peça (Um Hamlet) em 2013

Criado em fevereiro de 1995, sob a direção artística da diretora teatral Teresa Costalima, o Sitorne Estúdio de Artes Cênicas nasceu como centro de ensino, discussão e pesquisa de arte do ator, com o objetivo de montar espetáculos profissionais e didáticos e aprimorar suas pesquisas e experimentações, através de grupos de estudos e cursos de aperfeiçoamento e reciclagem de atores.

capacidade para 80 pessoas, sala de ensaio, rouparia, biblioteca e salas de aulas.

Durante esses anos o Sitorne cresceu, ocupou três endereços no Rio Vermelho, formou centenas de atores e montou diversos espetáculos. Com sede própria, construída em 2006 situada à Rua Deputado Cunha Bueno, 55, conta com uma estrutura composta por um café-teatro com

O Sitorne Estúdio de Artes Cênicas é composto por uma rede de atividades que se complementam: curso de formação de ator e palhaço; Oficinas Livres da Sitorne; Sitorne Companhia de Teatro; Café-teatro Sitorne; e Fazendo Arte. Desenvolve os projetos: Programa de Forma-

No café-teatro desenvolve-se uma intensa programação aberta à comunidade como também a promoção das diversas artes, abrindo espaço para exposições de pintura e fotografia, saraus literários, shows musicais e encontros de artistas de todas as linguagens.

ção de Plateia; Programa de Bolsas; Programa de Reciclagem de Profissionais; Arte para Melhor Idade; Projeto Casca do Ovo; Projeto Boa-Praça; e Panorama Sitorne. Cada apresentação conta sempre com mestres de cerimônias, que agem como “entrevistadores” das atrações, oferecendo dessa maneira introdução à linguagem apresentada, informação histórica e curiosidades. Os espetáculos da Sitorne Companhia de Teatro, sempre que possível, são acompanhados de uma palestra informativa sobre o autor, período e/ou linguagem utilizada. Vale a pena conferir sempre a programação. Vamos ao teatro!

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A Copa do Brasil e a Foto: Carol Garcia/GOVBA

A Copa do Brasil

de iguarias típicas de algumas cidades-sedes, no entanto, alguns produtos, se comparados aos valores praticados usualmente, estão bastante salgados.

Pela segunda vez o Brasil está sendo o anfitrião de um dos eventos esportivos mais aguardados e prestigiados do mundo: a COPA DO MUNDO DE FUTEBOL 2014.

O nosso acarajé será vendido a R$ 8, mas a tabela não informa com ou sem camarão. A cocada será vendida por R$ 5. O latão da Brahma sairá a R$ 10, enquanto a Budweiser sairá por R$ 13. Já a versão sem álcool será comercializada por R$ 6. Os refrigerantes e isotônicos aparecem custando R$ 8 e a água mineral 500ml custará R$ 6. Os chocolates saem a R$ 8 e o preço máximo dos sanduíches será R$ 13. Tudo isso com o padrão FIFA.

Esta é a 20ª edição do evento e os brasileiros estão ansiosos para saber no que vai dar. O calendário oficial, amplamente divulgado, ocorrerá entre os dias 12 de junho a 13 de julho com 64 jogos e 32 seleções. A FIFA, instituição organizadora do evento, acabou autorizando 12 cidades-sedes para a realização da Copa: Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Recife, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Natal, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Anteriormente só eram permitidas de oito a dez cidades. O Rio de Janeiro será a cidade-sede que abrigará o maior número de jogos, incluindo a final. Em São Paulo será reali-

zada a cerimônia de abertura no Itaquerão. Aqui em Salvador, o Estádio Octávio Mangabeira, carinhosamente apelidado Fonte Nova, que virou Arena Fonte Nova e agora Itaipava Arena

Fonte Nova, será palco de partidas históricas como Espanha x Holanda, Alemanha x Portugal, Suíça x França, mais um jogo pelas oitavas-de-final, outro jogo pelas quartas-de-final, além de Bósnia x Irã, que podem surpreender com um

belo espetáculo, afinal, Copa do Mundo é Copa do Mundo. A FIFA divulgou no dia 26 de maio os preços das comidas e bebidas que serão vendidas dentro dos estádios durante a Copa. Os torcedores encontrarão uma variedade

Será divulgada também a lista de proibições da Copa, dentro das arenas e seu entorno, como instrumentos musicais, mastro de bandeiras, guarda-chuvas, garrafas, latas de spray, sinalizadores, fogos de artifício e o comércio de cambistas (sic) e camelôs, entre outros.

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Cozinha do Rio Vermelho Foto: André Avelino / Ilustração: Rafael Titonel

A Cozinha do Rio Vermelho Histórico e cheio de lendas, o Rio Vermelho tem características de um bairro alegre, cheio de energia e, ao mesmo tempo, aconchegante e agradável, onde convivem profissionais liberais, empresários, políticos, pescadores, estudantes, artistas, intelectuais e boêmios no mesmo espaço.

A previsão é que 300 mil turistas passem pela capital baiana, deixando por aqui R$ 543 milhões (no carnaval 2014, 550 mil deixaram em torno de R$ 1 bilhão). Os estrangeiros que vêm exclusivamente para a Copa devem gastar em média R$ 5.500, quase o

dobro do previsto para os que vêm só a passeio, R$ 2.800. Já os brasileiros que compraram ingressos para os jogos devem gastar cerca de R$ 1.500, R$ 300 a mais do que os que estão apenas aproveitando os feriados da Copa.

Enquanto a Setur-BA comemora 100% de ocupação da rede hoteleira na primeira semana do evento, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes da Bahia (Abrasel-BA) afirma que o setor espera um movimento abaixo do que se imaginava.

