Entrevista com Luís Marques

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Entrevista

Jorge Fiel jornalista jf@briefing.pt

“A perda de audiências para o cabo vai continuar. Não sabemos ainda onde vai estabilizar, mas sabemos que vai estabilizar. Nos EUA, os quatro grandes estabilizaram nos 60 por cento, já há sete ou oito anos. Na Europa, tem acontecido mais ou menos o mesmo. O que significa que em Portugal, onde temos 75 por cento, há ainda uma margem de queda”, afirma Luís Marques, 58 anos, dos quais os dois últimos como primeiro executivo da SIC

Luís Marques, administrador e director-geral da SIC

Ramon de Melo

Perda de audiências para o cabo vai estabilizar

Briefing I Qual é a explicação para o súbito e forte investimento que a SIC está a fazer? Luís Marques I Há dois anos, quando assumi a direcção-geral, tinha pela frente um problema de gestão muito complexo. Em 2008, a SIC registou prejuízos bastante avultados. E sabíamos que 2009 ia ser um ano muito difícil. Dai que o principal O agregador do marketing.

enfoque tenha sido dado à questão financeira. Desinvestimos em áreas que não eram o nosso core business e tivemos de gerir um stock de programas de que perderíamos os direitos se não os consumíssemos. Briefing I A primeira grande preocupação não foram as audiências mas as contas. É isso?

LM I Sim. A minha primeira grande preocupação foi estabilizar a empresa e reduzir os custos. Logo no primeiro ano, conseguimos reduzir em 25 por cento os custos do grupo, o que implicou uma redução de cerca de 70 pessoas, por mútuo acordo. Com o emagrecimento, a redução do pessoal e dos custos da grelha, logo em 2009, voltamos >>>

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a dar lucro com um EBITDA de 22,6 milhões de euros. Briefing I Porque não voltaram logo em 2010 ao investimento? LM I Ainda tínhamos um conjunto de contingências do passado que era preciso regularizar. Só para teres uma ideia, nos últimos dois anos tivemos que consumir nove milhões de euros de programas que tínhamos em stock, apesar de não terem um valor acrescentado para a grelha.

“As pessoas vêem muita informação nos canais generalistas e vão continuar a ver. Em Portugal por maioria da razão, porque houve uma quebra de relação com os meios tradicionais, os jornais e as rádios. No nosso país, o acesso à informação faz-se pela televisão”

Briefing I Era muito dinheiro. LM I Pois era. Por graça, costumava dizer que, com esses nove milhões de euros, comprava os direitos da Selecção Portuguesa de futebol e ainda me sobrava dinheiro. Em 2010 continuámos o esforço de estabilização e, neste momento, posso dizer que acabamos o ano de forma confortável, dentro do orçamento, com um resultado melhor que o de 2009, apesar de crise, que se fez sentir de forma mais brutal no 2.º semestre, que foi horrível. Briefing I Um bom resultado conseguido à custa da paragem do investimento? LMI Não exactamente. Em 2009 fizemos um investimento muito estruturante. Historicamente a SIC nunca tinha tido produção própria. Ora montámos, do outro lado da rua, três novos estúdios de produção – de 520 m², 200 m² e 100 m² – onde são feitos os programas da manhã, da tarde e os canais temáticos. É um investimento que será rentabilizado em pouco mais de dois anos. Briefing I A produção ficou muito mais barata? LM I A produção fica muito mais barata e dentro de casa. Era uma coisa extraordinária que a SIC nunca tivesse gerido directamente a sua produção e que as suas equipas nunca tivessem trabalhado em estúdios próprios. Isso acabou em Setembro de 2009. E em 2010 começámos a fazer algum investimento em alta definição, num carro de exteriores e num novo estúdio da SIC Notícias, com três plateaux, que custou meio milhão de euros e do-

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“Nos últimos dois anos tivemos que consumir nove milhões de euros de programas que tínhamos em stock, apesar de não terem um valor acrescentado para a grelha. Com esses nove milhões comprava os direitos da Selecção Portuguesa e ainda sobrava dinheiro”

