Formação de professores: processos para uma construção crítica e dialógica

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PROCESSOS PARA UMA CONSTRUÇÃO CRÍTICA E DIALÓGICA Luciana Dilascio Neves (DARTES – ICHS – UFRRJ) Bruno Matos Vieira (DTPE – IE – UFRRJ) Arthur Valle (DARTES – ICHS – UFRRJ)

RESUMO Este artigo resulta da série de seminários que vem sendo realizada no PIBID Belas Artes UFRRJ, desde outubro de 2012. Nessa proposta, quinzenalmente, uma dupla de bolsistas fica responsável pela apresentação de um texto proposto pelos orientadores, abrindo-se espaço para a discussão e reflexão sobre o texto apresentado. Bem como de suas implicações para o ensino de artes no contexto da educação brasileira contemporânea, os textos foram escolhidos com o objetivo de abarcar diferentes concepções e possibilidades didáticas referentes às propostas de arte/educação. Logo, este texto se destina a apresentar as distintas abordagens escolhidas para reflexão, bem como a intenção deste processo para a formação dos licenciandos em questão, visando o estímulo ao espírito crítico e a flexibilidade das possibilidades de pensar e analisar propostas educacionais. Palavras-chave: Arte-educação, PIBID, Cultura Visual. ABSTRACT This article is the result of a series of seminars that have been held in PIBID Fine Arts - UFRRJ since October 2012. In this proposal, fortnightly, a couple of fellows is responsible for presenting a text proposed by advisors, opening up space for discussion and reflection on the text displayed. As well as their implications for the teaching of arts education in the context of contemporary Brazilian texts were chosen in order to cover different conceptions and instructional possibilities regarding proposals for art / education. Therefore, this text is intended to present the different approaches chosen for reflection as well as the intention of this process for the training of undergraduates in question, aimed at stimulating critical thinking and flexibility of thinking and analyzing possibilities for educational purposes. Keywords: Art education, PIBID, Visual Culture.

Este artigo resulta de uma série de seminários realizados com os bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID Belas Artes – UFRRJ. A seguir, os organizadores do Seminário sintetizam as abordagens e motivação que levaram a escolha da reflexão sobre os temas a seguir: Arte: Experiência e Integração


Os três textos relatados a seguir foram escolhidos para os Seminários em função da possibilidade de relacionar tais concepções sobre arte-educação. São eles: “Nereu Sampaio, um intérprete de John Dewey” (Rio de Janeiro) e “As Atividades de Artus Perrelet no Brasil e a Ideia de Apreciação” (Minas Gerais), ambos de Ana Mae Barbosa, retirados do livro “John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil”. O terceiro, da artista e arte-educadora, Fayga Ostrower: “Espontaneidade, Liberdade”, do livro “Criatividade e Processos de Criação”. Os dois textos de Ana Mae fazem parte do livro citado, apontando as influências do filósofo e educador John Dewey no Brasil. Além das influências do filósofo, encontram correspondência com o pensamento artístico caracterizado pela Arte Moderna brasileira. O texto sobre a influência de Dewey no Rio de Janeiro interessou-nos, em especial, pelas concepções do pensador sobre “apreciação” como reconstrução da experiência, da importância da imaginação nas teorias da arte e da educação – considerando o sistema dialógico que, para ele, integra a imaginação e a observação –, assim como, também, sua concepção de “liberdade ou individualidade” não como um “dom original ou presente” (apud BARBOSA, 2002, p.83), mas como uma experiência a ser internamente construída. O outro texto de Ana Mae aborda o pensamento e a atuação da filósofa da arte e professora, Artus Perrelet, que veio ao Brasil como parte de um grupo de professores de diferentes áreas do Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra, para reorganizar a educação em Minas Gerais, iniciando a Reforma Francisco Campos (1927-29). Do ponto de vista pedagógico, o citado Instituto não defendia “nenhum sistema isolado” (id., ibid., p. 104), caracterizando-se por um ecletismo, com uma diversidade de pesquisas, orientações e práticas. Seu lema era “orienter non endoctriner” (id., ibid., p. 103). O trabalho de Perrelet está vinculado à ideia de fazer o aluno encontrar suas verdades, visando antes conduzir em busca de uma revelação; um aprendizado através do pensamento simbólico, que encontra correspondência no pensamento de Dewey. Se pode-se falar em método, constitui-se como um método orgânico de ensino da arte para crianças. Condenou a ideia de arte pela arte ao criticar o desenho como um fim em si mesmo. Sua crítica dirige-se à mecanização da experiência em que a relação entre a forma e o sentido que a origina estejam dissociados. Acredita na função da arte como facilitadora da relação entre o sujeito e o objeto, o interior e o exterior, a forma e o conteúdo. A educação pela arte deve ser fator de integração orgânica da experiência e do desenvolvimento do indivíduo. Ana Mae cita Perrelet: “o desenho não é apenas o gráfico traçado sobre o papel [...] mas é sobretudo uma elaboração mental” resultando “da comunhão do indivíduo com o mundo, e mais especificamente, com o objeto para o qual dirige sua atenção” (apud


