advocatus, 42

Page 1

Diretor: João Teives

n

Diretor Editorial: Hermínio Santos

n

Mensal

n

Ano IV

n

N.º 42

n

Setembro de 2013

n

15 euros

O agregador da advocacia

www.advocatus.pt

Fermín Garbayo, responsável pela GA&P em Portugal

Crise gera oportunidades de negócio Pág. 30

06

Tiago Rodrigues Bastos, sócio fundador da CRBA

Mediatização afetou todo o sistema

A mediatização da Justiça “não afetou apenas os advogados, afetou todo o sistema e o sistema é feito por homens e por mulheres que não são imunes a todos esses fatores. Não deixam de os condicionar”. Esta é uma das muitas opiniões de Tiago Rodrigues Bastos, sócio fundador da CRBA, sobre os processos mediáticos e que ele conhece bem: é advogado de defesa no Face Oculta e no Apito Dourado.

12

Como a PLMJ trata os clientes privados

Tudo o que é Direito da Família e Direito das Sucessões passou a ter um tratamento especial na PLMJ. A sociedade autonomizou um grupo de trabalho vocacionado para os clientes privados e que é liderado por Rui Alves Pereira, que tem uma experiência de 15 anos nestas matérias. A sua equipa está preparada para prestar serviços nas mais diversas áreas do Direito que atravessam o percurso de vida dos clientes e a vivência das suas famílias.



www.advocatus.pt

Diretor-geral João David Nunes jdn@briefing.pt Diretor João Teives joao.teives-14761l@advogados.oa.pt Diretor Editorial Hermínio Santos hs@briefing.pt Editora Executiva Fátima de Sousa fs@briefing.pt

Diretora de Marketing Maria Luís Telf. 961 571 629 ml@briefing.pt

Distribuição por assinatura Preço: 180€ (12 edições; oferta de voucher Odisseias) assinaturas@briefing.pt Tiragem média mensal: 2.500 ex. Depósito legal: 308847/10 N.º registo erc 125859

Destaques

16

PASSEIO PÚBLICO

Uma escolha “contrariada”

Foi “contrariado” para o curso de Direito e passou por outras profissões até voltar, de novo, à casa da partida. Hoje, aos 53 anos, João Valadas Coriel é um advogado realizado a nível pessoal e profissional e sócio fundador da Valadas Coriel & Associados (VCA).

19

DOSSIÊ

O que fazer com o Código de Processo Administrativo

Os advogados Luís Fábrica, consultor da Abreu Advogados, Raul Mota Cerveira, sócio da Miranda Correia Amendoeira & Associados, Miguel Neiva de Oliveira, associado sénior de Direito Público da PLMJ, e Jorge Silva Sampaio, advogado na Sérvulo & Associados, e a advogada Margarida Olazabal Cabral, sócia da MLGTS, escrevem sobre a revisão do Código de Processo Administrativo.

28

INTERNACIONALIZAÇÃO

A expansão da Miranda na África francófona

Os Camarões são o mais recente país da Miranda Alliance e Rui Amendoeira, sócio executivo da Miranda Correia Amendoeira & Associados, explicou a opção por este país e os planos para a África francófona.

Editora Enzima Amarela - Edições, Lda Av. Infante D. Henrique, 333H, 37 1800-282 Lisboa Tel. 218 504 060 Fax: 210 435 935 advocatus@briefing.pt www.advocatus.pt Impressão: TYPIA – Grupo Monterreina Área Empresarial Andalucía 28320 Pinto Madrid - España

Comunicação, Design e Multimédia Av. Marquês de Tomar, 44-7 1050-156 Lisboa Tel: 217 957 030 geral@motioncreator.net

PRODUTORA DE AUDIOVISUAIS Rua Luis Simões, 14 | 2745-033 Queluz Tel: 214 348 010 www.comsom.tv

RAMONDEMELO

PHOTOGRAPHY www.ramondemelo.com

Rua Luz Soriano, 67-1º E Bairro Alto 1200-246 Lisboa - PORTUGAL www.who.pt// contacto@who.pt

O agregador da advocacia

36

MEDIAÇÃO

A mediação e a arbitragem na comunidade lusófona

Fernando Tonim, presidente do Instituto de Mediação e Arbitragem Internacional (ILMAI), explica ao Advocatus os projetos de uma instituição vocacionada para a formação profissional.

Setembro de 2013

3


www.advocatus.pt

Cortar a direito

João Teives diretor

Influência, Identidade e Reconhecimento A Ordem tem de reganhar influência juntos dos decisores. Não é suficiente ficar entrincheirado nas conquistas passadas. É preciso ser um ator influente e decisivo na construção do edifício da Justiça. A eleição dos vários órgãos da Ordem dos Advogados, para o triénio 20142017, terá lugar no próximo dia 29 de novembro. É um momento importante, talvez crucial, na orientação da Ordem. E será, necessariamente, um momento de viragem, pois não nos parece repetível, qualquer que seja o vencedor, um mandato com as características dos dois últimos liderados pelo Bastonário António Marinho Pinto, com todos os méritos e deméritos a ele associados. Em primeiro lugar, urge reconhecer que houve uma clara perda de influência da Ordem dos Advogados neste segundo mandato do Bastonário. É certo que teve de lidar, não com um governo minoritário, mas com um governo maioritário. Para mais, com uma liderança, na pasta da Justiça, por vezes, algo autista. Mas não deixa de ser verdade que não são reconhecíveis, na prática, mudanças positivas na Justiça ou no estatuto dos Advogados por influência da Ordem. Pode dizer-se que resistiu, ou tentou resistir, mas não foi um agente de mudança. O que, objetivamente, não se havia passado no primeiro mandato, com a alteração do período de férias ju-

diciais ou a aprovação de legislação protegendo os direitos de maternidade e paternidade dos advogados. Feitos que devem ser reconhecidos e deviam ser, quanto a estes últimos, ampliados. Nada disto ocorreu. Ora, julgo que situações como a do total esquecimento a que foi votada a Ordem dos Advogados, por exemplo na discussão do dossier do novo sistema judiciário, não se podem repetir. Percorridas as mais de quinhentas páginas do dossier publicado pelo Governo relativamente às linhas estratégicas da reforma judiciária, verificamos que todos deram o seu contributo, desde a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). Todos menos a Ordem dos Advogados. Aliás, os Advogados, ao longo dessas centenas de páginas, não são mencionados uma só vez. A Ordem tem de reganhar influência juntos dos decisores. Não é suficiente ficar entrincheirado nas conquistas passadas. É preciso ser um ator influente e decisivo na construção do edifício da Justiça. E isso só se consegue pensando em alternativas, e não com uma anacrónica resistência a toda a mudança.

“Sigilo profissional, independência, procuradoria ilícita, conflitos de interesses são alguns dos pilares da nossa profissão que podem ruir sem uma liderança forte, influente e esclarecida”

Em segundo lugar, mais do que nunca, a advocacia portuguesa vive um problema sério de identidade. Entre os descamisados e as grandes sociedades, onde está o Advogado? Problema esse que será mais premente no futuro próximo, com a aprovação das sociedades multidisciplinares. Sigilo profissional, independência, procuradoria ilícita, conflitos de interesses são alguns dos pilares da nossa profissão que podem ruir sem uma liderança forte, influente e esclarecida. Por último, o necessário reconhecimento. É quase um problema batismal. Não é apenas por se ter a cédula que se é Advogado. Temos de ser reconhecidos como tal. Esse reconhecimento é essencial na afirmação das traves mestres da profissão e da sua preponderância na aplicação da Justiça. Esse reconhecimento só pode existir com a reafirmação da identidade do Advogado e com influência junto dos decisores e da sociedade em geral. Influência, identidade e reconhecimento. Esperemos que os novos tempos nos tragam a afirmação destes valores.

LIVRO

ECM ECM é o acrónimo de Edition of Contemporary Music. Editora fundada por Manfred Eisher em 1969, tem editados nomes tão importantes como Keith Jarrett, Kenny Wheeler, Don Cherry, Ed Blackwell, Jan Grabareck, Jack DeJohnette, Lester Bowie, Paul Motion, Carla Bley, Charlie Haden, Pat Metheny ou Kayhan Kalhor entre tantos outros. “ECM- A cultural Archaeo-

4

Setembro de 2013

logy”, editado por Okwui Enwezor e Markus Müller, foi o catálogo que serviu de base à exposição que teve lugar em Munique, na Haus der kunst, até fevereiro deste ano, em que se dissecam as influências, a história, os discos, os músicos e o trabalho de Eisher.

O agregador da advocacia



www.advocatus.pt

Entrevista

Fátima de Sousa Jornalista fs@briefing.pt

A defesa de uma pessoa num processo mediático, e principalmente se for uma pessoa sobre a qual estão os holofotes dessa mediatização, é mais difícil. E é mais difícil porventura ao tribunal absolver um arguido destes do que uma pessoa que não tenha esta mediatização. São palavras de Tiago Rodrigues Bastos, sócio fundador da Capitão, Rodrigues Bastos, Areia e Associados (CRBA), a partir da sua experiência como advogado em dois megaprocessos mediáticos.

Tiago Rodrigues Bastos, sócio fundador da CRBA

É mais difícil ao tribunal absolver num processo mediático

Advocatus | É advogado de defesa em dois dos chamados megaprocessos, o caso Face Oculta e o Apito Dourado. Como é que esses processos se cruzaram com a sua carreira? Tiago Rodrigues Bastos | Como em quase tudo o que acontece na vida, não há uma razão única. O que posso dizer é que tenho um percurso ligado à advocacia de barra, de contencioso que pode levar as pessoas a terem confiança no meu desempenho profissional. Mas, nestes dois casos, as circunstâncias são distintas. No caso Face Oculta eu já era advogado do dr. Armando Vara noutros processos, en6

Setembro de 2013

quanto no caso do Apito Dourado a minha intervenção inicial não foi como mandatário do major Valentim Loureiro, cujo patrocínio só assumi mais tarde, em conjugação com o dr. Amílcar Fernandes, quer na fase de recurso do processo principal, quer no processo apêndice que ficou conhecido como a “Quinta do Ambrósio”, onde assumi maior preponderância. Neste caso, também sou uma escolha do meu colega, que entendeu que eu podia trazer alguma mais-valia à defesa. Advocatus | Estes dois processos têm em comum a mediatização inerente. Isso condiciona o seu trabalho, que desafios coloca à sua atuação?

TRB | Acho que este facto traz, porventura, uma responsabilidade acrescida, isto é, o resultado é muitíssimo mais relevante. Não para o cliente, porque, do ponto de vista do nosso constituinte, o resultado é sempre importante, nomeadamente quando estamos a falar de um processo de natureza criminal. Mas do ponto de vista da carreira do advogado não é a mesma coisa: se eu tiver sucesso num processo desta dimensão isso transmite uma imagem minha que é muito mais relevante, assim como se eu não tiver sucesso sou mais penalizado do que noutros processos, em que o sucesso ou o insucesso ficam na órbitra mais restrita do cliente.

Há outro aspeto importante. Do ponto de vista do exercício da profissão, estes processos são ingratos. A defesa de uma pessoa num processo mediático, e principalmente se for uma pessoa sobre a qual estão os holofotes dessa mediatização, é mais difícil. Porque há a tendência para não querer que se diga que o processo não deu em nada, que os fortes se safam sempre… Isso implica um maior risco de insucesso da defesa. E é mais difícil porventura ao tribunal absolver um arguido destes do que uma pessoa que não tenha esta mediatização. Por isso, não posso descurar nada, tenho de contrariar ao máximo as ideias que vão sendo criadas à volta do processo. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Advocatus | Isso é porque há um pré-julgamento, uma pré-condenação na opinião pública? TRB | Sabemos que estes processos têm um custo na opinião pública que a decisão judicial não apaga, ainda que seja favorável. O que nos obriga a uma defesa em dois palcos: no tribunal e fora dele. Às vezes, quase a pisar o risco até relativamente aos nossos deveres deontológicos, em nome da defesa do nosso constituinte somos obrigados a prestar esclarecimentos públicos, a tentar desfazer algumas ideias, porque a defesa do nosso constituinte também se faz nesse palco dos media. Mas esse é um custo que o cliente tem, não o advogado. Não posso muitas vezes, contrariamente ao que gostava, remeter-me ao silêncio. Advocatus | Qual é a medida desse risco, dessa exposição? TRB | A medida tem de ser sempre balizada por duas coisas. Primeiro, por aquilo que seja necessário para que a informação que os jornalistas vão veicular seja a mais correta possível. Não quer dizer que isso decorra apenas do que digo, mas importa que eu possa contribuir para que a informação seja objetiva. Depois, e aqui está mais visível a defesa do meu constituinte, passa por dar a perspetiva do meu constituinte sobre o que ocorreu na sala de audiência, sobre qual o impacto que eu entendo que determinado ato tem, a sua relevância para o processo, para que os jornalistas tenham também a

“Às vezes, quase a pisar o risco até relativamente aos nossos deveres deontológicos, em nome da defesa do nosso constituinte somos obrigados a prestar esclarecimentos públicos, a tentar desfazer algumas ideias, porque a defesa do nosso constituinte também se faz nesse palco dos media”

“A mediatização não afetou apenas os advogados, afetou todo o sistema e o sistema é feito por homens e por mulheres que não são imunes a todos esses fatores. Não deixam de os condicionar”

visão da defesa desse lado processual. As duas balizas vão sempre contribuir para que a informação seja o mais correta possível e contribuir para que a visão da relevância processual de determinados atos seja transmitida. Advocatus | Como avalia se está em risco de violar os deveres deontológicos? TRB | Temos de perspetivar duas situações. Uma é quando me pronuncio por algo que é estático, como um artigo de jornal, em que tenho tempo e discernimento para escolher a resposta e, eventualmente, poder pedir ao presidente do Conselho Distrital da Ordem que me dispense do sigilo. Outra circunstância é sair de uma audiência e ser interpelado pelos jornalistas: aí tenho de fazer uma avaliação da ponderação dos interesses entre o que é o meu dever de não pleitear na comunicação social e o dever de defender os interesses do meu constituinte, que, hoje em dia, tem também uma dimensão pública que não podemos ignorar. Dizer que o advogado se deve remeter ao silêncio nessa circunstância não é aceitável, não é compatível com o tempo em que vivemos. Não posso e não devo é fazer requerimentos e recursos na comunicação social.

“Do ponto de vista da carreira do advogado não é a mesma coisa: se eu tiver sucesso num processo desta dimensão isso transmite uma imagem minha que é muito mais relevante, assim como se eu não tiver sucesso sou mais penalizado do que noutros processos, em que o sucesso ou o insucesso ficam na órbitra mais restrita do cliente”

Advocatus | De um modo geral diria que há equilíbrio da classe na gestão da informação? TRB | Diria que há tendência para falarmos, o que pode ser fruto de >>>

CRBA

“Enfrentamos este momento sem grandes perdas” Tiago Rodrigues Bastos é um dos sócios fundadores da CRBA – Capitão, Rodrigues Bastos, Areia e Associados. Com 30 advogados e presente em Lisboa e Porto, diz que é uma firma equilibrada, relativamente jovem – todos os sócios e advogados têm menos de 50 anos – e com uma dimensão adequada que lhe permite ser “uma sociedade e não uma junção de vários escritórios”. É que não precisou de fazer grandes ajustamentos na atual situação, que tem atravessado com as mesmas pessoas. “Enfrentámos bem a situação. Diria até que nos

O agregador da advocacia

reforçámos nalgumas áreas”, resume. Integrando a rede internacional LNA – Legal Netlink Alliance e a Redejur – associação brasileira de escritórios de advocacia empresarial, mantém igualmente relações de colaboração com advogados em Angola e Moçambique, ainda que de forma não estruturada. Reforçar esta colaboração com o Brasil e com África está nos planos da CRBA. Crescer em dimensão não está, contudo, a ser equacionado e Tiago Rodrigues Bastos explica porquê: “A nossa perspetiva tem de ser sempre

a de estarmos bem apetrechados para responder aos clientes que temos e aos que possamos ou queiramos ter. A nossa preocupação não é tanto crescer em número, é sentirmo-nos tranquilos para crescer nas mais diversas áreas, por exemplo, na de Direito do Desporto, em que queremos apostar. Mas também gostaríamos de desenvolver as capacidades das pessoas que cá temos. Sem embargo de vir a ser necessário reforçar a equipa em áreas que estejam a crescer. É por isso que enfrentamos este momento sem grandes perdas”.