“A partir do Big Brother, o produto Globo cansou e começou a perder para a ficção nacional. A SIC respondeu com experiências em ficção nacional. Foi fazendo coisas, a Floribela, as Chiquititas, umas correram melhor, outras pior, algumas correram mesmo muito mal e foi essa última parte que tive de resolver consumindo o stock herdado”

tou o canal de uma maior flexibilidade e dinâmica de emissão. Ou seja, praticamente os programas que antes eram gravados vão passar a ser feitos em directo. Briefing I Agora com a casa arrumada já podem voltar a investir na grelha para tentar reconquistar a liderança que perderam para a TVI por causa do Big Brother, há dez anos. O perfil das contratações que fizeram indicia que vai haver uma alteração no ADN da SIC. A aposta vai ser na fórmula que fez o sucesso na TVI: reality shows e novelas portuguesas? LM I A SIC teve uma fase em que apostou nas novelas brasileiras e uma parte da nossa programação era produto Globo. Ora precisamente a partir do Big Brother, o produto Globo cansou e começou a perder para a ficção nacional. E a SIC respondeu, ainda no tempo do Manuel Fonseca, com algumas experiências em ficção nacional. Foi fazendo coisas, tais como a Floribela, as Chiquititas, umas correram melhor, outras pior, algumas correram mesmo muito mal e foi essa última parte que tive de resolver consumindo o stock herdado. Em 2009, fizemos uma grande reflexão interna e concluímos que temos de ter uma política sustentável. Não podemos andar a fazer uma coisa agora, uma coisa depois. Tínhamos de adoptar um modelo. Briefing I E qual é o modelo SIC? LM I A Globo aceitou a nossa proposta de parceria para, com o seu know-how, nos ajudar a formatar novos conteúdos de ficção. A telenovela “Laços de Sangue”, que está no ar, já tem o apoio da Globo, assim como a próxima, que já está em préprodução. Vamos produzir ficção, mas não vamos ser iguais à TVI, o nosso principal concorrente. Nós queremos ter maior diversidade de produtos de ficção além da novela, como comédias e séries realistas. Briefing I A ficção nacional é a grande aposta para sobreviver à erosão que os canais generalistas estão a sofrer em todos o mundo, perdendo audiências para o cabo? O agregador do marketing.


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LM I O que neste momento me preocupa é saber o que vai ser a televisão nos próximos anos. Obviamente que a perda de audiências para o cabo vai continuar. Não sabemos ainda onde vai estabilizar, mas sabemos que vai estabilizar. Nos Estados Unidos, os quatro grandes estabilizaram nos 60 por cento há já sete ou oito anos. Na Europa, tem acontecido mais ou menos o mesmo – nuns países, os generalistas têm 50 por cento, noutros 60 ou 65 por cento. O que significa que em Portugal, onde temos 75 por cento, há ainda uma margem de queda.

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“Vamos produzir ficção, mas não vamos ser iguais à TVI, o nosso principal concorrente. Nós queremos ter maior diversidade de produtos de ficção além da novela, tais como comédias e séries realistas”

Briefing I Quais são os trunfos para conseguir a fatia maior do bolo reservado às generalistas? LM I Para competir neste mercado cada vez mais exigente, diverso

e rico, em que há mais oferta, um canal generalista tem de ser claramente criativo, inovador e tem de ser capaz de criar laços de comunidade com os espectadores. Ser marcante na televisão generalista é ter a capacidade de gerar afectos, de agregar comunidades em torno desses afectos. E é esse o nosso caminho. Briefing I Os telespectadores já não seguem canais, mas antes marcas e programas? LM I Seguem marcas, um Big Brother, um jogo de futebol, uma novela e a informação. Ou seja, há quatro géneros estruturantes. As pessoas vêem muita informação nos canais generalistas e vão continuar a ver. Em Portugal por maioria da razão, porque houve

uma quebra de relação com os meios tradicionais, os jornais e as rádios. No nosso país, o acesso à informação faz-se pela televisão. Essa marca vai continuar. O futebol também é estruturante para as generalistas, tal como a ficção e os grandes eventos, como um Ídolos ou o Biggest Loser, de que adquirimos os direitos e vamos emitir. Tudo o resto é relativamente secundário. Ou seja, ajuda para compor. Mas é nestes quatro géneros que tudo se vai decidir. Briefing I A TVI é líder há seis anos consecutivos. A SIC fechou 2010 no terceiro lugar. O regresso à liderança é o objectivo do forte investimento em contratações? LM I O meu objectivo como director-geral e administrador da SIC é >>>

