Passeio Público
Há uma “assinatura” portuguesa no Mundial de Futebol do Brasil, que se realiza em 2014. O responsável é Afonso Rebelo de Sousa, senior designer for brand da adidas, que concebeu e liderou o trabalho de design feito para aquela competição. Este é apenas um dos muitos exemplos da “obra” de um criativo que nasceu no Brasil, tem pais portugueses, foi alfabetizado em inglês e costumava discutir anúncios com a mãe.
O português que “assina” o Mundial Sala de arquivo do jornal Auto Hoje, aos 14 anos. Ordenado: um almoço. Este foi o primeiro emprego “mais a sério” de Afonso Rebelo de Sousa. Os seus pais obrigaram-no sempre a trabalhar no verão mas o primeiro emprego que recorda é naquele jornal de desporto automóvel. Depois, já na 18
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sua área profissional, o brand design, passou por um estágio não remunerado na DM9 DDB São Paulo e esteve em full-time na Strat Design, em Lisboa. O seu percurso pessoal e profissional passou por São Paulo, Nova Iorque, Barcelona, Londres e Lisboa. Hoje, está na Alemanha, onde é senior design
manager for brand para a adidas. É nesta qualidade que tem tratado do campeonato do mundo de futebol de 2014, que decorrerá no Brasil. Neste projeto, que terminou na primeira semana de abril, ele a sua equipa foram responsáveis pela criação de todo o grafismo para o campeonato, desde as placas de
perímetro do campo ao packaging, passando pelos grafismos para as federações patrocinadas pela adidas e suas aplicações comerciais. Na adidas colidera a área do futebol e Leonel Messi, jogador patrocinado pela marca alemã, na mesma perspetiva em que trabalhou para o Mundial de 2014, “redefiwww.briefing.pt
nindo os seus dispositivos visuais, nomeadamente toda a fotografia, desde comunicação de produtos a clubes”, afirma. Em termos globais, como senior designer / senior design manager, trabalha na tradução de produto para marketing, “isto é criar a história, estratégia visual e comunicação visual da marca”. Os produtos são criados e produzidos dois anos antes da sua entrada no mercado, enquanto o marketing só lida com esses mesmos produtos seis meses antes da sua entrada no mercado. A área de Afonso tem de estar presente desde o design de produto à comunicação para o consumidor, “enquanto já definimos o que vem aí daqui a dois anos. É uma roda viva que desconhecia e que me fascina”. Afonso Rebelo de Sousa é um “produto” feito de várias experiências, cidades e percursos. Há algumas recordações bizarras. Esta, por exemplo: “o constante fascínio pelo supermercado e a variedade de cereais desnecessários que provei”. Mais uma: “uma pergunta de uma colega quando tinha 15 anos no balcão do bar da escola: gostas tanto de arte, o que queres fazer com isso? — Tinha na mão
Elege o CR, de Cristiano Ronaldo, como a marca portuguesa mais forte que existe: “Claro que temos o vinho do Porto e uma indústria de calçado relevante em B2B. Mas pensando naqueles que definem o grande consumo, os jovens, que vão atravessar fronteiras e moldar as novas formas de conversar, conectar e pensar, o CR é a única marca que sinto ser portuguesa, presente, forte e global”
uma lata de Sprite, apontei para o logo e respondi: isto”. Nasceu em São Paulo, onde viveu até aos cinco anos de idade. Seguiu-se Nova Iorque, onde ficou até aos 10. Depois, foi Lisboa onde recorda um “verão intensivo de aulas de português com a minha avó Rosa Lobato de Faria”. Frequentou um colégio português mas aos 15 anos disse aos pais que queria voltar ao ensino em inglês. O objetivo era sair de Portugal para a universidade. Aos 17 foi fazer o seu curso entre Inglaterra (University for the Creative Arts) e Barcelona (Universidad Ramon Llull). Depois, seguiram-se estágios em São Paulo e Lisboa. “If you don´t say anything don´t bother coming” é o seu lema de vida. Explica porquê: “O meu avô Baltasar sempre me disse: seja o primeiro a chegar e último a sair, pode ser uma besta mas alguém reparará. Pois bem, eu adotei isto na minha vida pessoal e até o uso com os designers e comerciais com quem hoje trabalho. Acredito que interessa-nos ser notados ou por estar interessado ou por ser interessante. Aquilo que está no meio é morno”. Dos sete países onde já viveu – diz que secretamente caminha para o >>>
JÚRI
Como é que foi ser júri do D&AD Afonso Rebelo de Sousa foi membro do júri dos prémios D&AD 2012. O criativo integrou o painel de jurados na categoria de Branding. Eis o relato, na primeira pessoas, dessa experiência: “Em primeiro lugar foi o reconhecimento. No ano anterior a ser júri tinha sido orador para o New Blood (recém-graduados e novos talentos) e saber que o D&AD se interessou pelo meu trabalho, encheu-me de alegria. Em segundo lugar foi o acesso a ver o melhor trabalho que se faz no mundo, entender onde vai design, mais especificamente, onde vai branding e ser uma voz que contribui para esse debate. Em terceiro foi o nosso painel com a nossa líder Marina Willer, uma designer que há muito admiro, e criativos cheios de talento como Steve Edge ou Garry Blackburn. Por fim, é saber que a minha network mais próxima e natural está em Londres, além de guardar uma relação de membro e amizade muito ativa com o D&AD”.