BARBOSA, 2002, p. 111), afirmando que para a autora (Perrelet) esta interpenetração de sujeito e objeto deveria se tornar a base do ensino da arte. Ainda conforme Barbosa, para Perrelet, os elementos do desenho, as linhas, os ritmos, a forma “são símbolos do mundo interno e da realidade” da criança “[...] desenhar (expressão simbólica) significa dar ao movimento (vida) um valor intelectual” (apud BARBOSA, 2002, p. 109). Os símbolos são considerados na sua importância para o desenvolvimento do pensamento, no entanto, a concepção de símbolo, tanto para Perrelet como para Dewey, se alicerça numa aquisição que emerge de uma relação íntima com a própria vida, de uma apreciação direta da experiência, e não através do que poderia ser chamado de símbolos arbitrários, socialmente constituídos. Perrelet concorda com a afirmação de Dewey de que “quando apresentados isolados [os símbolos], representam uma massa de ideias arbitrárias e sem sentido, impostas de fora para dentro” (apud BARBOSA, 2002, p. 110). Para ambos (Dewey e Perrelet), a experiência é algo que resultaria de uma inserção ativa no mundo, no diálogo imagético entre o sujeito e o objeto. Esta concepção de pensamento simbólico justifica a indicação do trabalho combinado entre observação e imaginação, em Dewey, considerando que “a imaginação projeta o significado para além da experiência comum” (id., ibid., p.85), pautando-se assim, numa contínua reconstrução da experiência, ou seja, um fazer e refazer relacionados. O conhecimento simbólico defendido pelos autores citados resulta da experiência e não tem um valor a priori (instituído social e culturalmente); seu valor reside nas noções de processo, revelação e conscientização, de modo que as aquisições estabelecidas vão sendo integradas e reelaboradas em novas experiências, num processo interno de desenvolvimento e ampliação dos significados destas mesmas experiências. A importância de Perrelet está na concretização destes princípios na prática docente. Também para Dewey, “o valor da atividade depende do grau em que ela auxilia a trazer à tona uma compreensão do significado do que está acontecendo” (apud BARBOSA, 2002, p. 113). Perrelet, através do desenho, queria fazer entender que “um simples traço é um grande evocador”, sendo necessário “a movimentação de todos os meios, corporais e intelectuais, da atitude, do gesto, do sentimento e da reflexão para se conseguir uma posse sólida das coisas” (BARBOSA, ibid., p. 119). Trabalha utilizando-se assim de todos os meios, assim como das diferentes artes, para fazer sugestionar e suscitar uma rede de conexões imaginárias em torno do que está sendo visto e vivenciado, ou seja, despertando uma série de imagens relacionadas a partir da experiência direta. Consideramos que este pensamento de Artus Perrelet tem sua importância por representar hoje uma possibilidade de trabalho dentro da arte-educação, que vise tornar o