PERFIL

Ergue-te da noite, clandestino, à luz do dia a felicidade Luís Marques tem 58 anos acabadinhos de fazer – nasceu a 6 de Janeiro de 1953 em Abiul, aldeia do concelho do Pombal, que tem a praça de touros mais antiga do país, distinção que fica a dever-se ao facto de ter sido a zona de férias preferida do Duque de Aveiro, um aficionado das chegas de touros. “A zona de sombra era um carvalho”, ironiza, a propósito da praça de touros, Luís, filho único do matrimónio entre uma doméstica e um guarda fiscal que, ao alistar-se na Guarda, após ter feito a tropa, escapou à sina da emigração para França e Venezuela que marcou esta e outras famílias de agricultores pobres da região Centro. A estrada alcatroada, a luz e a água canalizada só chegaram a Abiul após o 25 de Abril. “Isso de uma sardinha dar para três pessoas, não é uma lenda”, explica o director-geral da SIC que deixou de ser analfabeto em Vieira de Leiria, onde o pai foi colocado, fez o liceu entre a Marinha Grande e Leiria – e viu pela primeira vez televisão, a preto e branco, numa taberna, quando tinha 13 anos (um jogo da selecção no Mundial de 66, em Inglaterra). Como tinha jeito para o desenho, ainda sonhou ser pintor, mas o pai convenceu-o a ir para Economia, o que também estava bem, porque ele era muito bom a Matemática. Com óbvio sacrifício para a família, em 1970, o jovem Luís desembarca em Lisboa, instala-se num quarto

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alugado na Rua da Imprensa Nacional e começa a estudar e a politizar-se no ISCEF (actual ISEG), onde Ferro Rodrigues, Augusto Mateus, Félix Ribeiro e Perez Metelo eram as figuras de proa da Associação de Estudantes. A politização teve as suas consequências, a 25 de Abril de 1972, ele e mais dois amigos (um deles, Horácio Crespo, é actualmente catedrático no ISE) foram bater com os ossos em Caxias, depois de terem sido apanhados pela policia num comboio, em S. Martinho do Porto, na posse de sprays (usados para pichar paredes com slogans contra a guerra colonial) e propaganda antifascista. Solto em Novembro, no final do período máximo de prisão preventiva, Luis mergulhou na clandestinidade, onde permaneceu até ao 25 de Abril, sendo, com Fernando Rosas, Arnaldo Matos e outros jovens, um dos fundadores do célebre Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP). Ele estava habituado a pertencer a uma minoria oprimida desde no início da sua adolescência, em Vieira de Leiria, onde 99,9 por cento da população era benfiquista, se tornou sportinguista por influência de um caixeiro-viajante. “Ninguém imagina os tormentos que passei por causa disso”, recorda. O 25 de Abril de 1974 surpreendeu-o em Leiria, onde pernoitava no pinhal enquanto, durante o dia, prestava apoio ao movimento grevista dos

metalúrgicos da Tomé Feteira. “Na madrugada de 24 para 25 andei toda a noite a fugir da polícia. Quando finalmente cheguei à cidade, já estava toda a gente na rua a festejar”, recorda Luís, que no pós 25 de Abril debutou no jornalismo como director adjunto de Fernando Rosas no diário Luta Popular, o órgão oficial do MRPP, onde se demorou até 1978. Foi jornalista no Portugal Hoje e no Tal e Qual, até que em 1981 foi trabalhar para o Expresso, primeiro na Revista, dirigida por Vicente Jorge Silva, depois na Economia. “Custou-me bastante sair do Expresso. Foi uma decisão muito difícil”, diz a propósito da sua passagem para a SIC, em 1991, onde foi editor de Sociedade antes de se tornar directoradjunto de Informação. O resto do seu percurso já é mais conhecido. Em Agosto de 2001 saiu da SIC em ruptura com Emídio Rangel. Estava a trabalhar com Sérgio Figueiredo e Paulo Ferreira num projecto na área da informação económica, quando o convidaram para integrar a equipa de Almerindo Marques, que geriu e reestruturou o grupo RTP. Até que em 2008, voltou à SIC, primeiro como consultor depois (a partir de 1 de Janeiro de 2009) como directorgeral, mais um passo numa vida que dá razão ao apelo constante da letra de um dos mais célebres hinos antifascistas: “Ergue-te da noite, clandestino, à luz do dia a felicidade”.

