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Entrevista
Cristina Arvelos jornalista
“Caímos sempre que pensamos ter todos os meios à disposição e podemos viver ‘à larga’. Se tivermos a capacidade interior de pensar sempre que temos de fazer mais com menos, a vida pode ser sorridente”, afirma Ivan Dias, 37 anos, ceo da Duvideo, produtora de conteúdos audiovisuais que está a comemorar um quarto de século de existência
Ivan Dias, ceo da Duvideo
Ramon de Melo
Há que fazer mais com menos
Briefing | Há crise também no audiovisual? Ivan Dias | Sim e já dura há uns anos. Encaro o mercado televisivo como um antes e um depois da explosão dos reality shows, altura em que passaram a ser necessários muitos recursos humanos, que tiveram de ter uma formação apressada. Antes a formação era 6
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muito mais trabalhada. A partir daí, passou a ser encurtada no tempo. Isso foi um marco que abalou o mercado.
valor que teve de fechar portas. Ficaram os que conseguiram resistir, apresentando as melhores soluções que o mercado procura.
demos viver “à larga”. Se tivermos a capacidade interior de pensar sempre que temos que fazer mais com menos, a vida pode ser sorridente.
Briefing | Consequências concretas dessa mudança? ID | Numa primeira fase são negativas, mas posteriormente podem ser positivas. Houve muita gente com
Briefing | Hoje é preciso fazer mais com menos dinheiro? ID | É sempre preciso pensar assim. Caímos sempre que pensamos ter todos os meios à disposição e po-
Briefing | Na televisão vencem as produções mais medíocres? ID | O cliente final do mercado televisivo é o telespectador. É ele que procura as coisas más e as boas. O agregador do marketing.
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A televisão que faz serviço público tem de oferecer determinado tipo de conteúdos que questione e enriqueça as pessoas, e os canais privados têm de oferecer outro tipo de conteúdos. Não devemos ser hipócritas. Briefing | Mas há um afastamento dos telespectadores dos canais generalistas para os temáticos… ID | As pessoas que procuram questionar-se e enriquecer-se fazem uma procura específica. Briefing | O que o levou a escolher esta área? ID | Trabalhei em rádio durante algum tempo, embora a minha formação universitária tenha começado pela Bioquímica. Costumo dizer que frequentei a Universidade de Coimbra, pois estudei muito pouco enquanto lá andei e não acabei o curso. Passei três anos embrenhado em actividades na Associação Académica.
“A televisão que faz serviço público tem de oferecer determinado tipo de conteúdos que questione e enriqueça as pessoas, e os canais privadostêm de oferecer com outro tipo de conteúdos. Não devemos ser hipócritas”
Briefing | Sente-se essencialmente um produtor? ID | A produção é a essência de tudo. Um produtor faz as coisas acontecerem. Sempre gostei de ter uma ideia e fazer tudo até ela se concretizar. O cinema é a última fronteira, é a arte O agregador do marketing.
Briefing | Foi assim que viveu a produção do filme “Fados” de Carlos Saura? ID | Produzir e escrever com Carlos Saura o guião de “Fados” foi o fim de uma primeira grande etapa. Espero que, a partir daqui, haja mais etapas, que os horizontes não tenham fim. Mas fazer cinema não pode ser um modo de vida em Portugal, é um desejo pessoal. Nós não temos uma indústria de cinema, temos um artesanato, o que também significa algumas coisas positivas. Briefing | Manoel de Oliveira é para si... ID | É um óptimo realizador. Tem um universo muito particular. Não posso dizer que adoro todos os seus filmes, mas à medida que fui crescendo fui-me questionando, fui entendendo e compreendendo o seu trabalho. Rejeitamos o que não entendemos. A partir do momento em que percebemos, passamos a gostar.
Briefing | Viveu numa República? ID | Não, mas cheguei a ser comensal numa. Vivi todo esse ambiente até que, como tudo o que fazia era à volta da música e da produção, decidi que já chegava de Coimbra. Aliás, a canção diz que Coimbra tem mais encanto na hora da despedida e isso quer dizer que, a certa altura, há que pôr um ponto final. Convivi com colegas que tinham vinte e tal matrículas em Direito. É impensável. Mas também acho que não há outra universidade humana igual. Nesse aspecto, Coimbra foi para mim uma escola única. Briefing | E saiu de Coimbra para? ID | Dar rumo àquilo que gostava de fazer: produção de eventos, música e filmes. E decidi fazer Comunicação Social, seguindo Produção e Realização na Universidade do Minho, pois nasci em Braga. De alguma forma foi voltar a casa com todos os benefícios que isso traz.
que congrega todas as artes, é uma paixão.
“A saudade é o estado superior da melancolia. Só que a saudade pode ser feliz. A saudade também significa que sentimos falta. E se sentimos falta é porque foi bom”
Briefing | Vê-se a fazer filmes aos 102 anos? ID | Gosto que ele aos 102 anos continue a dar-nos filmes. Mas se eu passar dos 75, já é gratificante. Temos que almejar fazer o mais cedo possível aquilo que Manoel de Oliveira ainda faz aos 102. Quase ninguém chega a essa idade. Briefing | Os documentários são uma boa escola? ID | São a melhor escola. Num documentário temos que saber contar uma história, com menos meios. A essência do cinema é o documentário.