Setembro de 2013

7


www.advocatus.pt

Entrevista

>>>

“Se me pergunta se não acredito que os juízes depois são capazes de libertar disso, claro que acredito, acho que lhes é exigido esse esforço e que, no final, têm de decidir não de acordo com o que vem na acusação, mas de acordo com o que foi efetivamente provado”

variadíssimos coisas que até podem incluir a nossa vaidade, porque a imagem do advogado também conta. Mas, regra geral, acho que os advogados têm algum cuidado quando falam. Não concordo com a ideia de que pisemos muito o risco. É verdade que é um risco enorme quando começamos a falar e só há uma hipótese de o controlar: não falar. E, sinceramente, ou dizemos logo aos jornalistas que não vamos falar ou pararmos, pormo-nos à frente das câmaras e dos microfones, deixarmos os jornalistas fazerem perguntas e depois dizer que não podemos dizer nada é um desrespeito por quem está a fazer o seu papel. Mas também acho que mandam as regras que depois se fique sujeito ao que vai ser perguntado e a gestão torna-se às vezes difícil. Captar uma imagem de não responder a determinada pergunta pode ser tão perigoso como a resposta. É um jogo difícil. Advocatus | Disse, antes, que o tribunal tem mais dificuldade em absolver um arguido num processo destes. Não está a colocar um grande ónus sobre o tribunal, os juízes? TRB | As pessoas têm tendência para achar que, se alguém vai a julgamento, é porque tem alguma culpa, é a teoria de que não há fumo sem fogo. E a teoria de que os magistrados (do Ministério Público) não iam acusar se não existisse alguma coisa. E a questão coloca-se aí: o olhar das pessoas está em cima do tribunal. A mediatização não afetou apenas os advogados, afetou todo o sistema e o sistema é feito por homens e por mulheres que não são imunes a todos esses fatores. Não deixam de os condicionar. Não vejo nenhum drama em que se critique uma decisão judicial, acho que as decisões são criticáveis e que a atuação dos juízes deve ser passível de crítica, mas a questão está em que depois se espera que essas pessoas não deixem que a sua decisão seja fruto desse condicionamento. Há uns dez, quinze anos não conhecíamos o nome de nenhum juiz, hoje, quando começa o processo, a primeira coisa que é dita é quem é quem constitui o

8

Setembro de 2013

“O sistema de garantias dos arguidos deixa-nos mais tranquilos, sou muito partidário da ideia de que um arguido preso é muito mais grave do que um culpado à solta. Desse ponto de vista, a justiça deve ser cautelosa, ponderada e basear-se em provas”

“Se as partes estiverem representadas por dois advogados que consigam impor alguma racionalidade aos seus clientes, farão muito melhor justiça do que o tribunal”

tribunal. E isso não é condicionante? Tem de trazer alguma pressão para os juízes, se traz para mim que estou numa posição perfeitamente parcial, também tem de trazer para quem tem finalmente de decidir. Se eu estou pressionado, se todo o meu comportamento é escrutinável, quem depois vai decidir e parte desta ideia da opinião pública de que aquela pessoa não estaria ali se não houvesse nada contra ela tem de estar igualmente pressionado. Se me pergunta se não acredito que os juízes depois são capazes de libertar disso, claro que acredito, acho que lhes é exigido esse esforço e que, no final, têm de decidir não de acordo com o que vem na acusação, mas de acordo com o que foi efetivamente provado. Advocatus | Processos como o Face Oculta arrastam-se no tempo. Que reflexão é que este fenómeno lhe merece? TRB | Faz refletir principalmente sobre uma organização que não compreendo. Até posso compreender que, em determinadas circunstâncias, a investigação possa ser feita desta forma tipo megaprocesso e até posso perceber que, quando se está a investigar uma coisa que tem um centro e várias ramificações, a investigação seja conjunta, mas não consigo perceber que o julgamento seja assim. De tal forma que, depois, temos vários julgamentos sobrepostos. No Face Oculta, quem conhece o processo percebe perfeitamente que há várias realidades que são elas próprias relativamente estanques. No caso do dr. Armando Vara, é um processo para julgar em dois dias, não carece de estar à espera de prova feita noutro. O que se demonstrar na Refer ou na REN não é relevante para os factos que impendem sobre o meu constituinte. Acho incompreensível. Este julgamento para mim tem 20 sessões relevantes, se tanto, mas o julgamento já vai na ordem das centenas. Só o custo que isto tem… O dinheiro que se gastou a arranjar a sala do Tribunal de Aveiro para poder acolher todos os arguidos e advogados dava para fotocopiar o processo muitas vezes e fazer julgamentos separados. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Advocatus | Precisamos de uma justiça penal mais à americana? TRB | Acho que não devemos confundir as coisas. Se me diz isso na perspetiva de um julgamento mais célere, não estou convencido de que proporcionasse uma melhor justiça. Há um equilíbrio que é possível fazer. O sistema de garantias dos arguidos deixa-nos mais tranquilos, sou muito partidário da ideia de que um arguido preso é muito mais grave do que um culpado à solta. Desse ponto de vista, a justiça deve ser cautelosa, ponderada e basear-se em provas. O que carece de algum tempo, de alguma arquitetura que seja garantística. Não podemos esquecer que a ida de alguém a julgamento é, por si só, um estigma social e porque isso não estou em crer que o sistema americano, um bocadinho folclórico, seja um bom sistema. Junta o melhor e o pior. Se nos lembrarmos do caso Strauss-Khan [ex-diretor-geral do FMI], identificamos como positivo que rapidamente o Ministério Público concluiu que o caso não era forte, pese embora todo o mediatismo. Mas também não podemos ignorar a imagem dele algemado, de mãos atrás nas costas, cabelo desgrenhado. É essa a imagem que percorre o mundo inteiro. Acho perigoso, injusto, e para os nossos costumes seria péssimo. Por isso, acho que este alargamento dos julgamentos em processo sumário é perigoso, não vejo grande bondade nessa medida, é uma cedência à ideia de justiça célere. Advocatus | Não se junta, então, às vezes que defendem que há excesso de garantias e que isso faz arrastar os processos? TRB | De maneira nenhuma. Não acho que haja excesso de garantias. Se todos cumprirmos as nossas funções, o problema não está no excesso de garantias. Advocatus | Está onde? Há também quem defenda que está no excesso de manobras dilatórias… TRB | Está, por um lado, nalguma dificuldade de relacionamento O agregador da advocacia

entre os agentes da justiça, há uma relação muito crispada entre juízes, procuradores e advogados. E há, às vezes, um certo pudor em reagir a determinados mecanismos que, porventura, sejam dilatórios. Mas dizer que o problema está na utilização de expedientes é vê-lo de um ângulo errado. Na justiça civil, sistematicamente se ouvia que havia a utilização excessiva desses expedientes, mas se formos a ver as condenações por litigância de má fé eram raras. Perorava-se muito mas acaba-se sempre a concluir que era uma litigância temerária, não de má fé. Não sou nada apologista de que existe excesso de garantismo, existe é, nalguns casos, excesso de formalismo e, muitas vezes, um relacionamento deficiente entre agentes. Transportamos muita conflitualidade para a sala de audiências. Advocatus | É um advogado de barra, de contencioso. A litigância não está inerente? TRB | Gosto de ir à barra e da parte lúdica que a barra transmite, da encenação, da teatralização. Mas estou muito consciente da minha missão profissional, que é conseguir um resultado bom para o meu constituinte, é resolver o problema do meu cliente. E, desse modo, arriscaria dizer que o aconselharei a tentar tudo por tudo para resolver fora do tribunal. Se as partes estiverem representadas por dois advogados que consigam impor alguma racionalidade aos seus clientes, farão muito melhor justiça do que o tribunal. Não se retire daqui nenhuma crítica aos juízes, mas é por uma razão simples: eu saberei sempre mais e o meu colega saberá sempre mais do que o processo vai permitir apurar, estamos em melhores condições para propor uma solução justa. Isto exige que eu não veja no meu colega o cliente dele e que ele não veja em mim o meu cliente. E exige que tenhamos a capacidade de fazer ver isso aos nossos clientes – é um aspeto sensível da nossa profissão.

A Ordem perdeu muito pelo facto de o bastonário não recuar numa certa postura crítica que, muitas vezes, tornava impossível o diálogo. “Era isso que gostaria que fosse invertido”

“Hoje estamos muito mais abertos a receber clientes de outros. Quando os advogados se conheciam todos havia algum pudor. Mas hoje somos mais permissivos, a competitividade é grande. O tempo do advogado sentado no escritório à espera do cliente já não existe, todos os escritórios têm de ter uma preocupação incrível em captar clientela”

ORDEM DOS ADVOGADOS

Precisamos de um bastonário que faça pontes Já integrou o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados e cumpre agora o final de mandato no Conselho Superior. Razões suficientes para uma questão sobre o atual momento que a instituição vive, com eleições à porta e uma proliferação única de candidaturas. Que Tiago Rodrigues Bastos vê com “alguma tristeza”, receando que, se não vingar o modelo de uma votação em duas voltas, o bastonário seja eleito por uma percentagem mínima de votos, na ordem dos 15 ou dos 20 por cento. “Parece-me que não é bom”, comenta. Quanto ao perfil gostaria de ver suceder a Marinho e Pinto alguém que “seja capaz de fazer pontes”, por entender que o atual bastonário “perde muito pela forma mesmo quando tem razão na substância”. “Acho que ao bastonário lhe fazia bem alguma autocrítica sobre a eficácia da sua atuação. Temos de ter consciência de que, quando exercemos um mandato, temos uma função e a nossa atuação tem de ser adequada a essa função”, argumenta, considerando que a Ordem perdeu muito pelo facto de o bastonário não recuar numa certa postura crítica que, muitas vezes, tornava impossível o diálogo. “Era isso que gostaria que fosse invertido”, conclui. Setembro de 2013

9


www.advocatus.pt

Estante

Manual de Contabilidade para Juristas Obra dirigida aos juristas que proporciona conhecimentos que lhes permitem interpretar a contabilidade das sociedades, a fim de tomarem as melhores decisões sobre diversas situações, como, por exemplo, analisar insolvências, falências, o equilíbrio económico-financeiro e a perspetiva fiscal de uma entidade. A obra pretende ser um auxiliar de todos aqueles que sentindo necessidade de aprofundar os seus conhecimentos práticos da contabilidade em geral, explicando numa linguagem simples e direta os conceitos e as regras da contabilidade das empresas.

Dá-se ênfase à nova normalização contabilística, com relevância para a compreensão dos conceitos consignados no Sistema de Normalização Contabilística (SNC), e ao relacionamento entre o sistema contabilístico e o sistema fiscal, principalmente no que respeita ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC). Por outro lado, acrescenta de forma sucinta algumas reflexões jurídicas. Saiba: como ler as contas de uma empresa; como fazer uma análise económica e financeira;

como detetar práticas nocivas; como interpretar conceitos económicos básicos. E conheça a relação entre a Contabilidade e o Direito: empresarial: análise da falência; administrativo: contabilidade pública; financeiro: imposto sobre as sociedades, IVA e imposto de renda; penal e corporativo: crimes económicos e crimes cometidos pelas empresas. Esta é uma obra de conteúdo altamente prático, com numerosos exemplos e estudo de casos para facilitar a sua compreensão.

Manual de Contabilidade para Juristas Autores: António Gameiro e Nuno Moita da Costa 1.ª Edição: março/2013

JusNet Códigos JusNet Códigos é uma solução de informação legislativa online constituído pelos diplomas considerados fundamentais e respetiva legislação complementar e relacionada, com funcionalidades únicas de pesquisa e tratamento da informação com serviços diferenciais que oferecem respostas seguras, rápidas e precisas ao profissional. Cerca de 2.662 diplomas em versão vigente e consolidada e podem ser consultadas as versões de vigência desde 2005. Os diplomas estão organizados por ramos de direito e subdivididas por matérias: Analisada com rigor, Atualizada diariamente, Baseada em tecnologia avançada que permite inúmeras ligações entre textos, Software simples e intuitivo. Característica de JusNetCódigos é a adaptação das necessidades dos seus utiliza-

10

Setembro de 2013

dores sustentada no sistema de pesquisa, com funcionalidades únicas de qualidade inalcançável. JusNet inclui um serviço para personalização da informação a realizar pelo utilizador que consiste em guardar informação pesquisa, ativação de alertas através de correio eletrónico bem como uma secção de novidades jurídicas. Qualquer documento JusNet Códigos é suscetível de ser exportado sem comprometer a integridade do registo original. O utilizador pode: copiar e colar / guardar em formato HTML, PDF ou Word; imprimir um documento; enviar um documento a um colega, com comentários. A organização da informação confere vantagens ao utilizador de modo que tenha a informação num único repositório que se encontra dispersa poupando tempo na investigação da informação.

JusNet Códigos Autor: Wolters Kluwer Portugal

O agregador da advocacia


CURSO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM DIREITO DO TRABALHO E DA SEGURANÇA SOCIAL Coordenação científica: Professor Doutor José João Abrantes Dra. Rita Canas da Silva Comissão organizadora: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL) Gómez-Acebo & Pombo, S.L.P. CEDIS - Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da FDUNL Secretariado executivo: Dra. Inês Braga Dr. Sérgio Henriques Ao melhor aluno do Curso será atribuído o prémio Gómez-Acebo & Pombo no valor de 1.500€ Mais informações: www.fd.unl.pt

Ano letivo 2013/14


www.advocatus.pt

Estratégia

Na PLMJ acredita-se que os clientes reconhecem o valor acrescentado da especialização e foi esse reconhecimento do mercado que levou a sociedade a autonomizar um grupo de trabalho vocacionado para os clientes privados. Com 15 anos de experiência em Direito da Família e Direito das Sucessões, o associado sénior Rui Alves Pereira coordena a equipa, integrada por Marta Costa, associada sénior e doutorada em Direito Civil, e Maria Oom Sacadura, advogada associada, contando ainda com o contributo, na vertente de wealth planning, de Nuno Cunha Barnabé, sócio de Direito Fiscal.

O valor da especialização

Foi a maturidade do mercado que levou a PLMJ a autonomizar um grupo de trabalho com as competências necessárias ao acompanhamento dos assuntos específicos dos clientes privados. Trata-se de uma especialização por segmento de clientela, numa área de trabalho que é multidisciplinar por natureza. A coordenação foi assumida pelo associado sénior Rui Alves Pereira, com uma experiência de 15 anos em Direito da Família e Direito 12

Setembro de 2013

das Sucessões, função que – diz o próprio – traduz uma continuidade natural do trabalho que tem desenvolvido na PLMJ. E quando fala em maturidade do mercado, o coordenador do novo grupo de trabalho refere-se à existência de um grupo de clientela que “começa a dar sinais de reconhecer o valor acrescentado da especialização nesta área de trabalho, quer pela natureza das questões, quer pela abordagem multidisciplinar

que a sua resolução pressupõe, quer ainda pelo nível de confiança que o relacionamento com estes clientes requer por se tratar de assuntos do seu foro privado e por vezes mesmo da reserva da sua intimidade”. Daí que a sua equipa esteja preparada para prestar serviços nas mais diversas áreas do Direito que atravessam o percurso de vida dos clientes e a vivência das suas famílias, tanto pessoal como patrimo-

nialmente. Assim acontece com a assistência no âmbito de processos de divórcio e regulação do exercício das responsabilidades parentais, adopção, interdição e inabilitação, aquisição de residência e de nacionalidade. Bem como no domínio da reorganização patrimonial, feita, por exemplo, através de testamento, estruturação e parqueamento de portefólios financeiros com fundo, planeamento sucessório com trusts e seguros de vida. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

DISCURSO DIRETO

Uma aposta de complementaridade Advocatus | A atual situação socioeconómica teve influência na autonomização deste grupo de trabalho? Rui Alves Pereira | A atual conjuntura socioeconómica provocou nas famílias portuguesas profundas alterações, sobretudo em casos relacionados com o Direito da Família, nomeadamente, nos processos de divórcio e de regulação do exercício das responsabilidades parentais. Todavia, também as dificuldades económicas sentidas por grande parte dos portugueses, aliadas à crescente preocupação na gestão do seu património e com o futuro dos seus herdeiros, fizeram com que a procura de advogados com vasta experiência nestas matérias tenha vindo a crescer substancialmente, determinando assim a necessidade de autonomização deste grupo de trabalho. Contrariamente ao que se verificava há uns anos, em que apenas algumas famílias estavam sensibilizadas para as consequências jurídicas da sucessão, atualmente verificamos um aumento exponencial de clientes que procuram preventivamente reorganizar o seu património, assegurando a sua vontade e a diminuição de conflitos familiares após a sua morte. Por outro lado, a política de atração do investimento estrangeiro e algumas das medidas que a corporizam, como seja o caso do regime dos vistos ditos Golden e o regime fiscal dos residentes não habituais (RNH), têm criado oportunidades de trabalho muito interessantes, por se tratar de mecanismos que se destinam a este tipo de clientela. O cliente que contacta a PLMJ para testar esses mecanismos, especialmente o regime RNH e que finalmente decide avançar, imigrando para Portugal, torna-se um cliente global, com necessidade de um O agregador da advocacia

“As dificuldades económicas sentidas por grande parte dos portugueses, aliadas à crescente preocupação na gestão do seu património e com o futuro dos seus herdeiros, fizeram com que a procura de advogados com vasta experiência nestas matérias tenha vindo a crescer”

“Por continuarmos a ser procurados pelo mercado nas mais diversas áreas do Direito é que se tornou premente a autonomização de vários grupos de trabalho, compostos por advogados ainda mais especializados, capazes de responder às necessidades individuais dos clientes”

conjunto alargado de serviços jurídicos nas mais diversas áreas. Advocatus | Direito da Família é uma das áreas abrangidas. No actual contexto do país, aumentaram os problemas jurídicos neste domínio? Em que medida? RAP | Quando pensamos no atual momento de crise económica, poderíamos ser tentados a concluir que este cenário levaria, inevitavelmente, a um grande aumento do número de divórcios ou, pelo contrário, a uma redução drástica de rupturas conjugais. Os dados estatísticos mais recentes publicados pelo INE, referentes ao ano de 2011 e 2012, não nos permitem chegar a uma evidente conclusão. Podemos, porém, adiantar, com relativa segurança, que muitos divórcios ocorreram por força do impacto da crise económica na vida do casal, não sendo, contudo, menos verdade que, pelo mesmo motivo – i.e., por não disporem de condições económicas para sozinhos proverem ao seu sustento – outros casais não se divorciaram. Também não podemos ignorar o aumento do número de casais que continua a viver na mesma casa, partilhando apenas despesas, mas que na prática estão já separados. Quanto às crianças, o efeito da crise é bem mais preocupante, com o aumento de processos judiciais de incumprimento/redução do montante da pensão de alimentos e de promoção e proteção de crianças em perigo. A dinâmica familiar, e principalmente o desenvolvimento estável das nossas crianças, é afetada por estes cenários de crise, sendo elas as principais vítimas da crise e da impotência das suas famílias. Advocatus | E em matéria de fiscalidade? Que novas questões enfrentam os clientes? Há maior contencioso?