O clima festivo, por ser o bairro dos artistas, a Festa de Yemanjá, as baianas de acarajé e sua religiosidade se misturam generosos nas ruas e avenidas com forte sotaque baiano, refletindo nos setores de comércio e cultura da economia local. Shoppings, bares, restaurantes, casas de shows, hotéis, pousadas, bancos, supermercados, o Mercado do Peixe, a nova Ceasinha, biblioteca pública, escolas, faculdades, teatros e galerias de arte fazem do Rio Vermelho o bairro mais baiano de Salvador. Reduto que encanta baianos e turistas que

desejam diversão e praticidade em um só lugar. A diversidade cultural do bairro é tão bem definida que se expande para outros segmentos, como é o caso da gastronomia. Não há lugar que melhor retrate nossa gastronomia do que o Rio Vermelho. É possível conferir as variadas opções de cardápio que vão desde o acarajé até pratos sofisticados que reúnem elementos de todos os continentes. Berço da boemia soteropolitana e abrigando diversos espaços gourmets, o bairro já está preparado e acostumado para receber visitantes e turistas. Mais de 120 estabelecimentos que servem bons quitutes, petiscos, bebidas e pratos variados, atendendo a todos os tipos de gostos e bolsos. O Rio Vermelho sempre de braços abertos. Pode entrar, sinta-se à vontade e pode torcer e vibrar pela sua seleção.

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A arte urbana e o

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o Rio Vermelho a Arte Urbana está presente desde a década de 1970, através do Grupo Geração 70, que fez de tela livre um enorme muro da Rua da Paciência, pintando diversos temas que se renovaram por vários anos. Faziam parte do grupo os artistas plásticos Bel Borba, Chico Diabo, Guache Marques, Mazo, Murilo e Zivé Giudice.

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Nos idos de 1980, outro grupo, o Operação Plástica, composto pelos artistas Ruy Santana, W. Ygas, Mônica Tanajura, Wilson, Manoel Bonfim, Márcia Abreu e Hamilton, com o objetivo de evitar poluições e pichações, também deixou sua marca com belíssimos trabalhos nos muros da Rua Ilhéus, Cardeal da Silva, Bar Gota de Orvalho, entre outros locais.

da por muitas cores, texturas, símbolos e signos da vida urbana. Entre as pichações e a poluição visual de anúncios de “pega-se entulho”, cartomantes e ciganas, destaca-se a arte do grafite: pinturas e desenhos registrados nos muros e paredes, diferenciados pela grande qualidade gráfica e estética.

porânea com características urbanas, que tem o objetivo de interferir na paisagem da cidade, transmitindo as diferentes ideias e visões de seus criadores. Além de inovador, o grafite é extremamente abrangente, não podendo deixar de se ressaltar a diversidade de sua forma criativa e de sua natureza crítica.

Hoje, quem anda pelas ruas do bairro tem a visão toma-

O grafite é essencialmente uma forma de arte contem-

A arte do grafite superou o status de transgressão e hoje

é feita até sob contrato público, sendo comprovada por meio das inúmeras intervenções, realizações de eventos, encontros internacionais, mutirões, exposições em galerias, além de outras atividades de divulgação da arte. Em Salvador, o grafite se fortalece cada vez mais com o surgimento de novos artistas, alguns deles com o nível de arte comparável aos melhores grafitei-


Fotos: Edgard Carneiro / Obras: diversos autores

Foto: André Avelino

Éder Muniz e Samuca posam em frente a uma de suas criações conjuntas ros do mundo. Alguns nomes como Peace, Limpo e Sisma Costa, que juntos fizeram parte do grupo Turbilhão Urbano, em reconhecimento ao trabalho que realizam, foram convidados a expor pelo Brasil e pelo mundo. Alguns deles têm trabalho em nosso bairro. O baiano Denis Sena fez diversos trabalhos para a Prefeitura de Salvador, como na Estação do Metrô no Campo da Pólvo-

ra e por toda a cidade, de Cajazeiras ao Rio Vermelho. Éder Muniz é outro nome responsável por algumas das obras figurativas mais instigantes e coloridas pintadas nos muros da metrópole soteropolitana. E como o grafite sempre teve a característica de obra coletiva, Éder em parceria com o grafiteiro Samuca, foi flagrado deixando a bonita marca do seu trabalho num muro da

Rua Borges dos Reis, no Rio Vermelho. Éder inclusive está realizando a exposição de fotos intitulada “Ágora… Agora”, que foi aberta no dia 05 de junho, retratando suas obras espalhadas pelos muros da cidade. Para o artista, o grafite tem essa força de produzir uma relação espontânea entre a obra, a rua e as pessoas. Esperamos que a magia de transformar as ruas em espaço de arte tenha cada vez mais força.

EXPOSIÇÃO ÁGORA… AGORA Um dos expoentes da nova geração do Grafite em Salvador. Éder Muniz, artista plástico e grafiteiro, realiza a exposição de fotos “Ágora… Agora”, retratando suas obras. A exposição, cujo título remete à Ágora – espaço público para discussão e decisões políticas na Grécia Antiga –, traduz essa reflexão sobre um espaço democrático para a arte. “Um ponto político importante que o grafite traz é a coletividade da arte, esta

democratização, que busca dividir com a população, ao invés de fechar a arte apenas para quem tem grana. Além disso, sempre tem também uma mensagem de afirmação cultural”, diz o artista Éder Muniz. Exposição: ÁGORA… AGORA Onde: IF SOLUÇÕES PLANEJADAS – Alameda dos Sombreiros, 110, Caminho das Árvores. Quando: de 05/06/2014 a 05/07/2014

