Entrevista a Carlos Mestieri

Page 1

flat@

Conversas Entrevista no Tivoli

Fátima Sousa Jornalista

Carlos Mestieri, presidente da Rede Inform

“Crise e RP são quase sinónimos” “Crise e Relações Públicas são quase sinónimos. Tenho vivido em crises, nunca vivi um período de rotina, de equilíbrio. Nunca fui chamado por um cliente porque tudo estivesse bem. A meu ver, as Relações Públicas buscam soluções para minimizar os problemas que surgem em época de crise”, afirma Carlos Mestieri, presidente da Rede Inform e um dos pioneiros das Relações Públicas no Brasil, acrescentando que não é fácil encontrar essas soluções: “Se fosse fácil, não éramos contratados”

28

Maio de 2010

Briefing | A sua história profissional confunde-se com a história das Relações Públicas no Brasil. A que se deve esse caminho paralelo? Carlos Mestieri | Costumo dizer que foi a vida que me encaminhou para as Relações Públicas (RP). Comecei a trabalhar em RP em 1963 (faz pouquinho tempo, né?). Tinha acabado de me formar em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e ia seguir a carreira de advogado, mas há coisas que acontecem na vida da gente que mudam tudo… Nessa época eu trabalhava na Assembleia Legislativa de São Paulo

“Foi o maior choque quando sugiram os computadores e depois a Internet. Hoje em dia, os media online são o desafio total para qualquer empresário, seja na área da comunicação ou não. Coloca-se uma nota mínima na net e todo o mundo fica sabendo…. Para as empresas em bolsa, então, é tremendo”

e um amigo meu – o José Carlos Fonseca Ferreira – que tinha aberto a primeira agência de RP do país, a Assessoria Administrativa do Brasil (ABB), desafiou-me para colaborar numa pesquisa que estava fazendo para a indústria farmacêutica. Ele e o sócio – o José Rolim Valença – estavam a desenvolver aquilo que no Brasil chamamos auditoria de opinião pública. Não se trata de uma pesquisa tradicional, com questões fixas, mas sim de uma entrevista em aberta para líderes de opinião nos diversos segmentos de público. E na sequência desse trabalho constaram que havia uma série de conceitos e preconceitos em torno da indústria farmacêutica, tendo a partir daí desenvolvido um plano integrado de comunicação. E precisavam de pessoas que cuidassem de cada segmento, tendo-me convidado para assegurar a área das relações governamentais, uma vez que eu conhecia bem os trâmites para se chegar a uma lei. Acabei fazendo um estágio nos Estados Unidos na área do lóbi. No Brasil – não sei como é aqui em Portugal… mas no Brasil era ainda mal visto, confundido com processos meio obscuros. Nos Estados Unidos já era tudo codificado, controlado, era uma actividade científica. E o que nós fizemos foi levar os deputados a conhecer melhor a indústria farmacêutica, ver como os medicamentos eram produzidos, quanto é que investiam em pesquisa. Com isso conseguimos, ao cabo de pouco mais de um ano, demonstrar que certos projectos de lei estavam imbuídos de preconceitos, o que levou ao arquivamento de vários. O novo agregador do marketing.


flat@

Briefing | Enquanto esteve na ABB chegou a ter uma conta em Portugal. Como aconteceu isso? CM | Foi nos anos 70, fomos convidados para fazer uma auditoria de opinião para o Grupo CUF. Fiquei por cá quase um ano, mas voltei sem que chegássemos a implantar o plano de comunicação que concebemos. Nessa época, enquanto o Brasil se fechava numa ditadura, Portugal caminhava para uma abertura. Entrevistámos vários segmentos dos públicos da empresa – inclusive sindicatos que funcionavam na ilegalidade – e constatámos que havia uma panela pronta para explodir. E dissemos isso no nosso diagnóstico. Dissemos que as empresas teriam de ter novos comportamentos, de dar mais importância à opinião pública. Pouco depois, houve a Revolução dos Cravos e muitas das pessoas que eu tinha conhecido em Portugal foram para o Brasil. Briefing | Acabou entretanto por fundar uma agência própria. O que motivou essa decisão? CM | De facto, ao fim de 13 anos na ABB, saí e fundei a Inform. Não houve qualquer briga. Foi uma decisão por causa da filosofia: eles queriam se internacionalizar e eu estava num momento de vida diferente. Não adiantou nada… A criação da Inform foi muito gratificante porque muitos dos clientes me acompanharam. Além disso, uma outra profissional que tinha trabalhado comigo na ABB e entretanto saíra para outra agência – a Vera Giangrande, entretanto falecida – quis juntar-se a mim, o que deu origem a uma sociedade que, sem falsa modéstia, foi um sucesso. Crescemos muito. Começámos com clientes de porte muito grande – como a Votorantim, que é um dos maiores grupos brasileiros, a Caterpillar, a BASF… Foi um crescimento fantástico. Chegámos a ser a maior empresa de Relações Públicas no Brasil, com quase uma centena de funcionários. Mas nessa altura o Brasil passou por muitos planos económicos. Tínhamos uma inflação brutal, fazia-se um contrato por O novo agregador do marketing.

