Entrevista
Ramon de Melo
Fátima de Sousa jornalista fs@briefing.pt
“Não vou negar que o Público este ano tem sido penalizado face à concorrência. Competimos com os outros generalistas, competimos com os económicos e ao fim-de-semana competimos com o Expresso”. É este o contexto em que Pedro Nunes Pedro, 46 anos, administra o título, apostado em travar a queda nas vendas e na publicidade no impresso e em fazer crescer as receitas no digital
Pedro Nunes Pedro, administrador do Público
Crise penalizou o jornal Briefing | O Público apresentou-se ao mercado como um jornal inovador. É possível manter essa marca 21 anos depois? Pedro Nunes Pedro | Se não acreditasse que sim, não estava há quatro anos no projecto. É um excelente produto. Está numa fase complicada, como todos os jornais de referência, porque precisa de um equilíbrio entre a venda de publicidade e a venda em banca. Um 6
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jornal de referência nunca será um jornal de grande venda em banca, por razões óbvias, porque não somos tão sensacionalistas nas notícias. Por isso, está sempre dependente deste equilíbrio de receitas. Mas as variáveis do modelo de negócio alteraram-se. A venda em banca baixou claramente e a publicidade no papel também está em queda. E não podemos aumentar o preço.
Briefing | O jornal já é caro? PNP | Toda a gente sabe que sim. O Público tem jornalistas de referência, grandes repórteres, um painel de cronistas muito forte, alguns em exclusivo, produtos também muito fortes como o Inimigo Público. Como disse o director do Jornal de Notícias, Manuel Tavares, no futuro os jornais serão mais caros. Acredito que isso possa acontecer, mas
não podemos fazer um apagão e voltar com dois euros de preço de capa. Temos de fazer esta travessia, ir subindo gradualmente o preço. Briefing | Mas subir o preço não é arriscado? PNP | Se o IVA aumentar para 23 por cento será inevitável. É só fazer as contas, o jornal passará a custar 1,08 euros: se cobrarmos 1,05 www.briefing.pt
“Penso que a tendência será para um equilíbrio entre o que é aberto e o que é fechado. O desafio é saber o que o leitor considera distintivo para pagar”
teremos de ser nós a suportar a diferença, caso contrário o jornal terá de passar para 1,10 e aí o cliente não aceita… É uma equação muito complicada, porque há um preço psicológico acima do qual os leitores podem não querer pagar. Briefing | Qual é a estratégia tendo em conta a descida das vendas em banca e de publicidade? PNP | Acreditamos que o produto é bom e a marca é forte e, por isso, todos os dias nos reinventamos. Não estamos parados, estamos a caminhar cada vez mais para o digital. Mas não podemos esquecer que 90 por cento das receitas ainda vêm do papel. A nossa ambição é termos 20 por cento das receitas no digital, mas por crescimento do online e não à custa de uma queda ainda mais acentuada no papel. Mas ainda estamos longe. A queda da publicidade no papel tem sido mais rápida do que a subida na Internet. Quando o site do Público surgiu, há 15 anos, era inovador, não havia sequer um modelo, mas hoje já não estamos sozinhos no online. Existe um mercado extremamente competitivo – concorremos com os sites generalistas, com o Google e o Facebook. Hoje o online é um grande shopping center de media, daí que tenhamos reforçado a nossa aposta no digital. A marca já não pode ficar
“É conhecido que o Público é uma operação deficitária. Este produto é caro. Aliás, é caro por ser este produto”
“As variáveis do modelo de negócio alteraram-se. A venda em banca baixou claramente e a publicidade no papel também está em queda. E não podemos aumentar o preço”
“Vamos avançar com uma campanha de assinaturas associada a produtos novos. O objectivo é ir oferecendo sempre mais conteúdo, mais benefícios para o leitor”
condicionada à publicidade tradicional no display, tem de ir buscar outras fontes de receita. Briefing | As assinaturas digitais são uma forma de conseguir receitas. Mas não é difícil cobrar por conteúdos que nasceram gratuitos? PNP | É verdade que o digital nasceu free, mas temos de caminhar para outro modelo, porque o free estava assente na publicidade e no pressuposto de que a publicidade pagaria tudo. O custo do online diluía-se no custo da redacção, mas quando o jornal começa a perder receitas é preciso reequacionar o modelo. Aconteceram dois fenómenos: por um lado, o decréscimo rápido das circulações e, por outro, o crescimento lento das receitas do online. As agências de meios prevêem para este ano um crescimento de 19 por cento, mas a base é ainda muito baixa. E há o factor pricing – não podemos continuar no nível actual, que é muito baixo e transformará sempre o online num meio secundário, de oportunidade. Fizemos uma primeira experiência, muito ténue, com as assinaturas digitais. Estamos com cerca de 1500 ao fim de quatro ou cinco meses, sem grande esforço de marketing. São resultados satisfatórios, que indicam alguns caminhos. Temos