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Personagem do Rio Vermelho

Cid José Teixeira Cavalcante

Ilustração: Rafael Titonel

Matéria concedida pela Revista de Arte Dendê Nasceu em 11 de novembro de 1924 em Salvador, na Ilha de Maré, o primeiro dos cinco filhos de D. Cidália e Sr. José foi denominado Cid José e reconhecido pelo mundo afora como Cid Teixeira. Casado com a professora e advogada Expedita Teixeira, pela qual o Rio Vermelho tem um imenso carinho. Cid Teixeira é pesquisador e historiador, considerado um dos maiores conhecedores da cultura e das tradições da Bahia. Estudou no Ginásio da Bahia e formou-se em direito pela UFBA, com docência e doutorado em história. Foi diretor da Fundação Gregório de Mattos e implantou o Serviço de Rádio Educação do Instituto de Rádiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB). Trabalhou no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, onde se tornou um guardião da história baiana, com uma memória prodigiosa e um poder de oratória incomum. Foi radialista, repórter, editor e editor-chefe de jornais baianos, tem centenas de artigos publicados, livros editado e ocupa a Cadeira de nº 19 da Academia de Letras da Bahia. Após um hiato de vários anos sem dar entrevistas, estamos publicando um trecho de uma entrevista inédita dada com exclusividade para a Revista de Arte Dendê há quatro anos, que nos presenteia com as lembranças e a inteligência do professor Cid Teixeira.

Revista Dendê – Professor Cid Teixeira, dizem que a história da Bahia e a do senhor se confundem. Como a história entrou em sua vida? Cid Teixeira – Eu fui trabalhar, ainda garoto, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Foi meu primeiro emprego, menino comprador de tempero. Depois fui para a secretaria, aprendi a datilografar, fui trabalhar na biblioteca, estava estudando e, a partir daí, mergulhei literalmente na história. Eu tinha uns 17, 18 anos. Eu não dava ousadia de procurar livro no fichário, eu sabia de cor onde estavam todos os livros da biblioteca. Eu não me imagino fazendo uma cirurgia, sendo médico. Formei em direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1948, advoguei pouco tempo e não tenho arrependimento de ter me formado em direito. A Faculdade de Filosofia, onde se estuva história especificamente, é do ano de 1941, 1942. Nessa época, a faculdade ainda não tinha, com todo o respeito que tenho pela instituição, não tinha a divulgação, a projeção… Tanto é que ainda não tinha o quadro docente que foi recrutado da Faculdade de Direito, do Ginásio da Bahia. E foi por isso que eu fui fazer história, eu juntei a

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Por André Avelino e Raimundo Mundin é querer fazer concreto armado do século XVIII. Aí não dá! Tem que conservar as coisas, ter orgulho de morar num casarão no Comércio. Onde eu gostaria de morar. Por exemplo, aquele casarão de azulejo da Praça Cairu é lindíssimo! Têm turistas que vêm da Holanda só para admirá-lo, enquanto muitas pessoas passam por ali e não observam. Aqui na Bahia, antes de mais nada, é fazer com que as pessoas gostem da Bahia – não como folclore, mas, sim, entranhadamente. Isso é muito importante. É passar a responsabilidade para a comunidade, da preservação, e não deixar toda a responsabilidade para o governo. Se eu moro na cidade, que é minha casa, quem tem de cuidar dela sou eu, e não ficar só esperando que o governo venha cuidar dela.

fome com a vontade de comer: eu trabalhava no Instituto Histórico e Geográfico, que era o centro dessa conjuntura. Não cheguei a viajar para fora do país para fazer curso de especialização. Eu dei cursos. Fiz doutorado na Escola de Belas Artes e livre docência como professor de história da arte e, para efeitos legais, eu sou doutor. Fiz concurso, não entrei de favor, não. Eu vivia mergulhado na coisa, pra fazer um papel bonito… RD – Roberto Gaguinho fez o filme “Cid Teixeira, a Enciclopédia da Bahia”. O senhor é um homem de uma memória prodigiosa e um narrador magistral. Como funciona isso de guardar tantos e tantos detalhes e nomes? CT – É uma coisa natural, não tem nada de excepcional. Não me consta que eu seja uma peça de museu ou alguma coisa diferente. É trabalho, é vida, é estudo. Eu nunca fiz outra coisa na vida do que estudar história. Dar aula de história. Fazer seminário de história. Também trabalhei como guia de turismo, tudo isso tem a ver. RD – Tem algum fato interessante que o senhor se lembre em sua passagem pelo Instituto Histórico e Geográfico da Bahia? CT – Ah, tinha um cidadão que nem que forme a guarda para me fuzilar eu digo o nome. O cidadão chegava lá, pegava um livro, ia assim, folheava, ia lá dentro, sentava, lia o livro, depois se despedia: ”Vou-me embora. Amanhã eu volto”, pegava e botava o livro no peitoril da janela. Aí, ele saía e, pelo lado de fora, estendia a mão e ia roubar o livro. Eu, devagarzinho, tirava o livro da janela e ele ficava com a mão procurando, sem achar o livro. Um cidadão importantíssimo na universidade… Mas, não digo o nome! RD – Naquele tempo não se emprestava livro? CT – Não, naquele tempo não era permitido. Quem queria ler, ia ao instituto e lia. Eu acho que livro não se empresta. Porque o sujeito que devolve um livro bom que tomou emprestado é um idiota! RD – E como foi sua passagem pela Escola de Bela Artes? CT – Eu fiz meu doutorado na Escola de Belas Artes, onde lecionei história da arte. A escola ainda era na Rua 28 de Setembro. Eu era vice-diretor quando a escola se mudou para o Canela. Boa parte da mudança foi no meu jipe. Eu tinha um jipe sem capota, não vou dizer 90% da mudança porque tinha umas peças grandes, mas o arquivo foi praticamente no meu jipe. O diretor na época era Mendonça Filho, um grande pintor! Imagine, Juarez Paraíso foi meu aluno. Juarez Marialva Tito Martins Paraíso.