olhar ativo para o que a forma está dizendo, buscando demonstrar as relações entre as formas e os sentidos, estimulando situações facilitadoras da relação sujeito com suas experiências e o objeto com suas características, induzindo à experiência simbólica como uma descoberta para o aluno, fruto de uma inserção mais ativa no mundo e não de ideias arbitrárias impostas de fora para dentro. De acordo com Perrelet trata-se de uma experiência “de natureza diferente das experiências verbais” (consideradas no âmbito da linguagem comunicacional), cujo princípio de organização se realiza pela articulação de sentidos e sensações gerados a partir de elementos pré-verbais, tais como o som, o ritmo, a linha, a cor, o movimento. Este tipo de concepção correspondeu muito ao pensamento da arte moderna no séc. XX e tem um posicionamento idealístico de educação que considera não apenas a instrução e informação do indivíduo, mas sua formação, em sentido humanístico, tal como pode ser encontrado nas palavras da artista e educadora Fayga Ostrower: Não me refiro à instrução na escola, que pode ser boa ou má. Refiro-me à educação no sentido mais amplo, à formação de nossa mente pelo mundo sensível em nossa volta: pelas formas de trabalho, pelas formas de diversão e lazer – hoje, a própria cultura parece reduzida a um mero momento de lazer – pelos meios de comunicação e pelas palavras e imagens utilizadas, pelas ruas que atravessamos todos os dias, as casas em que moramos, as lojas em que compramos e os próprios objetos que devemos comprar [...] (2004, p. 47).

Os autores aqui relacionados admitem ser função da educação a condução de um processo que contribua para um modo de ser e pensar mais autêntico e livre de valores instituídos que se imponham sobre as individualidades. Barbosa, ao abordar os conceitos de liberdade ou individualidade de Dewey, afirma que o processo educativo é “o meio de construir o complexo ‘artefato’ chamado liberdade”, que “não é ausência de controle, mas implica um longo trabalho de construção” (ibid., p. 83). Apresentando correspondências com a concepção de Dewey sobre liberdade, o texto de Fayga, “Espontaneidade, Liberdade”, questiona precisamente o falso conceito de liberdade na sociedade moderna como algo absoluto e sem limite: Ser espontâneo nada tem a ver com ser independente de influências. Isso em si é impossível ao ser humano [...] Como indivíduo, ele já é um ser seletivo. [...] os processos de descoberta são sempre processos seletivos de estruturação [...] a própria aceitação de limites – das delimitações que existem em todos os fenômenos, em nós e na matéria a ser configurada por nós – é o que nos propõe o real sentido da liberdade no criar. [...] a cada síntese, a cada novo nível de compreensão que é possível alcançar, corresponde a base para o aparecimento de novas possibilidades de ser e de criar. A cada síntese se requalificam os limites que funcionam como referencial para o desenvolvimento subsequente [...] assim a criação é um perene desdobramento e uma perene reestruturação. É uma intensificação da vida (2008, pp. 147-165)


História da Arte/Educação no Brasil, avaliação e Cultura Visual Atualmente, pode-se encontrar com facilidade uma série de livros e artigos destinados à formação do arte/educador brasileiro. Dentre essas publicações, julgamos fundamentais aquelas que abordam a metodologia e a história do ensino de Arte no Brasil, a Avaliação Escolar, e a questão da Cultura Visual na contemporaneidade e em épocas passadas. Esses tópicos não podem ficar de fora da formação dos professores de Artes Visuais. O desconhecimento da própria história – política e metodológica – contribui para a não compreensão do processo educacional e sua relação com a vida. A ausência de reflexão sobre os processos avaliativos faz com que se pense em currículos e objetivos educacionais distantes do contexto sócio-cultural dos alunos da educação básica. E, por fim, a falta de compreensão da visualidade, torna o ensino de Artes Visuais inócuo. Logo, com o intuito de promover uma discussão e reflexão crítica acerca desses temas no PIBID/ Belas Artes (UFRRJ), foi proposto aos bolsistas a leitura dos textos de Ferraz & Fusari (1999), Perrenoud (1999) e Hernandez (2000), respectivamente. No Brasil, a Arte nem sempre foi encarada como uma forma de conhecimento contextualizada. E, nesse mesmo bojo, vem a Arte/Educação. Opondo-se a essa realidade, o texto de Ferraz & Fusari (1999) intitulado “A educação escolar em arte tem uma história”, objetiva, predominantemente, minimizar a situação em que se encontra a memória da nossa história artístico/pedagógica, contextualizando e redimensionando “posicionamentos frente à escolarização de nossos dias” (FERRAZ & FUSARI, 1999, p. 27). Portanto, ao trazerem tópicos como as “Determinantes Sócio Culturais” e as “Tendências Pedagógicas na Educação em Arte”, as autoras procuram “abordar como o ensino de arte no Brasil vem se processando ao longo da história, e como são constituídas as práticas pedagógicas artísticas nos seus diversos momentos” (FERRAZ & FUSARI, 1999, p.27). Ao longo do texto são propostas algumas correlações entre movimentos culturais dos séculos XIX e XX, e práticas educativas. Ou seja, Ferraz & Fusari (1999) creem que os eventos culturais e artísticos, como por exemplo, a vinda da Missão Artística Francesa (em 1816), a Semana de 22 e as Bienais de São Paulo (criada em 1951), influenciaram diretamente as concepções do ensino de arte em nosso país. Assim sendo, enquanto na virada do século XIX para o século XX – um período com fortes influências positivistas e liberais –, o ensino de arte seguia a pedagogia tradicional e baseava-se no desenho, valorizando o pensamento racional e a preparação para o trabalho (operários); a partir da década de 30, os arte/educadores brasileiros – influenciados por John Dewey, Victor Lowenfeld e Herbert


