Muito além da liberação
Um livro baseado nos ensinamentos milenares dos textos sagrados da Índia Adaptação de comentários de Shri Shrimad Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja O expoente máximo da sabedoria védica no mundo atual
O Senhor Supremo disse: “Meu querido Uddhava, como desejo que os seres humanos alcancem a perfeição, apresento-lhes três caminhos de evolução – o caminho da ação fruitiva (karma), o caminho do conhecimento impessoal (jñana) e o caminho da devoção (bhakti). Afora estes três caminhos, não há absolutamente nenhum outro método de elevação.” Shrimad-Bhagavatam, 11.20.6
O Autor Shrila Bhaktivedanta Narayana Goswami Maharaja
Shrila Narayana Maharaja nasceu em 1921 às margens do sagrado rio Ganges, em Bihar, Índia. Mestre autorealizado na sucessão discipular Vaishnava que remonta ao próprio Krishna, Shrila Maharaja é um profundo conhecedor das escrituras sagradas da Índia e já traduziu ao híndi mais de trinta obras clássicas em sânscrito e bengali, as quais enriqueceu com seus próprios comentários. Esta obra extraordinária tem servido para preservar os ensinamentos dos antigos Vedas, e tanto seus livros como suas palestras vêm sendo traduzidos para diversos idiomas. Shrila Narayana Maharaja ensinou a filosofia Vaishnava por toda a Índia durante mais de quarenta anos, antes de viajar ao Ocidente pela primeira vez em 1996. Desde então, já deu a volta ao mundo mais de trinta vezes, seguindo os passos de seu mestre espiritual instrutor e amigo íntimo Srila A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, o famoso pregador mundial da doutrina Gaudiya Vaishnava e fundador da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna. Como mestre espiritual autêntico e auto-realizado, Shrila Narayana Maharaja vem proporcionando vivificante orientação e amoroso refúgio a quantos acodem a ele, e, mediante seus livros e turnês mundiais, tem purificado a
todos os buscadores sinceros da verdade com sua companhia e realizações divinas.
Prefácio Os Vedas são as escrituras milenares da Índia, as quais contêm toda a sabedoria conhecida pelo homem. Inclusive, todos os campos do conhecimento até agora explorados pela raça humana têm origem nesta vastíssima literatura. Estes livros respondem às perguntas da humanidade quanto à busca da felicidade por meio do gozo dos sentidos, da conquista da salvação ao se alcançar a liberação do ciclo de nascimentos e mortes (nirvana) e do caminho da auto-realização pela prática do serviço devocional puro a Deus. Os Vedas explicam as qualidades pessoais e impessoais de Deus, bem como Suas múltiplas e variadas energias. O conhecimento constante nestes antiqüíssimos livros cuja origem perde-se no tempo foi transmitido, sem adulteração, pelo próprio Deus ao mestre espiritual, deste ao discípulo e assim por diante, formandose uma corrente ininterrupta de mestres e discípulos autorealizados. As escrituras védicas apresentam conclusões acerca de toda sorte de assuntos – podemos inclusive obter a resposta para satisfazer nosso anseio frustrado de experimentar felicidade eterna. Os membros da sociedade atual sofrem em virtude da dor e da confusão, das rixas e das relações tensas, da cobiça material e da hipocrisia. No
esforço empreendido na luta pela vida, muitos de nós procuramos ver as coisas da perspectiva correta, no entanto, mesmo desejando conhecer uma realidade superior, é comum sermos desencaminhados por nossos sentidos descontrolados e por nossa ignorância.
Introdução O propósito deste livro é descrever os três processos diferentes seguidos para se alcançar a felicidade nesta vida. A maioria das pessoas busca o prazer no que vê diante dos seus olhos – ou seja, no mundo externo dos objetos –, tentando satisfazer todos os desejos solicitados pelo corpo. A segunda fórmula de obter prazer é renunciar por completo ao mundo material e refugiar-se na paz interior da alma. E a terceira – a menos seguida de todas – se pratica quando a alma desperta e cultiva seu relacionamento eterno com Deus. A história a seguir nos ensina que, ao desejar alcançar qualquer uma destas três metas, devemos seguir um processo em particular, da mesma forma que, para sermos advogados, precisamos estudar Direito.