Rui Alves Pereira

>>>

Setembro de 2013

13


www.advocatus.pt

Estratégia

>>>

RAP | A fiscalidade mudou, não apenas em Portugal, mas internacionalmente, em resposta à crise das dívidas soberanas e ao novo standard internacional de transparência na circulação dos capitais. Portugal compete fiscalmente, desde 2011, com a implementação do regime dos RNH Portugal, na arena internacional para atrair os chamados high net-worth individuals (HNWI). São clientes sofisticados, normalmente bem assessorados tecnicamente e exigentes em disponibilidade e capacidade de resposta. O seu património está globalizado e movem-se constantemente em função dos seus hobbies pessoais, latitudes dos seus parentes e interesses empresariais ou patrimoniais. Estas características suscitam um conjunto de questões que, sobretudo pela sua dimensão internacional, não eram frequentes ver em clientes privados. Estamos a falar da determinação da residência fiscal de indivíduos e veículos de investimento à luz de tratados, de tributação multijurisdicional de estruturas de parqueamento de ativos, da fiscalidade de institutos sucessórios estrangeiros, como os trusts, de tributação de doações, de impostos sobre bens de luxo, fortuna, mas também da maior complexidade do próprio tax compliance , p.ex. referente a portefólios financeiros com produtos não tradicionais e hedge funds. Embora nos pareça que o contencioso fiscal dos clientes privados não terá aumentado mais do que o contencioso empresarial, os HNWI representam atualmente um grupo especial de contribuintes. De tal forma que a Administração Tributária (AT) criou uma equipa de acompanhamento permanente, especialmente dedicada a tratar das especificidades destes contribuintes. É portanto de esperar que, num 14

Setembro de 2013

futuro mais ou menos próximo, se venha a desenvolver um contencioso fiscal em torno de questões específicas, mas comuns, a esse grupo. Nesse sentido, aponta também o crescimento do número de inspeções por manifestações exteriores de fortuna - casos a que temos vindo a assistir. Advocatus | De que modo é que o advogado pode contribuir para soluções preventivas e consensuais nestes domínios? RAP | O advogado deve desde logo adotar um novo código de conduta, baseado num conjunto de princípios sobre os quais, aliás, já tive oportunidade de me pronunciar em diversas ocasiões. Por exemplo, em processos judiciais de regulação, alteração ou incumprimento do exercício de responsabilidades parentais, o advogado é o primeiro profissional que está em contacto com os pais, razão pela qual é o primeiro responsá-

“A política de atração do investimento estrangeiro e algumas das medidas que a corporizam, como seja o caso do regime dos vistos ditos Golden e o regime fiscal dos residentes não habituais (RNH), têm criado oportunidades de trabalho muito interessantes, por se tratar de mecanismos que se destinam a este tipo de clientela”

vel pela forma como se iniciam e decorrem estes processos. Devem os advogados promover a celebração de acordos entre os progenitores, tendo o recurso aos Tribunais de ser visto como a exceção. Para tanto, o advogado deverá adotar desde o início uma postura conciliatória entre as partes, e colaborante com os colegas, magistrados e outros profissionais (psicólogos, mediadores) destas áreas. Um advogado que trabalhe nesta área deve ter bem presente que, se os pais estiverem bem, também a criança estará, devendo, assim, sensibilizar os pais para os danos invisíveis que o conflito parental pode provocar nos seus filhos. Também em matérias de Direito das Sucessões, o advogado assume um importante papel, lidando com os medos mais íntimos de cada um de nós ligados à morte e à doença, sensibilizando para as várias possibilidades de planeamento pessoal, através, por exemplo, do testamento vital, e de planeamento sucessório para si e para a sua família, designadamente, para a importância preventiva que pode ter a outorga de um testamento ou a partilha em vida no evitar conflitos posteriores entre os herdeiros. Advocatus | Qual o peso dos clientes privados no negócio da PLMJ? Tem havido aumento? RAP | Claramente, mas sobretudo de forma sustentada. Somos pioneiros na autonomização de uma equipa e segmentação desta clientela, tendo uma grande experiência acumulada, senioridade e capacidade transversal de trabalhar os assuntos destes clientes. A equipa conhece cada um dos seus clientes e procura responder a todas as suas necessidades de prestação de serviços jurídicos. Articulamo-nos tecnicamente conforme e com os colegas que for necessário para podermos aconselhar e apoiar globalmente.

Advocatus | Em que medida é que o investimento da PLMJ no acompanhamento de clientes privados funciona como uma resposta da sociedade à crise? Isto é, há uma intenção de contrabalançar com eventuais quebras nos serviços prestados a empresas? RAP | Muito pelo contrário. A autonomização da equipa procura a diferenciação no mercado. Somos pioneiros hoje e queremos ser líderes amanhã neste segmento. Precisamente por continuarmos a ser procurados pelo mercado nas mais diversas áreas do Direito é que se tornou premente a autonomização de vários grupos de trabalho, compostos por advogados ainda mais especializados, capazes de responder às necessidades individuais dos clientes com o nível de excelência que a PLMJ se orgulha de há muito oferecer. A lógica subjacente é, pois, de complementaridade, e não de substituição.

O agregador da advocacia



www.advocatus.pt

Passeio Público

Ana Duarte

O Direito não foi uma escolha clara para João Valadas Coriel, que experimentou outras profissões até concluir que a advocacia era, efetivamente, a sua vocação. Desde o início apostou num projeto próprio, que tem vindo a prosperar. Agora o objetivo é tornar a Valadas Coriel & Associados (VCA) o “iTunes” das sociedades de advogados.

Seguir Direito por linhas tortas

Leal e determinado. Para João Valadas Coriel, sócio fundador da Valadas Coriel & Associados (VCA), estes são os melhores adjetivos que o definem. Aos 53 anos, o advogado sente-se realizado a nível pessoal e profissional, ainda que o Direito tenha sido uma paixão que foi descobrindo ao longo do tempo. Tudo começou como uma escolha “contrariada”; hoje não se imagina a fazer outra coisa. João nasceu em Lisboa, mais concretamente na zona do Príncipe Real, onde viveu até aos seis anos. Era um “menino bife com arroz”, estudava num colégio ao pé das Amoreiras sempre com muitas restrições impostas pelo médico 16

Setembro de 2013

devido aos problemas de asma. Até que os pais decidiram mudar-se para o Estoril, onde João descobriu todo um novo mundo. O Estoril representava o brave new world. Uma vida de praia, sem grandes preocupações… Foi assim que passou a adolescência com o seu grupo de amigos, os autodenominados “freaks selvagens”. Quando chegou a altura de ir para a faculdade, antes de decidir o que iria estudar fez os habituais testes psicotécnicos. Estes apontaram como melhores escolhas Direito, Filosofia ou Jornalismo. Acabou por ir para Direito, ainda que não tenha sido uma opção clara. Diz, inclusive, que foi para o curso “contrariado”.

Cada vez mais desmotivado com a faculdade, decidiu que estava na altura de experimentar outras coisas, outras profissões. Foi assim que chegou ao jornalismo

Na altura, não havia curso de Jornalismo, Filosofia não lhe pareceu uma “opção fantástica para ganhar a vida”, portanto lá foi para Direito. Muito sob influência do pai. Mas a vocação para a profissão era zero, confessa. Talvez por isso tenha demorado mais a descobrir o seu caminho. Que acabou por ser mesmo a advocacia. A entrada na faculdade não foi nada fácil, os professores não o estimulavam e muito menos a escola. João deparou-se com um ensino de sebenta, pouco apelativo e interessante. As maiores emoções eram vividas no percurso para a escola ou quando iam ver as raparigas para a Faculdade de Letras. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Cada vez mais desmotivado com a faculdade, decidiu que estava na altura de experimentar outras coisas, outras profissões. Foi assim que chegou ao jornalismo. Trabalhou como jornalista n’ O Século e depois no Semanário, numa época em que ainda se utilizava o “linguado” e se escrevia a 60 batidas. Recorda-se de que, na altura, ganhava 20 contos. Essa foi uma experiência que lhe deu conhecimentos da arte da escrita que ainda hoje lhe são úteis. Regressou ao Direito alguns anos depois. Após de ter experimentado outras profissões, concluiu que Direito era mesmo a melhor opção. Dez anos depois de ter começado o curso finalizava esta etapa da vida. Tinha 33 anos, filhos e uma casa para sustentar. Portanto, aquele “calvário” que os advogados estagiários experimentam em início de carreira não era propriamente uma opção para João. Os amigos advogados aconselharam-no a arriscar num projeto próprio e, depois de analisar a situação, assim fez. Mas ainda tinha de fazer o estágio… por isso convidou o advogado Lourenço Mesquita para ser seu patrono. Este concordou. João foi fazendo o seu estágio apesar de já se ter estabelecido com um escritório próprio. “Desde o primeiro dia do estágio fiz advocacia… umas vezes melhor, outras pior”, confessa. Considera que a experiência de vida e a maturidade representaram uma mais-valia quando começou a exercer. O facto de ter começado mais tarde acabou por ser uma vantagem em vários casos. Tinha experiências pessoais e profissionais a vários níveis e percebia como a vida operava. Isso – diz - deu-lhe um conhecimento e uma sensibilidade perante os casos que não vem nos livros. “A experiência de vida das pessoas comuns é o que apetrecha um jurista para vida”, afirma. “Quem tem contacto com as agruras da vida tem outra bagagem, outra preparação”, acrescenta. No entanto, quis continuar a apostar na formação e por isso fez várias pós-graduações em áreas como Comércio Internacional e Direito da Navegação, Gestão e Fiscalidade, Direito Industrial e Saúde Pública. João Valadas Coriel dedica-se a O agregador da advocacia

Após de ter experimentado outras profissões, concluiu que Direito era mesmo a melhor opção. Dez anos depois de ter começado o curso finalizava esta etapa da vida

Paris, à porta do Julio Verne do Alain Ducasse, com familia

Griffith Park, LA, Califórnia

Agosto de 2013

17


www.advocatus.pt

Passeio Público

100 por cento à vida profissional e – sublinha - faz o mesmo na vida pessoal. Pai de quatro filhos – duas raparigas já crescidas e dois rapazes mais novos – dá grande importância a este papel. Garante que atualmente se sente um pai mais paciente, mas também menos resistente. Apesar de a profissão lhe “roubar” bastante tempo, tem tentado fazer ter o melhor desempenho possível no papel de pai. “Umas das vantagens da velhice é que a pessoa precisa dormir menos horas”, diz em tom de brincadeira. Na maioria dos dias não consegue jantar com os filhos, mas faz questão de estar sempre presente na hora de irem para a cama. Daí que aos fins-de-semana aproveite para passar mais tempo com eles. Estando na “melhor cidade do mundo”, João afirma que é muito fácil encontrar programas para fazer com os miúdos. Um deles, pela proximidade, é a praia. Não se considera uma pessoa de praia, prefere antes metrópoles, sempre que viaja é principalmente isso que procura. Cativa-o ver como as pessoas vivem em cada país e, se possível, como viviam antigamente. Como país de eleição elege Itália. Na ótica do advogado, os italianos são “portugueses espertos”. “Conseguem governar-se sem governo e, no entanto, têm aquela postura de decadência e de refinamento que não se encontra em mais lado nenhum da Europa”, justifica. Durante as viagens que faz aproveita sempre para visitar os tribunais - é quase como ver o “Estado da Arte”, explica. É um apaixonado por cidades como Veneza, Ibiza, Capri, Mónaco, Nova Iorque e, claro, pelas grandes capitais europeias como Londres e Paris. Mas no horizonte tem a vontade de fazer viagens mais longas, que o trabalho por enquanto não permite. Viajar de carro pelos EUA (pela segunda vez), uma viagem no Orient Express ou pela Austrália são algumas das que tem planeadas para um futuro em que tenha tempo livre. Apesar de adorar viajar e de ser um fã de grandes metrópoles, não se imagina a viver noutra cidade que não Lisboa. Para o advogado, a capital portuguesa tem uma soma de qualidades muito difícil de igualar… 18

Setembro de 2013

Como país de eleição elege Itália. Na ótica do advogado, os italianos são “portugueses espertos”. “Conseguem governar-se sem governo e, no entanto, têm aquela postura de decadência e de refinamento que não se encontra em mais lado nenhum da Europa”, justifica

Em Ravello, Itália

PROJETO

O ‘iTunes’ da advocacia Aquele “calvário” que os advogados estagiários experimentam em início de carreira não era propriamente uma opção para João. Os amigos advogados aconselharam-no a arriscar num projeto próprio e, depois de analisar a situação, assim fez

“Queremos sentir-nos um pouco como iTunes da advocacia acreditando que ainda há muita gente a ganhar dinheiro com o CD”. Este é o objetivo traçado pelo sócio fundador da VCA. João Valadas Coriel defende que estamos a entrar na advocacia do século XXI e que hoje a obrigação da classe é prestar um bom serviço, a um preço adequado, num tempo razoável. Contudo, reconhece que, na prática, isto nem sempre é fácil de conseguir. No caso da VCA não se pode queixar. A crise representou uma oportunidade para a sociedade, dando-lhe a capacidade de reinventar métodos, olhar para os custos e aumentar a sensibilidade relativamente aos problemas dos clientes. A estratégia da sociedade tem consistido em seguir exemplos internacionais. Por agora, os resultados demostram que está no caminho certo.

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Processo Administrativo

Revisão ou um novo código? Vinte e dois anos decorridos desde a entrada em vigor do Processo Administrativo e quase 17 sobre a sua única revisão, este código volta a estar na mira do legislador. Mas tratar-se-á de uma revisão ou de uma revolução? Advogados de cinco sociedades dão a sua opinião.

O Código de Processo Administrativo em vigor remonta a 1981 e desde então apenas uma vez foi submetido a uma revisão. Dezassete anos volvidos sobre a sua única revisão, o governo manifesta intenção de o atualizar, tendo constituído uma comissão revisora de que se conhece já uma proposta. A questão que se coloca – e a que respondem advogados de cinco sociedades, a pedido do Advocatus – é saber se esta é uma revisão ou se dela resulta, antes, um novo código. Jorge Silva Sampaio, advogado na Sérvulo & Associados, entende que, “em virtude da vastidão quantitativa e qualitativa das alterações efetuadas, muito diO agregador da advocacia

ficilmente se poderá falar numa mera revisão”: “Em boa verdade, estamos perante um novo CPA”, afirma, mas deixa a crítica: “Resta saber até que ponto era necessária uma tamanha revisão do CPA”. Pelo contrário, a sócia da Morais Leitão Galvão Teles Soares da Silva Margarida Olazabal Cabral sustenta que o documento em causa “não substitui o Código de Procedimento Administrativo de 1991 por um novo código, mas torna novo um Código já com alguns anos, mas com boas provas dadas.” “Esta parece-nos ser a primeira decisão a aplaudir: a de rever o CPA em vez de o substituir”, comenta. Por seu lado, Luís Fábrica, consultor da Abreu Advogados, considera que se trata de um “ambicioso projeto de revisão, elaborado por alguns dos nossos melhores administrativistas” e que “representa um progresso técnico indiscutível”: “O CPA fica melhor e com melhores soluções”, defende. Critica, no entanto, a ausência na comissão revisora de advo-

gados, que poderiam transmitir a sua experiência aplicativa. Miguel Neiva de Oliveira, associado sénior da PLMJ, é crítico da extensão da revisão: “Embora se mostre inegável que o actual Código merecia uma revisão, não estamos convencidos que a mesma se devesse mostrar tão densa e inovatória. Diríamos, até, que se trata de um golpe, algo injusto, desferido num Código que, ao cabo de mais de vinte anos se tem mostrado sério, fiel e competente”. Uma das principais críticas do sócio da Miranda Correia Amendoeira e Associados Raul Mota Cerveira é direcionada a um aspeto concreto: a nulidade do ato administrativo. “Não concordamos com o regime da anulação administrativa que, salvo melhor opinião, importa uma ‘machadada’ grande num dos valores que o legislador entendeu ser essencial: o da certeza e segurança jurídica” Setembro de 2013

19


www.advocatus.pt

Turismo Processo Administrativo

Seis notas sobre o projeto de revisão Não se revelou desde logo inócua a ausência na comissão revisora de advogados, membros da Administração ou outros práticos, que melhor poderiam transmitir a rica experiência aplicativa de mais de vinte anos. 1. A longevidade do Código do Proce-

Luís Fábrica Consultor da Abreu Advogados. Licenciado em Direito pela Universidade Católica, conta com um mestrado em Ciências JurídicoPolíticas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e um doutoramento na mesma área na Universidade Católica.

dimento Administrativo (CPA), revisto uma única vez em mais de vinte anos de vigência, alicerça-se num conjunto de méritos formais e materiais que o tornaram num texto referencial da legística nacional das últimas décadas. Mas a natural usura do tempo foi-se fazendo sentir, por força de modificações do direito positivo, das conceções doutrinárias e das condições técnicas.