Read, começaram a valorizar o processo de trabalho, e não o produto. Nesse momento o paradigma era outro, agora ligado à expressão ou aos aspectos afetivos defendidos pela Escola Nova. Durante o regime militar, com a Lei de Diretrizes e Bases nº 5692/71, o ensino de arte, nomeado como educação artística, passou a integrar a grade curricular das turmas de 1º e 2º graus das escolas brasileiras. Porém, ela não foi implantada como uma disciplina, com a mesma importância das demais. A educação artística serviu apenas como atividade complementar de cunho tecnicista, desconectada do saber artístico, e desprovida de uma reflexão estética. As aulas se resumiam no cumprimento de técnicas pseudo-artísticas, em que “o professor era responsável pela eficiência e eficácia do ensino. Seu papel era técnico, ‘neutro’ e ‘imparcial’. O enfoque era diretivo” (IAVELBERG, 2003, p. 115). Nesse período, portanto, o currículo escolar de arte sofria de uma grande arbitrariedade cultural. Ele preconizava a supervalorização dos aspectos técnicos em detrimento do que era subjetivo, diversificado e “mais caro” a um determinado contexto sócio-cultural. Os objetivos educacionais eram preestabelecidos, ou seja, o aluno era um mero coadjuvante que deveria adequar-se a uma realidade distante da sua. Essa mesma lógica servia para a avaliação. Esta era vista como um fim em si mesmo, como um sinônimo de eficiência. Em suma: classificatória, controladora e autoritária. Entretanto, nos anos seguintes, o quadro não continuou assim, tão negativo. Ferraz & Fusari (1999) ponderam que a partir da década de 80, um novo cenário se apresenta, e o ensino de Arte seguiu novos rumos. Surgem, nesse período, dois movimentos de professores de Arte brasileiros: a AESP (1982) e a FAEB (1987). Destarte, os cursos de arte “da préescola à universidade passam a ser discutidos em congressos” (IAVELBERG, 2003, p.115). Havia a necessidade premente da valorização do ensino de arte como disciplina, e não apenas como atividade “generosa” e complementar, desconectada do saber artístico. Por conseguinte, novas possibilidades para o ensino artístico foram apresentadas, culminando na sistematização da Abordagem Triangular proposta por Barbosa (2009), baseada no tripé: fazer artístico, leitura da imagem e estudo da história da arte. Através dessa “metodologia” e do desenvolvimento da “pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos”, as discussões a respeito dos objetivos e das avaliações educacionais, nas aulas de arte, foram trazidas à baila. Agora, a avaliação deveria “verificar a aprendizagem não a partir dos mínimos possíveis, mas sim dos mínimos necessários”. E, quem sabe, assim, tornar-se mais formativa. Isto posto, o aluno ocuparia uma posição de sujeito do processo educacional.