O despertar da consciência Você pode me mostrar Deus?
Havia um rei na Índia que queria ver Deus. Sabendo da erudição de seu primeiro ministro, mandou chamá-lo e lhe perguntou: - Você pode me mostrar Deus e dizer-me o que Ele faz? Apesar de todo seu conhecimento, naquele momento o ministro não soube o que responder, e por isso pediu ao rei um prazo de três dias para pensar e dar-lhe a resposta. O rei assentiu, mas advertiu-o de que, caso sua resposta não fosse satisfatória, deixaria de confiar nele. Já em casa, o ministro pôs-se a consultar seus livros na esperança de achar a resposta à pergunta do rei. Dois dias depois, ainda não conseguira nada. Percebendo a aflição do pai, seu filho de cinco anos aproximou-se dele e perguntou-lhe: - Por que está triste, papai? - Não encontro uma resposta apropriada a uma pergunta que o rei me fez, e perderei a confiança dele se fracassar. - Que pergunta? indagou o filho. - Você não entenderia, filho. Não se preocupe. O menino insistiu tanto que por fim o pai lhe contou tudo.
- O rei quer ver Deus e saber o que Ele faz. Já pesquisei todas as escrituras, mas ainda não achei nada convincente. O menino sorriu e disse: - É muito fácil. Quando for ao palácio amanhã, diga ao rei que a resposta é tão simples que mesmo seu filhinho a conhece. O primeiro ministro lançou um olhar cético para o filho, mas este continuou insistindo. - Não se preocupe, papai – prometo que não o decepcionarei. O ministro, de tão desesperado, não viu outro remédio senão aceitar a proposta do filho. Quando os dois foram juntos ao palácio na manhã seguinte, o rei os recebeu e perguntou outra vez ao ministro: - Querido ministro, você pode me mostrar Deus e dizer-me o que Ele faz? O ministro respondeu humildemente: - Majestade, é uma pergunta tão simples que até meu filhinho conhece a resposta. Surpreendido, o rei voltou-se para o menino e lhe disse: - Muito bem, você pode me mostrar Deus e dizer-me o que Ele faz?
- Majestade, para tal, preciso de um vaso de leite – respondeu o menino. Apesar de estranhar aquele pedido, o rei mandou trazerem a jarra de leite. Em seguida, perguntou o menino: - Majestade, há manteiga neste leite? - Claro que há manteiga no leite – declarou o rei após pensar por um instante. - O senhor pode me mostrar a manteiga? - Sim – respondeu o rei –, mas, para se poder ver a manteiga, primeiro é preciso bater o leite. - Exato – disse o menino –. Também para se ver a Deus é preciso primeiro seguir um processo. Sem um processo de prática espiritual não podemos ver a Deus, do mesmo modo que não podemos ver a manteiga sem antes seguirmos o processo de bater o leite. Se seguimos este processo divino, Deus Se manifesta para nós. O rei ficou encantado com aquela explicação tão lógica e maravilhosa. - E você pode me dizer o que Ele faz? - O senhor me faz perguntas como se fosse meu discípulo e eu, seu mestre – observou o menino –, mas está sentado num trono e eu, no solo. Por educação, sua alteza deveria adotar a posição mais humilde e eu deveria estar sentado na mais elevada.
Dando-se conta da verdade das palavras do menino, o rei levantou-se do trono e sentou-se no solo. Assim, o menino subiu ao trono e concluiu: - É isto que Deus faz. Dependendo dos resultados de nossas atividades, às vezes Ele nos coloca em posição superior e outras em posição inferior, logo, às vezes nascemos em família abastada e outras em família humilde. Deus faz com que aconteçam estas mudanças dependendo da vida que levamos. O rei ficou tão satisfeito com aquelas respostas que as proclamou em todo o reino e encheu o ministro e seu filhinho de presentes valiosos!