2. O projeto de revisão tornado público alterou a sistematização do diploma, eliminou, aditou e renumerou preceitos e introduziu em praticamente todos eles alterações de alcance variável, que vão desde a inversão das soluções preexistentes até a discutíveis minudências de redação. Ficou-se, pois, algures entre uma revisão e um novo código. 3. A qualidade técnica do projeto é elevada, como seria de esperar dos membros da comissão revisora, todos eles académicos e magistrados de grande prestígio. Entre muitos outros aspetos, merecem destaque a extensão do regime procedimental e material do regulamento administrativo, a consolidação do ato administrativo como ato externo, a atenuação da rigidez do regime da nulidade dos atos administrativos, a eliminação das nulidades por natureza, a redução muito significativa dos casos de impugnação administrativa necessária e o aperfeiçoamento do sistema de garantias graciosas. Relevante é ainda a consagração como figura geral das conferências procedimentais, destinadas a acelerar a tramitação dos procedimentos em que interve-

20

Setembro de 2013

“Resta saber em que medida esse acréscimo de qualidade compensa e justifica os prejuízos e incómodos que as opções radicais em sede de sistematização e renumeração vão acarretar para todos os que manuseiam quotidianamente o Código”

nham várias entidades administrativas. Acresce a surpreendente eliminação do princípio da execução coerciva por via administrativa.

4. Como é natural, há espaço para reservas e interrogações. Não se revelou desde logo inócua a ausência na comissão revisora de advogados, membros da Administração ou outros práticos, que melhor poderiam transmitir a rica experiência aplicativa de mais de vinte anos. Formada apenas por académicos e magistrados, a comissão redigiu um luxuoso projeto, que parece destinado a ser lido por académicos e aplicado por magistrados – e não, como o atual CPA, um texto pragmático destinado a ser lido pelo cidadão comum e aplicado por funcionários, com ou sem formação jurídica. Em particular, a tecnicidade do texto acentuou-se, com redações mais complexas e conceitos ou expressões inacessíveis aos cidadãos

e a muitos práticos. É significativo que a Exposição de Motivos invoque por doze vezes os ensinamentos da doutrina (cinco vezes a alemã) e nenhuma referência faça à experiência administrativa.

5. A própria elevação da tecnicidade do texto torna-o mais propenso a uma crítica técnica das inovações materiais. A conferência procedimental, com o regime previsto, vai constituir um fator de celeridade ou de morosidade? Se o ato administrativo é sempre um ato externo, porque não surge a externalidade refletida nos elementos constitutivos do ato? Qual o alcance, ou falta de alcance, da substituição da revogação anulatória pela anulação administrativa? Quais os motivos de uma alteração com efeitos práticos tão significativos quanto a eliminação da execução coerciva por via administrativa como princípio geral? Porque se optou por consagrar em sede administrativa uma impugnação dos atos de indeferimento, em vez de uma condenação ao ato devido, como ocorre em sede contenciosa? Faz sentido impugnar em sede administrativa e pedir a condenação em sede contenciosa?

6. Este ambicioso projeto de revisão, elaborado por alguns dos nossos melhores administrativistas, representa um progresso técnico indiscutível: o CPA fica melhor e com melhores soluções. Resta saber em que medida esse acréscimo de qualidade compensa e justifica os prejuízos e incómodos que as opções radicais em sede de sistematização e renumeração vão acarretar para todos os que manuseiam quotidianamente o Código. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Discórdia sobre o regime de nulidade É-nos difícil conceber que um ato administrativo que seja inatacável judicialmente, seja porque decorreu o prazo para sua impugnação, seja porque os interessados com ele se conformaram, possa, mais tarde, ser anulado por via administrativa. Decorridos quase 22 anos sobre a sua entrada em vigor e cerca de 17 anos sobre a data da sua única revisão, eis que o Governo se prepara para, através de decreto-lei autorizado, rever, desta vez profundamente, o Código de Procedimento Administrativo (CPA). É uma revisão que se justifica por todas as razões invocadas na exposição de motivos que capeou a proposta de lei de autorização legislativa apresentada à Assembleia da República. As alterações propostas são muitas e abarcam matérias muito importantes, destacando-se a introdução do regime substantivo dos regulamentos administrativos, a adaptação do regime das garantias graciosas ao conceito de ato administrativo lesivo e ao sistema de contencioso administrativo instituído pelo Código de Processo dos Tribunais Administrativos e a articulação das normas referentes aos Contratos da Administração Pública com o regime constante do Código dos Contratos Públicos. Embora se diga que se trata de uma revisão do CPA e não da aprovação de um novo código, certo é que o legislador, em certos domínios, não resistiu à tentação de deixar a sua marca pessoal, a nosso ver nem sempre de uma maneira acertada. Não concordamos com o regime da anulação administrativa que, salvo melhor opinião, importa uma ‘machadada’ grande num dos valores que o legislador entendeu ser essencial: o da certeza e segurança jurídica. É-nos difícil conceber que um ato administrativo que seja inatacável judicialmente, seja porque decorreu o prazo para sua impugnação, seja porque os interessados com ele se conformaram, possa, mais tarde, ser anulado por via administrativa. O agregador da advocacia

“Embora se diga que se trata de uma revisão do CPA e não da aprovação de um novo código, certo é que o legislador, em certos domínios, não resistiu à tentação de deixar a sua marca pessoal, a nosso ver nem sempre de uma maneira acertada”

Mas a nossa maior discórdia reside em torno do regime de nulidade dos atos administrativos. É intenção do legislador eliminar a atual 1.ª parte do n.º 1 do art. 133.º do CPA que comina de nulidade todos os «actos a que falte qualquer dos elementos essenciais» (nulidade por natureza). Ao invés, o legislador, alegadamente por «razões de certeza e segurança», optou por tipificar os vícios geradores de nulidade dos atos administrativos, que se resume agora às situações previstas no CPA e em legislação especial. Esta opção é incorreta porque limita o labor da doutrina e da jurisprudência e tem, de imediato, um efeito contrário ao pretendido: cria incerteza e insegurança jurídica.

Os conceitos indeterminados foram – e serão sempre – um dos fatores do desenvolvimento do Direito Administrativo em Portugal. Foi (também) pela existência de conceitos indeterminados que a doutrina e jurisprudência contribuíram enormemente para o pensamento e desenvolvimento do Direito Administrativo no nosso país. Sem indeterminação, o espaço para a interpretação é reduzido e a intervenção da doutrina e jurisprudência torna-se diminuta, até dispensável. A consequência é a estagnação do Direito Administrativo. Por outro lado, a eliminação das nulidades por natureza faz correr o risco de subtrair ao regime da nulidade vícios que, pela gravidade que encerram, não se podem subsumir à anulabilidade e ao regime que desta resulta, designadamente em matéria de sanação. E este risco é deste já visível relativamente aos atos de adjudicação de contratos públicos que sejam praticados com preterição de regras concursais. A jurisprudência tem defendido que um ato de adjudicação praticado em atropelo das regras de contratação pública (por exemplo praticado através de ajuste direto quando a lei impunha o concurso público) é nulo por lhe faltar um dos elementos essenciais, nos termos do n.º 1 do art. 133.º do (atual) CPA. Na solução proposta pelo legislador, esse ato de adjudicação será agora meramente anulável e, portanto, sanável pelo decurso do prazo de impugnação contenciosa. Será este um resultado querido pelo legislador ou apenas um dano colateral do regime que se propõe venha a regular a nulidade do ato administrativo?*

Raul Mota Cerveira Sócio da Miranda Correia Amendoeira & Associados, especialista em Direito Administrativo. Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Lusíada.

Setembro de 2013

21


www.advocatus.pt

Processo Administrativo

O benefício da discussão pública O projeto ganha muito com uma discussão pública aprofundada (que tem sido feita), permitindo uma reflexão não apenas sobre as grandes linhas das alterações mas sobre os detalhes de redação.

Margarida Olazabal Cabral Sócia da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MLGTS). Trabalha nas áreas de Administrativo e Contração Pública, Urbanismo e Ambiente. É licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e mestre, pela mesma instituição.

Entendeu o Governo proceder à revisão do Código do Procedimento Administrativo, um dos pilares do nosso Direito Administrativo. Em boa hora o fez, já que, decorridos mais de 20 anos sobre a entrada em vigor deste importante diploma legal, o mesmo precisa naturalmente de ser atualizado e adaptado a novas circunstâncias. Ora, é isso mesmo o que essencialmente o projeto faz: não substitui o Código de Procedimento Administrativo de 1991 por um novo Código, mas torna novo um Código já com alguns anos, mas com boas provas dadas. Esta parece-nos ser a primeira decisão a aplaudir: a de rever o CPA em vez de o substituir. Como se lê na exposição de motivos, a comissão de revisão que 22

Setembro de 2013

preparou o Código pretendeu essencialmente acolher os contributos que a doutrina e a jurisprudência foram dando ao longo destes 20 anos. E isso é conseguido em matérias puramente procedimentais – em que se destaca a previsão da conferência procedimental –, ou em matérias mais substantivas, como o regime de invalidade dos atos administrativos, o da sua revisão, ou mesmo a consagração expressa de princípios como o da boa administração e a consagração, pela primeira vez, do regime do regulamento administrativo. Nalgumas matérias, como no tratamento do silêncio da administração ou das reclamações e recursos administrativos e a execução dos atos administrativos, o projeto vem finalmente reconciliar o Código de Procedimento Administrativo com o Código de Processo nos Tribunais Administrativas. O projeto centra-se na ideia atual de um procedimento que tem por base a relação jurídico-procedimental. Temos, no entanto, algumas dúvidas de que o projeto tenha ido tão longe como podia em matéria de agilização da Administração na era da eletrónica. A administração eletrónica tem a grande vantagem da celeridade: por essa razão, julgamos que podem claramente ser reduzidos os prazos de decisão da Administração previstos no projeto (em especial o prazo geral de decisão de 90 dias). Por outro lado, em matéria de invalidade do ato, o projeto alarga os casos de nulidade até agora expressamente previstos, mas elimina como causa de nulidade a falta de elementos essenciais, sendo todavia duvidoso que se possa prescindir de uma válvula de escape para

“Não substitui o Código de Procedimento Administrativo de 1991 por um novo Código, mas torna novo um Código já com alguns anos, mas com boas provas dadas. Esta parece-nos ser a primeira decisão a aplaudir: a de rever o CPA em vez de o substituir”

“Temos, no entanto, algumas dúvidas de que o projeto tenha ido tão longe como podia em matéria de agilização da Administração na era da eletrónica”

considerar nulos os casos de ilegalidades mais graves não tipificadas. Em matéria de revogação dos atos, aprofunda-se a distinção, já conhecida da nossa doutrina, entre a revogação propriamente dita e a revogação anulatória, designada como anulação administrativa, introduzindo-se, no âmbito daquela, conceitos como o de reserva de revogação e a revogação com fundamento em alteração objetiva das circunstâncias. Sem prejuízo destas importantes novidades, há a registar a complexidade de algumas soluções encontradas, como sucede com a multiplicidade de prazos aplicáveis à anulação administrativa. Uma outra importante novidade do projeto consiste na consagração do princípio de que a execução coerciva dos atos administrativos só pode ser realizada com fundamento expresso na lei, pondo assim termo à ideia de uma habilitação legal genérica para a autotutela executiva da Administração. Questiona-se apenas, a este propósito, que tal princípio justifique também que o Código deixe de prever e regular genericamente os fins e os meios da execução unilateral, quando ela seja admitida. Estes exemplos de algumas das novas soluções propostas pretendem apenas ilustrar que, à semelhança do que sucede com qualquer diploma legislativo desta importância, o projeto ganha muito com uma discussão pública aprofundada (que tem sido feita), permitindo uma reflexão não apenas sobre as grandes linhas das alterações mas sobre os detalhes de redação. A análise que fizemos do anteprojeto leva-nos a dizer que, como não podia deixar de ser, ainda há algum trabalho a fazer neste campo. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Uma revisão demasiado densa Embora se mostre inegável que o actual Código merecia uma revisão, não estamos convencidos que a mesma se devesse mostrar tão densa e inovatória. Diríamos, até, que se trata de um golpe, algo injusto, desferido num Código que, ao cabo de mais de vinte anos se tem mostrado sério, fiel e competente. Tendo vindo a lume, com vista à sua discussão pública, o projecto de revisão do Código de Procedimento Administrativo (CPA), verifica-se, no decurso da mesma, que as opiniões manifestadas até ao momento têm revelado um acolhimento globalmente positivo por parte de quem se tem dedicado ao tema. Ainda assim, por se tratar de uma revisão substancial num Código que, verdade seja dita, se encontra bem estruturado, superiormente redigido e, no que concerne à dicotomia existente na relação Administração vs Particulares, equilibrado, acabou por ser alvo de algumas críticas, de índole formal ou material, que, as mais das vezes, acabam por se revelar acertadas. Quanto a nós, diríamos que embora se mostre inegável que o actual Código merecia uma revisão, não estamos convencidos que a mesma se devesse mostrar tão densa e inovatória. Diríamos, até, que se trata de um golpe, algo injusto, desferido num Código que, ao cabo de mais de vinte anos se tem mostrado sério, fiel e competente. Na verdade, no decurso da sua vigência, o CPA, ao contrário da maioria (se não mesmo a totalidade) da restante codificação essencial em Portugal, tem revelado uma certa estabilidade na sua aplicação por parte de quem se rege pelas suas disposições e tem sido (bem) trabalhado por doutrina e jurisprudência. Tais circunstâncias deviam, portanto, ter contribuído para que, na ponderação realizada, se concluísse pela desnecessidade de (quase) conceber um novo Código, sob pena de se criar um desconchavo naquilo que, salvos alguns desacertos e obsolescências, está bem. O agregador da advocacia

“No decurso da sua vigência, o CPA, ao contrário da maioria (se não mesmo a totalidade) da restante codificação essencial em Portugal, tem revelado uma certa estabilidade na sua aplicação por parte de quem se rege pelas suas disposições e tem sido (bem) trabalhado por doutrina e jurisprudência”

“O CPA já pedia uma actualização (e, nalguns temas, uma clarificação). Nessa medida, a Comissão acabou por elaborar um excelente Projecto de Código, o qual, naturalmente, necessitará, ainda assim, de muitos contributos. De juristas, claro”

E, note-se, esta afirmação sai reforçada quando se verifica que, ao contrário do que seria de esperar, há uma clara tendência (ainda que involuntária, supõe-se) de tornar mais densa e intrincada a formulação de conceitos e a redacção de algumas das suas disposições, circunstância que, se, só por si, já torna complexa a interpretação por parte de juspublicistas, o que dizer da tarefa que caberá a órgãos e funcionários administrativos, bem como, claro, aos próprios particulares? Isto posto, e porque, com as críticas ora tecidas, já ocupámos metade do espaço que nos foi facultado, indiquemos, então (muito sumariamente), algumas inovações e atributos que este projecto de revisão aporta ao CPA: - Expressa previsão da possibilidade de revogação de um acto administrativo com fundamento em alteração objectiva das circunstâncias. Trata-se de uma norma que segue a tendência da doutrina mais recente de aproximar o regime do acto ao do contrato administrativo; - Distinção entre os regimes da anulação e revogação administrativas; - Possibilidade de anulação administrativa de um determinado acto mesmo quando haja sido ultrapassado o prazo para o impugnar por via jurisdicional. Trata-se de fazer prevalecer a legalidade da conduta da administração sobre a estabilidade e certeza jurídicas; - Previsão de um regime relativo aos Regulamentos. Matéria essencial no âmbito do procedimento administrativo, pelo que é de saudar a previsão de um regime geral a este respeito; - Previsão (e alargamento) de um

Miguel Neiva de Oliveira Associado sénior de Direito Público da PLMJ. Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Portucalense Infante D. Henrique e pós-graduado em Novo Contencioso Administrativo, pela Universidade Católica, e em Nova Justiça Administrativa e em Contratação Pública, pela Universidade de Coimbra.

elenco taxativo dos actos nulos, eliminando-se, deste modo, o conceito de nulidades por natureza; - Introdução de normas genéricas relativamente à instrução electrónica do procedimento (que, como é sabido, foi um caso de sucesso no âmbito dos contratos públicos). Diga-se, finalmente, que, apesar da crítica realizada quanto à extensão e densidade da revisão operada por este projecto, não pode deixar de se salientar que o CPA já pedia uma actualização (e, nalguns temas, uma clarificação). Nessa medida, a Comissão acabou por elaborar um excelente Projecto de Código, o qual, naturalmente, necessitará, ainda assim, de muitos contributos. De juristas, claro. Mas, também, de todos aqueles que diariamente terão que dele se socorrer. *Artigo elaborado segundo as regras do anterior acordo ortográfico. Setembro de 2013

23


www.advocatus.pt

Processo Administrativo

Um novo código Em virtude da vastidão quantitativa e qualitativa das alterações efetuadas, muito dificilmente se poderá falar numa mera revisão, pelo que, em boa verdade, estamos perante um novo CPA. Resta saber até que ponto era necessária uma tamanha revisão do CPA.