RD – O senhor se lembra de algum aluno famoso? CT – Glauber Rocha. Mas eu prefiro me lembrar dos meu professores. Conceição Menezes. Se eu soubesse dar uma aula como Conceição Menezes! Eu era fascinado pela didática que ele tinha. Foi um grande, grande professor de história! Esse é meu referencial. RD – Falam que baiano não é nordestino. Baiano é baiano. Como o senhor vê isso da baianidade, do baiano se sentir diferente? CT – Olhe bem, você assiste televisão e vê a projeção do tempo: chuva no Nordeste etc. e tal. O Brasil é o único país do mundo que não tem Leste. Já notou? Onde é o Leste? Os ponto cardeais são Norte, Sul, Leste e Oeste, mas a Bahia não é Leste. O IBGE acabou com o Leste, colocou a Bahia no Nordeste. Então, dizer que a Bahia é Nordeste não é verdadeiro. Nordeste é Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas. A Bahia é Leste. Não sei de quem foi a ideia doida de acabar com o Leste. Acabaram com um ponto cardeal! RD – O que foi mais importante para Salvador no século XX? CT – A abertura da Avenida Sete de Setembro, que não existia. Perdeu-se uma igreja, a Igreja de São Pedro – e não estou louvando ter perdido. Também a abertura da Avenida Oceânica e o Comércio, porque a Alfândega, que hoje é o Mercado Modelo, era em cima da água, da Rua Portugal em diante era o mar. O aterro do porto deu outra fisionomia ao Comércio. Observeque que as casas mais antigas, do século XIX, são para a parte de

dentro e as novas são de 1912, 1916 em diante. RD – O projeto de revitalização do bairro do Comércio, anunciado por empresários e pelo governo, agrada ao senhor? CT – Uma boa coisa. Eu não sei como é que vai, mas acho que merece ser revitalizado. Recuperar é bom, o que não se deve é demolir construções coloniais para construir arranha-céus. Para atrair o turismo, para criar a personalidade da Cidade do Salvador, só mesmo as construções até o século XIX. Ninguém vai sair de outro lugar para ver arranha-céu na Bahia, isso é maluquice! RD – Quanto às barracas de praia de Salvador, que foram demolidas na orla, há algum valor delas na história da cidade? CT – Qual é a praia mais movimentada, mais badalada e conhecida no Brasil e no mundo? É Copacabana, no Rio de Janeiro. Existem barracas lá? Por que então deixar barracas nas praias de Salvador? Por que então não colocam as barracas do outro lado e deixam a praia livre? O cidadão utiliza uma área pública, no caso a praia, que é nossa, é minha e sua, e coloca cadeiras, mesas, vende sua cerveja e ocupa a praia. Eu não posso usar a área porque o cidadão ganha dinheiro às minhas custas. Eu sou o dono de um xis avos de uma parte dessa praia! RD – Que mensagem o senhor deixa para as futuras gerações em relação à preservação da memória histórica da Bahia? CT – Primeiro, que gostem e tenham pela Bahia um sentimento de amor; segundo, que estudem; porque pior do que não conservar é fazer o pastiche, a imitação,

RD – O senhor gostaria de dizer mais algumas palavras? CT – Estudei história a vida toda. Ensinei por concurso. Desculpe a ousadia, mas não devo favor de nomeação a ninguém. Ensinei em outros colégios particulares. Ensinei na (universidade) Católica. Depois, houve um tempo de jornalismo. Fui editor-chefe da Tribuna da Bahia durante algum tempo. Também fiquei publicando artigos por aí. Agora mesmo estou lançando um livro: “Bahias”. É sobre a diversidade das áreas culturais no estado. Existem várias Bahias na cabeça de baianos. Um homem do São Francisco é completamente diferente do homem de Ilhéus. Veja uma coisa, uma igreja como Nª. Sª. do Rosário, uma igreja de Cachoeira, a igreja de São Bartolomeu, em Maragojipe, é completamente diferente de Macururé, de Chorrochó. É esse trabalho que estou desenvolvendo.

O pensamento de Cid Sobre o Rio Vermelho – Me lembro que no Rio Vermelho só havia um automóvel que era do Sr. Adolfo Moreira, o dono da pedreira (onde hoje se encontra o Hotel Pestana). Ao longo do dia fazíamos a seguinte pergunta: “Já passou o automóvel?”. Ninguém saía do Rio Vermelho, você tinha uma identidade riovermelhense. Sobre a origem do termo Rio Vermelho – “Camarajibe” é o nome que foi transformado pelo uso popular em “Camarujibe”. “Camarajibe” é o rio das camarás, uma florzinha vermelha que antigamente tinha demais na cidade. Rio das florzinhas vermelhas. Rio Vermelho daí nasce o nome do rio. Propriedade de Manoel Inácio da Cunha Menezes que ganhou a sesmaria, cuja terra ia da Mariquita até onde foi a sede de praia do Bahia na Boca do Rio, daí pra dentro a mesma coisa.


Deu no Blog

blogdoriovermelho.blogspot.com.br

Largo de Santana precisa de atenção

Isso é lugar para instalar barraca?

O Largo de Santana, onde está a obra de Tati Moreno em homenagem a Zélia e Jorge Amado e um dos tabuleiros de acarajé mais badalado da cidade, encontra-se em estado lastimável. Além do piso quebrado em vários pontos, as lâmpadas colocadas no chão estão queimadas ou foram arrancadas. A parede da igrejinha serve de sanitário público tanto de dia como de noite, já tem um buraco formado de tanta urina. Uma tristeza !

Como num passe de mágica surgiu no calçadão da Paciência uma enorme barraca, que pelo tamanho é, na verdade, um novo ponto comercial instalado em área pública. Uma situação contrária à pregação da prefeitura de ordenamento da cidade, ainda mais quando existe um projeto de requalificação da área, que conforme promessa do próprio prefeito será iniciada após a Copa.