Onde devemos depositar nosso amor e confiança? Tal qual nesta narração, sabemos que, querendo alcançar algum objetivo, precisamos seguir um processo. Observamos regras, sejam elas costumes sociais, leis, valores nacionais ou o que nossos pais nos ensinaram na infância. Ao longo da vida, aderimos aos ensinamentos de nossos professores, à tradição e ao que aprendemos nos livros escolares e, se resolvemos não seguir nada disso e nos deixamos levar pelos impulsos de nossa mente, podemos vir a ter problemas com as autoridades e sofrer as conseqüências. Somos almas livres pelo fato de podermos escolher livremente em que autoridade depositar nossa confiança. E, sem dúvida, nos é mais conveniente seguir o
conhecimento mais puro e nos deixar orientar pela autoridade máxima, porque só assim atingiremos um estado de consciência mais elevado e pleno de paz. Ao longo da história, os filósofos idealizaram diferentes soluções para os problemas da vida, mas, por mais sensatos que sejam seus argumentos, nenhum deles mostra um caminho tão convincente nem tão amplo como aquele oferecido pelas antigas escrituras védicas da Índia. Por milhões de anos e desde o princípio dos tempos, este conhecimento – cuja origem é o próprio Deus – vem sendo transmitido em sânscrito (o idioma mais antigo que existe) de mestre a discípulo sem sofrer alterações de espécie alguma. Baseando-nos nele, vamos apresentar agora uma análise do objetivo mais elevado que o ser humano pode alcançar. As escrituras védicas chegaram à conclusão de que, consciente ou inconscientemente, todas as pessoas procuram atingir um de três objetivos. Estes objetivos e os processos a serem seguidos para atingi-los poderiam ser resumidos da seguinte maneira: A maioria das pessoas segue o caminho que busca a felicidade por meio da satisfação dos desejos relacionados ao corpo. Em sânscrito, gozo material chama-se bhukti. Alguns trilham o caminho da liberação dos sofrimentos deste mundo e querem saborear os prazeres do eu interior. Em sânscrito, liberação chama-se mukti.
Finalmente, bem poucos seres humanos querem servir a Deus com devoção amorosa e pura. Em sânscrito, serviço devocional chama-se bhakti, ou bhakti-yoga, que literalmente significa “união com a Pessoa Suprema”. Analisando com cuidado a afirmação anterior, concluiremos que a busca de todo ser humano se reduz exclusivamente a uma destas três motivações. As coisas materiais podem nos proporcionar felicidade plena? Lograr a felicidade através do bem-estar econômico é o primeiro objetivo mencionado nas escrituras védicas. Qualquer pessoa pode obter prazeres sensuais temporários (riqueza, fama, prazer físico etc.) sempre que assim o ambicione com intensidade suficiente. As escrituras védicas explicam claramente o método adequado para esta conquista. De fato, certos textos da literatura védica tratam exclusivamente do modo pelo qual se podem alcançar estes bens materiais, não apenas neste planeta, como também em planetas superiores. Quem não teve a fortuna de ouvir falar de metas espirituais mais elevadas buscará, é lógico, os prazeres densos do corpo e o mero desfrute sensual. Este mundo material está projetado de forma que se possa desfrutar com os sentidos materiais: os olhos, a língua, os ouvidos, o estômago, os órgãos genitais... A imensa maioria das pessoas empenha todos os seus esforços em obter estes prazeres efêmeros, mas acaso têm sucesso em seu intento? Conhecemos alguém que seja feliz o tempo todo? Há pessoas bem pobres que só alcançam pensar nos aspectos
básicos da sobrevivência (como alimento, roupa ou moradia) e que experimentam felicidade ao conseguir, por exemplo, um pedaço de pão. Um homem rico pode experimentar este mesmo nível de felicidade ao comprar um iate novo. Se pararmos para pensar, constataremos que a felicidade do rico não é muito superior à do pobre. Qualquer que seja a situação em que estejamos, sempre haveremos de querer ser mais felizes e será difícil nos contentarmos em aceitar as coisas que se nos apresentam. O problema é que na realidade nunca logramos dar prazer duradouro e real ao corpo e aos sentidos materiais, uma vez que estes não são eternos e, mais cedo ou mais tarde, estão fadados a desaparecer. No entanto, a alma, a qual é nossa identidade autêntica, é eterna e vive incentivandonos a que mergulhemos em nós mesmos e nos vinculemos à nossa natureza mais elevada. Só nesta dimensão é que poderemos encontrar a verdadeira felicidade.