de saber o que o cliente quer. Se quer apenas as notícias do dia, informação rápida e condensada, o free é suficiente. Se quer saber mais, ter conteúdos diferenciados, poderá ser assinante. Penso que a tendência será para um equilíbrio entre o que é aberto e o que é fechado. O desafio é saber o que o leitor considera distintivo para pagar. A verdade é que o modelo de publicidade não paga todos os conteúdos free, já não é sustentável, pelo que teremos de ir fechando cada vez mais conteúdos. Briefing | Está previsto algum esforço de comunicação para angariar assinantes digitais? PNP | No último trimestre deste ano e no princípio do próximo, vamos avançar com uma campanha de assinaturas associada a produtos novos. O objectivo é ir oferecendo sempre mais conteúdo, mais benefícios para o leitor. Não vamos usar muitos suportes, porque os budgets são reduzidos, vamos desenvolver uma estratégia à volta da marca P, uma marca de informação que é distintiva e tem relevância para o leitor. Briefing | A aposta no digital significa que o impresso tem os dias contados? PNP | Estamos a perder no papel, mas não acredito que morra. >>>
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Teremos sempre os fiéis do papel. Aliás, costumo dizer que, enquanto tivermos problemas de iluminação nos ecrãs e baterias que precisam de ser carregadas, os jornais não morrerão. O Público tem vários públicos. Na Internet, é o jornal preferido entre os jovens universitários e os pós-universitários, na fase do primeiro emprego. Fizemos um estudo recente com a Netsonda que apontou neste sentido. E depois temos aquilo que chamo os novos seniores. Hoje as pessoas vivem pelo menos mais dez anos e o jornal impresso vai beneficiar dessa longevidade: serão pessoas mentalmente activas, que vão querer ler, debater. Pelo meio, há uma franja de leitores jovens, que nasceram na Internet e passaram para o mobile, para os tablets, mas que vão querer mais informação. Aí entra a marca. Briefing | A meta de 20 por cento das receitas no digital é para atingir a que prazo? PNP | Neste momento, estamos nos sete ou oito por cento. Penso que conseguiremos chegar aos 20 por cento em 2015. Não temos outra saída. Temos de resistir no papel e acelerar o crescimento nas várias componentes do digital.
O plano estava concebido em 2009, mas os anos seguintes trouxeram uma realidade nova, um mercado em constante mutação, muito agressivo. E os valores da publicidade, que já tinham caído em 2009, voltaram a cair quando não se suspeitava, para valores quase do ano 2000. Nos nossos forecasts tínhamos previsto uma ligeira queda no papel, mas nunca pensámos que fosse tão acentuada. Qual foi a nossa leitura? Que a crise veio acelerar a queda e que a imprensa foi claramente o meio mais penalizado. Nesta fase de retracção, concentra-se o investimento onde é mais seguro. A televisão é o meio mais forte, é inegável que é onde se conseguem coberturas maiores e mais rapidamente. A Internet obviamente cresce porque tem um preço baixo, o mesmo acontecendo com a rádio. O cabo também cresce porque tem uma penetração interessante e constitui uma oportunidade de segmentação. A imprensa fica no fim da linha, sobretudo a imprensa de referência. Não vou negar que o Público este ano tem sido penalizado face à concorrência. Já o disse internamente. Competimos por mérito com os outros generalistas, com-
“Não podemos esquecer que 90 por cento das receitas ainda vêm do papel. A nossa ambição é termos 20 por cento das receitas no digital, mas por crescimento do online e não à custa de uma queda ainda mais acentuada no papel”
petimos com os económicos, porque também têm informação política e internacional, e ao fim-de-semana competimos com o Expresso. Briefing | A propósito da concorrência com o Expresso, como está a correr a experiência de domingo? PNP | Foi uma aposta bem sucedida e os resultados são satisfatórios: aumentámos as vendas em cerca de dez por cento. Mas o Verão é sempre um período de maior consumo, pelo que temos de aguardar pelo resto do ano para ver a consistência deste aumento. Houve uma mudança clara no corpo do jornal, com grandes temas em vez das secções diárias. É uma revista em papel de jornal. Com esta experiência de domingo, confirmámos que está a aumentar o fosso entre os leitores de segunda a quinta e os de fim-de-semana. E este é o caminho: a net estará muito presente durante a semana, em que há um ritmo completamente diferente, e o papel predominará ao fim-de-semana, em que o jornal oferece uma leitura mais estendida. Vamos apostar no fim-de-semana mas sem perder a lógica do jornal diário. Não se trata de transformar o Público num semanário. O que