Deste modo, a junção dos conteúdos acumulados historicamente com o saber heterogêneo da vivência do alunato resultaria em um programa educacional bem mais significativo. Esse casamento de realidades, então, não é um sinônimo de ausência de critérios no processo de ensino-aprendizagem, pelo contrário. Acreditamos que o ato avaliativo resultante dessa prática é menos excludente, e é nesse sentido que Philippe Perrenoud bem posiciona a ideia de avaliação formativa. De acordo com ele, esse modo de avaliar “leva o professor a observar mais metodicamente os alunos, a compreender melhor seus funcionamentos, de modo a ajustar de maneira mais sistemática e individualizada suas intervenções pedagógicas e as situações didáticas que propõe” (PERRENOUD, 1999, p. 95). No âmbito do ensino-aprendizagem das Artes Visuais, ao pensar-se no contexto social do educando, não há como se deixar de lado a necessidade de uma aproximação da Cultura Visual desse meio com o conhecimento artístico e cultural de diferentes povos e sociedades. Alguns teóricos tem se debruçado sobre o assunto, em especial o educador espanhol Fernando Hernandez e a educadora brasileira Ana Mae Barbosa. Hernandez (2000, p. 40) relata que Ana Mae trabalha essa questão ao substituir a corrente “expressionista” pela leitura da imagem – artística ou não –, “dando ênfase à percepção como base para identificação dos elementos da linguagem visual e da atividade de oficina”. Supomos, pois, que a abordagem do professor Hernandez, nesse ponto, assemelha-se com a compreensão de Barbosa. Para ele: [...] a arte na educação para a compreensão tem como finalidade evidenciar a trajetória percorrida pelos olhares em torno das representações visuais das diferentes culturas para confrontar criticamente os estudantes com elas. [...] O núcleo deste enfoque são as diferentes manifestações da cultura visual, não só dos objetos considerados canônicos, mas sim dos que se produzem no presente e aqueles que fazem parte do passado. (HERNANDEZ, 2000, p.50).

Por fim, complementando essas questões, o professor espanhol direciona suas inquietações para a crítica da realidade como estamos acostumados a percebê-la. Esta, segundo Hernandez (2000), não possui um único sentido; é polissêmica. Ela precisa ser interpretada. Todavia, em sua concepção, para que se faça uma leitura reflexiva das manifestações simbólicas imagéticas (artísticas ou não) desse “mundo real”, é preciso que haja um exercício de compreensão contextualizada dos códigos visuais já existentes. Logo, a partir desse exercício é que cada fruidor cultivará um pensamento crítico e criará novas versões para o que é observado.

As imagens e técnicas da cotidianidade nos espaços de Arte/Educação


Gostaríamos de começar esse trecho de nosso artigo nos referindo a uma fotografia reproduzida em artigo de autoria de Aldo Victorio Filho e Aristóteles de Paula Berino (2007), que na sua aparentemente banalidade, suscita a reflexão. Tal foto mostra o recanto de uma sala de aula do ensino público do Rio de Janeiro, presumivelmente esvaziada de estudantes. Pode-se nela ver parte do quadro negro e, bem próximas ao teto, uma tabuada colada à parede e uma janela-basculante entreaberta. Analisada com mais atenção, tal conjunção de objetos. No quadro negro, um professor de português da escola havia deixado escrita a seguinte frase, como confissão de sua impossibilidade de ali ensinar: “Estou a vinte minutos em sala e até agora a turma não notou que há um professor em sala. Prefere conversar. Então, a aula está dada” (VICTORIO FILHO e BERINO, 2007, p. 16). A tabuada, no alto da sala, quase ilegível, parece surgir como um segundo signo de alienação do conhecimento: teria sido lá colocada para não ser depredada pelos estudantes? Por fim, a janela-basculante, também colocada no alto e inalcançável, nada deixa transparecer daquilo que está fora da sala, e, se eventualmente suscita o desejo de evasão, é somente pra frustrá-lo, logo em seguida. A foto se apresentaria, assim, como um testemunho daquilo a que Victorio Filho e Berino (2007, p. 12) se referem, em seu artigo, como a “crise da legitimidade do papel da escola pública nas sociedades capitalistas, agudizada pela hegemonia neoliberal”. Estaríamos frente a uma escola frequentada por crianças e jovens que intuem a fraca contribuição da escolaridade pública para seus futuros, frente às carências, agruras e violências da “inexorável concretude das realidades de fora da escola” (VICTORIO FILHO e BERINO, 2007, p. 12). Ficam lançadas as questões: Como conhecer os sonhos e desejos dos educandos, protagonistas da escola? Como dialogar com os currículos que eles mesmos produzem e vivem? Como superar as barreiras entre os educandos e as rotinas da instituição escolar? No que tange à arte/educação, o artigo de Victorio Filho e Berino, embora inscrito nos interesses de uma sociologia do cotidiano, não deixa de esboçar uma resposta, sobretudo quando os autores destacam aquilo que denominam “imagens da cotidianidade”: fotografias produzidas pelos próprios estudantes, postadas em redes sociais como Orkut; manchetes de jornais diários; ou, ainda, assinaturas (tags) de grafiteiros etc. Certamente, atentar para o potencial das imagens da cotidianidade no ensino das artes visuais não é um fenômeno novo entre os arte/educadores. Desde pelo menos os anos 1980, autores como Vincent Lanier defendem a importância da experiência estética que os estudantes trazem consigo, de fora dos espaços formais de educação, e que desenvolver-se-ia através do contato com tipos diversificados de estímulos (LANIER, 1997, p.48 sg.), como os do mundo natural, das tradições de artesanato popular, e, sobretudo, dos estímulos fornecidos pela interação


