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Entrevista
Uma nova subida de impostos em 2012 para cumprir as metas do défice “é mais um tiro no pé”. A opinião, convicta, é de Pedro Pais de Almeida, 49 anos, sócio da Abreu Advogados. Especialista em fiscalidade, não tem dúvidas de que, em matéria de carga fiscal, o País “já atingiu o limite”
Pedro Pais de Almeida, sócio da Abreu Advogados
Ramon de Melo
Aumentar impostos é tiro no pé
Advocatus I 2012 trouxe um aumento da carga fiscal ao consumo. Era inevitável? Pedro Pais de Almeida I Eu acho que essa pergunta é fundamental. Sobretudo porque se fala numa nova subida de impostos, ainda em 2012, para conseguir cumprir os números do défice acordados com a troika. Eu acho que é mais um tiro no pé. Creio que estamos 6
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muito perto do limite, se não o ultrapassámos já. A verdade é que, atingido esse limite, o aumento da tributação não significa um aumento da receita fiscal. Um aumento da tributação pode determinar maior evasão e uma baixa da receita fiscal efetiva. Mas não estamos só a falar de evasão e incumprimento. Estamos também a falar de uma retração do consumo. Que começou
a ser nítida na economia portuguesa no segundo semestre do ano passado e creio que se vai acentuar este ano. Por isso, é que também falamos numa retração do PIB entre 3 e 3,5 por cento este ano. A verdade é que, se houver novo aumento de impostos, muito provavelmente a receita fiscal vai descer. Não resolve problema nenhum, muito pelo contrário, agrava o problema.
Advocatus I Assistimos a uma atuação mais centrada na receita. Não seria mais eficaz se fosse centrada na despesa do Estado? PPA I Repare, há sempre aquela teoria de que a redução ao nível da despesa demora mais tempo a ser efetiva. Por exemplo, se eu fundo dois organismos públicos a redução da despesa não é imediata, O agregador da advocacia
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porque são processos que demoram algum tempo, é necessário integrar as pessoas noutros órgãos… Eu compreendo essa justificação, de qualquer forma está-se a avançar muito lentamente desse lado da despesa e está-se a atacar o lado que dá receita de forma mais imediata e mais fácil. Mas acho que já se atingiu o limite porque não se pode continuar a aumentar impostos. Isso resulta num refreamento do consumo, aumentando as dificuldades das empresas, o desemprego, a despesa do Estado com subsídios de desemprego, com segurança social. Estamos num equilíbrio muito difícil. Advocatus I Essa penalização fiscal afeta o tecido empresarial. Terá sido essa a razão da deslocalização da Jerónimo Martins? PPA I Acho que o grupo Jerónimo Martins teve o azar de fazer esta deslocalização numa altura em que as coisas estão de facto bastante complicadas, como tal esta operação caiu logo debaixo dos holofotes dos media. A verdade é que a Jerónimo Martins muda para lá a sede, mas mantém cá a direção efetiva, o que, em termos de impostos, é exatamente a mesma coisa. Creio que, numa primeira fase, isso não foi bem explicado. Mas, do ponto de vista fiscal, não há alterações, porque a sociedade vai continuar a ser tributada da mesma forma. Segundo as explicações do grupo, esta alteração deve-se à facilidade de acesso aos mercados de financiamento externos. Uma explicação que me parece perfeitamente plausível. Mas acho que isso está relacionado com outra questão, que é saber se podemos continuar a dar tiros no pé aumentando impostos atrás de impostos. Principalmente, quando temos parceiros na União Europeia, como é a Irlanda com uma taxa de IRS de 12,5 por cento sobre os lucros da empresa, quando temos uma Bulgária e um Chipre com 10 por cento. E como é que nós achamos que podemos competir no seio da União Europeia com uma taxa de 25 por cento?
“Um aumento da tributação pode determinar maior evasão e uma baixa da receita fiscal efetiva. Mas não estamos só a falar de evasão e incumprimento. Estamos também a falar de uma retração do consumo”
“Vejo com alguma preocupação que este exemplo (da Jerónimo Martins) seja seguido e que outras empresas deslocalizem as suas atividades, mas por completo, incluindo a direção efetiva”
Advocatus I Haverá o risco de mais empresas se mudarem para países com fiscalidade mais favorável? PPA I O mais possível! Porque é lícito às empresas no seio da União Europeia e de acordo com o Tratado de Roma. Depois do caso do Pingo Doce, alguns parlamentares pediram que o Governo propusesse à Assembleia da República a criação de um novo imposto, que representasse um obstáculo à possibilidade de deslocalização das empresas portuguesas para outros países da União Europeia. Ora, não o podem fazer. Se houver alguma medida legislativa nesse sentido, rapidamente o Tribunal da Justiça das Comunidades vai anulá-la, alegando que é ilegal. Por isso, vejo com alguma preocupação que este exemplo seja seguido e que outras empresas deslocalizem as suas atividades, mas por completo, incluindo a direção efetiva. Eventualmente, Portugal só tributará os acionistas dessas empresas se eles continuarem a ser residentes cá e se houver distribuição de dividendos, caso contrário, nem isso.