As conquistas materiais não são o objetivo final Afortunadamente, há pessoas que compreendem o efêmero das conquistas materiais e, em algum momento de suas vidas, começam a buscar uma autoridade espiritual que lhes possa guiar a um nível de consciência mais profundo. Quando isto acontece, talvez elas ouçam trechos de escrituras como o Bhagavad-gita (5.22), onde se diz: “Uma pessoa inteligente não se envolve com as fontes da miséria, ocasionadas pelo contato com os sentidos
materiais. Ó filho de Kunti! Estes prazeres têm começo e fim, de modo que o sábio não se deleita com eles.” Ao nos darmos conta do fato de os prazeres terrenos não serem capazes de nos proporcionar felicidade real e duradoura, vemos despertar em nosso íntimo o desejo de livrar-nos por inteiro desses persistentes desejos materiais e sair, assim, do ciclo de ações constantes e de consequências, ora agradáveis, ora desagradáveis. A cada ação corresponde uma reação igual e oposta, como no caso do movimento do pêndulo, oscilando primeiro para um lado e em seguida para o outro. Por mais felizes que acreditemos ser em um dado momento, a tristeza nos aguarda na curva da esquina. Somos como as crianças, que num estalo de dedos passam do sorriso ao pranto. Mesmo que boas ações nos proporcionem resultados prazerosos, a felicidade delas decorrente também é passageira e, terminada, volta a tristeza. Deste modo, concluímos que a única meta que vale a pena almejar é a de liberarmo-nos deste ciclo de ação e reação, pois o caminho material não proporciona prazer perdurável, nada mais sendo que a causa de nossa escravidão. Tudo que esteja sujeito à deterioração é material, e não espiritual. As conquistas materiais apenas nos conferem felicidade débil e passageira. Segundo nos revelam os Vedas, somos algo mais que este corpo material – somos as almas eternamente alegres que moram dentro do corpo, motivo pelo qual nenhum prazer externo e temporário poderá trazer-nos felicidade real.
Se meditarmos um pouco nestas coisas, nossa visão se ampliará e talvez queiramos adotar um caminho de contemplação interior. Como seres inteligentes que somos, por que contentar-nos com menos?
O caminho da liberação Por que ninguém quer morrer? Conforme afirmam os Vedas, por constituição, a alma é eterna – não morre nunca. Também dizem que a alma é plena de bemaventurança, e por isso o desejo de buscar nossa verdadeira natureza, saturada de felicidade, é algo inerente a nós. A alma, por natureza, quer viver em paz no eterno presente, livre da dualidade de passado e futuro e do fardo dos desejos materiais. No entanto, a natureza da mente descontrolada é bem outra: vive inquieta, cheia de desejos, e fazendo planos constantes para desfrutar no futuro. Em razão disto, o caminho pelo qual nos livramos dos sofrimentos e das penalidades deste mundo nos parece tão atraente. De fato, muitos perseguem este objetivo e chegam a realizar práticas muito rigorosas no intuito de alcançá-lo. Resolver adotar o caminho que conduz à liberação do ciclo de ação e reação é muito mais elevado e nobre que tentar desfrutar dos prazeres mundanos. Estar desapegado do gozo das coisas materiais oferecidas pelo mundo é uma qualidade da alma, e é possível chegar a este estado trilhando-se quatro rotas distintas:
. Diferenciando o temporário, ou perecível, do eterno, ou espiritual. . Renunciando ao desejo de recompensas e prazeres temporários deste mundo e dos planetas superiores (descritos em detalhe nos Vedas). . Desenvolvendo controle sobre a mente e os sentidos. . Cultivando cuidadosamente o desejo de liberarmo-nos. Como dissemos antes, as escrituras védicas descrevem em detalhe as diferentes metas da vida e os processos a serem seguidos para atingi-las. Segundo os Vedas, a liberação é um estado elevado de consciência, no qual a alma experimenta sua individualidade e obtém compreensão plena de si mesma. A condição natural da alma liberada é a satisfação e a plenitude absolutas. Ela vive em estado de bem-aventurança espiritual, livre do sofrimento e da felicidade mundanos, sem ter nenhum desejo de desfrutar de algo deste mundo. Podemos imaginar tal estado de consciência utilizando um exemplo material. Imaginemos que acabamos de fazer uma boa refeição. Relaxados no sofá gozando da companhia da família, nossos sentidos estão satisfeitos e apaziguados. Por não estarmos sofrendo, nossa consciência é capaz de viver o momento presente. Não ansiamos por nada, não fazemos planos em troca da felicidade no futuro, nem tampouco sentimos falta de algo do passado – só estamos vivendo o deleite do momento presente e experimentando o que parece ser a ausência de