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CARREIRA
Os principais marcos da sua vida profissional Tiger Woods: proposta vencedora do concurso internacional para a criação de marca do seu primeiro campo de golfe. Foi o primeiro trabalho no Dubai, “um bom cartão de visita e confirmação que poderia fazer o que faço em qualquer parte do mundo”. The Brand Union (ex-Enterprise IG) em Londres: na altura a maior agência de branding de Londres onde, entre vários projetos e clientes, se tornou um dos brand guardians da marca Vodafone parte do Team Vodafone WPP. Glenn Tutssel: Executive Creative Director da TBU (The Brand Union) um mentor e amigo que “acreditou na minha paixão por resolver problemas e passava-me trabalhos de casa que me levou a desenvolver uma tipografia para o Sir John Hegarty (BBH) e posters para Mike Dempsey e Storm Thorgerson”. D&AD: um reconhecimento e uma participação privilegiada. Adidas: “o convite que me mostrou uma nova faceta de criação e gestão de marcas. Divido-me entre criação e o papel de cliente, aprendendo sobre o sector de desporto e lazer”. IED Roma (Istituto Europeo di Design): “Um desafio e exposição séria na área de docência, desde inspirar jovens designers a avaliar design”. Curioso: “Do primeiro dia até hoje quero aprender. Vou mudando as temáticas ou focos daquilo que quero aprender, mas sei que só sendo humilde e aberto a ouvir irei encontrar as respostas para os meus desafios.
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Afonso Rebelo de Sousa é um “produto” feito de várias experiências, cidades e percursos. Há algumas recordações bizarras. Esta, por exemplo: “o constante fascínio pelo supermercado e a variedade de cereais desnecessários que provei”
oitavo até ao final do ano - a Alemanha é o mais difícil. Tem razões para isso: demorou três meses a receber o seu cartão bancário e quatro meses para ter internet em casa. No trabalho, a aversão ao risco entre os locais é uma constante e a eficiência “é uma gargalhada, encontro mais barreiras do que soluções”. Em suma, “é difícil ser-se um criativo num país de engenheiros, especialmente quando ao domingo é proibida a abertura de estabelecimentos comerciais ou entrar no trabalho”. Nas marcas, o que mais o atrai é o mesmo que numa mulher: forma e feitio (ou caráter). “Forma é o design e pessoalmente adoro tipografia. Não necessariamente da letra «o». Feitio (ou caráter) é o mais determinante e tal como numa mulher, atrai-me as marcas rebeldes, as aventureiras, no sentido que não são aquelas que querem ser as mais populares da escola mas aquelas que mais se divertiram na escola. Isto cria uma aura de exclusividade”, diz. Confessa que faz marcas para amigos que residem em Portugal mas não tem atualmente nenhuma relação específica com marcas portuguesas. “Gosto de muitas, há um cuidado grande com design em Portugal e mui-
tas histórias com humor. Ao mesmo tempo ainda usamos imensos slogans...”, afirma. Elege o CR, de Cristiano Ronaldo, como a marca portuguesa mais forte que existe: “Claro que temos o vinho do Porto e uma indústria de calçado relevante em B2B. Mas pensando naqueles que definem o grande consumo, os jovens, que vão atravessar fronteiras e moldar as novas formas de conversar, conectar e pensar, o CR é a única marca que sinto ser portuguesa, presente, forte e global”. Quanto à forma, como dispositivo gráfico identifica a Cruz de Cristo das caravelas portuguesa se não tem problemas em agradecer à Nike, a maior concorrente da adidas, o facto de as ter colocado no equipamento da seleção de futebol de Portugal. Da sua carreira na adidas, aonde chegou através do Linkedin, do portefólio e de saber o que queria, diz que espera ter uma “função central”. “A adidas é uma empresa grande, multifacetada, tal como a Alemanha medieval com seus vários reinos. A minha missão é uni-los para um objetivo comum para ser o número um no mercado, para ter algo interessante para contar que contribua para nossa perceção de marca, uníssona”, afirma.
BRANDING
Qual o papel das marcas Na era do “sempre ligado a qualquer hora” qual o papel das marcas? Afonso Rebelo de Sousa afirma que a parte que mais gosta no branding é a de não ter fórmulas: “Não há uma resposta certa. Há teorias de nega-choice, zig zag, etc. Eu acredito em histórias relevantes, que souberam ouvir, aprender e olhar para o futuro”. Quanto ao papel das marcas, eis alguns conselhos, em discurso direto: 1) 2 segundos: eu só quero saber o que tem esta marca para me dizer que me faça parar dois segundos. Parece fácil, mas não é. 2) Yadda yadda yadda: por favor não usem a palavra inovação. Ou dinâmica. Usem pala-
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vras honestas, humanas, normais, sem grandes terminologias de livros de branding. 3) É o trabalho: usem as agências — e aqui apelo ao facto de ter vindo de agência para cliente — para vos dar trabalho criativo. Trabalho que vai para a rua hoje, criativo e relevante a longo prazo que faça parar dois segundos (1). 4) Maiores amigos não: admita erros. Não preciso que as marcas sejam meus maiores amigos, nem quero. Nesta corrente de constante diálogo que as marcas tanto querem ter, não esqueçam quem vos escolhe sou eu.
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