www.advocatus.pt
Entrevista
Jorge Fiel Jornalista jf@briefing.pt
José Pedro Aguiar-Branco, ex-ministro da Justiça e fundador da JPAB
Ramon de Melo
Há um problema? Faz-se uma lei !
“Legisla-se muito e com muita facilidade. Não se faz uma avaliação consistente das consequências das leis que fazemos. Em Portugal, há o péssimo hábito de, quando há um problema, faz-se uma lei em vez de se resolver o problema”, afirma José Pedro Aguiar-Branco. “Gostei de ser ministro da Justiça. Se se deve voltar ou não a um lugar onde se foi feliz? Deixo isso em reticências...”, acrescentou, não pondo ainda de parte ser Bastonário dos Advogados. O novo agregador da advocacia
Agosto de 2010
33
www.advocatus.pt
Entrevista
Advocatus | Há falta de juízes? José Pedro Aguiar-Branco | Portugal tem juízes suficientes. Não é preciso mais. O que há é uma má distribuição de recursos humanos em relação à procura. Grande parte dos litígios ocorre na faixa litoral, em quatro ou cinco comarcas de referência, como Sintra, Lisboa, Porto e Gaia. E, nestes locais, a capacidade de resposta existente não é proporcional à procura. Advocatus | Como é que se resolve esse problema? JPAB | Há que fazer uma movimentação diferente dos recursos. Com as novas vias de comunicação, não faz sentido que se mantenha este desequilíbrio entre sítios com excesso de pessoal e pouca procura e outros sem recursos suficientes para os muitos casos que têm de resolver. É preciso estimular a mobilidade dos juízes e dos funcionários judiciais, de modo a que haja uma situação mais adequada de resposta à procura. É uma questão de redistribuição dos recursos existentes.
“Portugal tem juízes suficientes. Não é preciso mais. O que há é uma má distribuição de recursos humanos em relação à procura. Grande parte dos litígios ocorrem na faixa litoral, em quatro ou cinco comarcas de referência, como Sintra, Lisboa, Porto e Gaia. E nestes locais a capacidade de resposta existente não é proporcional à procura. É preciso estimular a mobilidade dos juízes e dos funcionários judiciais”
Advocatus | A quem compete fazer essa gestão? JPAB | Ao ministro da Justiça. Eu quando fui ministro da Justiça disse que a reforma do mapa judiciário e uma melhor racionalização dos meios eram fundamentais para uma melhor capacidade de resposta… Não tive tempo para as fazer. Advocatus | O problema não é de falta de recursos, mas da sua má distribuição? JPAB | Não são necessários tantos tribunais. A questão prende-se com a sua distribuição geográfica. Vou dar-lhe um exemplo. Com as novas vias rápidas, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez ficam à distância de cinco minutos. Não faz sentido que em Arcos de Valdevez haja escassez de resposta para a procura e em Ponte da Barca suceda exactamente o contrário. É preciso olhar o país de cima e ver como é que se deve fazer a distribuição dos recursos sem que isso ponha em causa o acesso e a proximidade dos cidadãos à Justiça. Advocatus | Defende a avaliação 34
Agosto de 2010
“Não se pode cortar a legítima expectativa de quem tirou um curso de Direito e pretende aceder à profissão de advogado. Mas a montante, o Estado tem de ser mais rigoroso e exigente na autorização da abertura de novos cursos, na fiscalização da qualidade dos existentes e na contingentação das vagas de acesso”