Jorge Silva Sampaio Advogado na Sérvulo & Associados, com foco especial em temas de Direito Público, Direito Administrativo, Constitucional, do Ambiente e do Urbanismo, bem como de Direito Europeu. Assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

O Código do Procedimento Administrativo foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro (CPA), tendo apenas sido revisto por uma vez, com a aprovação do Código dos Contratos Públicos. Ou seja, estamos perante um regime jurídico que se manteve praticamente inalterado durante cerca de vinte anos. Se é de notar a grande força de adaptação que o CPA foi demonstrando em face das alterações que iam moldando a realidade administrativa, a verdade é que a necessidade de ser revisto se tem vindo a tornar cada vez mais pre24

Setembro de 2013

mente, pelo que é de louvar o projeto de CPA recentemente apresentado. Com efeito, em alguns domínios a necessidade de revisão é praticamente inquestionável, como por exemplo no que toca a matérias que foram alvo de revisão constitucional ou de alteração pelo Direito da União Europeia, bem como as atinentes à introdução dos meios de comunicação eletrónica no seio da Administração, à globalização das relações administrativas, à simplificação procedimental que se tem vindo a verificar, à harmonização de várias disposições, como as respeitantes ao contencioso administrativo, e, bem assim, aos regulamentos e aos contratos administrativos. De forma genérica, cremos que o caminho trilhado é muito positivo e pode, obviamente, ser ainda melhorado. Concretamente, entre outras, parecem-nos positivas as alterações efetuadas para adaptação do CPA às revisões constitucionais, bem como a regulamentação dos procedimentos de controlo e dos meios de comunicação eletrónica, a previsão dos acordos endoprocedimentais, a criação de um regime substantivo dos regulamentos, e a criação da conferência procedimental. Em termos menos positivos, somos da opinião que a harmonização com o Direito da União Europeia deveria ter ido mais longe, a determinação do âmbito de aplicação é criticável por se ancorar no conceito de poderes de autoridade, e a disciplina dos contratos e dos regulamentos afigura-se curta. Para além de tudo o que se afirmou, há duas críticas mais genéricas ao projeto de CPA que têm vindo a ser sublinhadas pela doutrina e que interessa aqui assinalar. Por um lado, em virtude da vastidão quantitativa e qualitativa das alterações efetu-

“O projeto em análise apresenta-se demasiado “doutrinário” e revela-se, em muitos casos, inovador relativamente a soluções já testadas e com resultados positivos”

“Em alguns domínios a necessidade de revisão é praticamente inquestionável, como por exemplo no que toca a matérias que foram alvo de revisão constitucional ou de alteração pelo Direito da União Europeia”

adas, muito dificilmente se poderá falar numa mera revisão, pelo que, em boa verdade, estamos perante um novo CPA. Resta saber até que ponto era necessária uma tamanha revisão do CPA, ainda para mais com um teor muito mais complexo – quando a maioria dos seus “utilizadores” nem sequer são juristas –, quando o código em vigor consagra um conjunto de soluções estabilizadas doutrinária e jurisprudencialmente. Por outro, o projeto em análise apresenta-se demasiado “doutrinário” e revela-se, em muitos casos, inovador relativamente a soluções já testadas e com resultados positivos. Em primeiro lugar, o legislador optou por recorrer a inúmeras definições como acontece, a título de exemplo, com o conceito de ato e de regulamento administrativo, optando por uma definição que os restringe aos atos externos, quando a mesma não é incontrovertida. Em segundo lugar, não se percebe a razão para se ter criado um complexíssimo regime para as conferências procedimentais esquecendo a experiência com ampla aplicação já existente em sede urbanística. Para finalizar, interessa-nos ainda mencionar um aspeto pelo qual temos especial interesse e que ficou por tratar no projeto: as situações administrativas dotadas de transnacionalidade. Hoje, no “mundo global”, as situações transnacionais – como aquelas relativas aos atos administrativos transnacionais, aos procedimentos administrativos transnacionais e à competência administrativa transnacional, que, aliás, merecem já referência em alguns normativos – são prolíficas, pelo que requerem ser regulamentadas, até pela complexidade que quase sempre apresentam. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Direito Sucessório

Desajustado da realidade Permanecemos com um direito sucessório débil, desatualizado, desajustado e injusto perante as estruturas familiares atuais. No seio de tamanha convulsão legislativa, perguntamos como será possível ignorar um problema com esta magnitude. O arquétipo familiar tem sido atualizado por novos estilos de vida e a aceitação de novas realidades que derrogaram o paradigma da orgânica tradicional. Vemos hoje com naturalidade as famílias monoparentais, as uniões de facto, casais do mesmo sexo e, claro está, as famílias constituídas entre divorciados ou viúvos. Não raro será depararmo-nos com segundos e terceiros casamentos prendados com enteados. Malogradamente, se os costumes se adaptaram à vida em sociedade, o mesmo não poderá ser dito da nossa legislação. O direito da família permite aos cônjuges optarem pelo regime de bens que regerá o matrimónio. Este regime está sujeito ao princípio da imutabilidade - salvo raras exceções - e subsiste enquanto o casamento perdurar. São estes os regimes da comunhão de adquiridos, comunhão geral e separação de bens. O cônjuge que pretenda contrair um segundo matrimónio mas, à cautela, queira assegurar o património dos filhos do seu primeiro casamento ou dos que venha a ter, casar-se-á sob o regime da separação, evitando que os seus descendentes sejam afetados por um possível divórcio. Esta solução é, aliás, imperativa nos casos em que um dos cônjuges tenha uma idade superior a 60 anos. O avançar da idade parece despoletar no legislador a necessidade de acautelar o património dos incautos e afastar os sortilégios dos ditos gold diggers em busca de divórcios premeditados. Não obstante, a proteção conferida pelo regime de bens aos nubentes é inteiramente ignorada pelo direito sucessório. Independentemente do regime afeto ao matrimónio, o cônjuge sobrevivo considerar-se-á herdeiro legitimário e beneficiará da sua quoO agregador da advocacia

“Soluções astutas como a constituição de uma sociedade gestora do património com ações ao portador são, geralmente, menos eficientes do que aparentam e bastante dispendiosas”

ta parte na legítima do de cujus, em detrimento dos seus enteados. Quer isto dizer que, no que toca aos 2/3 de quota indisponível, o regime da separação de bens não releva mortis causa. O património que herdámos por fruto do trabalho dos nossos antepassados ou pelo qual tanto trabalhámos antes de casar, será repartido entre os nossos filhos e demais “terceiros” (cônjuge sobrevivo ou enteados). Ora, de modo a evitar tamanho desfecho, os progenitores terão de doar aos filhos todo o seu património antes de contraírem matrimónio. Na doação subsequente, mesmo sob o regime da separação, como o cônjuge meeiro seria considerado herdeiro legitimário dos bens que estão a ser doados, po-

derá este exigir tornas na parte que lhe caberia em herança. Por conseguinte, os descendentes estariam protegidos do divórcio em virtude da separação de bens, mas da morte apenas pela doação anterior ao casamento. Assim, embora se reconheçam os inconvenientes práticos desta solução, será este o desenlace possível no nosso direito para os pais que queiram proteger o património vindouro dos seus próprios filhos e netos. Em revanche, sendo os filhos fruto daquele casamento, preclude-se a possibilidade de doação prévia ao casamento. Confrontamo-nos, então, salvo opinião contrária, com a injustiça tremenda de se partilharem os bens próprios do falecido (nomeadamente, os herdados e doados de e pelos seus antepassados) também por tais terceiros. São vulgares os clientes que se insurgem ao perceberem que parte/totalidade do seu património, fruto do trabalho dos seus pais e avós, será distribuído pelos seus filhos, pelo seu cônjuge e, perante a morte deste último, pelos filhos daquele (pessoas totalmente estranhas aos pais e avós do falecido). Pelo que, frequentes são também os processos em que os descendentes diretos são atacados por pessoas que nunca mantiveram qualquer contacto com o autor da herança. De resto, soluções astutas como a constituição de uma sociedade gestora do património com ações ao portador são, geralmente, menos eficientes do que aparentam e bastante dispendiosas. Permanecemos, pois, com um direito sucessório débil, desatualizado, desajustado e injusto perante as estruturas familiares atuais. No seio de tamanha convulsão legislativa, perguntamos como será possível ignorar um problema com esta magnitude.

Eduarda Proença de Carvalho Associada coordenadora da Uría Menéndez-Proença de Carvalho. É licenciada em Direito pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa e pósgraduada em Direito Comunitário pela mesma instituição.

Miguel Oliveira Martins Advogado da Uría Menéndez-Proença de Carvalho. É licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa – Escola de Lisboa. Conta com um LL.M em “International Comparative Law”, na Universidade de San Diogo – School of Law (EUA) e uma pós-graduação em Direito Internacional na Universidade de Montpellier (França).

Setembro de 2013

25


www.advocatus.pt

Opinião

Sociedades de advogados multidisciplinares Não acredito numa rápida disseminação de sociedades de advogados multidisciplinares em Portugal, mas não vejo que haja razões sérias para que se mantenha a sua proibição desde que devidamente regulamentadas.

Rui Pena Senior partner da CMS – Rui Pena & Arnaut. Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tem desenvolvido atividade principalmente na área do Direito Administrativo, com especial incidência no domínio da Contratação Pública, Energia e Ambiente.

26

Setembro de 2013

A deixa para esta discussão foi dada pela Lei 2/2013, de 10 de janeiro, sobre associações públicas profissionais, mas, por estranho que pareça, foram o Conselho Geral e o Bastonário que lhe deram o mote quando da proposta de revisão do nosso Estatuto. Como é sabido, estas sociedades são admitidas sem restrições no Reino Unido, na Alemanha, em Espanha, na Bélgica, na Suíça, ou, desde que não envolvam a partilha de lucros, também na Finlândia, na Dinamarca e na Suécia. Em Portugal, por enquanto, em França e na Holanda não são permitidas. Já há meia dúzia de anos, o artigo 25º da Diretiva 2006/123/CE, sobre serviços no mercado interno, preconizava que os respetivos prestadores não ficassem sujeitos a requisitos que os obrigassem a exercer exclusivamente uma atividade específica ou que limitassem o exercício conjunto ou em parceria de atividades diferentes. Mas, talvez por ressalvar expressamente o caso das profissões regulamentadas em garantia do respeito das respetivas regras deontológicas, não deu relevo à questão. Todavia, a recente lei nacional acaba por dizer o mesmo no artigo 27º quando permite afastar esta regra - de as sociedades profissionais poderem abranger outras profissões ou atividades - com fundamento no exercício de poderes de autoridade pública que a profissão comporte ou em razões imperiosas de interesse público ligada à missão que a profissão prossiga. As sociedades de advogados encaixam perfeitamente nesta ressalva, uma vez que a missão de interesse público que desempenham, como elemento essencial à administração da

“O pilar de toda a estratégia de uma sociedade de advogados é o seu compromisso com o cliente. Este sabe muito bem o que quer e é cada vez mais sofisticado e exigente. Não podemos deixar de o acompanhar, no nosso próprio interesse, na satisfação de todas as pretensões e necessidades”

justiça, tem até consagração constitucional no artigo 208º da CRP. A referida proposta de Estatuto, entretanto conhecida, veio admitir a existência, para além das sociedades de advogados constituídas apenas por advogados, sociedades de advogados e outros profissionais, sociedades de advogados e não profissionais (!), e sociedades de advogados, outros profissionais e não profissionais (!!). Já referi publicamente, quando a questão começou a ser ventilada, que não me parecia “vir mal ao mundo” com a abertura das sociedades de advogados a outros profissionais e até a entidades financeiras. Para além de solicitadores, é corrente existirem nos nossos escritórios gestores, engenheiros informáticos, controllers financeiros, técnicos de marketing, técnicos de recursos humanos, especialistas de gestão do conhecimento, e muitos outros profissionais altamente qualificados, além do pessoal administrativo e de secretariado. Todos têm, na prática, acesso a tudo o que os advogados fazem. E, muitas vezes, para fazer face a investimentos ou apoiar a tesouraria, também recorremos a instituições financeiras assumindo com elas os indispensáveis compromissos e repartindo o nosso lucro… Por outro lado, também não enjeitamos trabalhar com engenheiros e arquitetos em casos de urbanismo, com médicos e psicólogos em questões de família e com economistas e financeiros na montagem de operações ou na recuperação de empresas. Nestes casos, não se pode dizer que o facto de a sociedade ter capacidade para responder a todas as vertentes de determinada operação ou consulta O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

cerceia a liberdade do cliente ou aumenta o risco da operação proposta1. O pilar de toda a estratégia de uma sociedade de advogados é o seu compromisso com o cliente. Este sabe muito bem o que quer e é cada vez mais sofisticado e exigente. Não podemos deixar de o acompanhar, no nosso próprio interesse, na satisfação de todas as pretensões e necessidades, tendo o cuidado de lhe apresentar a melhor solução jurídica, válida e segura. Se ficarmos parados, outros tomarão o nosso lugar – a natureza tem horror ao vazio. O que importa é não descaracterizar a sociedade de advogados enquanto instrumento do exercício da advocacia, de acordo com os princípios que regem a nossa profissão: a independência e a liberdade na defesa dos interesses do cliente, o respeito do segredo profissional e da confidencialidade, a prevenção dos conflitos de interesses, a dignidade, a honra e a integridade, a lealdade para com o cliente, a competência profissional e o tratamento justo em matéria de honorários. Creio que é possível salvaguardar estes valores gerais da advocacia numa sociedade multidisciplinar. As críticas formuladas contra as sociedades multidisciplinares tendem a confundir a sociedade, pessoa coletiva, com cada um dos seus membros. Ora, quer o mandato forense, quer a consulta jurídica, embora em nome da sociedade, são exercidos por advogados. A sociedade não é advogado nem faz advocacia: a sua capacidade abrange apenas, na letra da lei, os direitos e obrigações necessários ou convenientes ao exercício em comum da profissão de advogado, mas exclui aqueles que sejam inseparáveis da personalidade singular. É aos advogados, e apenas aos advogados, que a constituição se refere no artigo 208º: a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. São os advogados e só os advogados que integram o Tribunal. A presença de outros profissionais numa sociedade de advogados não impede que assim continue a suceder e que aqueles se subordinem contraO agregador da advocacia

“O que importa é não descaracterizar a sociedade de advogados enquanto instrumento do exercício da advocacia, de acordo com os princípios que regem a nossa profissão: a independência e a liberdade na defesa dos interesses do cliente, o respeito do segredo profissional e da confidencialidade, a prevenção dos conflitos de interesses, a dignidade, a honra e a integridade, a lealdade para com o cliente, a competência profissional e o tratamento justo em matéria de honorários”

“As críticas formuladas contra as sociedades multidisciplinares tendem a confundir a sociedade, pessoa coletiva, com cada um dos seus membros. Ora, quer o mandato forense, quer a consulta jurídica, embora em nome da sociedade, são exercidos por advogados”

tualmente, não só a cumprirem e a respeitarem as regras deontológicas da nossa profissão, mas também a coresponsabilizarem-se pelo seu contributo na prestação de serviços ao cliente com os advogados. A sua participação só faz sentido se for no interesse da sociedade de advogados e se acrescentar mais-valia à sua capacidade. Obviamente não são os outros profissionais que vão exercer o patrocínio forense nem a consulta jurídica, mas tão-somente auxiliar os advogados no desempenho das suas funções. O sigilo e a reserva de confidencialidade devem ser assegurados pela sociedade de advogados também quanto aos sócios não advogados, tal e qual como já acontece hoje com os nossos empregados. Os eventuais conflitos de interesses têm de ser solucionados pela sociedade de advogados multidisciplinar, tal como também já acontece hoje com as sociedades de advogados constituídas exclusivamente por advogados, e seguindo escrupulosamente os mesmos critérios. A independência também não é afetada pela presença de não advogados, pois deve ser uma postura da própria sociedade face aos poderes instalados. Naturalmente, para que assim suceda, tem de se admitir o poder regulatório da Ordem e, no extremo, o seu poder sancionatório. Um e outro apenas respeitam naturalmente aos advogados, mas podem continuar a ser exercidos quanto a uma sociedade multidisciplinar tal como hoje acontece em situações de atropelo às regras sobre conflito de interesses ou outras determinações deontológicas, em que todos os sócios advogados podem ser responsabilizados … Considero, por isso, muito escasso referir, como consta da proposta apresentada pelo Conselho Geral, que as sociedades multidisciplinares devem respeitar a exclusividade dos atos de advogado e o regime de incompatibilidades e impedimentos e que devem assegurar aos associados advogados independência técnica, proteção da informação dos clientes e observação dos restantes deveres deontológicos. A Diretiva 2006/123/CE é mais explícita quando refere que deve ser garanti-

da também a prevenção dos conflitos de interesses, a independência própria da nossa profissão e a compatibilidade entre os requisitos deontológicos das atividades associadas, nomeadamente em matéria de sigilo profissional. Mas devemos ainda ir mais além para admitir a existência de uma sociedade de advogados multidisciplinar: A sua constituição deve ser objeto de autorização da Ordem; O pedido deve ser justificado e devidamente instruído com o curriculum-vitae dos sócios não advogados e com a declaração por parte dos mesmos de que no exercício da sua atividade vão respeitar as regras deontológicas dos advogados e, em especial, a prevenção de conflitos de interesses, o sigilo e a independência; A Ordem deve estender o seu poder regulatório a estas sociedades, podendo determinar a sua dissolução no caso de infringirem, de forma reiterada, as boas regras do exercício da advocacia; O domínio da sociedade - no sentido técnico (capital, votos, lucros) – deve pertencer a advogados; A sociedade deve respeitar a exclusividade dos atos de advogado e o regime de incompatibilidades e impedimentos, seja por advogados, seja por não advogados; Deve haver uma regulamentação pormenorizada da organização e funcionamento destas sociedades, com especial enfoque na transmissão de participações sociais; Os profissionais não advogados devem garantir contratualmente a proteção do segredo profissional e o acatamento das normas deontológicas dos advogados; Deve haver a corresponsabilização patrimonial dos sócios advogados e não advogados na prestação de serviços ao cliente, e ainda A responsabilidade disciplinar dos sócios advogados, a título de culpa in vigilando, por quaisquer infrações cometidas por outros profissionais não advogados. Não acredito numa rápida disseminação de sociedades de advogados multidisciplinares em Portugal, mas não vejo que haja razões sérias para que se mantenha a sua proibição desde que devidamente regulamentadas. Setembro de 2013

27


www.advocatus.pt

Internacionalização

O espaço francófono em África é uma das apostas da Miranda Alliance, que, em três anos, se instalou em quatro países. O último foi os Camarões e Rui Amendoeira, sócio executivo da Miranda Correia Amendoeira & Associados, diz ao Advocatus que a sociedade quer ser uma “referência para os investidores estrangeiros que atuam na região”.