cotidiana com o que Lanier designa “artes de massa” - histórias em quadrinhos, roupas, cartazes, pôsteres, televisão, cinema etc. Mais recentemente, os teóricos da Cultura Visual, como o referido Fernando Hernandez (2000), propuseram ideias semelhantes. Tal concepção coloca em cheque duas antigas visões a respeito da arte/educação, ambas ainda perceptíveis em meios educacionais brasileiros: a primeira, de caráter elitista, que prioriza obras e técnicas canonizadas em espaços como museus, galerias, bienais de arte etc., e que faz supor que a educação estética só poderia ser obtida através da tutela dos especialistas em arte/educação; a segunda, baseada no mito de que os processos de aprendizagem relacionados às artes visuais se processam (ou, ao menos, deveriam se processar) de maneira natural e espontânea. Em outro texto analisado na série de seminários aqui discutida, os pesquisadores Brent e Marjorie Wilson (1997) aprofundam o questionamento de um aspecto dessa segunda visão tradicional, que postula, entre outras coisas, que o aprendizado artístico, sobretudo na infância, se baseia e deveria estimular a auto-expressão dos educandos - ideia propugnada, desde finais do século XIX, por autores como Franz Cižek, Wilhelm Viola ou Victor Lowenfeld. Em oposição à visão de uma suposta pureza do desenvolvimento estético dos indivíduos, Wilson e Wilson (1997, p. 60) chamam atenção para “a forte influência da ilustração e da fotografia nos desenhos de crianças” e afirmam que “as crianças mais bemdotadas e produtivas em arte desenham primariamente a partir de imagens derivadas da medias populares e de ilustrações” (1997, p. 60). Com base em investigação envolvendo mais de uma centena de estudantes, os autores chegaram a conclusão de que “virtualmente todas as imagens desenhadas por essas pessoas puderam ser acompanhadas até as suas origens [...] até uma fonte gráfica previamente existente” (1997, p. 66). O que se pode afirmar a respeito de tais fontes gráficas? Segundo Wilson e Wilson (1997, p. 66), um montante majoritário se relacionaria com os já referidos meios de comunicação populares. Na tentativa de melhor compreender o caráter das imagens oriundas de tais estratos, creio que uma passagem de outro texto analisado no seminário PIBID Belas Artes, de autoria de Michael Parsons, é pertinente e vale aqui citá-la na íntegra: “As imagens visuais encontradas em revistas, filmes, quadrinhos e em muitos outros lugares são quase sempre acompanhadas de palavras - algumas vezes de movimentos e de música [...]. Uma consequência disso é que os estudantes tornam-se familiarizados com o pensamento visual em termo de multimídia. Acham isso natural e pensam melhor dessa forma. (PARSONS, 2005, p.307, grifo nosso)