do desempenho dos juízes? JPAB | É importante que haja essa avaliação. E seguramente é possível encontrar uma lógica de auditorias — que hoje não existem e é fundamental que sejam criadas — para que seja possível verificar o seu desempenho, em simultâneo com uma contingentação que deve existir a nível dos processos que são afectos a cada um dos magistrados. E averiguar se há ou não uma boa resposta, não só ao nível quantitativo, mas também, e essencialmente, do ponto de vista qualitativo. Advocatus | Quem deve responsável por essa avaliação? JPAB | A nível do Conselho Superior de Magistratura, defendo que haja uma maior responsabilização dos representantes eleitos na Assembleia da República nesse órgão, de modo a que a fiscalização e a avaliação que é aí feita seja o menos corporativa possível. Advocatus | O Bastonário aconselhou os jovens estudantes a fugirem dos cursos de Direito. Concorda que há excesso de advogados e de cursos de Direito? JPAB | Durante décadas os cursos de Direito proliferaram e isso provocou um excesso, uma massificação que não foi positiva para a Justiça no geral e para a advocacia em particular. Não se pode cortar a legítima expectativa de quem tirou um curso de Direito e pretende aceder à profissão de advogado. Mas o Estado tem de ser responsável e, a montante, tem de ser mais rigoroso e exigente na autorização da abertura de novos cursos, na fiscalização da qualidade dos existentes e na contingentação das vagas de acesso. Advocatus | O exame de admissão à Ordem deve ser muito exigente? JPAB | Nós temos de introduzir um grau de exigência forte no que diz respeito à advocacia. Seja à entrada, seja na formação contínua, seja na exigência de uma advocacia que tem de recuperar o prestígio que foi perdendo por força da massificação. Por isso, sou favorável a tudo quanto seja introduzir rigor, mas sem castrar a livre iniciativa, a livre concorrência
e a excelência da profissão liberal que é a advocacia. Caberá sempre aos cidadãos distinguir o que é um bom advogado de um mau advogado. Mas acho que essa matriz do rigor deve existir. Advocatus | Ninguém sabe ao certo quantos leis há em Portugal. Legisla-se demais no nosso país? JPAB | Acho que se legisla com muita facilidade e muito – e, muitas vezes, não se faz uma avaliação consistente das consequências das leis que fazemos. Em Portugal, há o péssimo hábito de, quando há um problema, faz-se uma lei em vez de se resolver o problema. E portanto acaba por fazer-se o mais fácil que é legislar. Dizia o Professor Costa Andrade que o Código Penal Alemão tem mais de cem anos e não tem modificações porque não se mexe com facilidade num Código Penal. É preciso que a sociedade interiorize os princípios e ela própria também saiba depois pautar a sua conduta em função de princípios que vão sendo assimilados. Depois há que ir regulamentando e não mudando muito os princípios. Nós, em Portugal, confundimos a regulamentação, que deveria acontecer, com a dignidade de lei. Daí esta proliferação legislativa. É preciso introduzir um elemento de maior rigor na feitura da lei. Advocatus | O crescente papel da arbitragem na resolução de conflitos é o reconhecimento da falência do Estado na administração da Justiça? JPAB | O sistema não está a funcionar bem. Agora a arbitragem é um meio alternativo que é complementar. Mesmo em sistemas que funcionam bem, a arbitragem existe e é mais uma alternativa. Portanto, é mau quando ela surge como forma de resolver aquilo que não funciona bem. A arbitragem é uma alternativa que visa retirar dos tribunais os assuntos que podem ser resolvidos sem recorrer à soberania de um juiz. Há muitas áreas onde isso é possível e podemos concertar sem estar a entupir os tribunais. Mas é um modelo mais caro e por isso não é acessível a todos os cidadãos. Portanto há aqui uma relação custo/benefício O novo agregador da advocacia
www.advocatus.pt
Entrevista
que tem de ser ponderada. A cultura anglo-saxónica é mais forte no recurso à arbitragem do que a cultura latina, em que a figura do juiz tem um peso muito importante para dirimir os conflitos. A arbitragem é um bom meio alternativo, usado cada vez mais.