sofrimento neste mundo material. Nosso “gerador interno de pensamentos”, a mente inquieta, está momentaneamente desligada. Quando isto nos acontece, julgamos estar felizes e em paz. Este é um exemplo terreno, já que este tipo de satisfação é insignificante e muito breve, mas este estado é de alguma forma semelhante ao da pessoa cuja consciência está livre de desejos. No entanto, a alma que tem a fortuna de liberar-se da escravidão dos desejos materiais experimenta uma satisfação milhões de vezes superior e, além disso, a bem-aventurança por ela alcançada é eterna.
Observando o tempo
O tempo se subdivide em três etapas neste mundo: passado, presente e futuro. Em geral, temos dificuldade de viver no momento presente – é algo bem penoso, já que o presente está sobrecarregado dos problemas causados por responsabilidades aparentemente avassaladoras. Somamse a esta dificuldade as dores causadas por outras pessoas, por condições climáticas adversas ou simplesmente por nossas próprias mentes. Sempre confiamos que em breve seremos muito mais felizes do que somos neste difícil presente, o que faz nossa mente tramar toda espécie de planos e sonhos futuros para escaparmos de uma situação que não nos satisfaz. Nossa mente vive tentando extrair o máximo possível das coisas materiais e explorar os
recursos externos a fim de obter cada vez mais satisfação. Todos queremos desfrutar – é algo que faz parte da nossa natureza –, e, ao longo de nossas vidas, buscamos desvendar o mistério, não só de como fazê-lo, mas também de como desfrutar a cada momento. Esta é a nossa luta constante. As naturezas da mente material e da alma são bastante diferentes. A mente é apenas um meio para se chegar à alma. A alma não tem desejos materiais e está sempre feliz, ao passo que a mente é um poço de desejos. Como neste estado material de consciência tendemos a nos identificar mais com a mente do que com a alma, sentimonos frustrados quando não logramos satisfazer os desejos da mente. Somente então, caso sejamos muito afortunados, começamos a vislumbrar a idéia de que existe uma verdade mais profunda e, nessa altura, voltamo-nos para o interior, para a luz da alma.
Muito além da liberação
Agora que chegamos a este ponto de nosso desenvolvimento, deparamos com um conceito surpreendente. As escrituras védicas nos animam a nos aprofundar mais ainda e a evoluirmos ao estado de consciência situado além inclusive desse estado aparentemente alegre de liberação. Na verdade, estar liberado de todos os sofrimentos é apenas o aspecto
negativo da liberação autêntica. O aspecto positivo é termos a oportunidade de desenvolver um profundo relacionamento de amor com Deus. Se no estado de liberação ainda nos julgamos pessoas deste mundo, e não servos puros de Deus, isso quer dizer que não atingimos nosso destino final. Esta espécie de liberação é conhecida como “liberação impessoal”, e por isso não se trata do objetivo mais elevado ao qual podemos aspirar. A cessação de todo sofrimento material é o aspecto negativo da felicidade suprema. A felicidade suprema está no despertar de nosso relacionamento original de amor e afeição com Deus. Há inúmeras canções que enaltecem a doçura das relações humanas, contudo, nem as canções nem os fugazes momentos de amor por elas descritos parecem durar muito – e, mesmo que durassem, no final das contas a morte é inevitável. Para sentir-se plenamente satisfeita, a alma precisa estabelecer um relacionamento mais duradouro. A experiência da alma ante o gozo causado pela liberação das dores deste mundo é uma classe de felicidade, mas encontramos uma fonte ainda maior de felicidade a partir do momento em que a alma desperta para seu relacionamento eterno de amor com Deus. E é uma felicidade sem limites!