“Atualmente, assistimos a empresas a deslocalizarem as suas atividades para o estrangeiro e a cancelarem projetos de investimento em Portugal”
Advocatus I Se Portugal deixa de ser atrativo para as empresas nacionais também deixa de o ser para o investimento estrangeiro… PPA I De facto, Portugal deixou de estar na linha do investimento estrangeiro. Atualmente, assistimos a empresas a deslocalizarem as suas atividades para o estrangeiro e a cancelarem projetos de investimento em Portugal. Novos projetos de investimento não existem, porque a carga fiscal é muito elevada. Diria que temos quase confisco, porque a verdade é que temos uma taxa de IRS de 46,5 por cento para rendimentos superiores a 153 mil euros. Depois temos a taxa adicional de IRS, 2,5 por cento, que é mais uma taxa de salvação nacional. O que significa que temos 49 por cento de imposto para este escalão de IRS. Isto, de facto, não é um quadro que atraia quer a produtividade, quer o investimento estrangeiro em Portugal. >>>
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“O comum dos mortais, que está nos últimos escalões de IRS, tem de pagar impostos e não pode reclamar. Grande parte fica-lhe logo em retenções na fonte”
Advocatus I O que poderá evitá-lo? PPA I Este ano no Orçamento de Estado foi eliminada a taxa de 12,5 por cento de IRC para as pequenas empresas que tinham lucros até 12.500 euros. Se eu fosse secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o que faria era, pura e simplesmente, o contrário. Teria eliminado a taxa de 25 por cento, as empresas passavam a pagar uma taxa de 12,5 por cento independentemente do volume dos lucros. Assim, estou seguro de que iríamos atrair investimento estrangeiro à séria para Portugal. Caso contrário, não estou a ver forma de isso acontecer. A primeira pergunta que um potencial investidor faz quando vem para Portugal é ‘qual é a tributação sobre as empresas e as pessoas?’. A segunda pergunta é ‘como é que funciona o sistema de justiça? Quanto tempo é que levo a cobrar uma dívida?’. A resposta é que pode demorar entre um ano a ano e meio. Os dois principais atrativos da economia portuguesa passam a ser um problema. Ora, há 26 jurisdições
“Teria eliminado a taxa de 25 por cento, as empresas passavam a pagar uma taxa de 12,5 por cento independentemente do volume dos lucros. Assim, estou seguro de que iríamos atrair investimento estrangeiro à séria para Portugal”
política
Esperança para Portugal Pedro Pais de Almeida fez, como o próprio diz, uma “perninha” na política. Foi candidato a eurodeputado pelas listas do Movimento Esperança Portugal (MEP). Era o terceiro da lista e reconhece que, “obviamente”, havia a consciência de que o partido não iria eleger três deputados. Mas se elegesse “estava pronto para fazer as malas e partir para a Europa na defesa dos interesses dos portugueses”. “Era muito difícil”, comenta. Porquê? Porque “era um movimento de cidadãos anónimos, sem políticos carreiristas”: “De não anónimos tínhamos a cabeça de lista, a Laurinda Alves, e pouco mais. Por isso, foi no fundo uma tentativa de envolver cidadãos comuns na política, que não resultou. Porque o partido foi duas vezes a eleições e não conseguiu eleger nenhum deputado. Nem sequer chegou a ter o número de votos sufi-
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cientes para ter direito a subvenção pública”. O MEP extinguiu-se entretanto, mas Pais de Almeida acredita que o partido teve o grande mérito de ter falado na esperança para Portugal: “Quando começámos a falar de esperança as pessoas riam-se e pensavam ‘quem são estes maluquinhos que não percebem nada disto que vêm para aqui falar de esperança. Coitadinhos são muito bem-intencionados’”. Obama e o seu livro “The audacy of hope” foram a inspiração do MEP: “É um livro extraordinário e que obviamente nos influenciou. Mas a verdade é que no ideário político português nós fomos os primeiros a falar de esperança. E pelos vistos pegou, porque agora ouve-se falar de esperança e os nossos governantes vendem-nos esperança quase todos os dias”. De que – remata – o país precisa.