PRIMUS INTER PARES

Defensor da comunicação integrada Carlos Eduardo Mestieri é um dos mais reconhecidos profissionais e empresários de Relações Públicas do Brasil: é mesmo um dos pioneiros desta actividade, sendo defensor da chamada comunicação integrada – aquela que recorre a todas as ferramentas. Formado pela Faculdade Paulista de Direito, o actual presidente da Rede Inform deu os primeiros passos nas Relações Públicas em 1963. Com especialização em Management by Objectives e Disaster Recovery, tem mantido uma intensa actividade de promoção e desenvolvimento do próprio sector de RP no Brasil. Assim, foi fundador e presidente do SINCO – Sindicato Nacional das Empresas de Comunicação Social, fundador e presidente da ABEC – Associação Brasileira das Empresas de Comunicação, director do IBCN – Instituto Brasileiro de Continuidade dos Negócios, entre outros. É conselheiro da ABRP – Associação Brasileira de Relações Públicas e da Fundação ACL – Auto-realização, Comunicação e Liderança. Para assinalar 40 anos de experiência, publicou em 2004 a obra “Relações Públicas: Arte de harmonizar expectativas”.

“Antigamente, havia tempo para conversar com o jornalista, ler, reescrever. Hoje tem de se estar com mil olhos atentos a tudo o que possa estar acontecendo. O grande desafio são os media sociais. É preciso estar muito atento, porque têm uma dimensão universal. É preciso observar, monitorizar, reagir na mesma hora. É muito perigoso, porque a informação aparece e desaparece”

dez mil euros mensais e daí a pouco estava valendo cinco mil…Os impostos eram cada vez mais altos e a protecção trabalhista – que eu acho justa – acabava, sendo exagerada tanto para empresários como para empregados. Era muito difícil sobreviver. Agências abriam e fechavam. Não estava fácil administrar a empresa, pelo que, ao invés de ter todos aqueles empregados, resolvi incentivar os directores a montarem as suas próprias agências, de acordo com as suas especializações. Assim surgiu a Rede Inform – e hoje temos um grupo com a mesma filosofia, mas cada empresa virada para o seu segmento (publicações, eventos, publicidade institucional e por aí….). O nosso pioneirismo levounos por todo o Brasil. Fomo-nos tornando conhecidos e incentivadores de outras empresas que foram surgindo em cada Estado. Hoje temos uma rede em quase todas as capitais brasileiras. Briefing | Como empresário, teve de administrar para não desapa-

recer. Como relações públicas enfrentou sucessivos regimes políticos. Como lidou com eles? CM | Quando comecei, as relações governamentais eram entendidas como uma área democrática e eram normalmente estabelecidas com o poder legislativo. Mas tudo mudou com o movimento nacionalista, de tendência estatizante, que se instalou após a renúncia de Jânio Quadros e a revolução de 64. Foi um grande desafio para o desenvolvimento de uma actividade que pressupõe como básico o regime democrático e a liberdade de expressão. As relações governamentais passaram a ser estabelecidas com o poder executivo, mais fechado. Tivemos de nos adaptar para lidar com os militares, que ficaram 20 anos no poder. Briefing | Que desafios enfrentaram os pioneiros das RP no Brasil? CM | O primeiro desafio foi vencer o preconceito que havia naquela altura contra os profissionais de RP. É certo que a actividade se >>> Maio de 2010

29


www.briefing.pt

Entrevista

flat@

Conversas no Tivoli Entrevista

xxxxxxxx xxxxxx

>>>

consolidava, mas havia uma certa resistência dos jornalistas em nos aceitar como artífices do relacionamento entre a imprensa e os empresários. Outro grande desafio era a dificuldade na área das telecomunicações. Telefone e telex eram privilégios de uns poucos e, além disso, não funcionavam. Isso impedia os contactos com o Rio de Janeiro e Brasília, obrigando à deslocação de profissionais para o levantamento de qualquer informação ou realização de contactos com as autoridades. E, é claro, enfrentámos os obstáculos do movimento nacionalista. Foi um desafio mas também uma oportunidade. O noticiário político era rigorosamente censurado, mas, por outro lado, foi-se desenvolvendo o jornalismo económico e as notícias sobre empresas passaram a ocupar grande parte dos jornais. A actividade de relações com a imprensa teve um crescimento vertiginoso nesse domínio. Briefing | Mencionou as dificuldades que enfrentou com as comunicações no início da actividade. Entretanto, com a Internet tudo mudou… CM | Foi o maior choque quando sugiram os computadores e depois a Internet. Hoje em dia, os media online são o desafio total para qualquer empresário, seja na área da comunicação ou não. Coloca-se uma nota mínima na net e todo o mundo fica sabendo…. Para as empresas em bolsa, então, é tremendo. Tudo mudou. Em São Paulo, por exemplo, que é uma cidade com 12 milhões de habitantes e um tráfego descomunal é uma dificuldade fazer uma colectiva de imprensa. Então, utilizam-se os recursos oferecidos pela tecnologia: é mais fácil ter cada jornalista na sua redacção ligado a um link ou no Skype… Por telefone não aconselhamos, porque poder haver ruído e há o risco de o porta-voz da empresa ser mal interpretado. Entrevistas presenciais só se forem exclusivas ou para uma revista, que tem mais tempo. 30