Que é amor verdadeiro?
Desde o princípio dos tempos, a alma, desesperada, busca amor e afeição. O amor é a força mais poderosa que existe, e todos nós o desejamos saborear de uma forma ou de outra. Queremos não apenas experimentá-lo, como também desfrutá-lo sempre. É algo a que temos direito pelo simples fato de termos nascido. Mesmo que vivamos intensamente, nossa maior necessidade, a de sermos amados, continua sem ter sido satisfeita. O poder do amor é inimaginável. A atração do amor é o elemento mais importante em qualquer circunstância deste mundo. Tudo o mais pode ser eliminado e esquecido ao entrarmos em contato com o amor e a afeição verdadeiros. Se alguém questionar ou desafiar o princípio do amor, terá que aceitar a derrota, porque o amor é o princípio mais autêntico que existe. A chave para se entender a diferença entre as duas classes de felicidade mencionadas (a liberação impessoal e a devoção por amor a Deus) está em compreender a natureza do amor. A felicidade que logramos ao conseguirmos a liberação impessoal está em terem terminado as desgraças e, estando livres dos grandes desejos materiais, atingimos um estado de consciência pleno de paz. Isso não pode ser chamado de amor – na verdade, nada tem a ver com o amor. Nesse nível, não há um sentimento caloroso de uma relação amorosa. O mais
elevado nível de amor puro e total só pode existir entre a alma e Deus, que são seres eternos.
O caminho do amor divino O caminho da devoção, ou o serviço amoroso a Deus (bhakti), está descrito em pormenores nos Vedas. Os sábios da antiguidade, os quais compreenderam esta sincera necessidade do ser humano, explicam com clareza como podemos alcançar a satisfação plena unindo-nos com nosso amado Senhor. Na história do rei que queria ver a Deus, ao lhe perguntarem se havia manteiga no leite, ele respondeu: “Sim, mas para tal é necessário seguir um processo.” Do mesmo modo, se quisermos despertar nosso relacionamento eterno com Deus, deveremos estudar o processo descrito pelos sábios e seguir suas instruções, sem as quais jamais chegaremos a despertar nosso relacionamento espiritual com Ele. Não temos como atingi-lo por nossos próprios meios porque precisamos de uma força que não é deste mundo.
Onde podemos encontrar esta força? Para se caminhar por este elevado caminho, serão necessários o conhecimento e a força de alguém que já o esteja trilhando, da mesma forma que uma pessoa, tendo caído num poço fundo, só pode ser salva por outra que lhe atire uma corda de cima. Só alguém que conhece e entende estas verdades essenciais da vida nos pode ajudar
a sair de nosso estado de sofrimento. Não há outra maneira de sair desta confusão. Encontrar tal pessoa deve ser nossa prioridade máxima. E, tão logo surja o desejo deste encontro em nosso coração, esse representante de Deus virá até nós. O único requisito é que o desejo de encontrar essa pessoa seja intenso o suficiente.