Uma referência na África francófona

Um mercado emergente com taxas de crescimento assinaláveis, uma importante indústria petrolífera e estabilidade politica. Estes foram os “requisitos estratégicos” que levaram a Miranda a interessar-se pelos Camarões. O país é o mais recente membro da Miranda Alliance e o quarto mercado da África francó28

Setembro de 2013

fona a integrar a rede internacional da sociedade. Para esta operação, a Miranda estabeleceu uma parceria com o escritório local Abeng Law Firm, que será o responsável pelo acompanhamento dos clientes em territórios camaronês. O escritório parceiro da Miranda situa-se em Douala – cidade con-

siderada o centro financeiro do país – e foi fundado em 1998, pelo advogado Abeng Roland. Conta com uma equipa de dez advogados, com experiência nas áreas do Comércio e Investimento, Direito da Propriedade Intelectual, Direito Comercial e Recuperação de Créditos. A Miranda Alliance está atualmen-

te presente em Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Camarões, Gabão, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Houston (EUA), Macau, Moçambique, Reino Unido (Londres), República Democrática do Congo, República do Congo, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, e, agora, nos Camarões. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

DISCURSO DIRETO

Ser uma firma de referência para os investidores Advocatus | Porque é que a sociedade decidiu agora integrar os Camarões na rede Miranda Alliance? Rui Amendoeira | Os Camarões inserem-se no âmbito da expansão da nossa atividade no espaço da Africa Francófona. Trata-se de um país que preenche todos os requisitos estratégicos que definimos como necessários para integrar a Miranda Alliance: (i) é um mercado emergente com taxas de crescimento assinaláveis, (ii) tem uma importante indústria petrolífera, e (iii) estabilidade politica. Nesse sentido é o prolongamento natural da nossa presença noutros países vizinhos, nomeadamente a Guiné Equatorial, o Gabão, o Congo e a Republica Democrática do Congo.

O escritório parceiro da Miranda situa-se em Douala – cidade considerada o centro financeiro do país – e foi fundado em 1998, pelo advogado Abeng Roland

Advocatus | Que outros destinos da África Francófona podem ter interesse, a curto-prazo, para a Miranda? RA | Nos próximos tempos vamos concentrar o nosso trabalho no desenvolvimento e consolidação da nossa atividade nos países em que já temos presença: Gabão, Congo, República Democrática do Congo e Camarões. A nossa expansão para estes países realizou-se num espaço de tempo relativamente curto - cerca de três anos - e importa agora consolidar a nossa estrutura antes de nos expandirmos para outros mercados. No entanto, estamos atentos às oportunidades que forem surgindo e existem outros países na região que podem ser interessantes para a Miranda, nomeadamente o Chad, a Costa do Marfim, a Mauritânia e a Guiné Conacry.

Advocatus | Que tipo de negócios/sectores é que podem ser relevantes nos Camarões para os clientes da Miranda Alliance? RA | A economia dos Camarões está em franco crescimento e existem oportunidades para os nossos clientes em vários sectores. Como mais importantes, destacamos o sector petrolífero, recursos minerais em geral, agricultura, logística e transportes, infraestruturas e sector bancário. Advocatus | Há quanto tempo é que a Miranda mantém relações com o escritório parceiro de Douala? RA | Há cerca de quatro anos. Advocatus | A Miranda pondera enviar para Douala algum advogado/a português? RA | Sim, está previsto o envio de dois ou três advogados de Lisboa para os Camarões em regime de permanência ou rotação conforme as necessidades. O agregador da advocacia

Advocatus | Qual a estratégia da Miranda para a África Francófona? RA | Ser uma firma de referência para os principais investidores estrangeiros que atuam na África Francófona. Em particular, queremos consolidar a nossa presença no sector petrolífero, recursos minerais em geral, logística e transportes e infraestruturas.

Esses advogados serão portugueses e/ou franceses. A equipa francófona baseada em Lisboa integra neste momento 12 advogados, sendo que a maioria é de nacionalidade estrangeira, nomeadamente francesa, belga e congolesa.

Rui Amendoeira

Advocatus | Que diferenças é que existem entre fazer advocacia de negócios na África Lusófona e na Francófona? RA | Existem mais semelhanças do que diferenças ao nível do ambiente de negócios e das exigências dos clientes que são parecidas em qualquer mercado. Não obstante, para uma firma de matriz portuguesa, naturalmente que as maiores diferenças se situam no plano da menor familiaridade com a língua (francês) e o quadro jurídico (de matriz francesa/belga). Setembro de 2013

29


www.advocatus.pt

Entrevista

Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt

O peso relativo da carga de trabalho dos advogados seniores é muitíssimo maior porque hoje “há muito pouco trabalho standard” e isso exige uma formação adequada para a abordagem de matérias jurídicas complexas. Esta é uma das principais consequências da crise na atividade das sociedades de advogados diagnosticadas por Fermín Garbayo, responsável pelo escritório de Lisboa da sociedade espanhola Goméz-Acebo & Pombo (GA&P), que está em Portugal desde 2010.

Fermín Garbayo, Gómez-Acebo & Pombo (GA&P)

Há pouco trabalho standard

30

Setembro de 2013

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Advocatus | O que é hoje o escritório da Gómez-Acebo & Pombo (GA&P) em Portugal? Fermín Gerbayo | Somos neste momento 27 advogados, num total de 36 pessoas, e estamos divididos em três grandes áreas: Direito Público, Direito Privado e Contencioso. Na primeira fazemos Contratação Pública, Urbanismo, Meio Ambiente e Direito Público “puro e duro”. Na área do Direito Privado trabalhamos essencialmente fusões e aquisições e banca e finanças. A área de Contencioso, pela sua natureza, não necessita de apresentação. Também temos unidades de apoio nas áreas Fiscal, Laboral e Propriedade Intelectual, que são mais pequenas e dão apoio às principais áreas de atuação do escritório. É possível que este modelo vá evoluir pois onde temos mais margem de crescimento neste momento é nestas áreas de apoio, que, pouco a pouco, se irão converter em áreas autónomas e geradoras de negócio. A GA&P está em Portugal desde 2010.

“A nossa base de clientes em Espanha tem forte implantação no país e quase sempre tem uma presença em Portugal. Por comodidade e eficiência na gestão dos recursos é normal que quem gere os assuntos em Espanha também o faça em Portugal, portanto era um destino natural”

Advocatus | Porque é que tomou a decisão de vir para Portugal? FG | A nossa base de clientes em Espanha tem forte implantação no país e quase sempre tem uma presença em Portugal. Por comodidade e eficiência na gestão dos recursos é normal que quem gere os assuntos em Espanha também o faça em Portugal, portanto era um destino natural. Hoje temos um importante grupo de empresas a que prestamos serviços nos dois países e esse era um dos nossos objetivos. Advocatus | Também têm clientes portugueses a que prestam serviços em Espanha? FG | Muito menos. Também existe, mas é uma atividade que poderemos considerar residual. O que já tem acontecido é angariarmos clientes em Portugal que são sucursais de empresas espanholas ou estrangeiras e através dessa sucursal entrar em Espanha. Advocatus | Porque é que a GA&P optou por entrar diretamente com um escritório e não através de uma associação ou aquisição de uma sociedade portuguesa? FG | No passado já tivemos associa>>> O agregador da advocacia

“Somos neste momento 27 advogados, num total de 36 pessoas, e estamos divididos em três grandes áreas: Direito Público, Direito Privado e Contencioso”

“Do ponto de vista do tipo de clientes para os quais trabalhamos agora temos um volume muito importante de matérias, tanto em Espanha como em Portugal, que nos são referidas por fundos de investimento que procuram oportunidades” Setembro de 2013

31


www.advocatus.pt

Entrevista

>>>

ções e na realidade o que queríamos naquele momento era selecionar os advogados que mais nos convinham em cada uma das áreas e não um escritório de grandes dimensões. Na minha opinião, foi melhor a opção tomada de identificar advogados adequados para cada uma das áreas e mantermo-nos com um número de advogados reduzido. Esta não é uma sociedade que, por vocação, terá 100 advogados pois essa não é a nossa linha estratégica.

“Numa grande quantidade de assuntos a diferença principal entre o trabalho que fazíamos antes e o que temos agora é que, atualmente, o peso relativo da carga de trabalho dos advogados seniores é muitíssimo maior”

Advocatus | De que forma é que a crise na zona euro tem afetado a atividade da GA&P? FG | Tem afetado de uma forma muito importante. Posso falar de dois aspetos: um mais positivo e outro mais preventivo. O primeiro tem a ver com um controlo muitíssimo maior sobre o orçamento, a faturação e os pagamentos, para evitar a acumulação de problemas no futuro. O segundo tem a ver com facto de termos que trabalhar para um tipo de cliente que até há uns anos não era o habitual, “Esta não é uma sociedade que, por vocação, terá 100 advogados pois essa não é a nossa linha estratégica”

HISTÓRIA

Uma sociedade pioneira Conceber uma sociedade para ser a primeira, em Espanha, com projeção internacional foi o que moveu, em 1971, os advogados Fernando Pombo e Ignacio Gómez-Acebo para criar a Goméz-Acebo & Pombo (GAP). No site da sociedade pode ler-se que “foram os primeiros a prestar serviço a clientes internacionais que precisavam de apoio no mercado espanhol e procuravam excelência e proximidade cultural”. Criaram um “serviço de excelência” que se mantém até hoje, tendo sido cumprido o objetivo da internacionalização. Muitas das empresas e organizações para as quais trabalham estão com a sociedade desde

32

Setembro de 2013

o seu início. Fernando Pombo nasceu em Santander em 1943 e faleceu em 2011. Foi presidente da firma até à sua morte. Estudou Filosofia e Direito nas Universidades de Oviedo e Complutense de Madrid. Ignacio Gómez-Acebo foi presidente honorário da firma até falecer, em 27 de março de 2011. Na década de setenta foi membro fundador de um grupo de intelectuais, políticos e jornalistas espanhóis que pretendia estimular as ideias da democracia cristã na sociedade espanhola. Era licenciado em Direito pela Universidade Complutense em Madrid e pela Universidade de Salamanca. Iniciou

a sua carreira numa pequena agência de propriedade industrial, por cujo processo de internacionalização foi o principal responsável. A Gómez-Acebo & Pombo está em Portugal desde 2010. Tem uma equipa composta por advogados portugueses que prestam um serviço full service aos clientes da sociedade nos diversos ramos do Direito. Em agosto foram nomeados três novos sócios para o escritório de Lisboa: Mafalda Barreto (áreas de Comercial e Societário e Bancário e Financeiro), Paulo Nogueira da Rocha e Ricardo Campos (áreas de Administrativo e Regulatório e Arbitragem).

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

“A abertura de um escritório em Nova Iorque e outro em Lisboa fechou um ciclo na sociedade que era o de estar em locais onde é importante ter uma presença. Julgo que agora se pode abrir um novo ciclo de estar presente em locais que possam trazer alguma mais-valia”

num tipo de operações que, especialmente no mercado português, não eram nada habituais, e com um tipo de advogados distintos dos com que trabalhávamos no passado. Advocatus | Pode dar alguns exemplos? FG | Do ponto de vista do tipo de clientes para os quais trabalhamos agora temos um volume muito importante de matérias, tanto em Espanha como em Portugal, que nos são referidas por fundos de investimento que procuram oportunidades. Esta é uma atividade em contraciclo pois esses fundos encontram hoje muitas oportunidades de negócios que não encontravam anteriormente. Esses fundos sempre existiram mas os seus mercados naturais não eram nem Portugal nem EsO agregador da advocacia

“Há muito pouco trabalho standard. Para isso precisamos de advogados que, para além de conhecerem em profundidade o negócio do cliente, tenham a formação jurídica adequada para a abordagem de matérias jurídicas complexas”

panha. A segunda diferença que verificamos é que estão a surgir oportunidades de negócio que não existiam ou eram reduzidas como, por exemplo, o processo das privatizações em Portugal – e nós estivemos envolvidos em algumas dessas operações – ou os processos de desinvestimento de grupos tradicionais portugueses que agora precisam de financiamento, que não encontram. Portanto, esta situação de crise gerou oportunidades de negócio que não existiam no passado. Para nós significou a possibilidade de desenvolver trabalho numa área que não tínhamos encontrado noutros momentos e com um tipo de cliente que é distinto, pois não se trata do cliente tradicional português, e onde também encontramos os fundos soberanos. Isto leva-nos à última das diferenças: as operações >>> Setembro de 2013

33


www.advocatus.pt

Entrevista

>>>

“Quando procuro clientes o meu objetivo é conseguir a maior quantidade possível, se forem cotados em bolsa em Portugal ou Espanha, melhor”

“Entre Portugal e Espanha há muitas semelhanças mas também muitas diferenças. Por exemplo, no tratamento das pessoas, no nível de formalidade na comunicação, no tipo de preocupações dos advogados. Custou-me um pouco pois estava habituado a um registo mais flexível e informal” 34

Setembro de 2013

são hoje todas atípicas e é aqui que reside a diversidade também em relação ao tipo de advogados com que trabalhamos - hoje os que têm mais carga de trabalho são os seniores. O trabalho comoditizado é muito pequeno e temos uma grande quantidade de trabalho que é muito específico e que exige a atenção imediata de um associado sénior e de um sócio. Numa grande quantidade de assuntos a diferença principal entre o trabalho que fazíamos antes e o que temos agora é que, atualmente, o peso relativo da carga de trabalho dos advogados seniores é muitíssimo maior. Todos os clientes estão a tratar de questões de insolvências, venda de ativos e dívida, especialmente num contexto de potencial incumprimento, questões fiscais complexas… Há muito pouco trabalho standard. Para isso precisamos de advogados que, além de conhecerem em profundidade o negócio do cliente, tenham a formação jurídica adequada para a abordagem de matérias jurídicas complexas. Advocatus | Que tipo de alterações é que a sociedade teve de fazer para se adaptar a essas mudanças? FG | Por um lado através da intensificação da formação interna e externa dos seus advogados e, por outro, por um maior esforço dos sócios e associados seniores, pois são eles que têm os conhecimentos suficientes para tratar com êxito esses clientes com necessidades específicas. Por exemplo, eu tive que deixar de prestar tanta atenção ao dia-a-dia da sociedade para passar a tratar diretamente de operações. Advocatus | Foi difícil a uma sociedade espanhola implantar-se em Portugal? FG | Sim. Advocatus | E quais foram as principais dificuldades? FG | Bom, depois de tanto tempo passado após a nossa chegada as coisas parecem já mais fáceis. Estamos instalados, em velocidade de cruzeiro e com uma equipa de advogados que consideramos, neste

momento, ajustada às nossas necessidades. Entre Portugal e Espanha há muitas semelhanças mas também muitas diferenças. Por exemplo, no tratamento das pessoas, no nível de formalidade na comunicação, no tipo de preocupações dos advogados. Custou-me um pouco pois estava habituado a um registo mais flexível e informal. Em Portugal há muita formalidade. Digo isto não como uma apreciação negativa, mas sim positiva. Também eu aprendi muito, pode-se ter uma relação muito adequada com os clientes e no relacionamento interno no escritório. A formação dos advogados portugueses é muito boa e portanto a forma que assumem as relações pessoais é sempre fluída. Advocatus | Os portugueses queixam-se muito da Justiça que têm. A sociedade confronta-se com esses problemas? Eles causam alguns problemas a investidores estrangeiros, por exemplo? FG | Sim, causam. Creio que o problema que existe no sistema de Justiça português e que é comum a muitos países, mesmo a Espanha, é a lentidão – e falo de uma área que me diz diretamente respeito, a do Direito de Insolvências. A Justiça é lenta e quando isso acontece na área das insolvências deixa de ser justiça. A grande maioria das reformas encaminhava-se para otimizar a recuperação de créditos por parte dos credores, mas a lentidão da justiça faz com que todas as reformas sejam inoperativas ou que, em grande parte delas, se tenham perdido os benefícios que podiam ter gerado. Advocatus | Há muitas semelhanças entre Portugal e Espanha no que diz respeito ao mercado das sociedades de advogados? Têm os mesmos problemas? FG | Eu creio que sim. Os problemas são semelhantes. Advocatus | A GA&P tem, entre os seus clientes, muitas empresas cotadas em bolsa. É uma estratégia? Foi acontecendo? FG | É uma sorte…Eu creio que é muito difícil estar sempre a estabelecer linhas estratégicas. QuanO agregador da advocacia


www.advocatus.pt

do procuro clientes o meu objetivo é conseguir a maior quantidade possível, se forem cotados em bolsa em Portugal ou Espanha, melhor. Em teoria todos queremos ter os melhores e os maiores clientes e os que pagam melhor mas depois a realidade é bem diferente. Advocatus | Portugal é visto como um trampolim para a comunidade lusófona ou nem por isso? FG | Está nas nossas preocupações e na nossa agenda, mas não no imediato. Grande parte das contratações que estamos a fazer destina-se a cobrir eventuais necessidades do mercado africano, especialmente o lusófono. Mas estas iniciativas têm que ser feitas com prudência pois são mercados muito complexos. Advocatus | A nível global quais são os eixos estratégicos da GA&P? Consolidar os mercados onde está presente? FG | A abertura de um escritório em Nova Iorque e outro em Lisboa fechou um ciclo na sociedade que era o de estar em locais onde é importante ter uma presença. Julgo que agora se pode abrir um novo ciclo de estar presente em locais que possam trazer alguma mais-valia. Advocatus | Como advogado e gestor de uma sociedade como é que olha para as fusões que estão a acontecer no mercado global da advocacia? FG | Costumo ser muito pruden-

te pois só gosto de falar daquilo que sei e conheço. Creio que as sociedades anglo-saxónicas têm possibilidades que as outras não têm. São elas que detêm expertise em direito inglês e americano que se usa como base jurídica em todo

o mundo para contratos e para arbitragens ou contencioso. Isso dá-lhes a possibilidade de crescerem mediante fusões entre iguais, em grandes mercados. Para as sociedades como a nossa não vejo que exista essa possibilidade.