“Quando eu estou menos bem-disposto e mais irritado, os meus colegas de escritório aconselham-me a ir fazer um julgamento, porque sabem que para me acalmar os nervos um julgamento funciona melhor que qualquer medicação. Gosto mais do tribunal do que do Parlamento, porque a minha oratória é mais a dialéctica do debate e menos a do discurso”
Advocatus | Não acha que o mau funcionamento da Justiça acaba por beneficiar os advogados, já que os cidadãos os consultam cada vez mais preventivamente para evitarem litígios judiciais? JPAB | A advocacia preventiva não é uma coisa negativa. Em termos absolutos de fluxo financeiro ganha-se menos numa advocacia preventiva do que no contencioso. Quando um problema está já numa fase avançada, para o resolver é preciso mais trabalho, gasta-se mais tempo, e por isso fica mais caro. Na maioria dos casos, a advocacia preventiva é um meio mais barato, pois permite que as pessoas evitem uma situação de conflito. É bom para o sistema de Justiça que haja um recurso à advocacia preventiva. Advocatus | A Justiça não é excessivamente corporativa? JPAB | Em Portugal há uma dimensão de capelinha em tudo o que é a Administração, o que normalmente tem contribuído para o mau funcionamento da Administração Pública. Conhecemos o caso típico das polícias, sabemos a situação de vários institutos que se multiplicam. Embora no sistema de Justiça não seja comparável, a verdade é que, normalmente, a culpa morre solteira porque nunca sabe bem a quem imputar a responsabilidade do que corre mal. Advocatus | É para combater isso que propõe a criação de um Conselho Superior de Justiça? JPAB | Dada a proliferação de responsabilidades, é negativo não haver um órgão, uma zona visível para os cidadãos, de responsabilização do que se passa na Justiça. Ainda para mais porque pode parecer aos cidadãos que há aqui uma coisa que funciona à margem da legitimidade democrática. Acho que a melhor for-
“Na maioria dos casos, a advocacia preventiva é um meio mais barato, pois permite às pessoas evitarem uma situação de conflito. É bom para o sistema de Justiça que haja um recurso à advocacia preventiva”
“A Justiça é um sector conservador que resiste às alterações que devem acontecer nos ritos, na informatização, na forma de trabalhar, na assunção de que tempo e a produtividade são elementos que têm de ser considerados, na aceitação com simplicidade das auditorias externas que a cidadania exige em relação a tudo o que é poder”
ma de resolver este problema seria através da criação de um Conselho Superior de Justiça, presidido pelo Presidente da República — tal como acontece no Conselho Superior de Defesa Nacional —, que assim daria a dimensão da representação do povo ao seu mais alto nível no órgão onde convergiriam as diversas responsabilidades dos sectores. Advocatus | Está ancorada na opinião pública a ideia de que a evolução da qualidade da Justiça tem sido muito mais lenta do que a registada na Saúde e Educação. Está de acordo? JPAB | A Justiça não acompanhou como devia a sua ligação com a sociedade. Houve arcaísmos fortes. Faltou dinâmica reformista interna. A Justiça é um sector conservador que resiste às alterações que devem acontecer nos ritos, na informatização, na forma de trabalhar, na assunção de que tempo e produtividade são elementos que têm de ser considerados, na aceitação com simplicidade das auditorias externas que a cidadania exige em relação a tudo o que é poder. Por que é que um tribunal não há-de ter uma gestão profissional como os hospitais? A gestão das agendas das salas, da comunicação com as pessoas, a marcação das audiências… há aqui todo um mundo de gestão e de administração que não evoluiu tanto quanto poderia evoluir. Tudo isto coloca pequenas areias nas engrenagens que fazem com que o sistema de Justiça não se tenha modernizado tanto quanto devia ao longo desta democracia. Também é verdade que há uma maior litigiosidade, própria da democracia. As pessoas reclamam mais, e ainda bem, pois é sinal de que são mais exigentes e ciosas dos seus direitos. Advocatus | É advogado e deputado. Está de acordo em tornar mais severo o regime de incompatibilidades em vigor na AR? JPAB | Eu sou o maior defensor da exigência e do crivo que se deve fazer da transparência. Do registo de interesses e da fiscalização e da punição a quem viole as regras da transparência. Mas sou contra um >>>
O novo agregador da advocacia
Agosto de 2010
35