A quem podemos amar e com quem podemos estabelecer um relacionamento? As escrituras védicas descrevem o nome de Krishna como o nome mais importante de Deus. Krishna significa literalmente “o mais atraente”. Este nome nos ajuda a entender Sua personalidade. Apesar de Krishna ser a causa de tudo e a verdade suprema, em Seu reino espiritual Ele Se deleita com relacionamentos de afeto surpreendentes com um grande número de amigos e familiares na mais formosa e encantadora de todas as Suas moradas: Vrindavan. Estes amigos e parentes eternos O acompanham enquanto Ele realiza Suas atividades amorosas tão extraordinárias, as quais cativam por completo a mente e o coração. Tais atividades vêm descritas em detalhe por grandes personalidades que testemunham, em suas meditações, os maravilhosos intercâmbios de amor entre Krishna e Seus companheiros. Nossa morada eterna está com Krishna no mundo espiritual, onde o êxtase e a bem-aventurança experimentados não têm limites. Os que aspiram à
liberação impessoal como meta última no fundo desejam tornar-se o próprio Krishna, mas isso é impossível pela mesma razão pela qual eu jamais posso me tornar você e vice-versa. A felicidade derivada deste tipo de liberação se centraliza no próprio indivíduo – sem nenhuma espécie de trocas pessoais –, daí ser limitada. Todavia, ao estabelecermos um relacionamento de amor com Krishna com a intenção sincera de servi-l’O, a bem-aventurança que experimentamos é infinita. O objetivo de nossas práticas é despertar nossa consciência adormecida ou, por outras palavras, nossa verdadeira natureza como eternos servos amorosos de Krishna. Lendo a respeito d’Ele e ouvindo falar sobre Ele, especialmente pela voz dos que conhecem Suas qualidades gloriosas, vamos sentir uma inspiração constante de aproximarmo-nos cada vez mais d’Ele. E, ao chegar a hora da morte, momento em que teremos que deixar este corpo, poderemos ir ter com Ele para sempre.
Como meditar Somos imensamente afortunados pelo fato de o processo para alcançar este relacionamento tão bem-aventurado na era atual consistir apenas em cantar os santos nomes de Krishna. Ele investe todo Seu poder e energia em Seus nomes, bem como nos possibilita chegarmos a ter um relacionamento totalmente satisfatório com Ele. Este é um processo transcendental – à medida que aumentar a nossa
fé nele, o poder do Santo Nome irá iluminando nossa consciência. De fato, somente com o cantar do Santo Nome podemos lograr qualquer uma das metas descritas antes. Se você não acredita nisso, tente praticar o processo e experimente seus efeitos você mesmo. Os nomes de Deus mais poderosos do mundo são conhecidos como “maha-mantra”. O cantar do mantra faz iniciar o processo de unir-nos a Deus para sempre. Este é o mantra: Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare Se recitarmos este mantra, experimentaremos sem dúvida um estado de consciência superior. Apesar da recomendação de recitá-lo em postura e atitude de meditação, recitá-lo ou cantá-lo em qualquer momento, lugar e circunstância produzirá em nós uma bemaventurança que só fará aumentar. O cantar, aliado aos ensinamentos das escrituras por parte daqueles que já desenvolveram um relacionamento de amor com Krishna, haverá de nos imergir irremediavelmente num oceano de amor. Existem muitos nomes de Deus: Jeová, Alá, Buda, Iavé, Rama ou Krishna, mas as escrituras védicas nos dizem que Krishna e Rama são os nomes mais importantes e melhores para se recitar ou cantar a fim de obter os resultados máximos.
Conclusão Nosso objetivo na vida é chegarmos a ser plenamente felizes. A natureza essencial da alma é o desfrute, que procuramos alcançar por meio de um entre três processos: . tentando desfrutar ao máximo através de nossos sentidos materiais; . buscando chegar à liberação utilizando nossos sentidos mais sutis; . despertando nossa identidade autêntica e oferecendo nossos corações e nosso serviço a Deus, Krishna. Estes três processos não conduzem ao mesmo destino. Os dois primeiros caminhos, o de desfrutar com os sentidos corpóreos materiais e o da liberação impessoal, não têm necessariamente que nos levar à terceira e mais elevada verdade, que é estabelecer um relacionamento perfeito e puro com Krishna. O grau de prazer que se obtém com o primeiro processo é insignificante se comparado ao segundo. Na escala da felicidade, o segundo caminho nem sequer conta se comparado à bem-aventurança obtida no terceiro, no qual despertamos nosso relacionamento de amor com Krishna, que é o próprio Deus. Evidentemente, isto só se pode compreender por meio da prática. A informação contida neste livro é apenas uma fração do imenso conhecimento que integra a literatura védica.
Acabamos de fazer uma descrição bem sucinta, mas, se depois de lê-la você quiser obter mais informação transmitida pelos santos que se dedicam a servir a Krishna, este livrinho terá sido um êxito. Livros como este estão disponíveis em toda parte. Basta você desejá-los e, como num passe de mágica, logo terá um em suas mãos.