Advocatus | Nunca esteve em cima da mesa uma fusão da GA&P com outra sociedade? FG | Em cima da minha mesa não… mas, se calhar, esteve em cima da mesa de quem decide essas matérias na sociedade.

RAIO-X

Faturação de quase 62 milhões em 2012 Ano da fundação: 1971 Número total escritórios: 10 Número de escritórios em Espanha: 6 Barcelona, Bilbau, Madrid, Málaga, Valência e Vigo Número de escritórios no exterior: 4 Bruxelas, Lisboa, Londres e Nova Iorque Número total de pessoas que trabalham na sociedade: 406 Número total de profissionais: 270 Número total de sócios: 62 Número total de pessoas da equipa de gestão: 136 Faturação: 61,9 milhões de euros (2012) Percentagem de empresas do IBEX 35 assessoradas nos últimos 5 anos: 62 % Percentagem de empresas do PSI-20 assessoradas nos últimos 5 anos: 57,9 % Percentagem de empresas do Eurostoxx 50, Dax 30, Cac 40 e Dow Jones assessoradas nos últimos 5 anos: 50 %

“Grande parte das contratações que estamos a fazer destinam-se a cobrir eventuais necessidades do mercado africano, especialmente o lusófono. Mas estas iniciativas têm que ser feitas com prudência pois são mercados muito complexos” O agregador da advocacia

Percentagem de empresas do FTSE 100 e do NIKKEI 225 assessoradas nos últimos 5 anos: 50 % Percentagem de sócios que foram incluídos como advogados especialistas nas suas correspondentes especialidades nos diretórios Chambers and Partners Global and Europe, Legal 500, IFLR 1000 e Best Lawyers: 72,6 %

Fonte: www.gomezacebo-pombo.com

Setembro de 2013

35


www.advocatus.pt

Mediação

A mediação e a arbitragem estão a crescer na comunidade lusófona e por isso é preciso “vencer este desafio porque geoestrategicamente o espaço lusófono é uma enorme oportunidade. Aproveitando-a conseguimos uma posição forte neste mundo global e competitivo”. Quem o afirma é Fernando Tonim, presidente do Instituto de Mediação e Arbitragem Internacional (ILMAI), uma instituição vocacionada para a formação profissional de mediadores e árbitros.

Espaço lusófono é uma oportunidade

Advocatus | Como definiria a situação atual da mediação de conflitos em Portugal? Fernando Tonim | Atualmente, a mediação e a arbitragem estão a ganhar um considerável campo de atuação em Portugal devido à crise que também se vive no setor da justiça. A forma tradicional de 36

Setembro de 2013

resolução de conflitos, ou seja a judicial, tem-se revelado incapaz de responder em tempo útil ao enorme aumento dos conflitos. Para além disso, não tem conseguido acompanhar a evolução das relações económicas e sociais cada vez mais complexas. Assim, os particulares e as empresas têm vindo a valorizar

“A chave para reanimar a mediação e a arbitragem nos PALOP é a formação”

a resolução extrajudicial de conflitos como uma ferramenta célere, ágil, segura e discreta, um serviço que os tribunais comuns não oferecem. Advocatus | É necessária mais legislação sobre o assunto? FT | É preciso ainda harmonizar e consolidar as leis de arbitragem enO agregador da advocacia


www.advocatus.pt

tre os vários países da CPLP. Desta forma alcançamos um espaço lusófono de resolução extrajudicial de conflitos, estimulando as relações económicas e sociais entre os países de língua portuguesa. Advocatus | Quais são os conflitos que, em Portugal, precisam de mais mediação? FT | Em Portugal, podemos destacar quatro áreas onde a arbitragem e a mediação são mais necessárias e podem produzir efeitos bastante positivos. Em primeiro lugar, os conflitos de caráter comercial, sobretudo a nível da cobrança de dívidas. Em segundo, os litígios resultantes de empreitadas tanto de caráter público como privado. Em terceiro, os litígios na área do direito ao consumo. Aqui têm surgido diversas iniciativas governamentais para apoiar e promover formas de resolução alternativa de conflitos, mas há ainda muito a fazer. Por último, as questões laborais e os arrendamentos também merecem reflexão sobre a oportunidade e o desenvolvimento da arbitragem e mediação de conflitos. No entanto, temos de reconhecer que a mediação e a arbitragem têm vindo a ganhar terreno: o governo ampliou o âmbito e promove a resolução extrajudicial de conflitos. Advocatus | O que distingue a mediação da arbitragem? FT | A mediação pode ser definida como o processo onde o mediador procura formal ou informalmente uma solução para um litígio, aceitável para as partes envolvidas. O mediador não tem poder para acabar com o diferendo ou impor uma decisão. A arbitragem é o processo formal através do qual as partes aceitam, de comum acordo, submeter o seu diferendo a uma terceira pessoa, o árbitro, que tem por missão pôr fim ao litígio depois de ter ouvido e analisado os respetivos argumentos. A arbitragem distingue-se, assim, da mediação e da conciliação porque põe fim ao litígio e a sua decisão obriga as partes. Podemos dizer que se assemelha mais a uma “justiça privada”, já que permite às partes escolherem o juiz. O agregador da advocacia

“Portugal poderá representar um papel de relevância para a comunidade lusófona. Todas as atividades que já desenvolvemos nesta área dão provas do empenho contínuo e colocam-nos numa posição de liderança”

Advocatus | Em termos de arbitragem, Portugal pode ter ambições em ser um centro a nível mundial para a comunidade lusófona? FT | Portugal poderá representar um papel de relevância para a comunidade lusófona. Todas as atividades que já desenvolvemos nesta área dão provas do empenho contínuo e colocam-nos numa posição de liderança. A par do desenvolvimento e da atualização constantes da legislação nestas áreas, Portugal tem apostado fortemente na formação de mediadores e árbitros em toda a CPLP. O país tem todas as condições para desempenhar um papel de destaque, no que respeita à arbitragem, nos grandes projetos de investimento e contratos entre sociedades comerciais. Consciente da importância crescente dos instrumentos alternativos para o desenvolvimento das empresas e da economia em geral, Portugal pode contribuir para fortalecer e reforçar a consolidação das relações comerciais no espaço lusófono. Advocatus | Como analisa a situação da arbitragem e mediação na comunidade lusófona? FT | Na comunidade lusófona, a mediação e a arbitragem estão a crescer. O desafio é enorme, uma vez que tentamos unir países geograficamente afastados, em diferentes estados e ritmos de desenvolvimento e cada um já com experiências tradicionais muito próprias na mediação e arbitragem. Temos de vencer este desafio porque geoestrategicamente o espaço lusófono é uma enorme oportunidade. Aproveitando-a conseguimos uma posição forte neste mundo global e competitivo. Os instrumentos de resolução extrajudicial de conflitos são o motor para economias mais rápidas, eficazes e credíveis. Advocatus | Porque é que decidiu criar o ILMAI e que balanço faz da sua atividade? FT | Criei o ILMAI em finais de 2010 porque tinha identificado que a chave para reanimar a mediação e a arbitragem nos PALOP é a formação. As estruturas e a legislação existem, mas falta o pessoal qualificado. Uma vez que cada contrato internacional

prevê hoje uma eventual resolução alternativa de conflitos, o crescimento e o desenvolvimento das economias africanas passam por uma justiça alternativa a funcionar em pleno. Também para as economias internas, a mediação e a arbitragem contribuem muito para um aumento de produtividade e competitividade. O ILMAI está a funcionar há dois anos e meio, assim é cedo para fazer um balanço, mas penso que temos dado um forte contributo para desenvolver a mediação e arbitragem em português e a nível da CPLP. Advocatus | Quantos cursos/formações é que o ILMAI já deu? Quantas pessoas já formou? FT | Desde o início de 2011, realizámos um total de nove ações entre as quais seminários e conferências: quatro em Portugal, três em Cabo Verde, uma em Luanda e uma em Maputo. Atualmente, formamos cerca de 100 licenciados por ano. Falo em licenciados porque os nossos cursos podem enriquecer várias carreiras. Não se destinam apenas a advogados. Também no coaching, nos recursos humanos e na gestão, por exemplo, uma especialização em mediação e arbitragem pode ser uma preciosa mais-valia. Dotamos os formandos de competências que permitam detetar, prevenir e resolver situações de tensão ou de conflito para serem capazes de mediar de forma imparcial, independente e diligente. Gostaria de destacar um congresso sobre as condições jurídicas e institucionais para investimentos em África realizado em Luanda pelo ILMAI. Este evento concretizou-se em parceria com a UIA – Union Internationale des Advocats – e estiveram presentes 220 advogados. Foi a primeira vez que a UIA realizou um congresso num país de língua oficial portuguesa. Ainda gostaria de mencionar, como outro exemplo, o congresso da UIA que se realiza de 31 de outubro a 4 de novembro em Macau. No meu discurso, como representante dos PALOP na UIA, pretendo abordar o efeito catalisador dos meios alternativos de resolução de conflitos na melhoria do ambiente de negócios na CPLP. Setembro de 2013

37


www.advocatus.pt

Jorge Brito Pereira nomeado chairman da ZON Optimus José Pedroso de Melo e Ivone Rocha são os novos reforços da SRS Advogados. Transitando da CCA, José Pedroso de Melo é especialista em Direito Fiscal e irá integrar a equipa dessa área. Por seu lado, Ivone Rocha irá coordenar a área de Ambiente do escritório, funções que desempenhava anteriormente na JPAB. João Monge de Gouveia é novo membro da equipa de Contencioso da PBBR. O advogado conta com 12 anos de experiência, em áreas como Contencioso Civil, Comercial, Penal, Laboral, Insolvência e Recuperação de Empresas, Arbitragem, Direito do Consumidor, Direito dos Seguros e Direito da Propriedade Intelectual. Jorge Bleck é o novo sócio da Vieira de Almeida & Associados (VdA), o advogado será o responsável pela coordenação da área de M&A e Corporate Finance da sociedade. Jorge Bleck irá também integrar o conselho de administração da firma, órgão liderado pelo managing partner João Vieira de Almeida.

Managing partner de escritório norte-americano leciona na Católica O managing partner da Pepper Hamilton LLP, James Rosener, é o mais recente membro do corpo docente da Católica Global School of Law. O advogado norte-americano irá lecionar um seminário no “Advanced LL.M in International Business Law”. No seminário “The Practice of Transnational Business Lawering”, James Rosener irá partilhar a sua experiência em Transações Internacionais, Private Equity, Fusões e Aquisições e Financiamento Corporativo. A Pepper Hamilton LLP é uma conhecida sociedade de advogados com sede em Nova Iorque, EUA.

O advogado tem uma carreira de mais de 30 anos, com representação de fundos de capital privado nacional e estrangeiro em operações em mais de 70 países, incluindo acompanhamento de aquisições em caso de falência e reestruturações. Atua regularmente como consultor jurídico internacional para emissores e subscritores em ofertas públicas na Índia, Reino Unido e outros países da Europa. O “Advanced LL.M. in International Business Law” destina-se a advogados e outros juristas com vários anos de experiência.

O sócio da PLMJ Jorge Brito Pereira foi o escolhido para ocupar o cargo de chairman da ZON Optimus. O advogado assessora juridicamente Isabel dos Santos. Jorge Brito Pereira é atualmente sócio da PLMJ, trabalha essencialmente nas áreas de prática de Financeiro & Bancário, Mercado de Capitais e Privatizações. O advogado é especialista em Corporate Governance, Fundos de Investimento e Private Equity. Faz ainda parte do Angola Desk.

O SITE DO ADVOCATUS EM AGOSTO As mais lidas Alterações ao Código do Processo Civil sob várias perspetivas Trinta anos felizes de advocacia O novo Código de Processo Civil PLMJ recebe 9ª edição do programa de estágios de verão A (polémica) lei de limitação de mandatos autárquicos executivos

As mais partilhadas no Facebook As coisas boas da vida

João Veiga Gomes foi recomendado como “Adviser of the Year” na área de Civil/Comercial Litigation em Portugal, pela Who’s Who Legal. O jurista da Abreu Advogados foi distinguido pelo trabalho que tem desenvolvido na área de Contencioso Civil e Societário.

Americana de 18 anos torna-se a mais jovem advogada em Inglaterra Há muito a rever na Constituição Goméz-Acebo & Pombo e UNL debatem a reforma laboral em Portugal e Espanha Contra a desjudicialização. Pela tutela jurisdicional efetiva

38

Setembro de 2013

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Arbitragem: Conselho Sub-40 com quatro novos membros A Comissão Coordenadora do Conselho Sub-40 da Associação Portuguesa de Arbitragem (APA) elegeu quatro novos membros. Os advogados António Júdice Moreira (PLMJ), Filipe Vaz Pinto (MLGTS), Pedro Sousa Uva (Miranda) e Sofia Ribeiro Mendes (BMA) foram os escolhidos para integrar o conselho. António Júdice Moreira é advogado na PLMJ, sociedade na qual integra a equipa de Arbitragem. Por seu lado, Filipe Vaz Pinto trabalha na MLGTS, na equipa de Contencioso e Arbitragem atuando essencialmente em procedimentos arbitrais e processos judiciais relacionados. Pedro Sousa Uva integra a equipa da Miranda Correia Amendoeira & Associados, na área de Contencioso judicial e arbitral. Por fim, Sofia Ribeiro Mendes exerce na BMA Advogados trabalhando em processos judicias e arbitrais, assim como no aconselhamento legal em matérias como a responsabilidades civil e comercial. Esta comissão foi criada em setembro de 2011 e pretende abranger os associados mais jovens da APA.

Assine o Advocatus e fique descansado Farto de informação negativa que só lhe provoca mal-estar, ansiedade e stress? A melhor terapia é assinar o Advocatus. Porque, neste caso, a informação dá-lhe prazer. A assinatura do Advocatus inclui um programa gratuito de relaxamento e diversão na Odisseias. É uma oportunidade única para, gratuitamente, melhorar a saúde física e mental.

Veja em www.odisseias.com o programa que mais lhe agrada Be Cool Baptismo de mergulho, Baptismo de Moto 4, Bridge Jumping, Canoagem, Baptismo de Windsurf, Back Massage, Bob cat Experience, Segway Discover ou Speed Boat Be Happy Massagem Sweet Escape, Spa Experience, Esfoliação de Chocolate, Aula de Maquilhagem, Aula particular de esgrima, Cook Experience, Gocar City Break ou Baptismo de Moto 4

Para receber, na volta do correio, o voucher do programa escolhido basta assinar o Advocatus – o agregador dos Advogados. Com o Advocatus fica informado e… fica descansado. Não é todos os dias que tem uma oferta destas.

Duas firmas portuguesas na shortlist dos FT Innovative Lawyers Awards A PLMJ e a Vieira de Almeida & Associados (VdA) são as duas sociedades portuguesas nomeadas para a shortlist da edição de 2013 dos Financial Times (FT) Innovative Lawyers Awards. Os vencedores serão conhecidos a 3 de outubro, numa cerimónia oficial, em Londres, Inglaterra. A estes prémios concorrem também outras cinco firmas com presença em Portugal, são elas a CMS; Cuatrecasas, Gonçalves Pereira; Garrigues; Linklaters e Uría Menéndez. O agregador da advocacia

O agregador da advocacia

www.advocatus.pt

Toda a informação por 180 €

Envie para: Advocatus • Av. Infante D. Henrique, nº 333 H, 37 44 • 1800-282 Lisboa

SIM, desejo assinar o jornal Advocatus com o custo total de 180€ (12 edições; oferta de voucher Odisseias).

Formas de pagamento:

Transferênciabancária Transferência bancáriapara paraooNIB NIB0010 0010 0000 0000 43265960001 43265960001 81.81. Envio Envio do do comprovativo comprovativo parapara o faxo210 fax 435 210 935 435ou 935 através ou através do email do email assinaturas@briefing.pt assinaturas@ Cheque à ordem de Enzima Amarela Edições Lda. • Av. Infante D. Henrique, nº 333 H, 37 • 1800-282 Lisboa briefing.pt

Cheque à ordem de Enzima Amarela Edições Lda. • Av. Infante D. Henrique, nº 333 H, 44 • 1800-282 Lisboa O voucher voucher Odisseias Odisseias será será entregue entregue após após boa boa cobrança. cobrança. O Be Cool

Be Happy Assinatura

Setembro de 2013

39


www.advocatus.pt

www.advocatus.pt

ONU: Nomeado jurista português

RFF & Associados distinguida pelo International Tax Review

O atual diretor-geral do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o jurista Miguel Serpa Soares, foi nomeado secretário-geral adjunto para os Assuntos Jurídicos da Organização das Nações Unidas (ONU), diz a instituição em comunicado. O português, que substitui no cargo a irlandesa Patricia O’Brien, desempenha as atuais funções no MNE desde 2008 e é membro desde 2010 do Tribunal Permanente de Arbitragem, sediado em Haia. “Serpa Soares transporta consigo uma ampla experiência no setor jurídico, incluindo um profundo conhecimento das especificidades da política internacional e das inovadoras abordagens negociais, tendo representado o seu país em diversos fóruns bilaterais e multilaterais “, diz o comunicado. Serpa Soares nasceu em Angola, em 1967, e licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1990.