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que esta empresa seja bem gerida, dê lucro, remunere bem os trabalhadores e os accionistas. Esse é o objectivo de qualquer gestor. Briefing I Retirar a liderança à TVI não é um objectivo? LM I Eu não preciso nem quero a liderança a qualquer custo. Eu quero é que a empresa seja bem gerida. Porque a liderança a qualquer custo tem depois outros custos. A SIC já foi líder, já deixou de ser líder, já fez tudo para ser líder sem o conseguir e nesse percurso alguns erros foram cometidos. O que eu acho é que a SIC não pode cometer erros.

“Há quatro géneros estruturantes para as generalistas. A informação, o futebol, a ficção e os grandes eventos, como o Biggest Loser, que vamos emitir. Tudo o resto é relativamente secundário. Ou seja, ajuda para compor. Mas é nestes quatro géneros que tudo se vai decidir”

“O meu objectivo como director-geral e administrador da SIC é que esta empresa seja bem gerida, dê lucro, remunere bem os trabalhadores e os accionistas “

Briefing I Há mercado em Portugal para três canais generalistas? LM I Acho que sim. Para RTP, SIC e TVI acho que dá. Mais um canal generalista é um disparate. Coloca em risco o equilíbrio do mercado. Não tenho dúvidas nenhumas sobre isso.

Briefing I A conjuntura é demasiado apertada? LM I A SIC não pode cometer erros. Como os outros operadores não podem cometer erros. Se no passado alguns erros eram admissíveis porque o mercado crescia, neste momento não há margem para errar. Em termos de gestão não posso errar. Tenho de cumprir religiosamente o orçamento.

Briefing I Defendes que, tal como já acontece em Espanha, os canais públicos não compitam no mercado publicitário? LM I Mais tarde ou mais cedo essa questão vai colocar-se em Portugal. Não é aceitável que a RTP mantenha de forma indefinida duas fontes de financiamento: uma no mercado, outro de fundos públicos. E os fundos públicos que têm são significativos. Não estamos a falar de trocos, mas de cerca de 300 milhões de euros. É muito dinheiro. Isso destorce, obviamente, a concorrência.

Briefing I É um orçamento maior do que o de 2009 e 2010! LM I Em termos de grelha não. É idêntico ao de 2010. Estou a investir mais porque já consumi os stocks tóxicos que herdei. Briefing I Tens a grelha que queres. LM I Exactamente. Liberto mais recursos para comprar produtos novos em vez de estar a consumir os que já cá estavam. Briefing I O retorno à liderança não é uma obsessão? LM I Temos a ambição de voltar a ser líderes. Mas não estamos obcecados. O que temos discutido internamente é que vamos fazer isso de forma segura, com ponderação e dentro das nossas possibilidades. Mas vamos fazê-lo. Ou seja, algumas das contratações que estamos a fazer e que vamos fazer e as apostas que estamos a fazer… Briefing I Ainda não acabaram as contratações? LM I Isto nunca está terminado. É 28

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um mercado que está em permanente evolução. Tanto para um lado como para o outro. Quando eu digo que estou a ir ao mercado, também vieram cá buscar pessoas. E no passado vieram-nos cá buscar muitas. O mercado é volátil. Neste momento não estou a pensar contratar mais gente, mas isso não quer dizer que mais à frente não tenha de o fazer. Contratamos pessoas para sermos mais competitivos. E não tenho dúvidas de que este ano vamos ser mais competitivos. Mas não tenho uma bola de cristal para ver se este ano vamos ou não ser líderes.

“Temos a ambição de voltar a ser líderes. Mas não estamos obcecados. O que temos discutido internamente é se vamos fazer isso de forma segura, com ponderação e dentro das nossas possibilidades. Mas vamos fazê-lo”

Briefing I Como é que vai ser no futuro o consumo de televisão? LM I A televisão generalista vai ter de ser altamente concorrencial e apostar em formatos agregadores de públicos muito diversos e que criem comunidades. Mas vai haver novas formas de consumo. Em Inglaterra, o consumo de televisão subiu no ano passado, rebocado pelos conteúdos gravados. Isso significa que as pessoas gostam de ver televisão mas quando querem. Ou seja, o conceito de televisão linear vai também ter a sua erosão. Os produtores e distribuidores de O agregador do marketing.


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