Fotos: Carmela Talento

Cidadania digital A parede da Escola Municipal Oswaldo Cruz foi transformada em um grande painel grafitado com orientações de como utilizar a internet com responsabilidade. Iniciativa louvável diante da forma inadequada que muitos estão fazendo das redes sociais, publicando fotos, vídeos e informações que acabam prejudicando os outros.

Ponto de ônibus virou estacionamento Todos os dias é a mesma coisa, carros estacionados onde os ônibus deveriam encostar e os ônibus parando no meio da pista para pegar os passageiros. Essa é a rotina dos usuários do sistema de transportes coletivos no ponto que fica na Rua da Paciência, próximo à travessa Lydio Mesquita. Foto: André Avelino

Casa do Estudante de Paulo Afonso Localizada na Rua Odilon Santos, no Rio Vermelho, a casa, desde 1992, abriga os estudantes de Paulo Afonso e é considerada uma das melhores de Salvador, juntamente com a Casa do Estudante de Itapetinga, no bairro da Saúde. Reformada para melhor atender às necessidades dos jovens, oferece uma infraestrutura com sala de informática com computadores, acesso a internet sem fio, sala de televisão e vídeo, biblioteca, cozinha, refeitório e quartos com banheiro, frigobar, ventilador e armários. A Casa do Estudante de Paulo Afonso é

uma demonstração clara que a prefeitura pode participar e dar estímulo, mesmo que de maneira indireta, para que os jovens estudantes possam concluir o ensino universitário na capital. A casa é um ponto estratégico para facilitar a vida dos estudantes, sem a qual não poderiam se manter nem evoluir academicamente em Salvador. Atende somente estudantes universitários. Comprada pela prefeitura em 1993, possui um coordenador nomeado pelo poder público de Paulo Afonso, mas que não reside no local. Para morar na residência é ne-

cessário procurar a Secretaria da Educação do município, onde é avaliada a condição financeira do candidato e seu currículo. Equipamentos de grande importância para os estudantes do interior do estado, não só como moradia, mas para garantir e manter os estudos do residente, as Casas do Estudante tendem a desaparecer se não houver um forte trabalho de esclarecimento e reconhecimento do seu papel na formação desses jovens. Infelizmente, a grande maioria das prefeituras municipais do interior não tem a visão da importância dessas

Exemplo de república de estudantes apoiada pela prefeitura residências. Opiniões opostas e desinformação são marcas constantes na relação entre os governos municipais e as residências estudantis. Garantir da prefeitura o repasse mensal de um percentual míni-

mo do Fundo de Participação dos Municípios para manutenção das residências, aprovadas em Lei Orgânica, é o que todos os estudantes do interior esperam. De parabéns a Prefeitura de Paulo Afonso pela manutenção da Casa do Estudante em Salvador.

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Foto: André Avelino

Bar de Bahia ou a vida como ela pode ser Por Dilton Machado

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Recuperação do monumento Clériston Andrade Inaugurado em 1983, o monumento de autoria do escultor Mário Cravo Jr. foi erguido em homenagem ao ex-prefeito de Salvador, Clériston Andrade, morto em acidente de helicóptero às vésperas de eleição para o governo da Bahia. Tem 14 metros de altura, executado em concreto armado, revestido com mármore, fibra de vidro, alumínio e relevo em latão. Atingido por um incêndio em outubro do ano passado, o monumento, que fica na Avenida Garibaldi, começou a ser revitalizado pela Prefeitura de Salvador, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Cultura e Turismo (SEDES) e da Companhia de Desenvolvimento Urbano (DESAL), com apoio da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEMOP), Fundação Gregório de Mattos (FGM), Limpurb e Superintendência de Conservação e Obras Públicas (SUCOP).

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As obras terão sete etapas, sendo a primeira delas compreendendo a retirada do revestimento em mármore, da argamassa e da cúpula em fibra de vidro, além da recuperação e tratamento da estrutura metálica e fixação da estrutura de vidro. A segunda e terceira etapas englobam o assentamento do mármore novo e das cúpulas de vidro, com tratamento e limpeza, bem como a impermeabilização da laje da cobertura do monumento. Já a quarta e quinta envolvem a recuperação, produção e assentamento dos bustos, assim como a instalação da nova iluminação. As últimas duas etapas compreenderão a estabilização do espelho d’água e a recuperação urbanística do entorno. Um trabalho quase artesanal para que a obra não perca suas características originais. O artista Mário Cravo Jr. está de olho.

uem visitar Salvador fatalmente experimentará o Rio Vermelho. Bairro boêmio da cidade, aqui diversas tribos convivem pacificamente, as opções vão de hotéis cinco estrelas ao Mercado do Peixe, passando pelo Largo da Dinha, local privilegiado onde se pode degustar as iguarias da terra, praticar azaração ao gosto do freguês, sorver umas geladinhas, e jogar muita conversa fora. Diferentemente do Pelourinho, que a maioria dos soteropolitanos, principalmente os mais metidos a besta, vê com preconceito e como espaço prioritário para turistas, o Rio Vermelho é o “xodó” da Roma Negra, o sentimento de pertencimento do bairro é constantemente expresso, de diferentes formas, por todas as classes e castas sociais. Mas as verdadeiras pérolas do Rio Vermelho não são tão visíveis assim, frequentar o território é uma coisa, viver no Rio Vermelho é uma experiência incomum. Cada pedaço do Rio Vermelho tem lá suas manias, cada subespaço tem vida própria, quem mora aqui sabe disso, os vizinhos agradavelmente bisbilhoteiros e os botequins que ainda vendem fiado nas cadernetas dão colorido especial à convivência comunitária, não é novidade para os residentes a troca de feriadões em beira de praia pela presença nos botecos das suas ruas, a terapia de grupo está sempre assegurada, evidentemente movida pelo consumo generoso de estimulantes etílicos. Quando me referi às pérolas do Rio Vermelho, quis dizer as indefectíveis “visgueiras” que frequentamos, mais exatamente os personagens que compõem o cenário desses lugares, os biriteiros inveterados e os donos dos botecos, além dos coadjuvantes passageiros, que, uma vez inoculados por esses ambientes, terminam virando clientes cativos. Vou tratar aqui da preciosidade conhecida como BAR DE BAHIA, exemplo de sucesso empresarial, e ao mesmo tempo emblema da contradição às modernas teorias organizacionais vigentes. Bahia, o proprietário, cuja alcunha decorre do fato de ser um fervoroso torcedor do Tricolor de Aço, é uma