Maio de 2010

Briefing | Mudam os conceitos ou apenas o modo de trabalhar? CM | Tem de se ter uma agilidade na comunicação muito maior. Antigamente, havia tempo para conversar com o jornalista, ler, reescrever. Hoje tem de se estar com mil olhos atentos a tudo o que possa estar acontecendo. O grande desafio são os media sociais. É preciso estar muito atento, porque têm uma dimensão universal. É preciso observar, monitorizar, reagir na mesma hora. É muito perigoso, porque a informação aparece e desaparece. É toda uma nova área de especialização dentro da comunicação. É preciso mostrar para o cliente que a media online é uma necessidade – a maioria dos empresários ainda considera o jornal, a revista como a grande referência; no entanto, se medirmos a audiência dos media online é outra realidade. Um portal atinge um bilião de pessoas. Quando se abre um jornal a notícia já está velha…Por outro lado, a comunicação online é muito fria. Para mim, nada substitui o contacto social: nos eventos, sente-se as pessoas, vê-se a reacção delas, tem-se capacidade de interagir. Briefing | Nestes mais de 40 anos de profissão, o que mudou no sector? No Brasil é claro… CM | Quando começámos, apenas as empresas multinacionais tinham departamentos internos de RP. Era um trabalho executado por pessoas das mais diversas áreas, desde jornalistas a sociólogos. Havia cursos técnicos, mas só em 67 foi criada a primeira faculdade. De lá para cá, foi-se desenvolvendo toda uma área da ciência da comunicação. Nessa altura, havia apenas uma agência. Quando abri a Inform já havia dez e hoje temos umas mil. Não vou dizer que são todas de RP, muitas são especializadas só em assessoria de imprensa ou só em eventos. O Brasil está ao nível de qualquer país, indiscutivelmente, mesmo de países como os Estados Unidos onde as RP são mais desenvolvidas. Já ganhámos muitos prémios internacionais. E todas as empre-

sas norte-americanas estão associadas a grupos brasileiros. Eu já representei as grandes empresas da área da comunicação, como a Burson-Marsteller, a Hill & Knowlton, a Edelman, ajudei muitas a irem para o Brasil, mas nunca me associei, no sentido de ser comprado, mas é por uma filosofia de preservação da minha independência. Briefing | Sobre as Relações Públicas, costuma dizer que se trata da arte de harmonizar expectativas. Como assim? CM | É, na minha opinião isso mesmo, a arte de harmonizar expectativas entre os conceitos da empresa sobre si mesma e os preconceitos dos diferentes públicos. Há expectativas dos dois lados e o nosso trabalho é harmonizá-las. Foi assim logo que comecei, na AAB: o nosso cliente era a indústria farmacêutica, que tinha uma expectativa em relação ao seu próprio conceito, enquanto os deputados tinham preconceitos em relação à indústria porque não estavam informados. Assim aconteceu também com a nossa parceria com a LPM de promoção do Turismo de Lisboa: a associação (ATL) tinha uma expectativa, queria mostrar Lisboa como uma cidade cosmopolita, mas o público tinha o preconceito de Lisboa como uma cidade mais tradicional e conservadora. O nosso trabalho consistiu em mudar a imagem de Lisboa no Brasil, isto é, harmonizar expectativas. Briefing | Muita da sua actividade profissional tem sido desenvolvida em tempo de crise, quer económica, quer política. A crise é a matéria-prima das RP? CM | Em minha opinião, são quase sinónimos. Tenho vivido em crises, nunca vivi um período de rotina, de equilíbrio. Nunca fui chamado por um cliente porque tudo estivesse bem. A meu ver, as Relações Públicas buscam soluções para minimizar os problemas que surgem em época de crise.

Briefing | E é difícil encontrar essas soluções? CM | Se fosse fácil, não éramos contratados. Briefing | Quis ser diplomata, mas formou-se em Direito e acabou por ser profissional e empresário de RP. Valeu a pena? CM | Não me arrependo da formação em Direito, foi muito útil na administração de crises. Mas, quando estive nos Estados Unidos e vi o que era o trabalho de RP fiquei excitado e não tive a menor duvida. Valeu a pena. Não posso me queixar. O novo agregador do marketing.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.