Entrevista a António Vaz Carneiro

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Entrevista

Pedro Rodrigues Jornalista pedrorodrigues@briefing.pt

António Vaz Carneiro, guru da publicidade em medicamentos:

Ramon de Melo

“Comunicação da gripe A foi um desastre completo”

“A gripe A é um case study fascinante do que não se deve fazer. A comunicação foi o desastre completo, a OMS só fez asneiras, foi vexatório. A OMS pôs em causa a sua credibilidade, e ao pôr-se em causa a competência da OMS estamos todos a perder”, afirma António Vaz Carneiro, responsável pelo programa Harvard Medical School – Portugal, uma iniciativa inédita de comunicação em saúde, e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa 24

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O novo agregador do marketing.


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Briefing | A informação e comunicação sobre medicamentos precisa de uma regulamentação própria? António Vaz Carneiro | Não sei se é preciso propriamente regulamentá-la. O que é preciso é assegurar que a informação dada é relevante, de alta qualidade e verdadeira. A informação sobre medicamentos é importante para todos, em primeiro lugar para os doentes. É importante que sabiam para que servem, o que devem esperar e o que é que os medicamentos têm de positivo, mas também quais são os problemas, os efeitos adversos, inesperados e negativos. E como é que eles devem ser utilizados. Briefing | E o que é que é necessário fazer no sentido de garantir que a informação sobre um medicamento é fidedigna? AVC | Em primeiro lugar é preciso ter um sistema de informação formal, prospectivo, proactivo, dirigido aos cidadãos. Depois, informação para os profissionais de saúde, médicos, farmacêuticos, enfermeiros, que têm de ter informação de alta qualidade para praticarem a sua arte. Finalmente para os decisores políticos, que têm de saber muito bem como se faz o processo de aprovação de medicamentos, que lacuna vem preencher cada medicamento novo. Isto é, porque é que o vamos aprovar. Hoje em dia a maior parte das doenças já tem medicamentos, é muito raro que o medicamento que surge seja o único. Quando o medicamento é aprovado, já há “n” outros indicados para aquela doença. Portanto, o problema é: o que é que este medicamento traz? Que vantagem terapêutica acrescida tem o Estado para poder aprová-lo? E, acima de tudo, para poder comparticipá-lo? Briefing | Como é que se assegura a qualidade da informação, face à pressão que hoje se exerce no sector? AVC | É preciso garantir que haja um sistema credível, que as pessoas saibam que a informação é verdadeira e que pode ser utilizada e interpretada como está. Depois, O novo agregador do marketing.

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quanto mais informados estão os cidadãos, mais fácil é a nossa vida, dos profissionais de saúde, dos decisores, da gestão – quanto mais informação tiverem melhor, e mais fácil é para os cidadãos compreender o que fazemos e porquê. Briefing | Quem pode dar essa garantia? AVC | Deve assentar no envolvimento de todas as instituições responsáveis do SNS. Em primeiro lugar, individualmente, cada um dos profissionais, médico, farmacêutico, enfermeiro, deve ser capaz de informar o doente à sua responsabilidade de uma maneira clara e compreensível. Mas, para além disso, deve haver da parte das autoridades, do Ministério da Saúde e do Ministério da Ciência e da Tecnologia, um sistema de informação mais formal. Briefing | É esse o sentido em que se enquadra o programa Harvard Medical School – Portugal? AVC | O programa Harvard Medical School (HMS), do Ministério da Ciência e Tecnologia, destina-se a isso, é um programa para a investigação e para a informação em saúde. À volta de uma plataforma baseada na Web para os estudantes de Medicina há duas outras plataformas, para os profissionais e para o público. É um instrumento admirável para que a maior parte dos portugueses possa ter acesso a uma plataforma aberta 24 horas por dia, todos os dias do ano, em língua portuguesa, com conteúdos sobre as doenças mais relevantes de que sofrem. As modalidades e as maneiras de dar a informação são variadas: documentos escritos, pequenas entrevistas, filmes, dados acessíveis para pessoas que são surdas ou cegas. É uma plataforma avançada, para que o doente português, a quem o médico, às vezes, não tem tempo para explicar as coisas, possa tranquilamente informar-se, em casa, sobre a sua doença. Briefing | Como está o projecto? Quando vai para o ar? AVC | Está a arrancar, estamos a

“Hoje em dia, a maior parte das doenças já tem medicamentos, é muito raro que o medicamento que surge seja o único. Quando o medicamento é aprovado, já há ‘n’ outros indicados para aquela doença. Portanto, o problema é: o que é que este medicamento traz? Que vantagem terapêutica acrescida tem o Estado para poder aprová-lo? E, acima de tudo, para poder comparticipá-lo?”