figuraça: negro, estatura mediana, já não tão jovem, pescoço repleto de correntes de prata, humores nem sempre agradáveis, linguajar nada discreto, paciência quase nenhuma, empresário com suas próprias regras de administração, e adepto da filosofia que quem tem razão é sempre o dono do negócio, quase nunca o cliente. Para os frequentadores mais chegados a relação extrapola o vínculo comercial, Bahia é um amigo leal em todas as horas, mesmo quando o cliente é um torcedor do rival Vitória, como eu e o professor Alberto, o mais rubro-negro dos rubro-negros que conheço nessa cidade. Frequentam o boteco consumidores de todos os matizes, gente de diversos credos, etnias e faixas etárias, funcionários públicos, comerciários, profissionais liberais, artistas, publicitários, aposentados, operários, desocupados, e por aí vai, além dos garotos que pedem água a “Seu Bahia” no retorno das escolas, e um doido varrido, Del, que vive pedindo dinheiro nos semáforos próximos, e depois vai ao boteco saborear a sua pinga, ao tempo em que canta suas criações em falsete na linha dos Bee Gees, divertindo a galera e dando sua modestíssima contribuição ao faturamento do bar. Independentemente das eternas contendas clubísticas entre torcedores rivais do Leão da Barra e do Tricolor de Aço, o boteco frequentemente é palco para discussões políticas e filosóficas, registrando confrontos épicos entre conservadores e liberais, fernandistas/serristas e lulistas/dilmistas, carlistas e anticarlistas, axezeiros e mepebistas/ roqueiros, tudo com paixões exacerbadas, porém, sempre com respeito mútuo, no final entre mortos e feridos salvam-se todos, e, como se diz por aqui, a amizade continua, que é mesmo o que vale quando chega o fim da farra. O boteco também pode ser considerado um centro cultural pop-brega-surreal. Tem a presença dos “poetas” de plantão, que não podem ouvir palavras oxítonas proferidas por desavisados, sem concluir com uma rima desconfortável, em geral atingindo a

integridade sexual da vítima da vez. Tem os clientes sósias de celebridades mundiais, representados por Geovani, que virou o camarada Boris Yeltsin na descoberta de Toinho Espinheira; Emanoel, o nosso eterno Anthony Quinn, e até por mim, que durante o governo Bush fui taxado por Geovani, sob meus protestos, de Colin Powell, o xerife americano que garantiu a existência de armas químicas no Iraque, para justificar a invasão que deu no que deu. No boteco havia agregada uma baiana de acarajé à feição das antigas, daquelas que adoram falar sacanagem, que, por sinal, anda desaparecida provavelmente curtindo um amor novo. Também funciona uma locadora de vídeos, se é que se pode assim chamar uma caixa plástica repleta de títulos, onde os depósitos e retiradas de DVDs ocorrem gratuitamente, ao bel-prazer dos clientes, sem nenhuma interferência de terceiros, muito menos do dono. Aos domingos sempre surgem rangos de dar água na boca, experimentos gastronômicos de alguns chefs de ocasião, ou vasilhames com alguns tira-gostos nas mãos de algum cliente bem-aventurado, já que no bar não são servidos acepipes, segundo o dono porque ele “não é mulher pra ficar cozinhando para homem”. Enfim, esse é o Bar de Bahia, programa imperdível para quem, como eu, conhece o cara há mais de 20 anos, e também para recém-chegados que não se importem com etiquetas, bons modos e frescuras tais, e estejam somente a fim de tomar, quer dizer, beber umas, conhecer gente, e, como já mencionado anteriormente, jogar uma boa conversa fora. Assim, desejo sorte a você que está lendo este texto e pretende circular pelo Rio Vermelho, e que Olorum o ajude a achar o boteco, se você for merecedor ou merecedora de tal ocorrência. O endereço não dou, não quero provocar superlotação, além do que encontrar o Bar de Bahia é um desígnio dos orixás, e não sou eu que vou me arriscar a meter o bedelho nessa história. Portanto, dá licença que já é hora de bater o ponto.


Chico Mazzoni e suas “Tramas Sinceras” Foto: Edgard Carneiro

Chico Mazzoni comemora 31 anos de carreira com a exposição “Tramas Sinceras”

O São João da Bahia é a maior festa regional do Brasil. A festa movimenta todos os seus 417 municípios, que recebem de braços abertos milhares de visitantes e turistas. Embora a maioria seja de brasileiros, é cada vez mais comum encontrarmos turistas europeus, asiáticos e norte-americanos, que chegam para acompanhar de perto os festejos.