alternativas na União Europeia a competir connosco. Obviamente, entre localizar uma atividade produtiva na Irlanda, na Bulgária, no Chipre ou em Portugal, dificilmente encontro justificação para o fazer em Portugal. Já para não falar na vizinha Espanha. Temos uma tributação mais elevada que o nosso concorrente direto. Muitas empresas internacionais não falam em Portugal e em Espanha, mas sim em Ibéria. Muitas das vezes, a questão põe-se em colocar a sede em Lisboa, Madrid ou Barcelona. Mais uma vez, aqui também perdemos, no IVA e na tributação direta às empresas e às pessoas. Advocatus I Seria suficiente manter a taxa a 12,5 por cento? PPA I Seria um primeiro passo. Seria também necessário que o Estado português prometesse outra coisa – estabilidade fiscal. O que temos é inflação fiscal ou legislativa. Estamos sempre a produzir leis, em todos os sectores, mas acho que é pior no sector da fiscalidade. Só o Orçamento de Estado tinha cerca de 150 medidas legislativas a nível fiscal… Isto não são reformas, são revoluções fiscais. Sem estabilidade legislativa não é possível atrair investimento estrangeiro. Ao dizer que lanço uma taxa uniforme de IRC de 12,5 por cento em Portugal, e passo para uma taxa única, teria que prometer que ela seria válida e que se manteria em vigor pelo menos por cinco anos. Advocatus I Fala em confisco em relação à taxa de IRS para os escalões superiores. Qual é a alternativa? PPA I O Governo português tem uma visão um bocado miserabilista do que são os milionários. Considera-se que quem está no último escalão do IRS é milionário. E então tributa-se com 49 por cento. Ora quem tem uma remuneração nesta ordem de grandeza, é uma pessoa muito bem remunerada, mas está lonO agregador da advocacia
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“Os aumentos do IVA e afins, esses, vieram para ficar. Mais uma vez considero que é um erro, sobretudo a nível do IVA, porque as nossas taxas deveriam estar o mais próximo possível das espanholas e estão bastante acima”
ge de ser milionária. E a verdade é que, ao tributar com esta pressão, o que se consegue é pura e simplesmente desincentivar o trabalho e a poupança. Se, de facto, se quer tributar os milionários, então tem de ser ir para uma solução do género francês, onde existe um imposto sobre a fortuna. Deveria ser tributado quem tenha património superior a um determinado valor, os Warren Buffets deste mundo. Quem tem um nível de rendimento de muitos milhões por ano acaba por ter uma série de benefícios e uma serie de hipóteses de planeamento fiscal. Enquanto o comum dos mortais, que está nos últimos escalões de IRS, tem de pagar impostos e não pode reclamar. Grande parte fica-lhe logo em retenções na fonte, hoje em dia a máquina fiscal felizmente funciona de forma eficiente e ponto final. Não tem qualquer hipótese. Mas não é avançar com uma triO agregador da advocacia
“Novos projetos de investimento não existem, porque a carga fiscal é muito elevada. Diria que temos quase confisco, porque temos uma taxa de IRS de 46,5 por cento para rendimentos superiores a 153 mil euros. Depois temos a taxa adicional de IRS, 2,5 por cento, que é mais uma taxa de salvação nacional”
butação do património e manter as taxas de IRS nos mesmos níveis. O que eu faria era introduzir uma medida de tributação da fortuna, mas traria as taxas de IRS para os níveis de 1989. Em que o escalão máximo era de 40 por cento, que já é bastante elevado. Advocatus I Voltando ao início: o aumento da carga fiscal é justificado com as metas definidas pela troika. Crê que veio para ficar? PPA I A nível da taxa adicional de IRS e de IRC, diz-se expressamente que é para vigorar nos anos de 2012 e 2013 - isto é o que está na lei, mas facilmente também se alteram esses artigos e se diz que é para vigorar em 2014, 2015 e 2016… Eu tenho esperança que isso seja cumprido à risca. Os aumentos do IVA e afins, esses, vieram para ficar. Mais uma vez considero que é um erro, sobretudo a nível do IVA, porque as
nossas taxas deveriam estar o mais próximo possível das espanholas e estão bastante acima. Este ano vai ser seguramente mau, 2013 depende um bocadinho do comportamento da economia. Os mais otimistas dizem que Portugal já pode crescer qualquer coisa como 0,2 ou 0,3 no PIB. Vamos ver se é possível. Espero que, em 2014, de facto seja possível reduzir a tributação a nível das empresas e das famílias, pelo menos por via da redução da taxa adicional. Mais redução de impostos, infelizmente, não creio que seja expectável.
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