VIDA
Golfe, a paixão O golfe é a paixão de Pedro Nunes Pedro. Começou a jogar aos oito anos, em Angola, onde nasceu. E não mais parou. Rendeu-se a um desporto que considera “fantástico para desanuviar”, um desporto “tão absorvente” que já para ele conquistou toda a família. De tal forma que no dia em que pediu a mulher em casamento lhe ofereceu um saco de golfe. Os três filhos também dão umas tacadas: “Começam a brincar e depois tomam-lhe o gosto”. Jogar é um escape, que “equilibra muito, até nas relações profissionais”. Administrador do Público há quatro anos, Pedro
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está longe de ser um principiante nos meandros da comunicação social. Depois de uma experiência de seis anos na empresa do pai (ligada ao golfe…), fez parte dos fundadores da SIC – respondeu a um anúncio e ingressou na direcção comercial como gestor de contas. “Não vou esconder. Foi uma paixão muito grande. Marcou-me”. Mas, a dada altura, quis voar outros voos e acabou por sair. Em 1998, trocou o canal privado por uma agência de meios, assumindo o desafio “intenso” de ser country manager da CIA Media Network. “Aceitei muito às escuras, mas
com uma vontade enorme de crescer”. Divergências quanto à estratégia levaram-no a sair ao fim de ano e meio. A etapa seguinte foi a Mindshare, mas a televisão voltava a cruzar-se no seu caminho: em 2001 assumiu a direcção de marketing da RTP: foram anos “muito ricos”, mas um certo cansaço motivou nova mudança, então para a Cofina, “uma grande escola”. “Muito inesperadamente”, surgiu o convite para o Público (Agosto de 2007), primeiro para a área comercial, depois como administrador. “Tem sido um grande desafio. Assistir à mudança tem sido enriquecedor”.
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“Costumo dizer que, enquanto tivermos problemas de iluminação nos ecrãs e baterias que precisam de ser carregadas, os jornais não morrerão”
vamos é oferecer durante a semana um modelo no papel para pessoas que querem notícias, os acontecimentos. E vamos deixar os grandes trabalhos de investigação para o fim-de-semana. Briefing | Continua a fazer sentido a Sonae a manter um projecto deficitário? PNP | O eng.º Belmiro fundou o Público e deu-lhe asas para voar. Nos últimos quatro, cinco anos, tem sido seguido pela filha, Cláudia, que mantém intacta a paixão pelo projecto. Os grandes valores do início mantêm-se – um produto independente, de qualidade, com uma visão sobre a sociedade e o mundo. Por isso, a minha resposta é sim, faz sentido que a Sonae continue a apostar no Público. É conhecido que o Público é uma operação deficitária. Este produto é caro. Aliás, www.briefing.pt
“Quando o site do Público surgiu, há 15 anos, era inovador, não havia sequer um modelo, mas hoje já não estamos sozinhos no online. Existe um mercado extremamente competitivo”
é caro por ser este produto. Este ano já ultrapassámos o orçamento para viagens…Podíamos recorrer às agências, em vez de enviarmos jornalistas para a Líbia, por exemplo, mas os leitores saberiam logo. O que nos exigem é uma gestão eficaz, que todos os indicadores estejam dentro do benchmarketing do mercado. Há, digamos assim, um caderno de encargos. O jornal pode ser deficitário, mas não muito. E o facto de a Sonae continuar a apostar no jornal não nos tira pressão, antes pelo contrário. Há uma grande preocupação em saber os números, mas se me perguntar qual é o número mágico não tenho resposta. Penso que, enquanto a Sonae acreditar que é um bom produto, que a sociedade reconhece, não deixará cair o Público. Briefing | Não obstante a crise, surgiu mais um projecto, o Pú-
blico Mais. É mais uma prova de inovação? PNP | É um projecto de filantropia, que não é muito habitual entre nós. Mas encontrámos seis parceiros no mecenato que nos deram a possibilidade de ir mais além. Não há compromissos comerciais. É um projecto liderado pela Bárbara Reis (directora do Público), que mantém o cunho de isenção e de independência editorial do jornal. Quisemos fazer um bom produto para o leitor e as reacções têm sido positivas. Não é uma relação de negócio. Há uma separação completa de contas. Todas as despesas do Público + são auditadas externamente e no final de cada ano (Junho) prestamos contas aos mecenas. Era mais fácil trocar conteúdos por publicidade, mas não estamos vocacionados para isso. A independência é a razão de ser do Público. Setembro de 2011
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