Com a Exposição “Tramas Sinceras”, em cartaz no Palacete das Artes, Chico Mazzoni comemora seus 31 anos de carreira profissional, numa mostra composta por

31 telas em tinta acrílica dimensional apresentando formas imaginárias, frequentadas ao longo de sua trajetória, numa síntese das linguagens artísticas que foram da ultrafiguração, adotada em algumas de suas mostras, à quase-abstração, a que chegou na mostra mais recente. Segundo Chico Mazzoni, seu maior interesse é buscar linguagem e identidade próprias no cenário da arte brasileira. “‘Tramas Sinceras’ constitui-se numa reflexão sobre as amostras realizadas nessa trajetória. Nela, além de revisitar temas, técnicas e linguagens, tento depurar isso numa trama inédita, para cumprir minha missão como artista”. Sobre o Rio Vermelho comenta: “Sempre quis morar no Rio Vermelho. Era o bairro dos artistas, de Dorival Caymmi, Jorge Amado, Floriano Teixeira, Jenner Augusto. É um bairro histórico. Se preservou, é alternativo. Parece que a cidade dá a volta no Rio Vermelho e não contamina o Rio Vermelho. Moro há 23 anos no Rio Vermelho. Moro e tenho ateliê aqui.”

Foto: Carla Ornelas/GOVBA

Prato Quente ARROZ NEGRO DE POLVO Roque Brito, mais conhecido como Chef Sabará, comanda a nova cozinha do Restaurante Póstudo e apresenta a receita do Prato Quente dessa edição. Fotos: André Avelino

Viva o São João da Copa!

Chico Mazzoni é arquiteto, artista plástico, cenógrafo, mestre em conservação do patrimônio e designer. Baiano e morador do Rio Vermelho, o artista comemora 31 anos numa trajetória iniciada aos 13 anos no Colégio Marista, quando apresentou seu trabalho no Gabinete Português de Leitura. Tendo recebido estímulo dos pais, cursou arquitetura e, com 24 anos, fez pós-graduação na Itália. Voltou ao Brasil e logo realizou sua primeira exposição individual em 1983, na Aliança Francesa. De lá para cá foram dezenas de exposições individuais e coletivas em salões da capital e do interior da Bahia, e mais São Paulo, Nápoles, Florença e Viena. Mostras que fizeram o artista experimentar diversas formas de pintura até chegar à técnica de tinta acrílica com baixo relevo. Mazzoni foi professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA e é professor titular da UNIFACS.

Nesse São João, alunos do Manoel Devoto homenageiam a Copa

As atrações vão desde grupos regionais até atrações nacionais, sem contar com as diversas manifestações populares, como reizados, quadrilhas, grupos festivos, brincadeiras, jogos, quermesses etc. Não existe festa mais gostosa de participar do que o São João embalado em seus ritmos: forró, xote, xaxado, baião, coco etc. Suas comidas, como canjica, pamonha, cuscuz, bolo de milho, bolo de ca-

rimã, bolo de aipim, arroz doce etc. E as bebidas, como quentão, rabo de galo, licores de diversos sabores, em especial o de jenipapo, fazem dessa festa a mais bonita do Brasil. Em Salvador, o São João é comemorado em todos os bairros com fogueiras e fogos de artifício, mas a festa principal se concentra no Pelourinho, totalmente ornamentado com o tema São João da Copa.

Ingredientes •• •• •• •• •• •• •• ••

Polvo 300g Cebola bem picada Coentro Cebolinha Arroz Negro Shoyu Azeite de Oliva Leite de Coco

Modo de preparo

Cozinhe o polvo junto com uma cebola aberta em quatro partes e reserve. Numa frigideira coloque o azeite de oliva, a cebola picada, a cebolinha e o coentro. Coloque o polvo para rechear nesse tempero, depois despeje o leite de coco e um pouco de molho shoyu. Junte o arroz negro pré-cozido, uma pitada de sal, ferva por cinco minutos em fogo médio e está pronto para servir.

Onde?

Restaurante Póstudo – Rua João Gomes, 87 - Rio Vermelho, Salvador-BA (71) 3015-8800

JRV – 15


Galeria do Artista

Guache Marques Foto: Edgard Carneiro

G

uache Marques, 60 anos, baiano de Feira de Santana e artista do Rio Vermelho, que adotou Salvador como sua fonte de inspiração sem perder de vista as referências de suas raízes. Casado com Gleide Bacelar de Melo e pai de Geovana, de 9 anos. Artista múltiplo que já passeou por diversas técnicas do bico de pena à arte digital, passando pela gravura, pintura e foto-desenho, Guache tem uma obra voltada para o entendimento do homem, seus desígnios, suas crenças e mitos.

como Juarez Paraíso. Olha que coisa louca! A ditadura baixava o pau e prendia artistas por causa das suas obras. É um absurdo pensar nisso hoje! Agora temos a liberdade para nos expressarmos, temos as redes sociais, ninguém mais precisa subir num tijolinho e ficar gritando abaixo a ditadura! Abaixo isso. Abaixo aquilo. Eu sou de uma geração que teve amarras, a gente ficava pensando: eu posso falar isso? Eu posso fazer aquilo? Durante um certo tempo isso se refletiu na minha obra, mas não teve maiores reverberações. Mas voltando ao assunto eu tenho esperança, sim. Temos boas galerias, com bons contatos como a Paulo Darzé, Roberto Alban. Temos a Prova do Artista, de Denisson...

Sua obra apresenta um discurso com acentuadas preocupações com nossa identidade mestiça e nossa cultura de tradições e contemporaneidade, evocando as raízes de um cotidiano que ele mesmo vivencia através da releitura de signos da cultura afro e indígena. Em seu currículo constam vários prêmios, exposições individuais e coletivas em Salvador, Buenos Aires (Argentina), Curitiba, Rio de Janeiro, Porto (Portugal), Macau (China) e Paris (França).