Outra presumível consequência prática disso, afirmada por Parsons (2005, p.307), é que os estudantes contemporâneos “organizam e expressam melhor os pensamentos em termos visuais ou fazendo um trabalho multimídia”. Se não é nosso desejo universalizar uma afirmação como essa, ela não deixa de nos parecer instigante. Seria interessante, portanto, que a intenção de dialogar com as culturas visuais dos educandos transcendesse a mera atenção para as iconografias de seus cotidianos e lançasse mão das próprias técnicas artísticas que lhe são familiares, através do contato com a esfera multimidiática das “artes de massa”. Uma modalidade artística que parece adequada para realizar essa ponte é o cinema de animação. Para discutir o potencial didático das técnicas de animação, propusemos a análise de um capítulo da dissertação de mestrado de Érika R. S. Duran (2011, p. 107-131), no qual a autora apresenta um esforço de investigação, visando mapear as iniciativas pedagógicas que lançam mão do cinema de animação no Estado do Rio de Janeiro. Duran analisa nada menos do que 16 projetos e oficinas, curriculares e extracurriculares, realizados na primeira década do século XXI. A variedade nessa amostragem de iniciativas é grande: projetos envolvendo cinema de animação são desenvolvidos em instituições de ensino públicas e privadas, e a faixa etária dos discentes atingidos é também ampla, incluindo estudantes da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Em termos técnicos, pode-se verificar o recurso a diversos procedimentos de animação, havendo uma predominância da animação quadro-a-quadro, seguida da animação stop motion e da animação computadorizada (DURAN, 2010, p.145). Além disso, três grandes tipologias de iniciativa são destacadas: (1) iniciativas realizadas por empresas públicas e privadas, que se integra a escolas ministrando oficinas de animação; (2) iniciativas de professores com capacitação em animação; (3) iniciativas de professores autoditadas em animação. Finalizando, gostaríamos de chamar atenção para dois aspectos implícitos nos textos acima resumidos, que podem ter uma repercussão direta na prática dos arte/educadores. O primeiro é que o reconhecimento da importância das imagens da cotidianidade não implica que sejam banidas, das salas de aula, as imagens das chamadas “artes eruditas” ou “belas artes”: antes, caberia ao arte/educador justamente “ampliar” a experiência estética que os educandos trazem consigo (LANIER, 2005, p.47). Em segundo lugar, a variedade das iniciativas apontadas sobre o cinema de animação indica claramente a grande difusão da tendência a explorar o potencial educativo dessa técnica artística. Cumpre frisar, todavia, que esse potencial transcende o âmbito das aulas de arte/educação, como indicam algumas das iniciativas que possuem um caráter interdisciplinar. Dessa maneira, como já havia proposto Parsons (2005), as artes e seus procedimentos parecem aptas a reivindicar uma posição de


importância, sobretudo em instituições que promovem um currículo integrado. Além de potencialmente ampliar o diálogo com os currículos produzidos pelos próprios educandos, o uso das imagens e técnicas da cotidianidade pode contribuir para uma revisão da posição subalterna que a área de artes ocupa no contexto mais amplo da educação no Brasil. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os conteúdos aqui reunidos deixam em evidência concepções e abordagens distintas, relacionadas ao ensino-aprendizagem de artes. A intenção de junção destas possibilidades diferenciadas na proposta dos seminários, não foi, certamente, a de defender pontos de vistas específicos, mas, ao contrário, a de promover o espírito crítico dos envolvidos, através da flexibilidade e da possibilidade de pensar e analisar. O objetivo foi o de promover o ato do relacionar posições e visões distintas, estabelecendo diferenças e semelhanças entre as perspectivas e ideologias que, em todos os casos, envolvem a busca por experiências de ensino que tragam uma efetiva contribuição à educação. Considera-se que o diálogo não se realiza apenas pelos pares conciliáveis, mas também pelas distinções e antagonismos. É preciso que o pensamento sobre a educação e suas finalidades imponham-se sobre as defesas de posicionamentos e ideologias específicas. Encarar as possibilidades de contribuir educacionalmente, considerando-se as complexas situações que envolvem, hoje, a educação básica, com suas problemáticas específicas. Observa-se, por exemplo, que concepções encontradas nas ações propostas por Dewey e Perrelet - ao buscarem um processo que vise “despertar” uma interioridade, através do diálogo do sujeito com o mundo, na construção de referenciais internos considerados na sua perspectiva individual - contrastam, de certo modo, com outros posicionamentos apresentados, que buscam trabalhar com referenciais que fazem parte do contexto sociocultural dos educandos, presentes em Hernandez e Berino, por exemplo. A possiblidade de lançar mão de perspectivas de trabalho distintas dependerá da capacidade e sensibilidade do educador para compreender a realidade e situação específica dos educandos em cada contexto, visando à realização de um trabalho que possa contribuir da melhor forma para o desenvolvimento destes. REFERÊNCIAS BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. 7ª ed. rev. São Paulo: Perspectiva, 2009. _____. John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo; Cortez, 2002.