“O Carlos do Carmo é único. Se calhar é a Amália que podemos ter agora. Ele e Amália são duas figuras ímpares do fado, da cultura portuguesa”
Briefing | Dos concertos todos que já gravou qual o que mais o tocou? ID | Ressaltaria três: o do Rui Veloso acústico, porque foi a minha estreia e o primeiro feito em Portugal com uma equipa totalmente portuguesa; o da Mariza, gravado em Belém, que teve a particularidade de ser o primeiro concerto totalmente filmado em alta definição; e um do Sérgio Godinho, pelo documentário que se fez. São três momentos musicais, espaçados no tempo e que contam >>> Maio de 2011
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a história da música portuguesa nos últimos anos. Os DVD do Rui Veloso e da Mariza foram dois dos três mais vendidos de sempre. Briefing | Porquê esta sua ligação forte com a música? ID | Vem de Coimbra, da paixão pela guitarra portuguesa e música popular. Fui ganhando estas paixões e decidi não as largar. Sinceramente, eu tento ter só prazer na vida, o meu trabalho é um prazer, quando é só trabalho é uma chatice. Não me recordo de, nos últimos 11 anos, ter feito um único trabalho que não tenha sido um prazer. Isso é uma sorte!
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“Fazer cinema não pode ser um modo de vida em Portugal, é um desejo pessoal. Nós não temos uma indústria de cinema, temos um artesanato, o que também significa algumas coisas positivas”
Briefing | É fatalista como o fado? ID | O fado não é fatalista. Significa destino. Mas o destino pode não ser sempre negro. Pode ser o que qui-
sermos. Os portugueses começam agora a descobri-lo, até com a candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Unesco. Briefing | Mas há sempre melancolia… ID | Há uma melancolia portuguesa. Os portugueses são melancólicos. Não posso negar o meu ADN. Há qualquer coisa que temos todos e a que não escapamos e que se revela na saudade. A saudade é o estado superior da melancolia. Só que a saudade pode ser feliz. A saudade também significa que sentimos falta. E se sentimos falta é porque foi bom. Briefing | Qual é mais-valia da candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Unesco? ID | Vivemos num tempo em que
O CAMPO FAZ A FESTA NA CIDADE NO MEGA PIC-NIC CONTINENTE 18 DE JUNHO AV. LIBERDADE - LISBOA
GRANDE CONCERTO TONY CARREIRA Entrada livre a partir das 10h00
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escasseiam as referências e o fado é uma referência nacional e um motivo de orgulho. A candidatura vai ter o condão de os portugueses conhecerem melhor a sua canção: o fado. Briefing | Fado, futebol e família? ID | Fado, futebol e filmes. O fado tem sete vidas. O fado acaba por ter as vidas que o país tem. Resiste a tudo e a todos, renasce. É isso que faz do fado uma canção estóica. Briefing | Amália é a cara do fado? ID | Amália é inultrapassável. Não a conheci e tenho pena. É uma figura maior. Simbolizou e simboliza ainda hoje um motivo de orgulho total para todos nós. Foi uma cantora de excepção, uma pessoa com uma personalidade única que encantou todo o mundo.
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Briefing | O fado é masculino ou feminino? ID | Não tem género. E, pessoalmente, até prefiro o fado cantado por homens. Briefing | Carlos do Carmo? ID | É o maior. Se calhar é a Amália que podemos ter agora. Ele e Amália são duas figuras ímpares do fado, da cultura portuguesa. Felizmente o Carlos do Carmo está vivo e recomenda-se e eu conheci-o e privei com ele. Briefing | Se tivesse que escolher, o seu fado seria? ID | Se tivesse que escolher um fado menor escolheria “O Fado da Saudade”, que o António Pinto Amaral escreveu para o filme “Fados” e que ganhou um Goya da Academia das Artes e Ciências de Espanha.
PERFIL
Nome russo e olhos azuis Foi o pai, médico, comunista e republicano, que decidiu que se chamaria Ivan. “Deu-me um nome russo com orgulho, por acreditar que o mundo ia virar de cor”, conta. O mundo não virou de cor, mas Ivan já foi várias vezes à Rússia e gostou. Assim: “É um país de que tenho saudades, como tenho de Portugal quando estou fora”. Tem duas irmãs – uma médica e outra arquitecta – e um irmão advogado. Ficaram todos em Braga, menos ele. “Os meus pais ainda hoje não percebem muito bem a minha vida. Não se surpreendem, mas também não se iludem. Quando perguntam à minha mãe, que é professora, qual é a minha profissão, ela responde que faço coisas”, diz ele, que se sente essencialmente um produtor, que às vezes também realiza. Não sabe cozinhar, só se sabe desenrascar, mas gosta de comer bem e de tudo, desde que tenha muito azeite. Em dias de calor, não resiste a um Mateus Rosé bem gelado, em dias de menos calor fica-se por vinho tinto do Douro, a sua região de eleição. Não é pai, nem quer. E tem uns bonitos olhos azuis que em dias nublados ficam cinzentos.
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