“TODO ARTISTA PRECISA SE VOLTAR PARA SUAS RAÍZES”

JRV – Vamos voltar um pouco no tempo: você pertenceu ao grupo chamado Geração 70. Esse grupo pintou um mural imenso aqui no Rio Vermelho, na Praia da Paciência, foram os precursores do grafite atual. GM – Aconteceu num período em que eu, Zhivé, Murilo, Bel Borba, Mazo, Chico Diabo, que já faleceu, e mais alguns outros, éramos uns sonhadores levando para a rua nosso trabalho. Hoje cada um está no seu ateliê, criando o seu trabalho. Antes a gente trocava ideias mesmo, eu já trabalhei num galpão da Escola de Belas Artes junto com Zhivé, Florival Oliveira, Deca Conde, já falecido, cada um produzindo sua arte e interagindo. Então foi assim, nos juntamos no muro da Paciência para fazer um mural, a gente sorteava os espaços e cada um fazia sua parte. Tinha aquele lugar mais nobre, na esquina, uma vez tirei essa posição e disse: Tenho que caprichar nessa obra! Acho que fizemos isso durante uns cinco, seis anos seguidos. Todo ano a gente pintava o muro de branco e rolava uma festa enquanto pintávamos. Até que um dia o dono da casa chapiscou o muro de cimento e não deu mais para pintar. Bel ainda conseguiu colocar uns ladrilhos depois, mas agora só dá pra turma do grafite que não tem problema com a textura da parede.

Jornal do Rio Vermelho – Signos e símbolos das culturas negra e indígena inspiram grande parte da sua obra. Como aconteceu isso? Guache Marques – Cedo me entusiasmei pelo Surrealismo. Quando entrei na Escola de Belas Artes, em 1974, comecei a conhecer a obra de uma série de outros artistas como Juarez Paraíso, Jamison Pedra, que foram meus mestres, e juntei minha própria experiência em Feira de Santana. Veja bem, eu não tenho muitos pelos, a minha pele mostra traços de índio, eu tenho descendência indígena como a maior parte dos brasileiros. Então essa miscigenação interferiu também na minha obra. De posse disso, eu comecei a trabalhar com bases e materiais da terra como o couro, por exemplo. Foi em Salvador que me aproximei da cultura afro, que hoje é a coisa que me rodeia. Cheguei aqui com 20 anos, já estou com 60 – são 40 anos de arte aqui em Salvador com idas frequentes a Feira de Santana para visitar D. Terezinha, minha mãe. JRV – As cores vivas e os tons terrosos frequentam muito sua obra. Qual a força e a importância da cor na sua obra? GM – É engraçado, porque quando eu entrei na Escola de Belas Artes eu fazia bico de pena. Estava maravilhado com o desenho, a gravura. Cheguei a ser professor nas oficinas do MAM na década de 1980. Ou seja, trabalhava o preto e branco. E a cor só chegou depois com pastel seco. Falo disso tudo enquanto aluno. E a pintura com tinta acrílica somente aconteceu na década de 90. Uma coisa exigiu a outra, a necessidade de colocar cor nos trabalhos, as cores terrosas que me auxiliam nas temáticas indígena e afro. Eu tenho feito esses trabalhos porque essa cultura é abrangente e intrínseca a nós. Todo artista precisa se voltar para suas raízes. JRV – E a evolução da sua linguagem artística. Como era

16 – JRV

JRV – Sobre a III Bienal da Bahia, fale mais um pouco... GM – Eu vejo como uma iniciativa interessante porque resgata de uma forma histórica, a trajetória de uma bienal que foi interrompida. O modelo que está se fazendo para retomar esse processo eu não sei qual é. Eu cheguei a estar na primeira lista para participar da bienal, mas por uma questão de verba, houve um enxugamento do orçamento e alguns artistas dançaram. Acho que eu dancei por aí. Sei que vai haver exposições em Feira, em Cachoeira. Acho que meu trabalho deveria estar aí. Acho que foi um erro. Não somente eu, mas vários outros artistas. Minha arte utiliza das nossas raízes mas com uma perspectiva universal, está fincada na contemporaneidade.

Guache ontem e como é Guache hoje? GM – Eu era um menino que desenhava com graveto na terra. Na terra molhada de chuva. Aí na Escola de Belas Artes fui incorporando técnicas. Hoje tenho um trabalho na TVE como designer gráfico e preciso estar na frente de um computador para fazer vinhetas, marcas e acabei por começar a fazer arte digital, revisitando trabalhos meus, recortando, dando novas conotações

e transformando em gravura digital, que é um múltiplo pode ser reproduzida várias vezes. Tem me agradado fazer isso porque acho que quando a gente revisita a nossa obra, a gente vislumbra novas possibilidades. Meu trabalho passou por algumas fases: fiz bico de pena, desenho a pastel, gravura em metal, litogravura, xilogravura, desenho sobre fotografia e agora pintura acrílica e gravura digital. Ou seja, sou multifacetado em artes plásticas.

JRV – Como você vê o panorama das artes na Bahia hoje? GM – Nós temos um panorama que dá uma esperança que nossa arte seja mais vista lá fora. Eu acho que nossa arte tem aparecido mais, a gente tem alguns salões, eu mesmo já participei de alguns deles. Eu vejo que há uma intenção de promover mais a arte e a cultura baianas. Estamos agora resgatando uma bienal histórica para a Bahia e até para o Brasil, cuja última versão tivemos artistas presos,

JRV – O que o Rio Vermelho representa para você? GM – O Rio Vermelho é o meu território pessoal. Assim como vários artistas na Bahia, aqui eu me sinto em casa. Por estar num bairro que tem peculiaridades que me agradam: é um bairro boêmio, artístico e místico. Só lamento que as autoridades não deem o devido valor ao nosso Rio Vermelho. Quer um exemplo? Campo de futebol pode colocar em qualquer lugar, mas um lugar belíssimo como aquele mirante da Paciência merecia uma praça e não aquelas quadras horríveis.


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