“Cada um dos profissionais, médico, farmacêutico, enfermeiro, deve ser capaz de informar o doente à sua responsabilidade de uma maneira clara e compreensível. Quanto mais informados estão os cidadãos, mais fácil é a nossa vida, dos profissionais de saúde, dos decisores, da gestão – quanto mais informação tiverem melhor, e mais fácil é para os cidadãos compreender o que fazemos e porquê”

chegar ao fim do primeiro ano. A plataforma deverá estar disponível no fim de Agosto, para em Outubro estar em força na primeira parte do programa. Já foram atribuídos financiamentos a projectos, quer de investigação, quer de conteúdos para a saúde, e durante o Verão vai ser inaugurada a primeira plataforma do programa para o público em geral, com centenas de situações e doenças, fotografias, filmes e vídeos que informam as pessoas. A estrutura vai ser muito fácil de utilizar, com grande simplicidade de consulta. Os conteúdos vão ter várias origens: Harvard, as faculdades, hospitais e laboratórios associados de investigação portuguesa, as estruturas do Sistema Nacional de Saúde que queiram disponibilizar a informação que achem relevante, como o Alto Comissariado, a Direcção-Geral da Saúde, o Instituto Nacional de Saúde (INSA). É uma plataforma que une todo o sistema. Briefing | A informação cobre os aspectos da epidemiologia, prevenção, terapêutica, toda a área da saúde e doença? A quem é dirigida? AVC | Tem muita informação, de doenças e epidemiologia, sobre a investigação que se faz em Portugal. É dirigida a doentes, famílias, estudantes de Medicina e docentes das faculdades e profissionais de saúde. Quem tiver o 9.º ano de escolaridade compreende facilmente o que está a ler. Esse é o nosso objectivo em termos de compreensão de conteúdos. A partir dos 15, 16 anos, temos esperança que os mais novos levem informação para casa. Uma das ideias é criar filmes com informação, que os miúdos possam fazer download para o Magalhães (por exemplo), um programa a que vamos chamar “netos e avós”. As populações-alvo são os professores do ensino secundário, todos os estudantes a partir do 9.º ano, os universitários e os profissionais e académicos de fora da área da saúde, os jornalistas, e os profissionais liberais. Calculamos que sejam entre três e quatro milhões de portugueses. Outro alvo natural vão também ser os Palop e o Brasil. Agosto de 2010

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Conversas no Tivoli

Briefing | O que há de inovador nesta plataforma, há experiências internacionais neste domínio? AVC | Harvard tem já uma plataforma de comunicação para o público, o que é inovador aqui é a plataforma de estudantes. Aliás, a HMS nunca fez isto com um país. Vão ser incluídas redes sociais, cursos online, aulas, exames e testes, áreas de encontro e congressos. Estamos a construir um mundo que queremos sirva de cimento a todas as associações de estudantes de Medicina. Briefing | A que áreas vão dar prioridade? AVC | Vamos começar com a cardiovascular e o cancro, mas tentaremos cobrir todas as áreas clinicamente relevantes. A informação será de muito boa qualidade. Para os jornalistas, para além da informação factual, temos a intenção de criar um conjunto de “médicos do programa”, disponíveis para responder a perguntas, entre cardiologistas, virologistas, especialistas de medicina molecular, gastrenterologia... sempre com informação bem detalhada, estruturada, sem calão médico, feita para a pessoa compreender. Briefing | A informação é assinada, quem consulta sabe sempre qual é a fonte original? AVC | Tudo é assinado e sabe-se sempre quem são os responsáveis, nada é anónimo. Briefing | E o financiamento? AVC | O projecto é financiado pelo Estado português, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Briefing | Que objectivos têm com o programa? AVC | A ideia é que o ensino médico melhore e tudo isto se reflicta em melhores cuidados e assistência, um sistema em que efectivamente os cuidados melhorem. Briefing | O objectivo é ultrapassar a iliteracia em saúde? AVC | Isso já não depende só de nós, há muito outros factores. Mas uma coisa é certa, não conhece26

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“Uma das vertentes do programa Harvard Medical School contempla uma plataforma baseada na Web acessível 24 horas por dia, todos os dias do ano, em língua portuguesa, com conteúdos sobre as doenças mais relevantes. As modalidades e as maneiras de dar a informação são variadas: documentos escritos, pequenas entrevistas, filmes, dados acessíveis para pessoas que são surdas ou cegas. É uma plataforma avançada, para que o doente português, a quem o médico, às vezes, não tem tempo para explicar as coisas, possa tranquilamente informar-se, em casa, sobre a sua doença”

mos uma plataforma em português verdadeiramente credível, a maior parte do que há na Internet é lixo, salvo uma pequena percentagem – entre centenas de milhão de páginas – que é credível. Queremos que a plataforma seja um acervo de informação, acessível, de grande qualidade e relevância. Briefing | E como vão assegurar a independência da informação? AVC | Quem queira trabalhar connosco, desde que respeite os critérios editoriais, é bem-vindo. Este é um projecto que funciona no âmbito do Estado, mas com parcerias público-privadas, com associações de doentes, sociedades profissionais e a indústria farmacêutica. Estamos completamente abertos a fazer desta plataforma um enorme projecto de agregação. Temos um editorial board de 30 pessoas que reúne todos os parceiros, faculdades e associados. Há um lado Harvard e um lado Portugal, e um steering committee, que faz a gestão. Como há duas áreas, uma de investigação e outra de informação em saúde, há um director para cada. Na parte da informação sou o director, junto com o Prof. Pedro Moradas Ferreira, na investigação a directora é a Prof.ª Maria do Carmo Fonseca, da FML. O meu papel é montar o sistema de disponibilização de conteúdos. Garantir que eles estão lá e que obedecem aos tais critérios editorais que o comité vai definir. Briefing | Como é que um grupo de pessoas, uma associação médica ou uma sociedade pode participar na plataforma? AVC | A associação de doentes ou a sociedade submete o trabalho ao programa. Se o trabalho corresponder aos critérios editoriais do programa e o comité estiver de acordo, entra na plataforma. Briefing | Se, por exemplo, surgir alguma controvérsia em relação a uma vacina, entre os que defendem a sua comparticipação e os que discordam, como é que a informação é gerida? AVC | Não vamos servir os fins O novo agregador do marketing.


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