BRASIL. Parecer nº 853/71, 12 de novembro de 1971. Fixa o núcleo comum para os currículos do ensino de 1º e 2º graus e a doutrina curricular na Lei nº 5.692/ 71. DURAN, E. R. S. A linguagem da animação como instrumental de ensino. Dissertação (mestrado)-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Design, 2010. FERRAZ, M. & FUSARI, M. Metodologia do Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 1999. GUIMARÃES, A. L. B. Avaliação da aprendizagem em arte: desvelando realidades. 2010. 152f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Londrina, Centro de Educação, CVomunicação e Artes, 2010. HERNANDEZ, F. Cultura Visual, mudanças e Projetos de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte: Sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003. LANIER, Vincent. Devolvendo Arte à Arte-Educação. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). ArteEducação: leitura no subsolo. - 6 ed. - São Paulo: Cortez, 2005, p.43-55. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes, 2008. _____. Universos da Arte. Rio de Janeiro: Elsevier, 24ª edição, 2004. PARSONS, M. Curriculum, arte e cognição integrados. In: BARBOSA. A. M.(Org.). Arte/Educação contemporânea - Consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2006. p.295-317. PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: ARTMED, 1999. PERRELET, A. El Dibujo al Servicio de la Educación. Madrid: Beltrán, 1935. VICTORIO FILHO, A.; BERINO, A. de P. Culturas juvenis, cotidianos e currículos. Currículo sem Fronteiras, v.7, n.2, p.7-20, Jul/Dez 2007. WILSON, B; WILSON, M. Uma visão iconoclasta das fontes de imagem dos desenhos de crianças. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte-Educação: leitura no subsolo. - 6 ed. - São Paulo: Cortez, 2005, p.59-77. Luciana Diláscio Neves Professora Assistente do Departamento de Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DArtes/UFRRJ). Possui Graduação em Pintura (1996) pela Escola de Belas Artes – UFRJ, Mestrado (2005) em Ciência da Arte – UFF. Coordenadora do subprojeto PIBID do Curso de Licenciatura em Belas Artes Artes - UFRRJ (CAPES/Edital 2009-2012), desde 2010. Coordenação do Laboratório Audiovisual de Experimentações Arte-Educativas (PROEXT Edital nº 05 – 2010 / MEC – SESu). http://lattes.cnpq.br/9002099783022805

Bruno Matos Vieira Professor Adjunto do Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRuralRJ). Possui graduação em Gravura (2002) pela Escola de Belas Artes da UFRJ e Licenciatura em Educação Artística – Artes Plásticas (2005) pela mesma instituição. Além disso, possui Mestrado e Doutorado (2013) em Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo CCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro. http://lattes.cnpq.br/1816191758677900 Arthur Valle Professor Adjunto do Departamento de Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Possui Doutorado (2007) em Artes Visuais pela pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente é Pós-Doutorando na Universidade Nova de Lisboa/Portugal. Seus temas de pesquisa principais, referentes em particular ao campo artístico do Rio de Janeiro entre 1890 e 1930, são: Intercâmbios Artísticos entre Brasil e Portugal; Sistema Expositivo; Ensino Artístico. http://lattes.cnpq.br/6586475368967673


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