GA&P celebra acordo com FDUNL

A Gómez-Acebo & Pombo (GA&P) e a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL) estabeleceram um protocolo de cooperação, com o intuito de desenvolver projetos de formação nas áreas do Direito do Trabalho e do Direito da Segurança Social. Com este acordo, a sociedade garante um estágio remunerado ao melhor aluno da licenciatura e um prémio até 1.500 euros ao melhor aluno do Curso de Extensão Universitária. No âmbito deste acordo tem lugar no dia 1 de outubro uma conferência sobre a “Reforma Laboral em Portugal e Espanha”. O protocolo contempla também a realização 40

Setembro de 2013

de um Curso de Extensão Universitária em Direito do Trabalho e da Segurança Social (2013/14), assim como a organização de outras iniciativas e eventos conjuntos. A GA&P pretende ainda premiar os melhores alunos, com os “Prémios Gómez-Acebo & Pombo”, destinado ao melhor aluno da licenciatura, na cadeira de Direito do Trabalho, conquistando um prémio de 500 euros. O estudante que conquistar a melhor classificação no Curso de Extensão Universitária recebe 1.500 euros como reconhecimento. Este protocolo tem a duração de três e será supervisionado por José João Abrantes (FDUNL) e David Carvalho Martins (GA&P).

A RFF & Associados marca presença na edição do “World Tax 2014”, sendo destacada pelo diretório International Tax Review como sociedade líder na área de Direito Fiscal. Rogério Fernandes Ferreira é o sócio fundador da firma, a qual foi criada em maio do ano passado. A International Tax Review é uma publicação especializada em Direito Fiscal, que valia as diversas

sociedades e consultoras líderes no sector. Na edição de 2014 do World Tax, o diretório analisa 56 jurisdições/ áreas, contando com uma equipa internacional de jornalistas especializados em Direito. Os rankings baseiam-se nas recomendações dos diretores e consultores fiscais de empresas multinacionais e consultoras de todo o mundo.

TTR: PLMJ assessorou “Transação do mês”

A PLMJ prestou assessoria jurídica na operação de fusão que envolveu a ZON Multimédia e a Optimus. Operação que foi assinalada pela TTR – Transactional Track Record como a “Transação do mês de julho”, em Portugal. De acordo com a análise mensal da TTR, julho foi um mês durante o qual se registou mais operações de fusões e aquisições, do que em qualquer um dos três meses anteriores. A TTR destaca como “operação mais relevante” a fusão das operadoras de telecomunicação ZON Multimédia e Optimus. O TTR – Transactional Track Record cobre as operações do mercado Latino-americano e Ibérico nas áreas de M&A, Private Equity, Ventures Capital, Capital Markets e Project Finance. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

O agregador da advocacia

Setembro de 2013

41


www.advocatus.pt

O livro de…

Ana Borgas

Ana Borgas Sócia da TLCB Advogados. Licenciada pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique, exerce, essencialmente, nas áreas de Direito Comercial/ Societário e Civil.

O livro da minha vida... não sei se já o li ou não, eles são tantos! Podia escrever sobre Isabel Allende, Valter Hugo Mãe, Miguel Sousa Tavares ou Gabriel García Márquez, de quem li todas as obras. Mas, o primeiro que me ocorreu foi Jorge Amado e dele, cuja vasta obra também li toda, refiro os “Capitães da Areia”. Foi um livro que me “prendeu” na adolescência motivada pelas emoções e vontades de aventura e romance próprias da idade, e que há pouco tempo reli, desta vez numa perspectiva diferente, mais amadurecida e mais crítica. Esta obra retrata «a vida de um grupo de menores abandonados, designados por ‘meninos de rua’, e procura mostrar não apenas os assaltos e as atitudes violentas da sua vida bestializada, mas também as aspirações e os pensamentos ingénuos comuns a qualquer criança vítima de um aparato policial que se destinava à perseguição pura e simples dos infractores, sem qualquer senso de justiça». Jorge Amado, numa escrita simples e fluida marcada, no entanto, por uma linguagem característica do meio onde os intervenientes estão inseridos, consegue colocar o leitor na mesma dimensão, como se ele próprio fosse mais uma personagem da trama ou confrontá-lo com a impossibilidade de alterar os códigos estabelecidos. É interessante referir que este livro escrito em 1937 se mantém actual em 2013, vendo a situação agravada por um mal maior, a droga. Nesta obra deparamo-nos com a ainda premente necessidade de integração social, sentido de família e códigos de conduta essenciais à boa formação de qualquer jovem adulto, cujas referências adquiridas serão adoptadas e retransmitidas por gerações. Assim, urge percebermos o quanto é nossa obrigação, quanto mais não seja, enquanto profissionais orientar através da nossa formação jurídica intervindo em prol de um bem maior: As Crianças!* *Artigo escrito segundo as regras do antigo acordo ortográfico. 42

Setembro de 2013

O agregador da advocacia


Office with a view

www.advocatus.pt

Uma paixão pelo Tejo

Da janela do escritório, Nuno Ferreira Leite Rua contempla diariamente o “típico movimento citadino que funde transeuntes anónimos por toda a Rua do Alecrim” num movimento a perder de vista até ao Cais de Sodré ou, no sentido oposto, até ao Largo de Camões. Contudo, para o sócio da FLRP, não há nada mais belo que o “movimento espelhado e harmonioso” do rio Tejo. Esta vista é a sua “maior companheira nos momentos e rituais de pausas diárias”, seja para um café, um cigarro ou para organizar ideias. Para o advogado, os minutos que “perde” a contemplar o que o rodeia são algo “terapêutico e calmante”. A agitação da rua - das pessoas que saem e entram dos vários estabelecidos - contrasta com a calma do rio. É ao Tejo que se sente mais ligado, com o seu “número de incógnitas que a passagem das águas deixa entrever”. Depois de milhares de idas à janela do escritório, o cenário continua a ter impacto em Nuno. Sente sempre uma “sensação de empatia e complemento entre a vista do exterior do escritório e o interior”. Na perspetiva do advogado, existem energias e sinergias que se “cruzam do lado de dentro e do lado de fora das janelas e varandas”. Numa sintonia perfeita com o estado de espírito que se vive no dia-a-dia do escritório. No caso da FLRP, a vista foi um critério determinante para a escolha do local do escritório de Lisboa. Nuno é um confesso admirador de paisagens com água, pelo que desde o início quis que o escritório permitisse um olhar sobre o rio. A água é um cenário que o escritório de Lisboa partilha com o gabinete de Leiria, o escritório parceiro em Cabo Verde e os escritórios europeus com que a sociedade coopera em diversos assuntos. Contudo, para Nuno Ferreira Leite Rua não há cidade como Lisboa… pois não há nada que supere a vista sobre o Tejo. O agregador da advocacia

Nuno Ferreira Leite Rua Sócio da FLRP. Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Setembro de 2013

43


www.advocatus.pt

Restaurante

Manuel Falcão diretor-geral da Nova Expressão

Estórias na casa da comida

CASA DA COMIDA

www.casadacomida.pt Reservas 213 860 889 ou 213 885 376 Aberto ao jantar, de segunda a sábado

Bem perto do Jardim das Amoreiras, um dos mais belos espaços de Lisboa, fica uma das referências gastronómicas da cidade - a Casa da Comida. Este restaurante foi obra de Jorge Vale e teve o seu apogeu nos anos 80 - tudo ajudava, desde a decoração ao serviço, mas sempre com a qualidade gastronómica em primeiro plano. Actor e grande contador de histórias, Jorge Vale abandonou os palcos e, no final dos anos 70 e nas décadas de 80 e 90, teve uma influência decisiva em restaurantes lisboetas. Depois do palco da Casa da Comédia, e antes da Casa da Comida, fez A Flor da Castilho (que marcou uma época), mas deixou também a sua marca no Conventual e no Xêlé Bananas. Mas foi na Casa da Comida que ele se excedeu - e conseguiu ganhar para o seu restaurante a primeira estrela Michelin atribuída em Portugal. As suas receitas foram reunidas no livro “4 estações na Casa da Comida”, que ainda se encontra com facilidade. Após a morte de Jorge Vale, em 2005, seguiu-se um período algo decadente e de alguma instabilidade. Há algum tempo uma sobrinha de Jorge Vale, Salomé Alcântara, decidiu remodelar o espaço e rebatizou-o como “estórias na casa da comida”. A cozinha foi entregue ao Chef Miguel Carvalho (que tinha estado no Arola e no Amarra o Tejo), numa tentativa de conciliar a tradição culinária portuguesa com alguma inspiração internacional e tendências e técnicas contemporâneas. A lista de vinhos, exemplar nas escolhas e razoável nos preços, é da autoria de Ricardo Morais. É tão atraente na seleção 44

Setembro de 2013

dos vinhos, quanto é insuportável no pretensiosismo das designações e evocações, com referências a estrelas de Hollywood, realizadores portugueses, escritores ou fadistas que enquadram os tipos de vinhos. É pena, porque as próprias listas, com reproduções de campanhas publicitárias de outros tempos, de produtos ligados à mesa, dispensavam bem esses jogos florais. Confesso que a nova decoração da Casa da Comida não me seduz muito - a acústica piorou e isso é das piores coisas que pode acontecer num restaurante. À mesa alguma da louça, de tão moderna, torna-se desconfortável porque não há como assentar os talheres sem eles entra-

rem em derrapagem descontrolada. Há uma espécie de primado da forma sobre o conteúdo - que aqui e ali contagia a própria comida. A refeição é salva pelo serviço, que é bom e atento, de facto pelos vinhos disponíveis e, irregularmente, pelas propostas da lista. Passo a explicar os amuse bouche de alheira estavam superiores. As entradas - bolinho de bacalhau com salada Waldorf e clementinas, e gaspacho com sardinha alimada e gelado de pepino - estavam acima das expectativas, embora as nozes da salada waldorf tivessem vindo escusadamente com um pouco de casca, dura demais para a generalidade da dentição humana. Passando aos pratos de substância,

o pregado com framboesa, puré de aipo e molho de maracujá não estava estonteante e deixava algumas dúvidas sobre a sua origem; o bacalhau de cura portuguesa confitado estava bom, a sua vinagreta de cebola e salsa era perfeita, assim como um interessante guisado de same - mas a natural intensidade destes componentes esfumava a espuma de grão de bico, que estava tão etérea que se tornava insípida. Ao nível das entradas esteve a sobremesa, uns magníficos “pastéis da infância do Chefe Miguel”, baseados numa receita conventual com aromas de alperce e alfazema. O vinho foi o Colares da Fundação Oriente. Para duas pessoas a conta foi de cerca de 100 euros.

banda sonora

Pavarotti The 50 Greatest Tracks Para assinalar os 50 anos do início das gravações de Pavarotti para a Decca, a editora reuniu num duplo CD 50 das suas interpretações mais célebres, que vão do telúrico “Nessun Dorma”, que abre o disco, até à Ave Maria de Bach, o dueto com Joan Sutherland em Brindisi, até repertório mais popular, de que nunca abdicou, como “O Sole Mio”, “Finiculi, Funicula”, “Granada” ou “Nel Blu, Dipinto de Blu” - Volare, se preferirem. O disco encerra com as colaborações que Pavarotti registou com Sting (“panis Angelicus”), com Eric Clapton (“Holy Mother”, com Stevie Wonder (“Peace Wanted Just To Be Free”), com Brian Eno e Bono e The Edge (“Miss Saravejo”) e com Frank Sinatra (“My Way”). O primeiro CD é consagrado ao repertório operático e o segundo ao lado mais ligeiro, que o tenor sempre explorou ao longo da sua carreira. No primeiro CD há gravações dirigi-

das por maestros como Zubin Mehta, Herbert von Karajan, James Levine ou Sir George Solti, entre muitos outros. Natural de Modena, Pavarotti começou a sua carreira em 1961 e morreu em 2007 com 71 anos, depois de uma carreira brilhante. Cantou em todos os grandes teatros de Ópera, com os grandes maestros do seu tempo e ao lado de sopranos como Joan Sutherland, decisiva nos primeiros anos da sua carreira. Foi um dos mentores do projeto “Os Três Tenores”, ao lado de Placido Domingo e Jose Carreras e não hesitava em gravar com artistas pop. Esta colectânea, espelha bem a diversidade da sua carreira e a sua enorme capacidade de adaptação a géneros musicais. (2xCD DEcca, distrbuição Universal).

O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Montra

As horas da Marinha A Panerai apostou num regresso à época em que, para preencher os requisitos da Marinha italiana, produziu relógios que funcionavam durante oito dias sem necessitarem de corda. E o resultado são os modelos Luminor Marina 8 Days e Luminor Marina 8 Days Oro Rosso, que introduzem um movimento de corda manual com oito dias de autonomia, tal como no passado.

Anjo ou demónio? A Givenchy criou uma nova versão do seu perfume Ange ou Démon: Le Secret Eau de Toilette foi pensado para expressar ambos os lados do charme enigmático da mulher. Apresentada como uma fragância etérea, ainda que intensamente sensual, assenta numa composição floral frutada chipre, com notas de topo gourmand e notas de coração sedutoras.

Evocação do mar Notas vibrantes e aromáticas caraterizam a fragrância masculina AQVA Marine, da BVLGARI. Dedicada a “homens de forte personalidade”, que respeitam “o poder supremo e a nobre beleza do mar”, conjuga essências de neroli bigarade e toranja, que conferem a frescura, de posidónia, que enfatiza a transparência da água, de flor de rosmaninho, que lhe dá um toque vivo e aromático, e de madeira de cedro branco, responsável por um toque mais seco e forte.

Pequenas colheitas A Caudalie inspirou-se nas castas-assinatura dos vinhos de Château Smith Haut Lafitte para as fragâncias de uma coleção de três cremes de mãos. “Feuille de Cassis” baseia-se nas notas redondas e ricas do Mertot para prometer sedução e caráter. “Miel de Vigne” evoca os aromes especiados e amadeirados do Cadernet para prometer um creme de suavidade solar. E “Pamplemousse Rose” é um concentrado de energia a partir das notas hesperídeas e fungentes do Sauvignon.

Inspiração a dois Os designers norte-americanos Tommy Hilfiegr e George Esquível juntaramse para criar uma coleção de sapatos para homem e mulher para a próxima estação. “Cápsula” é o resultado, com dois modelos – broegue e loafer – que conciliam um estilo vintage com uma abordagem moderna. Feitos à mão, são apenas 900 pares, cada um deles com um número único. O agregador da advocacia

Setembro de 2013

45


www.advocatus.pt

Os filmes de ...

Histórias de mafiosos, alienígenas e homens que superam os seus limites dominam as escolhas cinematográficas do advogado da RFF & Associados Pedro Saraiva Nércio.

Pedro Saraiva Nércio

01 02

Pedro Saraiva Nércio Associado da RFF & Associados. É licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e pós-graduado em Contencioso Tributário, pela Faculdade de Direito da Universidade Católica, e em Fiscalidade, pelo Instituto Superior de Gestão.

46

Setembro de 2013

Título: O Padrinho (The Godfather), 1972 Realizador: Francis Ford Coppola Protagonistas: Al Pacino, Diane Keaton, Marlon Brando História: Don Corleone é o patriarca de uma família de mafiosos e o protagonista do filme. A trama conta a história da ascensão deste clã siciliano e, posteriormente, a derrocada. Através deste filme entra-se no submundo da máfia através do dia-a-dia desta família.

Título: Alien - O Oitavo Passageiro (Alien – The 8th Passenger), 1979 Realizador: Ridley Scott Protagonistas: Sigourney Weaver, Tom Skerritt, Veronica Cartwright, Ian Holm, John Hurt História: Uma agressiva criatura alienígena invade uma nave de mercadorias e aloja-se no corpo de um dos tripulantes. Este alienígena – ainda em versão embrionária – não para de crescer e tem como objetivo matar toda a tripulação. Quem o conseguirá parar?

03

Título: A Vida é Bela (La Vitta è Bella), 1997 Realizador: Roberto Benigni Protagonistas: Giustino Durano, Nicoletta Braschi, Roberto Benigni História: Considerado um hino à vida, o filme conta a história do judeu Guido que vive numa pequena cidade de Toscana. É dono de uma pequena livraria e leva uma vida simples. No dia do aniversário do filho (Giosué) tudo muda. A família é presa pelas tropas alemãs e enviada para um campo de concentração. Recorrendo ao humor, Guido irá fazer tudo para sobreviver e minimizar o sofrimento de Giosué.

04

Título: Ferrugem e Osso (De rouille et d’os), 2013 Realizador: Jacques Audiard Protagonistas: Bouli Lanners, Marion Cotillard, Matthias Schoenaerts, Mourad Frarema, Yannick Choirat História: Ali vê-se desempregado e com o filho de cinco anos nos braços. Decide então partir para o sul de França, para a casa da irmã, que o irá ajudar a tomar conta da criança. Consegue um trabalho como segurança de uma discoteca e conhece Stéphanie, uma bela jovem a quem deixa um cartão… Pouco tempo depois, Stéphanie sofre um grave acidente e decide ligar a Ali. Uma decisão que irá mudar para sempre a vida de ambos.

05

Título: Clube de Combate (Fight Club), 1999 Realizador: David Fincher Protagonistas: Brad Pitt, Edward Norton, Helena Bonham Carter, Jared Leto, Meat Loaf, Zach Grenier História: Tyler Durden é o responsável pelo Fight Club, um clube que junta todos os fins-de-semana homens para lutarem até não poderem mais. Há unicamente três regras: nunca falar do Fight Club, quando alguém diz “stop” a luta termina, e, por fim, só podem haver dois homens na luta. Os “lutadores” são homens com bons empregos que quando voltam à vida normal se sentem capazes de suportar tudo. O agregador da advocacia




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.